Arquivo PDF - 6,7Mb - Comissão da Verdade do Rio

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Arquivo PDF - 6,7Mb - Comissão da Verdade do Rio
Relatório
Parcial
da
Relatório Parcial da
Comissão
Verdade
Comissão da da
Verdade
do Rio
do Rio
Relatório
Parcial
da
Relatório Parcial da
Comissão
Verdade
Comissão da da
Verdade
do Rio
do Rio
Sumário
Apresentação.......................................................................................................... 7
Decreto, lei, formação e divisão em frentes de trabalho........................................ 9
Fórum de Participação da Sociedade Civil .......................................................... 13
Grupos de Trabalho .............................................................................................. 14
Expediente
Membros:
Wadih Damous
Álvaro Caldas
Eny Moreira
Geraldo Cândido
João Ricardo Dornelles
Marcelo Cerqueira
Nadine Borges
Secretaria executiva:
Virna Plastino
Assessoria:
Ana Carolina Grangeia
Denise Assis
Fabio Cascardo
Marcelo Auler
Natália Cindra
Pedro Bomfim
Vítor Guimarães
Assessoria de Comunicação:
Renata Sequeira
Assessoria Administrativa:
Fernanda Pires
Marta Pinheiro
Estagiários:
Ana Carolina Feliciano
Diego Maggi
Lucas Pedretti
Juliano Patiu
14.........................................................................................................................................................................GT DOPS
18........................................................................................................................................................ GT Casa da Morte
18...........................................................................................................................................................GT Testemunhos
19.....................................................................................................................................................................GT Sindical
Comissões Municipais da Verdade ...................................................................... 23
Testemunhos da Verdade ..................................................................................... 23
24......................................................................................................... Testemunho: Dulce Pandolfi e Lucia Murat
27................................................................................................................................Testemunho: Caso Mário Alves
31.................................................................................................Testemunho: Onde está Honestino Guimarães?
33................................................................................................................................ Testemunho da Verdade DOPS
34.................................................................................................................................... Testemunhos nos Sindicatos
35......................................................................................................................... Testemunho dos Operários Navais
35..................................................................................................................................Testemunho dos Metroviários
36................................................................................................................................. Testemunho dos Metalúrgicos
37....................................................................................................................................... Testemunho dos Bancários
38...........................................................................Testemunho da Verdade: Tortura e repressão ontem e hoje
Audiências Públicas.............................................................................................. 41
41......................................................................................................................... Militares Perseguidos na Ditadura
41....................................................................................................................O papel da Igreja na ditadura militar
43............................................................................................................................................... Caso Atentado da OAB
43........................................................................................................................................... Caso Norberto Habegger
44..........................................................................................................................................................Caso Raul Amaro
Casos solucionados pela CEV-Rio e em andamento............................................ 47
47..................................................................... Chacina de Quintino: 8985 – Um Número para Não Esquecer
49..........................................................................................................................................Depoimento dos vizinhos
52...................................................................................................................................................... Caso Rubens Paiva
55............................................................................................................... Depoimento do Coronel Paulo Malhães
58..............................................................................................Caso Stuart Edgard Angel Jones (em andamento)
Design Editorial:
Marcelo Santos
Diligências ............................................................................................................ 63
Comissão da Verdade do Rio
Avenida Marechal Câmara, 210, 4º andar - Centro, Rio de Janeiro, RJ - CEP: 20.020-080
Telefone: (21) 2277-2389
www.cev-rio.org.br
www.facebook.com/comissaodaverdadedorio
[email protected]
Seminários............................................................................................................ 69
63............................................................................................................................................................................... DOPS
65.........................................................................................................................................................................DOI-Codi
66.....................................................................................................................................................................Vila Militar
69.............................................................Seminário DOPS: Ocupar a Memória – Um Espaço em Construção
71........................................................................................Calendário de “descomemoração”: 50 anos do golpe
72................................................................. Seminário 50 anos do golpe militar: o Brasil que nós perdemos
73............................................................................Jornadas de Memória Verdade e Justiça nas Universidades
Pesquisas FAPERJ/CEV-Rio.................................................................................. 75
Mudança do nome da escola................................................................................ 76
Recomendações para o Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade........ 81
Apresentação
A memória e a verdade não são temas fáceis. Sua complexidade pode
ser comprovada diante da demora do Estado na investigação dos
crimes cometidos por seus agentes, com a chancela dos superiores
hierárquicos, incluindo a mais alta cúpula das Forças Armadas.
Eles mataram, torturaram e desapareceram com centenas de
pessoas em nosso país, antes e durante a ditadura. A Comissão da
Verdade do Rio considera que todos os casos, sem exceção, precisam
de esclarecimento.
Nesse momento apresentamos à sociedade um balanço parcial de
casos já investigados e um apanhado geral das principais atividades
desenvolvidas em nosso primeiro ano de trabalho. No entanto, esses
episódios aqui narrados possuem importantes características para a
elucidação dos crimes cometidos pelos agentes do Estado durante a
ditadura. Por mais que tenhamos avançado, os arquivos das Forças
Armadas seguem nos porões. Isso não nos impedirá de reconstituir
com rigor a verdade histórica, às vezes em uma dimensão individual
e limitada, outras com fatos que nos aproximam da visão integral
da verdade até hoje negada pela repressão.
Considerando que muitos personagens dessa história de violações
silenciada ainda estão vivos, desejamos coragem para que estas
testemunhas enfrentem os fantasmas e o legado da violência que nos
ronda até hoje. Sem isso, a dívida histórica do Estado com a verdade
persistirá. Está em nossas mãos enfrentar as violações de direitos
humanos do passado. Fazemos isso ou não teremos condições de
prevenir as atrocidades e os desrespeitos nos dias atuais.
Rio de Janeiro, 27 de junho de 2014
Wadih Damous
Presidente da Comissão da Verdade do Rio
Decreto, lei, formação e
divisão em frentes de trabalho
A Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro, constituída
pela Lei Estadual nº 6335/2012, tem por finalidade elucidar os
fatos e as circunstâncias das graves violações de direitos humanos
praticadas no período de 1946 a 1988, promovendo, em particular,
o esclarecimento circunstanciado dos casos de torturas, mortes,
desaparecimentos forçados, ocultação de cadáver e sua autoria.
Entre várias atribuições, deve identificar e tornar públicas as
estruturas, os locais, as instituições, bem como suas eventuais
ramificações nos diversos aparelhos estatais e civis, relacionadas
à prática de violações de direitos humanos. Os trabalhos também
auxiliam à Comissão Nacional da Verdade contribuindo para a
efetivação do direito à memória e à verdade histórica.
A posse da comissão aconteceu em 08 de maio de 2013 e a sede
da comissão, desde a sua criação, é na Av. Marechal Câmara, 210,
4º andar, no prédio da Caixa de Assistência dos Advogados da
Ordem dos Advogados do Brasil. A comissão é composta por sete
membros, que possuem notória história de comprometimento com
a defesa e garantia dos direitos humanos. São eles: Wadih Damous
(presidente), Álvaro Caldas, Eny Moreira, Geraldo Cândido da
Silva, João Ricardo Dornelles, Marcelo Cerqueira e Nadine Borges,
além de dez assessores.
A Comissão Estadual da Verdade do Rio organizou o seu
funcionamento interno em cinco Frentes de Trabalho (FTs):
I. Mortos e Desparecidos Políticos
• Esclarecer casos de morte e desaparecimento;
• Identificar os fatos, circunstâncias e autoria desses fatos;
• Utilizar acervos arquivísticos como fontes de pesquisa (Arquivo Nacional, Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro,
dentre outros).
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II. Planos e Atentados Terroristas praticados por agentes do Estado
• I nvestigar e explicar os diversos planos e atentados ocorridos
no Rio de Janeiro durante o período da Ditadura, como por
exemplo, Rio Centro e Bomba na sede do Conselho Federal da
OAB;
• E
sclarecer o funcionamento de Estado de exceção nesse período.
III.Financiamento, Estruturas e Institucionalidade da Repressão
• Identificar a cadeia de comando em tais atos, apontando os
responsáveis, esclarecendo o modelo de funcionamento estatal
e a institucionalidade social do regime autoritário (enfatizando: Financiamento e apoio civil, poder Executivo/Legislativo/
Judicial e as Forças Armadas).
IV.Centros Clandestinos e Oficiais de Repressão e Lugares de Resistência
• Identificar e tornar públicas as estruturas, os locais, as instituições e as circunstâncias relacionadas à prática de violações
de direitos humanos;
• Revelar o método de funcionamento desses locais.
V.Observatório para a Não-Repetição
• Mapear os possíveis padrões de violações de direitos humanos
atuais que se relacionam com a violência institucionalizada
antes e durante a ditadura militar, a fim de recomendar ao
Estado a adoção de medidas e políticas públicas para evitar a
repetição de tais práticas.
As Comissões da Verdade no Brasil foram criadas a partir de uma
luta de décadas da sociedade civil organizada e dos familiares de
mortos e desaparecidos políticos, juntamente com os ex-presos
políticos e demais pessoas atingidas pela ditadura militar. Nesse
sentido, e reconhecendo esse histórico, foi formulada uma série
de ações e políticas para construir uma gestão participativa da
Comissão da Verdade do Rio. São exemplos dessa gestão o Fórum
de Participação da Sociedade Civil, os Grupos de Trabalho e as
Comissões Municipais e Setoriais da Verdade.
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Fórum de Participação da
Sociedade Civil
O Fórum de Participação é o principal instrumento de gestão
participativa da comissão. Desde o mês de maio de 2013 foi
construído como uma forma de permanente diálogo entre a
comissão e a sociedade civil e é realizado toda a última sexta-feira
do mês. A CEV-Rio construiu o Fórum como um espaço institucional
de apresentação dos trabalhos realizados e de processamento das
demandas das organizações da sociedade civil, de militantes e
dos familiares atingidos pela ditadura militar. Todas as reuniões
contam com a presença dos comissionados e os encaminhamentos
são levados à subsequente reunião ordinária semanal dos membros
da CEV-Rio para deliberação.
Arte: Marcelo Santos/SEASDH
Até o presente momento, foram realizadas oito edições do Fórum
de Participação da Sociedade Civil. Os temas debatidos foram:
Pesquisa sobre Ditadura Militar, para estabelecer parceria com
pesquisadores do Rio de Janeiro (30/08), Arquivos da Repressão,
para discutir o acesso e as condições dos arquivos localizados estado
do Rio (27/09), Edital de Pesquisa da Faperj, para apresentar o
edital público que auxiliou os trabalhos da Comissão e sanar dúvidas
sobre o mesmo com a presença de representantes da Faperj (25/10),
Políticas Públicas de Reparação, para discutir com as comissões de
reparação (São Paulo e Rio de Janeiro) e a Comissão de Anistia as
políticas públicas nessa área (13/12), Descomemoração do Golpe
de 1964 (14/02), para discutir uma agenda unificada de ações e
atividades relativas aos 50 anos do golpe e, por último, a Divulgação
do depoimento do coronel Paulo Malhães, com a disponibilização, na
íntegra, da entrevista dada à Comissão da Verdade do Rio (30/5).
Nessas oito edições do Fórum reuniram-se em média de 400
pessoas de mais de 60 entidades e órgãos públicos, como: Associação
Democrática e Nacionalista dos Militares; Associação Nacional
dos Anistiados Políticos, Aposentados e Pensionistas; Centros
Acadêmicos das universidades públicas do RJ; Centro de Defesa dos
Direitos Humanos de Petrópolis; Clínicas do Testemunho; Coletivo
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RJ Memória, Verdade e Justiça; Comissão de Direitos Humanos
da OAB; Conselho Regional de Psicologia; Grupo Tortura Nunca
Mais; Instituto Estudos da Religião (ISER); Movimento Popular
de Favelas; União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, além
de diversos setores governamentais de esferas municipal, estadual
e federal. É importante lembrar também que representantes de
diversos arquivos estiveram presentes como, Arquivo Nacional,
CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação da FGV), APERJ
(Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro), Arquivo Geral da
Cidade do Rio de Janeiro, Centro de Documentação da CUT e
Arquivo de Memória Operária do Rio de Janeiro.
o Departamento de Ordem Política e Social do Rio de Janeiro (DOPS/
GB) em um centro de memória da resistência e das lutas sociais. O
prédio é tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
(INEPAC) e pertence à Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro.
Grupos de Trabalho
A partir das demandas apresentadas nas reuniões do Fórum de
Participação, a CEV-Rio estruturou os Grupos de Trabalho (GT).
Os GT’s são espaços que reúnem pessoas interessadas e engajadas
no tema da Justiça Transicional; membros de entidades de direitos
humanos e memória, verdade e justiça; membros e assessores da
CEV-Rio; além de convidados que auxiliem no desenvolvimento
dos trabalhos. Os GT’s foram criados para apoiar e potencializar
trabalhos que já estavam sendo realizados por outros órgãos do
poder público ou por entidades da sociedade civil, bem como para
auxiliar o trabalho da comissão e ajudar a decidir prioridades em
diversas frentes.
Os quatro GT’s que existem hoje no âmbito da Comissão da
Verdade do Rio são: GT DOPS, GT Casa da Morte de Petrópolis,
GT Testemunhos, GT Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento
Sindical. Os temas foram selecionados, por um lado, por sua
importância dentro das investigações sobre a ditadura militar e,
por outro, devido aos trabalhos já avançados que outras entidades
realizavam, com os quais a Comissão busca dialogar.
GT DOPS
O GT DOPS resulta de uma antiga demanda de diversos setores da
sociedade civil, que pretendem transformar o prédio onde funcionou
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Uma das iniciativas do GT DOPS foi a realização de visitas técnicas, com equipes dos
arquivos Nacional e Estadual e do INEPAC, para vistoriar as instalações e os documentos
remanescentes no local
Crédito: GT DOPS
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Na ocasião da solenidade de nomeação dos componentes da CEVRio, o governador em exercício comprometeu-se em tornar esse
prédio um centro de memória. Assim, foi deliberado, no Fórum de
Participação, a importância da criação de um Grupo de Trabalho
específico para acompanhar essa demanda. O GT tem como objetivo:
articular com a sociedade civil e órgãos do Estado para incidir política
e culturalmente no local, realizar atividades para a preservação e
destinação do prédio, e ainda, coletar depoimentos daqueles que
estiveram presos no DOPS. É um GT que está relacionado não só
com as políticas de memória e de não repetição, mas também com as
investigações sobre a estrutura da repressão da ditadura.
No âmbito deste GT DOPS foram realizadas até o presente momento:
seis visitas ao prédio; o Seminário DOPS: Ocupar a Memória –
Um Espaço em Construção, que além de palestras sobre os usos
do prédio através do tempo e a construção e gestão dos Espaços
de Memória, promoveu o primeiro depoimento público formal
realizado no próprio lugar onde ocorreram as violações de direitos
humanos à época da ditadura militar; e a elaboração de um plano de
uso do prédio como Espaço de Memória para as políticas de Direitos
Humanos e culturais do Rio de Janeiro.
Institucionalmente, neste primeiro ano, compuseram ou estiveram
presentes em reuniões do GT: Comissão da Verdade da UFRJ;
Coletivo RJ Memória, Verdade e Justiça; Instituto de Estudos da
Religião (Iser); Lembrar é (Re)Existir; Superintendência de Estado
de Museus, Instituto Estadual de Preservação do Patrimônio
Cultural (INEPAC), Superintendência de Estado de Promoção
dos Direitos Humanos, da Secretaria de Estado de Assistência
Social e Direitos Humanos (SEASDH). GT foi composto também
por militantes, que aportaram nas discussões e atividades seus
conhecimentos em arquitetura, história, psicologia, engenharia,
museologia, ciências sociais e advocacia.
Ato “50 anos do Golpe – A história que tortura Petrópolis”, organizado pela Comissão da
Verdade do Rio, movimentos sociais de Petrópolis e do Rio de Janeiro, para reivindicar verba
para a desapropriação da Casa da Morte
Crédito: Bruno Marins
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GT Casa da Morte
O GT Casa da Morte trata, principalmente, da construção de
processos de memorialização a respeito de um centro clandestino de
torturas, conhecido como a Casa da Morte de Petrópolis. Deste modo,
entidades de direitos humanos locais; órgãos públicos de investigação
e denúncia (Ministério Público Federal) e representantes do Poder
Executivo (Procuradoria-Geral do Município de Petrópolis), para
citar alguns exemplos, se reúnem periodicamente a fim de difundir
a história da casa na cidade de Petrópolis, e o mais importante:
desapropriar o imóvel e transformá-lo em um centro de memória,
verdade e justiça.
Recém instalada, em maio de 2013, a CEV-Rio já fazia suas primeiras
reuniões em Petrópolis, inteirando-se progressivamente dos
trabalhos que vinham sendo desenvolvidos por movimentos sociais,
ONG’s, Ministério Público Federal, Museu Imperial, Secretaria de
Direitos Humanos da Presidência da República, Prefeitura e ouvindo
personagens que vivenciaram os anos de chumbo na cidade. Diante
disto, a CEV-Rio optou por dedicar uma parte de sua assessoria para
a investigação dos fatos relacionados à Casa da Morte e outra parte
para auxiliar no processo pedagógico e de políticas de não-repetição,
prestando apoio às iniciativas de criação de um Memorial na cidade.
Assim, em 30 de agosto de 2013, a Comissão criou mais um Grupo
de Trabalho no âmbito do Fórum de Participação da Sociedade Civil,
visando articular e potencializar todas essas iniciativas.
GT Testemunhos
Outro exemplo de Grupo de Trabalho criado durante o primeiro
ano de funcionamento da Comissão é o GT Testemunhos. Este GT
foi criado após o III Fórum de Participação, quando se discutiu a
formulação de uma metodologia para a coleta de testemunhos
de atingidos e familiares daqueles que sofreram violações, bem
como de agentes da ditadura. No âmbito do GT – que conta com
a participação de ex-presos e familiares das vítimas, de psicólogos
da equipe do Projeto Clínicas dos Testemunhos da Comissão de
Anistia/Ministério da Justiça e da assessoria da CEV-Rio –, é
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levado em consideração tanto o aspecto reparatório individual
quanto o coletivo/político de um testemunho. Assim, o GT debate
o caráter pedagógico dos depoimentos públicos que compreendem
os Testemunhos da Verdade, investindo esforços na construção
do mesmo, bem como orienta a equipe da CEV-Rio na coleta dos
depoimentos reservados.
Além da metodologia de coleta de depoimentos (oitivas), ainda no
âmbito do GT Testemunho, elaborou-se a construção de um banco
de dados a respeito dos mesmos. O registro dos depoimentos e os
relatórios formulados a partir das informações obtidas nas oitivas
são armazenados em um banco de dados que visa quantificar os
depoimentos coletados, estabelecer relações entre eles e facilitar o
processo de busca com base em informações específicas.
Membros e assessores da CEV-Rio, até o presente momento, ouviram
cerca de 210 pessoas, em seus trabalhos de investigação, dos quais
75 depoimentos foram públicos, colhidos no formato das audiências
que compreendem os Testemunhos da Verdade. Esses depoimentos,
prestados de forma reservada ou pública, têm ajudado a elucidar
fatos e circunstâncias de graves violações de direitos humanos no
período da ditadura militar.
GT Sindical
O Grupo de Trabalho Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento
Sindical, por sua vez, é desdobramento de um Grupo de Trabalho
que funciona junto à Comissão Nacional da Verdade, que também
aborda a violação aos trabalhadores e aos sindicatos durante a
ditadura, o qual reúne representantes das dez centrais sindicais
brasileiras. Para que a CEV-Rio pudesse aprofundar suas
investigações no tema, foi realizada uma reunião de articulação da
investigação sobre repressão aos trabalhadores e sindicatos no Rio
de Janeiro, com as mesmas centrais sindicais CUT, CSP, Conlutas,
CPD, UGT, NCST e Força Sindical.
Os objetivos do GT são: levantar quais sindicatos que sofreram
invasão e intervenção no Golpe; listar quantos e quais dirigentes
sindicais foram cassados pela Ditadura e os responsáveis por isso;
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listar quantos e quais dirigentes sindicais foram presos/torturados/
sequestrados; indicar a rede de repressão aos trabalhadores, que
perpassava diversos órgãos de segurança (Dops, DOI-Codi, CIE,
CISA e Cenimar) e, por fim, articular evidências da vinculação das
empresas públicas e privadas que colaboraram com o regime.
Para contar essa história de luta e resistência dos trabalhadores,
o GT Sindical realizou, com a colaboração da Comissão Nacional
da Verdade, cinco atividades com testemunhos de militantes que
sofreram perseguições durante a ditadura. Conforme veremos mais
adiante, foram ouvidas lideranças dos sindicatos dos Operários
Navais, dos Metroviários, dos Metalúrgicos e dos Bancários em
audiências públicas que ajudam a montar o quadro da repressão a
essas categorias.
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Comissões Municipais da
Verdade
Outra política da gestão participativa é a interiorização dos
trabalhos da comissão, por meio das Comissões Municipais da
Verdade. As comissões municipais são compostas, em sua maioria,
pela sociedade civil e consistem em um trabalho articulado com a
CEV-Rio e com o poder público local. Desde sua formação, a CEVRio fomentou a criação de Comissões Municipais da Verdade em
diversos municípios e estão em funcionamento as comissões de
Niterói, Macaé, Volta Redonda, São João de Meriti, São Gonçalo,
Duque de Caxias, Barra Mansa e Nova Friburgo. Além dessas,
há coletivos pró-comissão municipal nas cidades de Petrópolis e
Resende.
Criadas por lei ou decreto municipal, as comissões têm como
objetivo investigar as graves violações de direitos humanos nos
seus municípios para subsidiar o trabalho da Comissão da Verdade
do Rio e a Comissão Nacional da Verdade. Neste sentido, elas
conduzem pesquisas, recolhem depoimentos e articulam o debate
público sobre o direito à memória e à verdade nos municípios que
estão inseridas.
Testemunhos da Verdade
Para investigar e obter informações sobre as violações de direitos
humanos na ditadura militar, a Comissão da Verdade tem atuado
por meio da análise de documentos, da diligência a locais de memória
e da coleta de depoimentos de atingidos dos perpetradores (agentes
do Estado), que constitui fonte essencial para a compreensão e
investigação dos fatos.
Comissões Municipais da Verdade no Estado do Rio de Janeiro
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O trabalho da CEV-Rio, portanto, tem como uma de suas principais
atividades os Testemunhos da Verdade. Trata-se essencialmente de
uma tomada pública de depoimentos de ex-presos e familiares dos
mortos e desaparecidos políticos. Em todos eles, a CEV-Rio conduz
pelo menos uma conversa anterior com os depoentes, valendo-se da
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metodologia desenvolvida pelo Projeto Clínicas do Testemunho, da
Comissão da Anistia/ Ministério da Justiça, que visa trabalhar o
cuidado, a clareza do depoimento e o potencial político do testemunho
público.
A Comissão da Verdade do Rio tem como objetivo fazer com que
o Estado reconheça aqueles que foram atingidos pela ditadura
militar. Além de serem fonte primordial de informações para as
investigações da comissão, os sobreviventes e os familiares dos
mortos e desaparecidos políticos continuam sendo os protagonistas
na luta histórica pela verdade sobre o período. A realização dos
Testemunhos da Verdade é uma das formas de reparação aos
atingidos pelas violações do Estado, pois, além de, relatar as
experiências pessoais, reconstrói a memória coletiva, associando a
singularidade dessas experiências com a narrativa compartilhada
socialmente. Por isso, a reparação se dá ao criar uma situação em que
o relato é feito publicamente e divulgado nos meios de comunicação.
Os Testemunhos da Verdade, portanto, vem se mostrando como
a iniciativa com maior potencial de sensibilização, dando voz aos
afetados pela violência do Estado, ao mesmo tempo em que exerce
uma função político-pedagógica.
Testemunho: Dulce Pandolfi e Lucia Murat
“Por acreditar que no Brasil de hoje a busca pelo direito à verdade
e à memória é condição essencial para nos libertarmos de um
passado que não podemos esquecer, aceitei o convite da Comissão da
Verdade do Rio de Janeiro para fazer aqui, hoje, esse depoimento,
ainda que com alguma dificuldade. Como os testemunhos que estão
sendo dados à Comissão da Verdade, embora sobre o passado, dizem
respeito ao presente e apontam para o futuro, tenho a convicção de
que eles vão ajudar a contribuir para a construção de um Brasil
mais justo e solidário”.
Este é um trecho do depoimento da historiadora Dulce Pandolfi
na primeira atividade pública da Comissão da Verdade do Rio,
em 28 de maio de 2013, no plenário da Alerj. Dulce dividiu com
os presentes as lembranças da prisão e contou detalhes sobre as
sessões de tortura a que foi submetida. Ela afirmou que serviu de
cobaia para uma aula de tortura.
“O professor, diante dos seus alunos, fazia demonstrações com o
meu corpo. Era uma espécie de aula prática com algumas dicas
teóricas. Enquanto eu levava choques elétricos, pendurada no tal
do pau-de-arara, ouvia o professor dizer: “Essa é a técnica mais
eficaz”. Acho que o professor tinha razão. Quando eu comecei a
passar muito mal, a aula foi interrompida e fui levada para a cela.
As meninas gritavam, imploravam, tentando em vão impedir que
a aula continuasse. A resposta do médico Amílcar Lobo, diante dos
torturadores e diante de todas nós, foi: “Ela ainda aguenta”. E, de
fato, a aula continuou”.
Dulce fazia parte do DCE da Universidade Federal de Pernambuco
e, na década de 70, se mudou para o Rio de Janeiro, onde continuou
a militância na Aliança Libertadora Nacional (ALN). Foi levada para
o quartel do Exército na Rua Barão de Mesquita, na Tijuca, onde
funcionava o DOI-CODI e, depois, transferida para o DOPS, na Rua
da Relação, no Centro. Ela ficou presa um ano e quatro meses.
Primeiro Testemunho da Verdade da CEV-Rio
contou com os depoimentos de Dulce Pandolfi
e Lucia Murat na Plenária da ALERJ
Crédito: Gabriel Telles/ALERJ
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Assim como Dulce Pandolfi, a cineasta Lucia Murat, que prestou
depoimento no mesmo ato, falou da figura de um médico que
a examinou durante uma sessão de tortura que, segundo sua
percepção, deve ter durado mais de dez horas:
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“De um momento para o outro, eu estava nua, apanhando no chão.
Logo em seguida, me levantaram no pau-de-arara e começaram com
os choques. Amarraram a ponta de um dos fios no dedo do meu pé,
enquanto a outra ficava passeando nos seios, na vagina, na boca.
Quando começaram a jogar água, eu estava desesperada e achei,
num primeiro momento, que era para aliviar a dor; quase agradeci.
Logo em seguida, os choques recomeçavam muito mais fortes.
Percebi que a água era para aumentar a força dos choques. Isso
durou horas.
De tempos em tempos me baixavam do pau-de-arara. Lembro que
o médico entrou e me examinou. Aparentemente, fui considerada
capaz de resistir, pois a tortura continuou. Logo que comecei a
apanhar, achei que não ia resistir e inventei uma história que na
minha cabeça me possibilitaria me suicidar”.
Lúcia foi presa em março de 1971, no Jacarezinho, por agentes
da repressão quando foi conduzida para o DOI-Codi. Em um dos
intervalos da sessão de tortura, ela foi levada para a enfermaria do
Batalhão da Polícia do Exército, onde passaria ali algumas horas ao
lado de soldados, que eram também enfermeiros:
Testemunho: Caso Mário Alves
O baiano Mário Alves iniciou sua militância aos 16 anos de idade,
ainda no período do Estado Novo. Formado em Ciências Sociais
pela Faculdade de Filosofia da Bahia, ele ingressou, em 1945, no
Partido Comunista Brasileiro (PCB) e, em 1968, fundou o Partido
Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). Mário Alves era
um dos dirigentes mais procurados pela repressão e acabou sendo
sequestrado, em 16 de janeiro de 1970, por agentes do Estado,
na Abolição. Levado para o 1º Batalhão de Polícia do Exército,
sede do DOI-Codi, foi visto, por outros companheiros detidos, ser
barbaramente torturado com choque, pau-de-arara e empalamento,
que teria provocado uma hemorragia e causado a sua morte.
Mário Alves foi o primeiro caso confirmado de tortura e morte no DoiCodi e, sua história, foi o fio condutor de um Testemunho da Verdade,
realizado pela Comissão da Verdade do Rio, conjuntamente com a
Comissão Nacional da Verdade, na Alerj, em 14 de agosto de 2013.
O trabalho foi subsidiado pela denúncia formulada pelo Ministério
Público Federal do Rio de Janeiro. Os depoentes - Álvaro Caldas,
José Luís Sabóia, José Carlos Tórtima, Maria Dalva Leite de Castro,
“Major Jacarandá, nunca é tarde para o senhor
se reconciliar com a sociedade e rejeitar o seu
passado”, disse José Carlos Tórtima ao major
Jacarandá após prestar depoimento à CEV-Rio
Crédito: Bruno Marins
“Enquanto aplicava as compressas, esse enfermeiro me disse que,
quando terminasse o serviço militar, queria esquecer tudo o que viu
ali”.
Lucia, diante de uma plateia lotada, fez uma homenagem a esses
dois desconhecidos soldados que passaram horas, ao seu lado,
aplicando compressas em seus ferimentos. Este e outro recruta, que
se dispôs a levar uma mensagem para a família dela, representou o
único momento de humanidade durante os anos em que sofreu com
a violência de um Estado repressor, disse Lúcia.
26
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Newton Leão Duarte e Paulo Sérgio Paranhos – foram, assim, como
Mário Alves, presos e torturados no DOI-Codi. Nesta ocasião, a filha
única do desaparecido, Lucia Vieira Caldas, leu um texto emocionado
citando, por exemplo, a militância política do pai, que foi um dos
fundadores da UNE na Bahia: “Ele teve uma vida curta, de lutas,
inteiramente dedicada ao seu sonho revolucionário. A verdade
finalmente está sendo revelada e a história lhe fará justiça”, disse.
Para acessar os demais documentos deste
caso, que comprovam as teses demonstradas pela CEV-Rio, basta enviar uma
solicitação para
[email protected] durante o
período de atuação da comissão.
Na ocasião, quatro agentes acusados de participação na tortura,
morte e desaparecimento do corpo de Mário Alves foram convocados.
Foram eles: os ex-tenentes do Exército Luiz Mário Correia Lima,
Roberto Duque Estrada, promovido a capitão enquanto servia no
DOI-Codi, e Dulene Garcez, comandante do Pelotão de Investigações
Criminais (PIC), além do ex-major do Corpo de Bombeiros Valter da
Costa Jacarandá, único que compareceu ao ato. Eles alegaram que
já prestaram esclarecimentos acerca desse fato e que respondem
judicialmente pelo sequestro, tortura e morte do líder comunista
Mário Alves.
O major Jacarandá, embora tenha negado que participou de
qualquer episódio envolvendo tortura, admitiu que “no calor do
interrogatório, excessos foram cometidos”. Posteriormente admitiu
como excessos a prática de tortura de presos políticos. Ele disse não
ter qualquer informação sobre o desaparecimento e morte de Mário
Alves.
Os tenentes Garcez e Correia Lima foram convocados uma segunda
vez para prestar esclarecimentos sobre a morte e desaparecimento
de Mário Alves e compareceram, em 02 de outubro de 2013, à sede
da Comissão da Verdade do Rio para a tomada de depoimentos, mas
diante da covardia que lhes é peculiar disseram que não teriam
nada a declarar.
Álvaro Caldas, na ocasião, prestou depoimento e apresentou
uma série de provas que confirmam a participação dos militares
em sua prisão. O jornalista mostrou um documento, um auto de
busca e apreensão, datado de 29 de abril de 1970, no qual consta
a assinatura de Dulene Garcez, responsável pelo 1º Batalhão do
Exército. A notificação dava conta da apreensão ao automóvel de
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Álvaro que, por estar preso, estava com as prestações atrasadas. O
carro se encontrava no pátio do batalhão.
Tenentes Garcez (foto) e Correia Lima
convocados, pela segunda vez, para
prestar esclarecimentos sobre a morte e
desaparecimento de Mario Alves
Crédito: Bruno Marins
“Este relato é para comprovar que estive frente a frente com o tenente
Garcez e, claro, em posição desvantajosa. Ele me deu ordens para
tirar a roupa e fui submetido a torturas por ele, em companhia do
Correia Lima e dos tenentes Avólio e Magalhães, do capitão Zamith,
entre outros. Tenho como registro da minha passagem por lá um
documento que comprova a presença do tenente. Por estar preso
deixei de pagar duas parcelas e a empresa entrou com mandato
de busca e apreensão. O mandato foi assinado pelo então tenente
Garcez, responsável pelo DOI-Codi”, declarou Álvaro.
O militar, diante dessa afirmação, apenas disse: nada a declarar,
assim como o Correia Lima. Os dois justificaram a postura alegando
que já tinham prestado esclarecimentos à Comissão Nacional da
Verdade e ao Ministério Público Federal. “Eu já colaborei. Durante
duas horas prestei depoimento para a Comissão Nacional da Verdade.
Falei sobre o meu relacionamento com o major Jacarandá, todo o
relacionamento que tive com o Amílcar Lobo (médico que, segundo
o relato de vários ex-presos, era o responsável por atestar se o preso
tinha condições de continuar sendo torturado). É exatamente o que
eu declarei e não tenho o que acrescentar. Não posso esclarecer,
porque eu desconheço esse fato (sobre o Mário Alves) ”, disse Correia
Lima.
Testemunho: Onde está Honestino Guimarães?
Arte: Marcelo Santos/SEASDH
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Honestino Guimarães, líder estudantil e presidente da União Nacional
dos Estudantes (UNE), foi preso seis vezes. Da última vez, em 10 de
outubro de 1972, o ex-aluno de geologia da UnB, que dá nome ao
atual Diretório Central dos Estudantes (DCE) da instituição, nunca
mais apareceu. Pesquisas da Comissão da Verdade do Rio dão conta
de que ele era muito vigiado pela repressão e, quando foi sequestrado,
era condenado pela 11ª Circunscrição Judiciária de 1972, embora, já
no ano anterior, estivesse sendo procurado pela Marinha.
A equipe da comissão realizou pesquisas no Arquivo Nacional e no
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro e descobriu o momento
em que os órgãos da repressão confirmaram que Honestino
estava no Rio de Janeiro, local de seu desaparecimento. Antes do
Encaminhamento 204 da Divisão de Segurança e Informações do
MEC, os órgãos de segurança não sabiam em qual Estado Honestino
estava (ele entrou para a clandestinidade depois da promulgação do
AI-5). Entretanto, esses documentos mostram que Honestino esteve
presente em uma reunião de Centros Acadêmicos, em Niterói, no
primeiro semestre de 1973.
Em 10 de outubro de 2014, portanto, 40 anos de desaparecimento
de Honestino, a comissão realizou o Testemunho da Verdade –
Onde está Honestino Guimarães? Na ocasião, a filha de Honestino,
Juliana Botelho Guimarães, prestou um depoimento público em que
falou sobre a ausência do pai: “Hoje completam exatos 40 anos que o
meu pai não voltou pra casa. Eu tinha apena três e só entendia que
ele havia desaparecido da minha vida”.
Juliana, em seu discurso, falou sobre o processo, na Comissão
de Anistia do Ministério da Justiça, que declarou, oficialmente,
Honestino Guimarães um anistiado post mortem. “A Comissão de
Anistia também recomendou duas mudanças na certidão de óbito:
uma referente à causa da morte, para que conste ‘atos violentos
praticados pelo Estado’; outra para substituição do termo ‘falecido
em 10 de outubro de 1973’ para ‘desaparecido em 10 de outubro
de 1973’”. A publicação desta portaria do Ministério da Justiça, no
Diário Oficial, foi feita em 11 de abril de 2014.
Na ocasião, além de Juliana, prestaram depoimento Agostinho
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Guerreiro, militante, junto com Honestino, na organização Ação
Popular (AP), e o vereador do Rio de Janeiro Eliomar Coelho, seu
colega na Universidade de Brasília, além de Elia Menezes, que
conheceu Honestino na clandestinidade.
A Comissão da Verdade do Rio, após o ato, realizado conjuntamente
com a Comissão de Verdade e Memória da Universidade Federal
do Rio de Janeiro - UFRJ, deu prosseguimento à investigação. Um
documento do Serviço Nacional de Informações (SNI), de 1978,
encontrado pela Comissão Estadual de Pernambuco, e analisada
pela CEV-Rio, trouxe mais um dado para a investigação do caso
Honestino Guimarães: “Preso em 10 Out 73 no Rio de Janeiro. ”
Esta é considerada a primeira citação oficial achada sobre a prisão
do líder estudantil, em que se confirma a data do desaparecimento.
O documento, de 71 páginas, foi a resposta do SNI para uma série
de perguntas do Ministério da Aeronáutica, sobre o paradeiro de
dezenas de opositores da ditadura.
Testemunho da Verdade DOPS
O Seminário DOPS: Ocupar a Memória – Um Espaço em
Construção, realizado em 04 de novembro de 2013, teve como
ponto alto da programação o testemunho de quatro ex-presos que
passaram pelo antigo centro de tortura que fica na esquina das
Ruas da Relação e dos Inválidos, em frente ao chamado Palácio da
Polícia.
Primeiro testemunho da CEV-Rio realizado
em local simbólico para ex-presos, neste caso,
Newton Leão Duarte, Ana Miranda e Wadih
Damous em frente ao DOPS
Crédito: Bruno Marins
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A demanda pela realização de Testemunhos em locais simbólicos
foi encampada pela sociedade civil em praticamente todos os
Fóruns de Participação, e destacada sua importância por aqueles
que testemunharam no evento: Romeu Bianchi Júnior, Geraldo
Cândido, Newton Leão, Ana Miranda.
“Há alguns anos seria impensável que estivéssemos numa reunião
como essa em frente ao prédio do DOPS reivindicando a posse
desse prédio para uma organização de direitos humanos. Isso
é reparação. Isso é a maior ideia do que seria reparação. Para
mim é uma realização de vida”, disse Newton Leão Duarte, que
foi preso em 1969 aos 19 anos de idade quando era estudante de
Engenharia. “Fomos torturados barbaramente por espancamentos
e choques elétricos, da mesma maneira que os presos políticos em
todo o Brasil, como no DOI-CODI foram torturados. O que significa
que a polícia civil, à época, utilizava esses mesmos meios. Aqui foi
a nossa primeira sessão de sevícias”.
Ana Miranda Batista, militante da Ação Libertadora Nacional,
que esteve presa durante nove meses no DOPS, ressaltou em seu
depoimento a relevância do evento: “É motivo de orgulho para
nós, que estamos lutando há tanto tempo para que este prédio se
transforme em um Espaço de Memória das lutas políticas e sociais
no Brasil, participar deste Seminário que ajudamos a organizar - e
depor aqui hoje, como testemunha da verdade”.
A CEV-Rio pretende dar continuidade a esse formato de
Testemunho da Verdade em espaços de memória, a fim de reparar
simbolicamente os ex-presos políticos, difundir o conhecimento
sobre esses locais, tentar remontar a estrutura dos aparelhos de
repressão e transformar esses espaços em centros de memória da
resistência.
Testemunhos nos Sindicatos
O golpe de militar de 1964 atingiu, de imediato, as organizações
de trabalhadores. Considerados os pilares de sustentação do
governo João Goulart deposto pelo Golpe, diversos sindicatos foram
invadidos e suas diretorias cassadas. Para contar essa história de
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luta e resistência dos trabalhadores, a Comissão da Verdade do Rio
realizou diversas atividades, no âmbito do Testemunho da Verdade.
Grandes lideranças dos Sindicatos dos Operários Navais, dos
Metroviários, dos Metalúrgicos e dos Bancários já foram ouvidas
em audiências públicas que ajudam a montar o quadro da repressão
a essas categorias.
Testemunho dos Operários Navais
O primeiro testemunho da verdade, construído pelo GT Sindical
junto com um sindicato, foi a dos Operários Navais de Niterói e
São Gonçalo, no dia 25 de novembro de 2013. A atividade também
foi a primeira realizada na própria sede do sindicato que, nas
décadas de 50 e 60, era um dos principais pontos de referência dos
trabalhadores do setor, motivo pelo qual, no primeiro dia do golpe, a
sede foi invadida, destruída e muitas lideranças foram presas, além
de acarretar inúmeras demissões.
O ato que foi realizado em parceria com a Comissão da Verdade
em Niterói e contou com os depoimentos de Benedito Joaquim dos
Santos, Oswaldo Veloso, Jayme Navas e José Gonçalves, quem
declarou: “Fui a última pessoa a pegar o microfone e pedir que todos
saíssem do sindicato, porque tínhamos a informação de que a polícia
ia invadir o local. Saímos igual a ratos com medo dos gatos”.
Testemunho dos Metroviários
O modelo do Testemunho da Verdade foi usado para marcar a
posse da Comissão da Verdade do Sindicato dos Metroviários, em
15 de janeiro de 2014, na sede do órgão, na Praça da Bandeira.
Na ocasião, os ex-militantes Francisco Parente e Denis Linhares
prestaram depoimento.
“As marcas da tortura não vão sumir nunca. Elas são violentas
e só quem sofreu pode mensurar a dor”, disse Francisco Parente
que, em seu depoimento, lembrou de ex-companheiros como Aloísio
Palhano, militante do Sindicato dos Bancários, e que consta da lista
de desaparecidos que “dedicaram suas vidas à democracia”.
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Geraldo Cândido, membro e coordenador do
GT Sindical da CEV-Rio, no Testemunho da
Verdade do Sindicato dos Metalúrgicos
Crédito: Bruno Marins
A instalação de mais uma comissão da verdade de categoria
profissional no Estado do Rio de Janeiro, além dos petroleiros,
professores e jornalistas, abre caminho para o pedido de abertura
do acervo do metrô para que se possa, então, fazer uma busca nessa
documentação e descobrir, entre outras coisas, a razão da demissão
de alguns funcionários.
sindicato, inaugurado em 1959, foi palco de eventos marcantes,
como a visita do cosmonauta soviético Yuri Gagarin, em 1962, e a
assembleia dos marinheiros em apoio às reformas de base, em 1964.
O ato, organizado conjuntamente com o Sindicato dos Metalúrgicos
do Rio de Janeiro, marcou 97 anos da instituição.
“O sindicato foi destruído, mas resistiu. O movimento continuou e é
isso que fica. Eternamente. Assim como esse sindicato”, disse José
Ferreira Nobre, militante sindical desde 1947, e um dos depoentes
no evento, ao lado de Severino Batista Cabral e Valdir Vicente,
operários navais em 1964.
Testemunho dos Bancários
Em 1964 o Sindicato dos Bancários sofreu a primeira intervenção
que durou dois anos. No Banco do Brasil, por exemplo, foi instaurada
uma Comissão Geral de Inquérito, que passou a perseguir os
sindicalistas, promoveu demissões, transferências e a retirada
de cargos. Outra intervenção, desta vez em 1968, provocou novas
cassações e prisões. Uma terceira intervenção, em 1972, mais dura,
terminou com a sede do sindicato sendo invadida, e se estendeu por
sete anos.
Para analisar a repressão ao Sindicato dos Bancários a comissão
dividiu sua pesquisa em dois períodos: de 1964 a 1972 e de 1972
a 1988. E esse recorte permitiu, inclusive, a realização de duas
atividades, no formato do Testemunho da Verdade, com as lideranças
dos bancários que atuaram contra a ditadura militar.
Testemunho dos Metalúrgicos
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Outra categoria profissional que sofreu intensa repressão foi a dos
Metalúrgicos. A sede, que funciona em Benfica, foi invadida na
madrugada do dia 1º de abril de 1964 e diversos sindicalistas foram
presos. A invasão foi seguida de intervenção política, que se deu até
1968. Nova intervenção foi feita em 1973 e se estendeu até 1975.
O primeiro Testemunho da Verdade aconteceu em 19 de novembro
de 2013 e o segundo em 3 de junho de 2014, ambos realizados na sede
do órgão, que fica no Centro do Rio. Auri Gomes da Silva, Samuel
Henrique Maleval, Jorge Couto e Edmilson Martins de Oliveira
foram os depoentes que reconstruíram, por meio dos testemunhos,
a luta e resistência dos bancários.
A história de resistência do “Palácio dos Metalúrgicos”, como
é conhecida a sede, durante a ditadura militar foi tema de mais
um Testemunho da Verdade realizado em 29 de abril de 2014. O
“Veio o AI-5 e a luta recuou. Com o AI-5, a brutalidade foi tamanha
que nós fomos massacrados. Fomos presos e submetidos à tortura. No
DOI-Codi fui colocado numa cela que deram o nome de “geladeira”.
Artes: Marcelo Santos/SEASDH
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Ali, a gente, semi-nu, não podia dormir, porque um autofalante
ficava o dia inteiro ligado com música nas alturas. À noite eram
aquelas aulas de tortura que um agente dava para o outro”, disse
Auri Gomes da Silva, membro da diretoria do sindicato.
ditadura e a permanência de elementos autoritários na democracia.
O evento foi organizado conjuntamente com o projeto Clínicas do
Testemunho e o Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura do
Rio de Janeiro.
No segundo Testemunho dos bancários houve o primeiro depoimento
de uma mulher que, assim como os demais depoentes, foi presidente
do sindicato. “Mandaram me tirar a roupa e entrar na geladeira, que
era uma sala muito fria, onde fiquei por dois ou três dias”, contou
Fernanda Cariso que foi presa em 1977 e, na ocasião, integrava o
movimento estudantil do PCB. Roberto Percinotto, Ivan Pinheiro e
Cyro Garcia foram os outros militantes do movimento sindical que
testemunharam no ato.
Na ocasião ouviu-se o depoimento de Elinor Brito, preso político,
ex-militante do PCBR: “O sistema de tortura era sistemático e era
a forma que a ditadura tinha de liquidar física e psicologicamente
o militante. A intenção era reduzir o ser humano a nada”, disse
Elinor Brito.
Testemunho da Verdade: Tortura e repressão ontem e hoje
Discutir a permanência das práticas de
violações aos direitos humanos foi o objetivo
da atividade que marcou um ano de trabalho
da CEV-Rio
Crédito: Bruno Marins
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Outros testemunhos foram prestados por Jivago Novaes, preso,
em outubro de 2013, quando participou de um ato em apoio aos
professores no Centro do Rio, e pela Deise Carvalho, mãe de Andreu
Carvalho, morto em 2009 nas dependências do Degase.
O Testemunho da Verdade foi a atividade escolhida para marcar
um ano de trabalho da Comissão da Verdade do Rio, comemorado
em 8 de maio. O ato, realizado na Alerj, foi pensado para mostrar a
continuidade da prática de violações aos direitos humanos durante a
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Audiências Públicas
Além dos Testemunhos da Verdade, a agenda pública da Comissão se
organiza mediante a realização de outras atividades, onde podemos
distinguir Audiências Públicas, Seminários, Diligências, Jornadas
nas Universidades, dentre outras.
Militares Perseguidos na Ditadura
Em parceria com a Comissão Nacional da Verdade, a CEV-Rio
realizou três audiências públicas sobre os militares que foram
perseguidos. Em dois dias de oitivas, 12 e 13 de agosto de 2013,
foram ouvidos militares que resistiram ao regime ditatorial de 1964
e, por isso, foram presos, torturados, expulsos e perseguidos pelas
três forças armadas, como Joaquim Aurélio de Oliveira e Wanderlei
Silva, dois ex-marinheiros, ambos associados hoje à União de
Mobilização Nacional pela Anistia (UMNA), e José Bezerra da
Silva e Belmiro Demétrio, ambos ex-militares da Aeronáutica,
que relataram as torturas e perseguições que sofreram por serem
considerados “subversivos” e apoiadores de Brizola e João Goulart.
O papel da Igreja na ditadura militar
Outra audiência pública realizada pela Comissão da Verdade do Rio,
conjuntamente com a Comissão Nacional da Verdade, aconteceu nos
dias 17 e 18 de setembro de 2013, sobre o papel da igreja durante
a ditadura militar. O professor e bispo emérito da Igreja Metodista
do Rio de Janeiro, Paulo Ayres Mattos –, líder ecumênico, que deu
abrigo a refugiados do Cone Sul que procuraram o Brasil nos anos
70 após os golpes militares no Chile, no Uruguai e na Argentina –
foi um dos depoentes.
Além de Paulo Ayres Mattos prestaram depoimento as ex-presas
políticas Jessie Jane e Letícia Contrim e os ex-presos Marcos Arruda
e Zwinglio Motta Dias, cujo irmão, Ivan Motta Dias, é desaparecido
político. Na ocasião foi feita uma homenagem póstuma ao exdeputado Lysâneas Maciel, que teve seu mandato cassado pela
ditadura, e a Herbert de Souza, o Betinho, ex-líder da Juventude
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Universitária Católica e da Ação Popular, além de exilado, durante
a ditadura, que se tornou um líder na luta pelos direitos humanos
após seu retorno ao Brasil.
Caso Atentado da OAB
Para marcar os 33 anos do atentado à OAB, que matou a secretária
Lyda Monteiro, a CEV-Rio, a Comissão Nacional da Verdade e o
Nucleo de Direitos Humanos da PUC-Rio, coordenado pelo membro
da CEV-Rio João Ricardo Dornelles, realizaram a audiência pública
“Caso Atentado da OAB” no dia 27 de agosto de 2013, na PUC-Rio.
Dona Lyda Monteiro, secretária da OAB morreu ao abrir uma cartabomba endereçada ao ex-presidente da OAB carioca, o advogado
Seabra Fagundes. Na ocasião da audiência o advogado Seabra
Fagundes e o filho de Lyda, Luiz Fellipe Monteiro, prestaram o seu
testemunho. A suspeita é a de que o envio da carta-bomba, ocorrido
em 27 de agosto de 1980, tenha sido uma tentativa de forjar um
ataque de grupos de esquerda.
Caso Norberto Habegger
Último depoimento público dado por dom Waldyr Calheiros, antes de sua morte, para as
equipes das comissões Nacional, Estadual e Municipal da Verdade
Crédito: Thiago Vilela/CNV
O ponto alto da programação foi a exibição do depoimento, prégravado com a presença de Nadine Borges, membro da CEV- Rio,
na casa de dom Waldyr Calheiros, bispo emérito da diocese de
Volta Redonda. A cidade que, durante o regime militar, sofreu
intensa repressão, por conta do atuante movimento sindical, teve
na figura de dom Waldyr, um importante aliado contra as violações
perpetradas pelos militares.
“Uma ditadura é uma coisa que não pode durar muito. Um dia é um
ano de estrago”, disse dom Waldyr que viria a morrer meses depois
de dar esse testemunho aos 90 anos de idade.
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Foto de Andres Habegger com o pai, o jornalista Armando Habegger, que desapareceu no Rio
de Janeiro em 1978
Crédito: Arquivo pessoal
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Outra audiência pública realizada na CEV-Rio foi sobre o Caso
Habegger. Andrés, filho do jornalista argentino Norberto Armando
Habegger, que desapareceu no Rio de Janeiro em 1978, prestou
depoimento à Comissão da Verdade do Rio e à Comissão Nacional da
Verdade em 30 de novembro de 2013. Habegger é um dos 106 casos de
desaparecimento de latino-americanos que estão sendo investigados
pela justiça argentina na chamada Operação Condor. Como resultado
das investigações empreendidas na Argentina, Andrés revelou nesta
audiência o nome de três militares argentinos - Enrique José Del
Pino, Alfredo Omar Feito e Guillermo Victor Cardozo – que seriam os
responsáveis pela prisão, no Rio de Janeiro, de Norberto Habegger,
que teriam tido a ajuda da repressão brasileira para capturá-lo.
Na ocasião, a CEV-Rio entregou para a consulesa Alana Lomónaco,
representante do governo da Argentina, um documento produzido
pelo Centro de Informações da Aeronáutica (CISA), e disseminado
para todo o sistema de repressão, datado de agosto de 1977. O
informe, sobre a repressão aos Montoneros, comprova a existência
de uma rede de informações entre as ditaduras do Cone Sul. O
documento era inédito para a família e para o governo argentino.
Após as declarações de Andrés, a CEV- Rio ouviu do torturador Paulo
Malhães informações sobre perseguições e prisões de argentinos na
cidade do Rio de Janeiro. Os fatos foram comunicados ao Governo
Argentino e as investigações relativas à Operação Condor podem
ser determinantes para comprovar o envolvimento desse e de outros
agentes no desparecimento de Norberto Habegger.
Caso Raul Amaro
Com a entrega, em 5 de dezembro de 2013, do relatório Raul Amaro
Nin Ferreira, fruto da pesquisa dos sobrinhos de Raul Amaro e do
projeto Armazém Memória, a Comissão da Verdade do Rio abriu
uma nova linha de investigação: a possibilidade de tortura dentro do
Hospital Central do Exército. Raul Amaro foi preso em uma blitz da
Polícia do Exército, em Laranjeiras, morrendo, onze dias depois, no
HCE. O relatório reúne o acervo documental produzido pela família
e revela documentos inéditos dos órgãos da repressão, assim como
depoimentos de parentes e amigos de Raul Amaro.
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Casos solucionados
pela CEV-Rio e em
andamento
Chacina de Quintino: 8985 – Um Número para Não
Esquecer
Arte: Marcelo Santos/SEASDH
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A Chacina de Quintino, episódio pouco conhecido da ditadura
militar, foi um dos casos investigados pela Comissão da Verdade
do Rio. Depois de 42 anos, a versão oficial foi desconstruída.
Antônio Marcos Pinto de Oliveira, Ligia Maria Salgado Nóbrega e
Maria Regina Lobo Leite de Figueiredo, militantes da Vanguarda
Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), não foram
mortos em uma troca de tiros. Eles foram chacinados sem esboçar
nenhuma reação.
A pesquisa se deu a partir da localização do documento que relatava
a operação, elaborado pela equipe do Dops, de um conjunto de fotos
dos corpos, feitos pelos peritos do Instituto Carlos Éboli, e os laudos
cadavéricos, além de entrevistas com os vizinhos da vila de número
8985, localizada na Avenida Suburbana, onde aconteceu a chacina.
Os ferimentos que as imagens exibiam se mostraram pouco
condizentes com a versão sustentada pela polícia, a de troca de tiros,
e os laudos cadavéricos não registraram resquícios de pólvora nas
mãos das vítimas. A entrevista com os vizinhos, que, num primeiro
momento, se mostraram receosos ao falar sobre o assunto, foi de
extrema valia, pois revelam incongruências entre a hora do tiroteio
e a do episódio, visto que todos relatam que a polícia já estava no
local desde o fim da tarde.
Depoimento dos vizinhos
“Era polícia ali, polícia do exército. Entraram no condomínio e aí aconteceu, a
gente só ouvia os barulhos de tiro (...). Era cedo isso, coisa de nove horas da
noite Tinha muita polícia. Acho que era polícia do exército, não sei. Mas era
muita polícia”. (Vizinho 1, 54 anos)
“Era um entra e sai danado, mas a gente não sabia o que era. Estouraram um
[outro aparelho] aqui nessa rua também e outros do bairro, mas por quê? Porque tinha saída dos dois lados, era estratégico. Estava todo mundo dormindo,
foi de dez horas em diante. Foi tudo bem caladinho, mas a polícia chegou
aqui na janela mandando a gente se proteger e ficar debaixo da cama, porque
eles [as vítimas] podiam ter munição também e atirar, mas era muita gente,
eles não podiam” (Vizinho 2, 78 anos)
Documento oficial sobre a comunicação do episódio ao Dops foi enviado às 00h20, mas
vizinhos e jornais da época, como Correio da Manhã e Folha de S. Paulo, falam do acontecido
às 21h15 e 23h15, respectivamente.
Crédito: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro
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“Acho que eram dez horas da noite, os policiais vieram (...). Uma moça muito
feia com fundo de garrafa, de trancinha. Aí quando ela morreu ela era linda,
mas ela se fantasiava de feia né (...). O tiroteio comeu, o tiroteio comeu. A polícia que atirava. Quando eles [as vítimas] viram que o negócio estava assim,
tentaram entrar na casa 70 lá por trás, que tinha muito caminho, e eles queriam fugir por trás, por essa rua. E a polícia metralhou. Agora trocou a janela,
que era de madeira e tava cheia de buraco de bala até pouco tempo. E essa
moça que parecia que era feia, ela veio assim se rendendo. Aí já viu né? [Faz
som de tiro] e ela caiu ali. Caiu ali onde tem a garagem. Então foi uma coisa
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terrível (...). Então ficou meses as pessoas ali tomando conta. Não, eles não
reagiram, não deu tempo. Eles [polícia] esperaram anoitecer, ali onde tinha
um muro. Eles [vítimas] já saíram mortos” (Vizinha 3, 69 anos).
local foram recolhidos corpos de duas mulheres e um homem, com
as guias 1, 2 e 3. Wilton, portanto, não foi vítima da Chacina de
Quintino.
“Ali era um terreno, onde é esse edifício (...). Eles chegaram umas sete horas
da noite, mais ou menos. Eu ia até viajar no dia seguinte, era uma quarta-feira
da semana santa. Nós só escutamos aquele tiroteio. A minha irmã que estava
aqui comigo, chegou na janela e o policial do DOPS disse: “fecha a janela e
não sai!” (...).Tem a Rua Manoel da Nóbrega, lá eles [policiais] pegaram uns.
Mataram uns lá e trouxeram um, todo “estrupiado”, todo ferido pra cá. Foi o
que disse onde era. Ouvi dizer que eles jogavam lá de cima cá pra baixo [os
corpos], mas eu não vi nada”. (Vizinha 4, 84 anos)
O resultado desse trabalho foi apresentado, em um Testemunho da
Verdade, em 29 de novembro, quando foram ouvidos familiares e
amigos de vítimas, como Fátima Setúbal, irmã de Antônio Marcos
Pinto de Oliveira, Iara Lobo Leite, filha de Maria Regina, Francisco
Nóbrega, irmão de Lígia Maria Salgado, e Lília Ferreira Lobo,
amiga de Maria Regina, além do ex-militante da VAR-Palmares,
Além dos vizinhos, a equipe da CEV-Rio entrevistou o médicolegista Valdecir Tagliare, que foi o responsável por assinar o óbito
das vítimas. Ele revela que os corpos “eram jovens demais, bem
vestidos, visivelmente de classe média. Totalmente distinto dos
corpos que costumávamos examinar até então”. Ele afirma que
os corpos apresentavam esmagamento total das mãos e parte dos
braços o que comprovaria os golpes causados por “armamento
pesado”. Ele contou ainda que o laudo enviado para a direção, como
era o procedimento, foi adulterado. “Só tive acesso ao microfilme
anos mais tarde”.
Por fim, a pesquisa se debruçou sobre a afirmação de que Wilton
Ferreira seria mais uma vítima da Chacina de Quintino, conforme
fontes atuais de pesquisa, como a publicação “Direito à Memória
e à Verdade”, da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos
Políticos. A investigação encontrou o livro de diligência do Dops com
o comunicado posterior ao de Quintino, exatamente às 04h. Este
documento informa que o estouro do aparelho de Cavalcanti foi feito
pela mesma equipe de Quintino, que fica a cerca de 10 minutos de
distância. Wilton foi morto e removido para o IML com a guia nº4.
O memorando 694 do delegado do Dops ao diretor do IML solicita
que funcionários do órgão se dirijam ao instituto para fotografar e
colher as impressões digitais dos cadáveres de duas moças e dois
homens, recolhidos com as guias 1, 2, 3 e 4. Porém, o documento
oficial do Dops, comunicando o acontecido em Quintino, diz que no
50
Memorando do delegado do Dops solicita que
funcionários se dirijam ao IML para fotografar
e colher as impressões digitais dos cadáveres
de duas moças e dois homens. Porém, o
documento oficial do Dops diz que no local
foram recolhidos corpos de duas mulheres e
um homem.
Crédito: Arquivo Público do Estado do Rio de
Janeiro
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Adauto Dourado de Carvalho, que reconheceu o corpo de Antônio
Marcos no IML.
O texto de seis páginas assume pela primeira
vez o que os militares sempre negaram: que
Rubens Paiva foi “detido no QG da 3ª Zona
Aérea e de lá conduzido para o DOI”
Crédito: Arquivo Nacional (Código ARJ-ACE
446-71)
“Minha voz, embargada neste momento, representa, também, além
da minha própria, algumas vozes que foram caladas à força durante
os anos de repressão da ditadura militar”, disse Fátima Setúbal. A
fala de Iara Lobo seguiu a mesma linha: “Temos a consciência de que
as nossas histórias de vida e de morte, transcorridos 42 anos, não
podem ficar ocultas e impunes. Pois hoje são a história do Brasil”.
Caso Rubens Paiva
Um ponto de destaque nas atividades da Comissão da Verdade do
Rio foi derrubar e desmascarar a versão mantida pelos militares de
que o ex-deputado Rubens Beyrodt Paiva, preso no dia 20 de janeiro
de 1971 e levado para o DOI no quartel do 1º Batalhão da Polícia
do Exército (1º BPE), foi sequestrado na madrugada do dia 22 de
janeiro, por militantes da esquerda. Na versão mentirosa mantida
pelo Exército, durante 43 anos, ele estava em um Volkswagen do
DOI, em uma diligência com o então capitão Raymundo Ronaldo
Campos e os sargentos Jaci e Jurandyr Ochsendorf e Souza (que são
irmãos) quando o carro foi abordado por dois outros veículos e houve
intensa troca de tiros.
A falsa versão foi sustentada para esconder os reais motivos do
desaparecimento de Paiva: sua morte sobre tortura dentro do quartel
da PE na Rua Barão de Mesquita. Para derrubá-la definitivamente,
a CEV-RIO levou cerca de dez meses conversando com o oficial
envolvido na história, o hoje coronel reformado Raimundo Ronaldo
Campos, até convencê-lo a contar como se deram os fatos naquela
madrugada. Esse agente da repressão também prestou depoimento
ao Ministério Público Federal do Rio de Janeiro.
Em um depoimento prestado ao presidente da Comissão Wadih
Damous e ao assessor Marcelo Auler, em 18 de novembro de 2013,
ele confessou, pela primeira vez, que na noite do dia 21 para 22 de
janeiro de 1971, em dado momento, sem se lembrar da hora exata, o
chefe do setor de operações que estava de plantão, no caso, o Major
Francisco Demiurgo Santos Cardoso, o chamou e disse, “olha, você
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vai pegar o carro, levar em um ponto bem distante daqui, vai tocar
fogo no carro para dizer que o carro foi interceptado por terroristas e
vem para cá”. Raimundo Ronaldo Campos chegou a questionar seu
superior perguntando o porquê desta operação e ouviu como resposta
que era “para justificar o desaparecimento de um prisioneiro”.
Nesta hora, o major Demiurgo não lhe deu o nome do prisioneiro e
só depois, quando voltou ao quartel e preencheu o Mapa de Missão,
é que foi informado de que se tratava de Rubens Paiva.
A revelação ganhou importância ao por fim à farsa do suposto
sequestro. O coronel Ronaldo acabou sendo o segundo oficial do
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Depoimento do Coronel Paulo Malhães
O informe de nº 70, classificado como
“confidencial”, é expedido pelo SNI/ARJ (Área
do Rio de Janeiro), em 26 de janeiro de 1971,
ou seja, apenas seis dias após a prisão do
deputado Rubens Paiva, já atestava, por
metáfora, a sua morte. O texto diz (com erro
gramatical): “À SS-16, estas cartas, apesar
do que já ocorreu, é interessante que sejam
analisadas.”
Crédito: Arquivo Nacional (Código ARJ-ACE
446-71)
Quatro meses depois de ouvir a confissão do hoje coronel Ronaldo, a
CEV-Rio conseguiu levantar o destino dado ao corpo do ex-deputado
Rubens Paiva. A revelação, em 11 de março de 2014, em um segundo
encontro (o primeiro ocorreu em 18 de fevereiro) com Nadine Borges
e Marcelo Auler, membro e assessor da comissão, partiu do coronel
reformado do Exército Paulo Malhães. Torturador confesso, na
ditadura militar ele foi um dos principais expoentes do Centro de
Inteligência do Exército (CIE), com o codinome de “Dr. Pablo”.
Equipe da CEV-Rio esteve duas vezes com o
coronel Paulo Malhães, que, posteriormente,
prestou depoimento público à CNV
Crédito: Marcelo Oliveira/CNV
Em um primeiro momento, como esclareceu, o corpo foi enterrado
no Alto da Boa Vista, em uma iniciativa dos militares do DOI.
Pouco tempo depois, ao perceberem que uma obra de calçamento da
estrada ameaçava revelar os restos mortais ali enterrados, houve o
translado do que restou de Rubens Paiva para um terreno na Barra
da Tijuca, ainda por iniciativa dos militares do DOI-CODI, com a
possível ajuda de policiais civis. Malhães participou do desenterro
e o corpo, ainda em estado de putrefação, foi transportado, por sua
equipe em um saco impermeável e jogado em um rio – provavelmente
o Piabanha – na região de Itaipava, região serrana do Rio de Janeiro.
Exército a confirmar a morte do ex-deputado dentro da instituição
militar. Anteriormente, o tenente-médico Amílcar Lobo já admitira
esta hipótese, em depoimentos prestados no Inquérito Policial
Militar (IPM), à imprensa e na Auditoria Militar, ao confirmar ter
atendido, durante uma madrugada, a um preso, em uma das celas
do Pelotão de Investigação Criminal (PIC) do 1º BPE.
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55
Segundo as explicações dadas durante o depoimento, no saco foram
colocados alguns pesos de forma calculada para, ao mesmo tempo,
não permitir que ele boiasse, nem tampouco ficasse no fundo, mas
pudesse ser levado pela corrente. O Piabanha desagua no Rio
Paraíba que, por sua vez, corre em direção ao oceano Atlântico.
A mesma prática do corpo ensacado e jogado n’água, segundo
relatou Malhães, foi utilizada após o assassinato de Onofre Pinto
no massacre de Medianeira em Foz do Iguaçu: seu corpo foi jogado
nas águas de forma a que fosse levado para a foz do Rio, já no
Uruguai, bem como na operação limpeza da Guerrilha do Araguaia.
Nas suas revelações, os corpos das vítimas da ditadura militar que
“precisavam desaparecer” para que ocultassem os assassinatos,
tinham, em geral, as arcadas dentárias quebradas e as pontas
dos dedos cortados para impossibilitar um futuro reconhecimento,
caso viessem a ser encontrados. Quando jogados ao mar ou em rio,
tinham o ventre cortado para evitar que inchassem e viessem a
boiar. Técnicas adotadas, inclusive, junto aos militantes do PCdoB
mortos na guerrilha do Araguaia.
O depoimento de Malhães detalhou práticas adotadas pelos oficiais
do Centro de Inteligência do Exército de “abrirem” o que chamou
de “aparelhos”, ou “casas de conveniência”, para as quais os presos
eram levados sem que houvesse registro oficial de suas prisões,
como ocorria quando chegavam a uma unidade militar. A prática
teve início com a prisão de militantes do PCBR, período em que os
militares procuravam o líder do partido, Apolônio de Carvalho.
E assim surgiu a ideia, logo encampada por outros oficiais do
CIE, de se criar um “aparelho” para interrogar presos, muitas
vezes debaixo de torturas físicas ou psicológicas. Coube ao então
coronel Coelho Neto, chefe de gabinete do general Milton Tavares,
comandante do CIE, conseguir com o seu amigo, antigo interventor
de Petrópolis, Fernando Aires da Mota, o empréstimo da casa da Rua
Arthur Barbosa 668, no bairro do Caxambu, pertencente ao alemão
Mário Lodders, um simpatizante da ditadura militar. Ali passou a
funcionar o aparelho que mais tarde ficou conhecido como “Casa da
Morte”. Não foi o único “aparelho” utilizado, mas o principal deles.
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Nela, sete oficiais do CIE - dos quais Malhães identificou seis, a
saber: capitães Paulo Malhães, Freddie Perdigão Pereira, José
Brant Teixeira, o major Rubem Paim Sampaio, o coronel Orlando
de Souza Rangel, o Dr. Pepe, o tenente-coronel Ciro Etchegoyen e
o militar de codinome Dr. Guilherme – passaram a conduzir presos
na tentativa de transformá-los em “infiltrados”, isto é, retornarem
ao convívio de suas organizações de esquerda para repassarem
informações das mesmas aos encarregados da repressão. Quando
o preso não concordava em colaborar, “seguia destino”, eufemismo
utilizado por Malhães para explicar o desaparecimento, a morte do
prisioneiro.
A revelação da existência deste aparelho, mantido com verba oficial
do Exército, só aconteceu porque a militante do VAR-Palmares,
Inês Etienne Romeu, ali mantida ilegalmente durante três meses
em 1971, sem que sua prisão fosse oficializada, ao deixar a Casa na
condição de “infiltrada” entregou-se à Justiça Militar, tornando-se
uma presa oficial e evitando que viesse a ser assassinada. Ainda
assim, foi somente em setembro de 1979, depois de cumprir pena
de prisão e ser anistiada, que ela fez a denúncia sobre o aparelho
clandestino de Petrópolis ao então presidente da OAB, Eduardo
Seabra Fagundes.
As declarações de Malhães, que estão reproduzidas na integra na
página da CEV-Rio (www.cev-rj.org.br). O resultado, praticamente
previsto por ele mesmo, mostrou-se fatal um mês depois de sua
aparição em uma audiência pública, quando foi encontrado morto
em sua casa. As circunstâncias da morte estão sendo investigadas
pela Polícia Civil e acompanhadas pela Polícia Federal, mas as
autoridades desse processo que corre em segredo de Justiça apontam
para a hipótese de latrocínio em um cenário ainda pouco esclarecido
e que não afasta a hipótese de possível eliminação.
As revelações do Coronel Malhães demonstraram aspectos parciais
de uma “guerra”, em que ele se apresentou como um dos principais
personagens de eliminação dos inimigos e adversários do regime de
exceção que só desapareceriam com a morte psicológica. É temerário
considerar e ler esse depoimento sem imaginar a possibilidade
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de uma armadilha, uma vez que, por mais verossimilhança que
tenham, estas informações podem ter uma dimensão exagerada e,
dessa forma, se prestariam para almejar um determinado resultado
gerando um registro histórico que ele, o torturador, não conseguiria
sozinho.
Nestas pastas, com cerca de 800 documentos cada, se encontram
descritas – frutos da “arapongagem” praticada pela repressão,
na época – as ações guerrilheiras organizadas pelo MR-8. Sob os
codinomes “Henrique” e “Paulo”, Stuart participou de várias,
chegando a sair ferido no joelho, em uma troca de tiros com a Polícia.
Mesmo que se comprove a verdade dos fatos descritos pelo torturador
confesso, o que só será possível com a abertura dos arquivos das
Forças Armadas, o que se busca é dar conhecimento e lutar para o
esclarecimento desses fatos.
Tais ações, o levaram a interagir com uma parcela expressiva da
esquerda. A perseguição e queda de Stuart se deveram, além do seu
papel de liderança, ao fato de ter dado proteção a Carlos Lamarca,
considerado um desertor, pelos militares. Isto fez com que fosse
transferido para ele todo o rancor dos oficiais das várias Forças,
que na época agiam de forma conjunta na busca aos dissidentes do
regime.
Caso Stuart Edgard Angel Jones (em andamento)
Todas as vezes que se elabora uma lista com os militantes de esquerda
que resistiram à ditadura e desapareceram em consequência de sua
luta, o nome de Stuart Edgard Angel Jones é um dos primeiros a ser
citado. Até então, sua morte é descrita em circunstâncias brutais,
com base numa carta deixada pelo ex-guerrilheiro, integrante da
VPR, (Vanguarda Popular Revolucionária), Alex Polari de Alverga,
preso na véspera de sua queda, em 14 de maio de 1971, segundo
testemunhos da época. Alex foi um dos responsáveis pelo sequestro
do embaixador alemão Ehrenfried Von Holleben.
Ele descreve que Stuart teria sido amarrado a um jipe no pátio
interno da Base Aérea do Galeão, e arrastado, aspirando gás do
cano de descarga do veículo. Agonizante, foi levado para a última
das celas destinadas aos presos políticos que lá se encontravam.
Seus gemidos e pedidos por água vararam a madrugada e foram
ouvidos por Maria Cristina de Oliveira, que se encontrava na cela
ao lado. Já amanhecendo, ela ouviu a movimentação para a retirada
do corpo de Stuart. Nenhuma explicação foi fornecida sobre o seu
desaparecimento, tampouco foi esclarecido o destino dado aos seus
restos mortais.
Em seus trabalhos na busca pelos desaparecidos políticos, a CEVRio tem se debruçado sobre o caso de Stuart. Foram consultadas no
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 20 pastas relacionadas
às suas atividades na Dissidência Guanabara, que mais tarde viria
a se transformar na facção denominada MR-8, da qual era o líder.
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Imagem do laudo de local – encontro de ossada em 18 de outubro de 1971 na cabeceira da
pista do Aeroporto Santos Dumont
Crédito: Instituto de Criminalística Carlos Éboli
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Foram ainda consultados mais de 80 documentos no Arquivo
Nacional, que detém parte do registro das atividades do Centro de
Informações de Segurança da Aeronáutica (CISA), tido como órgão
responsável pelo desaparecimento do militante.
Sempre apoiada na documentação pesquisada e nas indicações
da família, a CEV- Rio ouviu em torno de 30 pessoas sobre o caso.
Também foi empreendida uma busca por fotos e laudos no Instituto
de Criminalística Carlos Éboli (ICCE). Ali foi encontrado um
envelope contendo uma sequência de quatro negativos, fruto de
uma perícia de local, datada de 18 de outubro de 1971, o ano da
morte de Stuart Edgard Angel Jones. Revelados, eles exibiram o
achado de uma ossada, na ponta de pedras da cabeceira da pista do
Aeroporto Santos Dumont.
Aeronáutica, é apontado como envolvido, na carta que Alex Polari
endereçou à estilista Zuzu Angel, mãe de Stuart, onde revelava têlo visto ser torturado na Base Aérea do Galeão. Coincidentemente,
é o nome do oficial que aparece nos documentos de recebimento
de carros apreendidos com o também integrante do MR-8, Zaqueu
José Bento, preso dias antes da queda de Stuart, pelo CISA. A
documentação segue direto para o comandante da Base, João Paulo
Bournier, apontado na carta de Alex, como o mandante da morte de
Stuart, que hoje integra a lista dos desaparecidos. Supõe-se que seu
corpo tenha sido jogado em alto-mar, ou enterrado como indigente.
As investigações prosseguem.
Uma das pessoas entrevistadas sobre o desaparecimento de Stuart
foi o coronel reformado Lúcio Valle Barroso, hoje com 80 anos, que
admitiu, pela primeira vez, o envolvimento do CISA na prisão do
ex-guerrilheiro. Ele contou que o sargento Abílio Corrêa de Sousa,
codinome Pascoal, teria sido o responsável, tanto pela prisão de
Rubens Paiva, quanto a de Stuart. Revelou, ainda, que costumava
levar presos políticos para tomar banho de mar na cabeceira
da pista, compartilhada entre o 3º Comando Aéreo Regional e a
operação comercial do Santos Dumont. Exatamente o local onde
foram recolhidos, os ossos, pela Polícia, em outubro de 1971. O
laudo da ossada, encontrada entre as pedras que protegem a pista
da ação do mar, é assinado pelo perito Jaques Wygoda. Procurado
pela Comissão, ele chegou a comentar ter emitido vários laudos
para “suicidados” dentro do DOI-CODI, da Rua Barão de Mesquita.
As investigações rastrearam, ainda, vôos de aviões de pequeno
porte saídos do aeroporto do Galeão, em direção a campos de pousos
militares, em outros estados. Lúcio Barroso admitiu que o CISA
usou esse tipo de aeronaves no transporte de presos políticos.
O nome de Lúcio Valle Barroso, então capitão intendente da
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Diligências
Outro mecanismo utilizado pela comissão para a investigação e
posterior comprovação de violação de direitos humanos são as
diligências, que são visitas aos locais de repressão. Esse instrumento
funciona como um dispositivo legal de visitação e reconhecimento
dos locais que foram centros de torturas na ditadura militar. Até
o presente momento, a CEV-Rio realizou diligências a três centros
de repressão da ditadura: ao DOI-Codi, onde hoje funciona o 1º
Batalhão da Polícia do Exército, na Tijuca, ao DOPS, no Centro e a
Vila Militar, em Deodoro.
DOPS
No âmbito do GT DOPS realizou-se uma diligência em 15 de
julho de 2013, quando se buscou identificar e registrar possíveis
características arquitetônicas e de uso das instalações durante o
período da ditadura que porventura ainda estivessem preservadas.
Nesta incursão, documentada pelo GT, foram encontrados, ainda,
arquivos do período da repressão política, que estavam em avançado
Documentos, datados de 1940 a 2011,
encontrados no Dops, dão conta, por
exemplo, das listas de escala de serviço e de
operações policiais, com os funcionários que
trabalhavam na Polícia Civil no período da
ditadura militar
Crédito: Thiago Régis/GT DOPS
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estado de abandono e deterioração. A partir desta primeira visita,
outras cinco foram feitas para dar continuidade ao trabalho de
preservação da memória do DOPS.
Diante da situação do prédio e do acervo, a GT DOPS iniciou
dois processos com o intuito de garantir a preservação destes
patrimônios: o primeiro junto ao INEPAC (Instituto Estadual do
Patrimônio Cultural) e o segundo junto aos arquivos estadual
(APERJ) e nacional (Projeto Memórias Reveladas). Ambos os
processos desencadearam a troca de informações interinstitucionais
e a ida de equipes técnicas para avaliar os patrimônios em risco.
Com relação ao estado de conservação do prédio e suas características
históricas, o INEPAC demonstrou grande empenho na tentativa de
preservar o bem, apresentando o processo de tombamento do prédio,
o esforço de sua equipe ao longo dos últimos anos e as dificuldades
enfrentadas no acompanhamento das obras feitas no prédio,
executadas pela empresa WTorres e, aparentemente, fruto de um
Termo de Ajustamento de Conduta da Polícia Civil do Estado do Rio de
Janeiro com a empresa estatal Petrobrás. Quanto à documentação, ao
inspecionar o acervo as equipes técnicas dos arquivos identificaram:
certificados de registro de armas e explosivos, bem como registros e
portes de armas das décadas de 1940 a 2011; escalas de serviços e
outros documentos referentes ao Departamento Pessoal, fichas com
pareceres sobre idoneidade moral e profissional da segunda metade
da década de 1960 e pacotes fechados em sacolas plásticas e caixas
com informações sobre pessoas e operações policiais. As equipes
constataram, ainda, a necessidade de higienização de cada item
para que ele possa ser manuseado para uma eventual consulta ou
identificação mais minuciosa.
Entendendo que a manutenção do acervo no prédio prejudica
a conservação do mesmo e atrapalha a continuidade das obras
de restauração parcial do edifício, os órgãos aqui citados e a
Superintendência Estadual de Museus da Secretaria de Cultura
verificaram a possibilidade de remanejar os papéis para um local
mais apropriado. Tendo em vista que a transferência para as
dependências do APERJ foi descartada em razão da falta de espaço
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na sua sede, ainda não foi encontrada uma solução para o problema.
Com relação ao prédio, o GT ainda busca meios para garantir a
preservação de suas características e uma destinação para o prédio
que promova políticas de memória e direitos humanos no Estado do
Rio de Janeiro. Contudo, tendo em vista que a posse do prédio ainda
é da Polícia Civil, a ingerência do GT nesta seara se vê bastante
limitada.
DOI-Codi
Foram feitas três tentativas de visitar as instalações do DOICodi. E apenas na terceira, com o apoio da Comissão de Verdade
e Memória do Senado Federal, após longa negociação feita pela
Comissão Nacional da Verdade e pela Comissão da Verdade do
Rio com o ministério da Defesa e o Comando do Exército, que foi
possível realizar a diligência no local. Na terceira tentativa (23
de setembro), membros da CEV-Rio, senadores João Capiberibe
(PSB-AP), Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), as deputadas Erundina
e Jandira Feghali conseguiram visitar o local, que foi o principal
centro de torturas na ditadura militar. A visita foi considerada pelos
integrantes da comitiva uma importante iniciativa para reconstituir
os fatos que lá se passaram, bem como uma primeira iniciativa para
a transformação do local em centro de memória.
Após três tentativas fracassadas, a CEV-Rio
consegue realizar diligência ao DOI-Codi,
quando foi entregue uma solicitação oficial
de acesso à documentação do Exército ao
Comando Militar do Leste
Crédito: Lula Aparício
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Esse dia foi marcante para Álvaro Caldas, que esteve no DOICodi em momentos distintos da sua vida, as primeiras vezes como
“subversivo” e “prisioneiro”, em suas palavras, para depois voltar
duas vezes “em missão oficial como membro da Comissão da Verdade
do Rio para fazer um reconhecimento de suas instalações”. Foi lá
que o ex-preso político passou por diversas seções de tortura, com
choque, pau de arara e afogamento. Após diligência ele afirmou que,
mesmo com algumas mudanças, é possível reconhecer o local:
“O DOI-Codi foi o pior local que passei na vida. O de maior sofrimento
e dor, mas também de alegrias, quando um confortava o outro. Volto
43 anos depois da primeira vez que vim para cá. Na primeira, em
fevereiro de 1970, preso num ponto de encontro na rua, em Vaz Lobo,
cheguei algemado, no banco de trás de um Aero Willis. Na segunda,
três anos depois, entrei de capuz, estendido no piso traseiro de um
Corcel, depois de sequestrado em casa. Em ambas, meus captores
me conduziram por um portão lateral, entrada exclusiva para as
dependências do DOI-Codi, situadas no fundo do pátio interno
do quartel. A estrutura interna sofreu algumas mudanças, mas é
possível reconhecer as salas onde aconteciam as torturas, que eram
a rotina do DOI-Codi. Outros portões precisam ser abertos e esse
foi apenas o primeiro. É necessário saber onde estão os mortos e
desaparecidos e também ouvir os torturadores”, disse, emocionado
Álvaro.
década de 70, ela teria se atirado nos trilhos do metrô por não ter
aguentado a pressão.
No dia seguinte foi realizada, no Arquivo Nacional, a audiência
pública sobre tortura e mortes na Polícia do Exército na Vila Militar
que se debruçou sobre os casos do sargento da PM da Guanabara,
Severino Viana Colou, e do estudante de Medicina Chael Charles
Schreier, ocorridas em maio e novembro de 1969, na companhia
de Polícia do Exército da Vila Militar. Prestaram depoimento,
na ocasião, Silvio Da-Rin, Francisco Calmon, Amílcar Baiardi e
Rosalinda Santa Cruz. Na ocasião, prestou depoimento o coronel
reformado do Exército Hargreaves Figueiredo Rocha, de 82 anos,
que negou ter sido um dos autores do laudo de necropsia produzido
dentro do Hospital Central do Exército (HCE).
Vila Militar
Outra diligência, feita conjuntamente com a Comissão Nacional da
Verdade, em 23 de janeiro de 2014, permitiu reconhecer, apesar das
inúmeras mudanças, as celas e as salas de tortura que funcionavam
na Vila Militar, em Deodoro. Silvio Da-Rin foi um dos ex-presos
político que acompanhou a visita. Ele foi detido em 1969 e conseguiu
identificar onde eram as celas, solitárias e coletivas, e o refeitório,
onde os detidos recebiam a visita de familiares e advogados. Outro
ex-preso que participou da visita foi Francisco Calmon Ferreira
Silva. Na ocasião, ele mencionou o nome de 18 companheiros que
foram levados para Vila Militar, destacando entre eles o de Maria
Auxiliadora que ficou 42 dias presa no local. Segundo Calmon, na
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Seminários
Seminário DOPS: Ocupar a Memória – Um Espaço
em Construção
A principal atividade pública do GT DOPS em 2013 foi a realização,
nos dias 4 e 5 de novembro, do Seminário DOPS: Ocupar a Memória
– Um Espaço em Construção, que abordou o histórico de repressão
e resistência do prédio.
No primeiro dia de Seminário, no painel sobre Usos do Prédio
Através do Tempo, os temas discutidos foram em torno da política
de repressão que perpassa a Primeira República, o Estado Novo e a
Ditadura Militar. Essa mesa reuniu os professores Marcos Brêtas,
Anita Prestes e Jessie Jane Vieira de Souza, do Departamento de
História da UFRJ, além da Mãe Meninazinha de Oxum, do Terreiro
Ilê Omolu Oxum.
Nessa mesa discutiu-se que o prédio do DOPS era um espaço que,
antes mesmo do golpe de 64, era usado pelos aparelhos de segurança
do governo. Em 1910, por exemplo, foi criado ali a sede da Polícia
Central e, ainda no período Vargas, com a perseguição às religiões de
matrizes africanas, inúmeros terreiros foram invadidos pela polícia.
As imagens apreendidas eram levadas para o Dops e esse material,
até hoje, está em posse da polícia, no prédio do antigo IML. “Já
procuramos a polícia para devolução, porque todas aquelas imagens
não deveriam estar em um museu, mas nas nossas casas e terreiros.
A polícia trata como acervo, mas para a gente é sagrado”, explicou
Mãe Meninazinha de Oxum.
Essa discussão teve continuidade no segundo dia, no painel sobre
Construção e Gestão de Espaços de Memória, no qual gestores/
militantes trouxeram suas experiências a frente de Espaços de
Memória no Rio de Janeiro, Brasil e América Latina.
Marcelo Cunha apresentou o projeto museológico do Museu AfroBrasileiro da UFBA, pioneiro na repatriação de imagens da cultura
afro-brasileira apreendidos pelas forças policiais: “Na Bahia vivemos
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um cenário parecido com esse do Rio. O candomblé era criminalizado
e visto como prática de feitiçaria e falsa medicina. Os objetos que
não eram destruídos, com a invasão dos terreiros, eram levados para
a sede da polícia. São esses elementos que compõem, atualmente, o
acervo do Museu Afro-Brasileiro. A repatriação é simbólica, o que
nos interessa é que essa coleção representa a violência policial e a
repressão do Estado”.
Suelli Bellato, vice-presidente da Comissão da Anistia do Ministério
da Justiça, apresentou o projeto do Memorial da Anistia, que está
em fase de construção. No local, os visitantes terão acesso aos 72 mil
processos de presos, banidos e exilados.
Outra experiência apresentada no seminário foi a de São Paulo,
com o Memorial da Resistência, que recebe, por ano, cerca de 70
mil visitantes. Desse total, 25 mil são estudantes, sendo a maioria
(18 mil) do Ensino Fundamental. Kátia Filipini falou sobre a
importância de envolver os ex-presos políticos e seus familiares
para, a partir desses testemunhos, estruturar o projeto de centro
de memória.
período de abertura, já passamos do segredo e da clandestinidade.
Ouço dizer que esse já é o momento para pensarmos o que queremos
para o Dops”, disse Fabiola Heredia.
Calendário de “descomemoração”: 50 anos do golpe
1º de abril de 2014. 50 anos do golpe militar. Para “descomemorar”
essa data, a Comissão da Verdade do Rio produziu o “Calendário
de Descomemoração do Golpe Civil-Militar: 50 anos de resistência
e luta pela democracia, Ditadura Nunca Mais”, em duas versões,
digital e impressa, compilando 126 atividades no Rio de Janeiro
entre março e maio de 2014, desde debates com ex-militantes
políticos e especialistas no tema, lançamento de livros e filmes, até
palestras em instituições de ensino (foram, ao todo, 65 escolas e
universidades).
A mesma preocupação foi apresentada por Cláudia Ribeiro da Silva,
do Museu da Maré, iniciativa do Rio de Janeiro. Segundo ela, o
Museu da Maré tem forte participação dos moradores. “O museu,
fundado em maio de 2006, é um instrumento de resistência e um
espaço para se conhecer a história da Maré e de seus moradores.
Por isso criamos um fórum para que essa participação seja efetiva.
Eles, inclusive, opinam sobre as exposições que montamos”.
Por fim, representando o Archivo Provincial de la Memoria de
Córdoba, na Argentina, Fabiola Heredia demonstrou as mais diversas
e criativas estratégias de atuação de um Espaço de Memória. E
ressaltou a importância de ocupar o local, valendo-se de toda sorte
de manifestações políticas e culturais: “Essa é uma conversa sobre o
tipo de sociedade que queremos. É uma luta para que esses espaços,
usados como centros de tortura, sejam recuperados e possam mostrar
para o que realmente foram usados. Na Argentina há exemplos de
locais como o DOPS que se transformaram em escolas primárias,
por exemplo. Isso é feito para manter o silêncio. Mas vivemos um
70
Arte: Marcelo Santos/SEASDH
A publicação foi um encaminhamento do Fórum de Participação de
fevereiro. O calendário reuniu diversas atividades, não apenas as
organizadas pela Comissão da Verdade do Rio, mas de instituições
da sociedade civil, além de diversos eventos de comissões municipais
e setoriais.
71
Seminário 50 anos do golpe militar: o Brasil que nós
perdemos
O pontapé inicial dessa extensa programação foi o Seminário “50
anos do golpe militar: o Brasil que nós perdemos”, organizado
pela Comissão da Verdade do Rio, o Instituto João Goulart e a
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), local do evento.
O dia não podia ser mais emblemático: 13 de março. Mesma data,
50 anos atrás, do ato que ficou conhecido por Comício da Central
e reuniu milhares de pessoas, que esperavam para ouvir o então
presidente João Goulart que defenderia as reformas de base
propostas por seu governo: agrária, educacional e política.
O seminário contou com uma programação extensa e com a presença
e participação da ex-primeira dama e viúva de João Goulart, Maria
Thereza Goulart, e de seus filhos, João Vicente, presidente do
Instituto João Goulart, e Denise Goulart, vice-presidente do órgão.
O ato começou com a palestra “O porquê do golpe” de Waldir Pires
que foi Consultor-Geral da República em 1964. A programação do
seminário contou ainda com debates acerca das reformas educacional,
agrária e política. E para encerrar, a mesa sobre “As lutas das ruas:
a criminalização dos movimentos sociais e a não responsabilização
dos agentes do Estado”. Nomes como o da educadora Nita Freire e
João Pedro Stédile participaram da atividade que teve o objetivo
de analisar a conjuntura que precedeu o golpe, refletir sobre as
permanências e o desafio para a consolidação da democracia. O
seminário contou ainda com a participação de Randolfe Rodrigues,
Paulo Ribeiro, Daniel Iliescu, Kleybson Ferreira, Rafael Kritski,
Fernanda Vieira, Adriano Pilatti e Mauro Iasi.
Jornadas de Memória Verdade e Justiça nas
Universidades
Outras atividades que merecem destaque, durante o Calendário
da Descomemoração, foram as Jornadas nas Universidades, nas
instituições que ganharam o edital público que a CEV-Rio lançou
junto à Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do
Estado do Rio de Janeiro (Faperj). UFRJ, UFF de Volta Redonda,
UFRRJ, PUC-Rio, Fundação Getúlio Vargas e IBMEC organizaram
sete seminários com o objetivo de esclarecer os objetivos das
pesquisas financiadas que auxiliam os trabalhos da CEV-Rio.
“Foi Deus que me ajudou a estar aqui neste momento, depois de 50 anos, para uma reflexão
sobre o Brasil com que o Jango tanto sonhou”, disse Maria Theresa Goulart no seminário que
marcou 50 anos do Comício da Central do Brasil
Crédito: Lula Aparício
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Pesquisas FAPERJ/CEV-Rio
Esta foi uma ação inédita no que diz respeito às atividades das
Comissões da Verdade instauradas no Brasil. O edital público lançado
pela CEV-Rio em parceria com a Faperj, teve um investimento total
de R$2 milhões, distribuídos entre os sete projetos que ganharam
o financiamento do programa de “Apoio ao estudo de temas
relacionados ao direito à memória, à verdade e à justiça relativas a
violações de direitos humanos no período de 1946 a 1988”.
O Fórum de Participação sobre o edital
FAPERJ contou com a presença de Caio
Almeida, representante da fundação, para
explicar o edital publicado em parceria com a
CEV-Rio
Crédito: Bruno Marins
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Os projetos aprovados, que auxiliarão os trabalhos da CEV-Rio, mas
se estenderão ao prazo de vigência da mesma, foram: “Conflitos por
terra e repressão no campo no estado do Rio de Janeiro (1946-1988)”,
da UFRRJ; “O testemunho como janela: o perfil dos atingidos e a
estrutura repressiva do estado ditatorial no Rio de Janeiro a partir
de testemunhos dados à comissão de reparação do Estado do Rio
de Janeiro”, da UFRJ; “Arqueologia da reconciliação: formulação,
aplicação e recepção de políticas públicas relativas à violação de
direitos humanos durante a ditadura militar”, da Fundação Getúlio
Vargas; “Políticas públicas de memória para o Estado do Rio de
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Janeiro: pesquisas e ferramentas para a não-repetição”, da PUCRio; “Justiça autoritária? Uma investigação sobre a estrutura da
repressão no poder judiciário do estado do Rio de Janeiro (19461988)”, da UFRJ; “A estrutura de atuação do Poder Judiciário no
Estado do Rio de Janeiro durante o período do governo militar e
recomendações para políticas públicas de não repetição neste
âmbito”, da IBMEC; e, por fim, “O 1º Batalhão de Infantaria
blindada do Exército e a repressão militar no Sul Fluminense”, da
UFF de Volta Redonda.
A cerimônia de mudança de nome foi realizada na própria escola, em
13 de dezembro, 45 anos depois da promulgação do Ato Institucional
nº 5 no governo de Costa e Silva, instrumento responsável pelo
fechamento do congresso e por suspender a possibilidade de
impetração de habeas corpus nos casos de crimes políticos.
Mudança do nome da
escola
Ao invés de Colégio Estadual Presidente Costa e Silva, Colégio
Estadual Abdias Nascimento. É assim que a escola de Nova Iguaçu,
na Baixada Fluminense, passou a ser chamada depois de iniciativa
inédita da Comissão da Verdade do Rio, com a colaboração das
Secretarias de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos
e de Educação. Considerando que ainda existem monumentos,
avenidas, ruas e escolas públicas no Estado do Rio de Janeiro que
homenageiam ditadores e agentes da ditadura militar, a CEV-Rio
considera que a troca de nome cumpre uma função pedagógica sobre
a formação de crianças, jovens e de gerações futuras.
Legenda: Iniciativa inédita da CEV-Rio mudou o nome de escola em Nova Iguaçu que
homenageava ditador
Crédito: Wanderson Cruz/SEASDH
Neste sentido, a comissão iniciou, em agosto de 2013, um trabalho de
sensibilização com os professores e seus 1200 alunos do ensino Médio
e Fundamental. Como a escola desenvolvia o projeto pedagógico
Saber Étnico Racial (SER), o nome escolhido pela comunidade
escolar homenageia Abdias Nascimento, referência na militância do
movimento negro, um personagem da nossa história que lutou pela
democracia e pela igualdade racial. Abdias foi fundador do Teatro
Experimental do Negro e o primeiro deputado federal a dedicar
seu mandato à luta contra o racismo. Foi senador e, no governo
de Leonel Brizola, nomeado Secretário de Defesa e Promoção das
Populações Afro-Brasileiras do Estado do Rio de Janeiro.
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A Comissão da Verdade do Rio elaborou em parceria com a sociedade
civil um conjunto de recomendações à Comissão Nacional da Verdade.
Almeja-se que essas ideias sejam incorporadas ao relatório final e,
posteriormente, se transformem em políticas públicas capazes de
enfrentar e garantir a não repetição das violações de direitos humanos.
Todas as recomendações foram construídas com as portas abertas: a
melhor forma de pensar nas políticas públicas. Nosso trabalho busca
revelar fatos, circunstâncias e autorias dessas violações de Direitos
Humanos, bem como identificar os locais que serviram à repressão,
mas cabe ao Estado brasileiro assumir para si a responsabilidade de
efetivar uma política nacional de não esquecimento após a entrega do
relatório final.
No Fórum de Participação do dia 05 de setembro de 2014 produzimos
um documento com as recomendações enviadas à CNV. Cada uma
traz em si aspectos de resistência que acompanham a humanidade
ao longo de séculos. O Brasil tem em suas mãos a oportunidade de
reformular o currículo das Forças Armadas e incluir no material
didático conteúdos que revelem as atrocidades da ditadura. Podemos
citar vários exemplos de medidas administrativas como renomear a
ponte Rio Niterói que presta homenagem ao ditador Costa e Silva. São
questões mais simples como essa ou mais complexas como a revisão da
Lei de Anistia que apresentamos nesse relatório parcial.
Esse é o único modo de evitar a repetição, e para que essa porta não
se feche, cabe à sociedade mantê-la aberta. As novas gerações não
conhecerão a história desse país se não souberem exatamente quem,
como e a mando de quem tantas violações aconteceram, por exemplo,
na famigerada casa da morte em Petrópolis.
A busca da verdade é dever do Estado, da sociedade e de cada um de nós.
Para descortinar esse passado e exigir políticas de memória, verdade
e justiça no estado do Rio de Janeiro, realizaremos plenárias públicas
para debater, ouvir e decidir quais serão as nossas recomendações no
âmbito da Comissão da Verdade do Rio.
Nadine Borges
Presidente Interina da Comissão da Verdade do Rio
Rio de Janeiro, 30 de setembro de 2014
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Recomendações para o
Relatório Final da Comissão
Nacional da Verdade
30 de setembro de 2014
Todas as recomendações sugeridas pela Comissão da Verdade do
Rio estão consagradas no art. 3º, VI, da Lei nº 12.528/12, a saber,
“recomendar a adoção de medidas e políticas públicas para prevenir
violação de direitos humanos, assegurar sua não repetição e
promover a efetiva reconciliação nacional”. Este documento foi
aprovado pelo Fórum de Participação da Verdade do Rio e contou com
a colaboração de parceiros como o projeto Clínicas do Testemunho e
o Memórias Reveladas do Arquivo Nacional. Deste modo, expomos
abaixo nossas sugestões com o órgão responsável e a justificativa de
cada medida de não-repetição.
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1. Criar Espaços de Memória sobre a violência estatal durante a ditadura
militar em locais que serviram para prisões e torturas de presos políticos
no estado do Rio de Janeiro: DOPS/RJ (Rio de Janeiro), DOI-CODI (Rio
de Janeiro), Casa da Morte (Petrópolis), Ilha das Flores (São Gonçalo),
Invernada de Olaria (Rio de Janeiro), Ginásio do Caio Martins (Niterói),
Ginásio do Clube Ypiranga (Macaé), Batalhão de Infantaria Blindada do
Exército (Barra Mansa).
3. Criar uma Política Nacional de Arquivos e incluir os acervos das
Forças Armadas: CISA, CIE e CENIMAR, bem como o do Ministério das
Relações Exteriores (CIEx) em uma plataforma única em todo o país
que inclua todos os documentos dos órgãos do Sistema Nacional de
Informações e Contra-informação (SISNI).
Órgão responsável: Ministério da Justiça e Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência da República
Relevância: A localização e o recolhimento dos arquivos são essenciais
para o avanço das pesquisas históricas e para o conhecimento
sobre esse passado. Além disso, podem fornecer informações
importantes para que as famílias e o Poder Público avancem no
sentido de esclarecer as circunstâncias em que ocorreram violações
e, principalmente, descobrir o paradeiro de desaparecidos políticos.
Relevância: Criar espaços de memória significa: construção de
memórias coletivas sobre o passado traumático;
99 Sinalização e abertura para o conhecimento da sociedade sobre este período;
99 Reconhecimento do valor histórico e testemunhal destes lugares;
99 Promoção da memória de forma ativa e pedagógica;
99 Ressignificação simbólica desses espaços;
99 Direito à Memória como um direito humano reconhecido internacionalmente;
99 Consolidação democrática e construção do “Nunca mais”.
2. Criar uma Política Pública para o mapeamento e mudança de nomes
de ruas, estradas, pontes, praças, logradouros e instituições públicas que
levem o nome de agentes da repressão, em especial de ditadores.
Órgão responsável: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência
da República
Relevância: Espaços centrais em diversas cidades como, por
exemplo, a Ponte Costa e Silva (Federal entre Niterói e Rio de
Janeiro), o viaduto 31 de março (Rio de Janeiro), a Ponte General
Emílio Garrastazu Médici (Municipal em Volta Redonda – RJ), sem
contar diversas escolas, ruas e praças que homenageiam ditadores
e perpetradores de graves violações de direitos humanos são
incompatíveis com a democracia e os Direitos Humanos.
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Órgão responsável: Ministério da Defesa e Ministério da Justiça
4. Localizar e abrir os documentos de órgãos vinculados à repressão
política nos estados, em especial os acervos dos Departamentos de
Ordem Política e Social (DOPS), promovendo seu recolhimento e
tratamento técnico nos arquivos públicos e disponibilização no Banco de
Dados Memórias Reveladas do Arquivo Nacional.
Órgão responsável: Ministério da Justiça e governos estaduais
Relevância: A guarda de documentação pública federal cabe ao
Arquivo Nacional, onde já se encontram os acervos do SNI, CGI,
DSIs, etc. Já os documentos estaduais como, por exemplo, do DOPS
devem ser tutelados pelos arquivos estaduais.
5. Ampliar e aperfeiçoar o banco de dados Memórias Reveladas,
alimentando-o com informações e representantes digitais dos acervos
documentais e orais em posse do Poder Público, cujo acesso deve ser
universalizado, facilitado e disponibilizado na Internet, com a criação de
polos de acesso em diferentes localidades.
Órgão responsável: Presidência da República e Ministério da Justiça
Relevância: A maior parte do acervo do DOPS se encontra no Arquivo
Público do Estado, mas não está digitalizada, o que dificulta a
pesquisa e prejudica a longevidade do material. Outra parte dessa
documentação, a CEV-Rio encontrou abandonada e sem indexação
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no prédio onde funcionou o DOPS. Somado a isso, as comissões
municipais, pesquisadores e pessoas interessadas no tema precisam
se deslocar até a Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro para consultar
este acervo.
6. Realizar um pedido de desculpas oficial por parte dos comandantes
do Exército, Marinha, Aeronáutica e da Presidência da República,
reconhecendo as graves violações de direitos humanos cometidas
contra a sociedade brasileira com a presença de ex-presos e familiares
de mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura militar.
Órgão responsável: Ministério da Defesa e Presidência da República
Relevância: O pedido de desculpas do Estado é fundamental para
firmar o processo de Justiça Transicional. No âmbito da reparação
integral dos atingidos, este pedido demonstra a superação de uma
perspectiva meramente pecuniária, compreendendo integralmente
os impactos psicológicos e sociais do dano, além de alcançar uma
reforma institucional do Estado. Deste modo, o nosso horizonte
deve ser um processo de transição que transforme estas instituições
para que respeitem e garantam Direitos Humanos, reconhecendo
quando eventualmente não os tenha respeitado, como na ditadura
militar.
7. Cumprir todos os pontos resolutivos da Sentença do Caso Julia
Gomes Lund e outros versus Brasil da Corte Interamericana de Direitos
Humanos.
Órgão responsável: Presidência da República, Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência da República e Congresso Nacional
Relevância: Na sentença do Caso Araguaia, a Corte Interamericana
de Direitos Humanos determinou que o Brasil adotasse um conjunto
de medidas para garantir os direitos à Memória, à Verdade e à
Justiça. O cumprimento em sua totalidade responderia a anseios
de familiares e da sociedade civil, além de representar avanço na
proteção dos Direitos Humanos no país. A sentença determina
que o Estado brasileiro deve, dentre outras medidas: investigar e
esclarecer os crimes cometidos por agentes do Estado durante a
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repressão à Guerrilha do Araguaia, responsabilizando penalmente
os perpetradores; encontrar o paradeiro dos restos mortais dos
desaparecidos e entregá-los aos parentes; oferecer tratamento
médico psicológico às famílias; implementar curso obrigatório e
permanente sobre Direitos Humanos em todos os níveis das Forças
Armadas e tipificar o crime de desaparecimento forçado.
8. Democratizar os meios de Comunicação com a aprovação de uma
nova lei de meios.
Órgão responsável: Ministério das Comunicações
Relevância: Apresentar proposta ao Congresso Nacional que amplie
e diversifique a outorga de licenças por parte do Poder Público para
transmissão de TV (aberta e fechada) e rádio, considerando que
o atual marco regulatório defende parâmetros estabelecidos pela
ditadura militar. É dever do Estado assegurar o acesso universal aos
meios de Comunicação, contribuindo desta forma com a liberdade
de informação, inclusão social, não-discriminação, promoção da
diversidade cultural, educação e entretenimento. A Comunicação
deve, portanto, ser entendida como um Direito Humano, servindo
de exemplo as experiências de países como Reino Unido, Holanda
e as reformas já implantadas pele Argentina, Uruguai e Equador.
9. Estabelecer atenção psicossocial permanente às vítimas de violência
institucional como forma de reparação integral.
Órgão responsável: Ministério da Saúde, Secretaria de Direitos
Humanos e Ministério da Justiça
Relevância: A rede de atenção psicossocial deve garantir atendimento
especializado e multidisciplinar às vítimas de violência institucional
no Brasil. A ditadura militar deflagrou um profundo processo de
violência contra amplos segmentos da população brasileira, em
especial a mais pobre e negra. Nesse sentido, medidas reparatórias,
não apenas no âmbito pecuniário, mas no subjetivo, devem ser
proporcionadas pelo Estado. Até 2011, a Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência da República fomentava um programa
de Centros de Atendimento às Vítimas de Violência em diferentes
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pontos do território brasileiro, em uma perspectiva de atendimento
interdisciplinar. Mais recentemente, a Comissão de Anistia do
Ministério da Justiça iniciou o projeto Clínicas do Testemunho,
que visa tal atendimento, mas com enfoque específico para
anistiados e familiares. Portanto, sugerimos que o projeto Clínicas
do Testemunho deve ser transformado em política de Estado,
articulada intersetorialmente de maneira a garantir a reparação
psicológica às pessoas afetadas pela violência de Estado, bem como
capacitar os profissionais de saúde para a ampliação dessa atenção
a todos os afetados do passado e do presente.
10.Tipificar o crime de desaparecimento forçado.
Órgão responsável: Presidência da República e Congresso Nacional
Relevância: O desaparecimento forçado foi um dos métodos de
repressão mais característicos da ditadura militar e ainda hoje
é prática comum por parte de agentes do Estado. A tipificação do
crime representaria avanço importante para de coibir esta prática,
conforme exige o Direito Internacional dos Direitos Humanos.
11.Criar um organismo de monitoramento da implantação das
recomendações feitas pela Comissão Nacional da Verdade ao Estado
brasileiro.
Órgão responsável: Presidência da República e Secretaria de
Direitos Humanos
Relevância: O término da Comissão Nacional da Verdade não pode
significar uma estagnação da pauta Memória, Verdade e Justiça. Se
uma das atribuições legais da CNV é fazer recomendações ao Estado,
a fim de evitar a repetição de crimes ocorridos no passado, é essencial
que tais recomendações materializem-se em políticas públicas, que
garantam transformações em determinadas estruturas do Estado
brasileiro, avançando na proteção dos Direitos Humanos. A Comissão
Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos se caracteriza como um
importante organismo permanente vinculado à agenda da Justiça
Transicional, bem como o Conselho Nacional de Direitos Humanos.
Cabe ao Estado brasileiro consolidar em sua estrutura um organismo
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de monitoramento e implantação da totalidade das recomendações
feitas pela Comissão Nacional da Verdade.
12.Retificar as certidões de óbito de pessoas assassinadas pela ditadura
militar com a real causa mortis.
Órgão responsável: Conselho Nacional de Justiça
Relevância: A exemplo do emblemático caso do jornalista Vladmir
Herzog, cuja certidão de óbito foi alterada por determinação da
Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a retificação das
certidões de óbito com a inserção da real causa mortis (fazendo
menção a torturas, execução sumária etc.) é elemento essencial
para a reparação dos atingidos e para a consolidação do direito à
Memória e à Verdade.
13.Localizar e identificar no Ministério das Relações Exteriores,
em especial nas embaixadas do Brasil no exterior, a documentação
diplomática relativa ao período da ditadura militar, recolhendo ao
Arquivo Nacional o acervo referente à perseguição política e a violações
de direitos humanos ocorridas naquele período.
Órgão responsável: Ministério das Relações Exteriores e Ministério
da Justiça
Relevância: Durante a ditadura, o Brasil possuía diversas
embaixadas em funcionamento no exterior. Como se sabe, milhares
de brasileiros foram obrigados a deixar o país em decorrência de
perseguição política. A documentação presente nestas embaixadas
pode conter informações importantes sobre estes brasileiros.
14.Realizar uma auditoria da dívida da ditadura militar.
Órgão responsável: Presidência da República e Congresso Nacional
Relevância: O ciclo atual de endividamento no Brasil teve início
nos anos 1970, no âmbito do que a ditadura chamou de “milagre
econômico”. Uma auditoria da dívida do período faz-se necessária,
a medida em que, planos de ajuste fiscal e medidas correlatas, vem
aprofundando as desigualdades sociais em nosso país, desde então.
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15.Estabelecer um feriado nacional como marco para comemorar a
Democracia (5 de outubro).
Órgão responsável: Presidência da República e Congresso Nacional
Relevância: Feriados são importantes instrumentos de transmissão
de memória. O estabelecimento de um feriado no dia da promulgação
da Constituição cidadã de 1988, 5 de outubro, tem o sentido de
homenagem e comemoração, por ser este o marco definitivo do fim
da ditadura militar no Brasil.
16.Apresentar os “termos de destruição”, previstos no Regulamento
para Salvaguarda de Assuntos Sigilosos (RSAS), que tratarem da
incineração de documentos do período da ditadura militar relacionados
às Forças Armadas e a órgãos de informação e contra-informação
vinculados ao SISNI.
Órgão responsável: Ministério da Defesa
Relevância: Um dos argumentos apresentados pelas Forças Armadas
para impedir o acesso aos arquivos do período da ditadura militar é
o de que eles já teriam sido incinerados. Nesse caso, é essencial que
sejam apresentados os recibos dessa incineração como determina a lei.
17.Adotar medidas administrativas para cassar a gratificação e
honrarias e afastar servidores públicos comprovadamente envolvidos
em graves violações de Direitos Humanos.
Órgão responsável: Presidência da República, Previdência Social e
Congresso Nacional
Relevância: A permanência de agentes envolvidos na repressão em
cargos públicos ou ganhando gratificações é incompatível com a
democracia. A manutenção de seus vínculos com o funcionalismo
público passa a inaceitável mensagem de desresponsabilização dos
que cometeram graves violações de Direitos Humanos.
18.Reformar os currículos mínimos e os conteúdos de materiais
didáticos, a fim de incluir o debate sobre o tema da ditadura militar de
forma mais profunda no sistema educacional brasileiro.
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Órgão responsável: Ministério da Educação
Relevância: Os livros didáticos adotados pelo Programa Nacional
do Livro Didático do MEC e os currículos mínimos, embora tratem
do tema da ditadura militar no Brasil, não o fazem a partir de um
debate aprofundado que inclua o processo de transição e que foque
nas graves violações de Direitos Humanos ocorridas no período.
A exigência de que esse tema seja tratado nas escolas é essencial
para transmitir o conhecimento sobre os fatos ocorridos para as
novas gerações, condição para o estabelecimento de uma cultura de
respeito aos Direitos Humanos.
19.Desmilitarizar as polícias e criar Ouvidorias Externas para as
instituições de segurança cidadã.
Órgão responsável: Congresso Nacional
Relevância: Embora as polícias militares não tenham sido criadas
na ditadura, sua transformação em força auxiliar do Exército se
deu no ano de 1969. A formação atual das polícias visa o combate
ao inimigo interno, à época os “subversivos” e “terroristas”, e hoje
identificados a partir de outras categorias. A desmilitarização da
polícia e a criação de uma ouvidoria externa representam uma
inversão nessa lógica, com a preparação dos agentes não para a
repressão de um potencial inimigo, mas para a proteção dos direitos
dos cidadãos.
20.Extinguir do ordenamento e da prática jurídica brasileira a declaração
de auto de resistência e quaisquer estratégias inibidoras de investigação;
assegurar o devido processo legal e as garantias judiciais em caso de
execução sumária.
Órgão responsável: Presidência da República e Congresso Nacional
Relevância: Além de não terem amparo legal no direito penal
brasileiro, o termo “auto de resistência” é frequentemente
utilizado em inquéritos policiais para encobrir casos de
abusos e execuções de civis por agentes do Estado. Em regra,
esses casos não são investigados sob a justificativa de uma
suposta autodeclaração de legítima defesa por parte da polícia,
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desestimulando a atuação do Ministério Público e do Poder
Judiciário. É importante ressaltar que a primeira normativa
que inseriu os autos de resistência como um instrumento a ser
utilizada pelo policial data de 1968.
21.Rever a cassação por motivos políticos dos mandatos de todos os
parlamentares após o golpe de 1964.
Órgão responsável: Congresso Nacional
Relevância: A revisão da cassação e devolução simbólica dos
mandatos de parlamentares perseguidos são importantes medidas
de reparação para as vítimas da perseguição política e para a
democracia. Trata-se, ainda, de uma forma de resgatar a memória e
a história desses parlamentares.
22.Adotar nas Instituições Militares de Educação (Colégios, Escolas
e Academias Militares) os parâmetros estabelecidos pelo MEC nos
currículos pedagógicos.
Órgão responsável: Congresso Nacional
Relevância: A formação das escolas militares não pode ser diferente
de outras instituições de ensino do país. Por não estarem adequadas
a parâmetros curriculares do MEC, ainda hoje utilizam materiais
que tratam o golpe a partir de uma perspectiva que o legitima,
ignorando, quando não justificando, o papel das próprias Forças
Armadas nas graves violações de Direitos Humanos ocorridas no
período.
23.Adotar o Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade e o
Programa Nacional de Direitos Humanos como material pedagógico
nos cursos das Instituições Militares de Educação (Colégios, Escolas e
Academias Militares), bem como os relatórios das comissões estaduais,
respeitando o local da instituição de ensino.
Órgão responsável: Ministério da Defesa
Relevância: A utilização do Relatório Final da Comissão Nacional da
Verdade e das comissões estaduais, assim como o Programa Nacional
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de Direitos Humanos, como material obrigatório nas escolas
militares, bem como o fomento às visitas de locais de memória da
ditadura, preencheriam lacunas na formação dos oficiais no que se
refere ao conhecimento histórico do período e ao conjunto de graves
violações de Direitos Humanos perpetradas por agentes do Estado.
24.Apoiar, nas universidades, nos arquivos e nos museus, o
estabelecimento de linhas de pesquisa, a produção de conteúdos, a
tomada de depoimentos, o registro de informações, o recolhimento e
o tratamento técnico de acervos sobre fatos ainda não conhecidos ou
esclarecidos sobre o período da ditadura militar.
Órgão responsável: Ministério da Educação, Ministério da Justiça e
Ministério da Cultura
Relevância: Ainda cabe ao Brasil avançar no conhecimento histórico
sobre o período da ditadura militar, uma vez que há diversos fatos
ligados a graves violações de Direitos Humanos não esclarecidos.
A produção de conteúdo, a partir de documentos, testemunhos
e informações novas, possui importante caráter pedagógico e
reparatório, colocando a discussão sobre este período no meio
social e contribuindo para a não-repetição de abusos de poder e
violações de Direitos Humanos.
25.Revisão/Reinterpretação da Lei de Anistia
Órgão responsável: Supremo Tribunal Federal e Congresso
Nacional
Relevância: A Lei de Anistia de 1979 e sua interpretação até hoje
são os principais elementos que garantem a não responsabilização
dos agentes do Estado, protagonistas das violações de Direitos
Humanos ocorridas durante a ditadura militar. Ao estender,
tanto aos perseguidos políticos, quanto aos agentes do Estado,
a lei continua impedindo a investigação e a persecução dos mais
violentos crimes, tidos como imprescritíveis e não-anistiáveis por
organismos internacionais de proteção dos Direitos Humanos.
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26. Proibir o julgamento de civis pela Justiça Militar conforme ADPF 289
Órgão responsável: Congresso Nacional
Relevância: Decisão recente do Supremo Tribunal Federal declarou
constitucional o julgamento de civis por tribunais militares,
mesmo em tempos de paz. Entretanto, diversos países que também
passaram por períodos autoritários revisaram sua legislação no que
tange a esse tema, como Portugal, Argentina, Colômbia, Paraguai,
México e Uruguai. Há, ainda, uma decisão da Corte Interamericana
de Direitos Humanos (“Caso Palamara Iribarne vs. Chile”, de 2005),
que determinou que o Chile adotasse semelhante medida.
27.Extinguir do ordenamento jurídico brasileiro o crime de desacato;
Órgão responsável: Congresso Nacional
Relevância: O crime de desacato configura mais uma formulação
autoritária na legislação e na prática policial brasileira. Organismos
como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos há muito
tempo já se manifestaram contrariamente aos países cuja legislação
tipifica este crime, afirmando que este se presta ao abuso e constitui
um meio para silenciar ideias e opiniões. Além disso, este tipo
penal garante, de maneira injustificada, uma maior proteção a
funcionários públicos. Segundo a Comissão Interamericana, o
simples fato de tipificar o crime de desacato configura uma violação
à liberdade de expressão e ao direito à informação.
28.Acabar com a Justiça Militar da União e dos Estados.
Órgão responsável: Congresso Nacional
Relevância: O funcionamento da Justiça Militar em tempos de paz
é injustificável à luz dos princípios democráticos e republicanos.
Países como Argentina, França e Bélgica já extinguiram suas
Justiças Militares, estabelecendo a competência do foro civil para
todo e qualquer cidadão que pretenda defender seus direitos.
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