12 Opinião, 19 de março de 1976 AFRICA Um banho de sangue
Transcrição
12 Opinião, 19 de março de 1976 AFRICA Um banho de sangue
Opinião, 19 de março de 1976 12 Apesar da s^urança de lan Smith, o primeiro-ministro, ?[ue quer empreender o combate mal contra o comunismo, o caos e o anticristo, o moral dos rodesianos brancos não é nada bom. São 280 mil brancos contra 6 milhões de negros. Nas opulentas fazendas do interior do pais, bem como nos bairros chiques da capital, evocase abertamente a “corrida para Beitbridge", o posto fronteiriço que permite chrâar à África do Sul. Esta ansiedade se explica. Durante 10 anos, o hábil lan Smith soube “embromar” os ingleses, seus interlocutores negros e o mundo inteiro, incluindo-se ai a ONU, cujas “sanções” não perturbaram a prosperidade rodesiana. Bruscamente, tudo mudou: Smith tem contra ele Londres, Washington, Pretória - e cerca de 10 mil guerrilheiros que, nas suas fronteiras, só esperam a ordem de atacar. No entanto,' há apenas dois anos, Smith havia “cortado” sem dificuldade uma ofensiva dos rebeldes. Seu exército se orgulhava de um “killing ratio" (“relação de mortes”) de 10 inimigos para um soldado rodesiano. Com a ajuda das tropas de choque sulafricanas, helicópteros antiguerriIha franceses do tipo Alouette, e dos métodos aprendidos com o exército britânico na Malásia, os rodesianos encurralavam facilmente os combatentes negros, mal armados e mal treinados. Hoje, tudo mudou: os sul-africanos partiram. E os combatentes acompanhados nas fronteiras recebem treinamentos de instrutores chineses e às vezes soviéticos. O desmoronamento da parede Através do Moçambique independente, desde junho último, afluem as melhores armas: os guerrilheiros que devem libertar o Zimbabwe - futura denominação da atual Rodésia - não estão mais desarmados frente à força de choque do Exército rodesiano: os aviões e os helicópteros. Agora eles sabem manejar os Sam 7, que foram utilizados no Vietnã e no Oriente Médio. Ora, embora não pareça, as forças de lan Smith não estão em condições de enfrentar uma tropa O rústico nascimento da República Árabe Saharavi Democrática (RASD), a 27 de fevereiro, à luz fraca dos faróis de velhas Land-Rover da Frente Polisario, em alguma parte do deserto, do lado de Bir Lahiou, não altera em nada o tabuleiro de xadrez do Maghreb. Cada passo fixa os antagonistas em suas posições contraditórias. A guerra não deixa de ser motivo de conversas e suposições. Impossível e inevitável, absurda e lógica, ela acabará por eclodir... Pela força, pelas palavras, pelo jogo das alianças e das pressões, o Marrocos e a Argélia^ sopram sobre o pavio da bomba polisaria. A margem de manobra se reduz. A proclamação do novo Estado não é senão um passo a mais, irreversível. Já em dezembro último, por pouco deixei de assistir ao “grande acontecimento”. Quando os guerrilheiros da Frente nos levaram para Leste do Tindouf, eles o anunciaram em meias-palavras. No último momento, houve uma contra-ordem. O deserto não estava maduro, com aquelas dezenas de milhares de refugiados nos campos, as miseráveis migrações de todos aqueles que fugiam do exército real e da iminente ofensiva marroquina. Agora, o fato está consumado. A situação é abominavelmente clara. Silêncio em Adis-Abeba - Como já prevíamos há um mês, o coro- AFRICA Um banho contra a de sangue Bodésia François Schlosser La Nouval Obaarvataur verdadeiramente organizada. O exército rodesiano conta com apenas cinco mil soldados regulares, cerca de 10 mil reservistas e, no máximo, 25 mil brancos mobilizáveis. Nenhum armamento pesado: nem tanques, nem canhões de calibre grande. Portanto, os “cubanos”, com seus tanques soviéticos e seus Mig, não têm necessidade de se deslocar para a região; aliás, os instrutores chineses, que preparam o grosso dos combatentes negros, estão convencidos de que seus alunos poderão fazer o trabalho sozinhos. Os chefes militares rodesianos compartilham este ponto de vista e já comunicaram-no a lan Smith. O primeiro-ministro replicou: “Peçam ajuda aos sul-africanos." Infelizmente para ele, o país do apartheid tem outros problemas, mais importantes, a resolver. Dois acontecimentos fundamentais, que colocaram tudo em questãq, ocorreram desde 1974: 1) Com a partida dos portugueses, a África do Sul perdeu sua “parede branca”; 2) o desastroso envio de tropas de Pretória para Angola reduziu a um estado deplorável a paciente política de “detente africana” inaugurada - e conduzida com grande sucesso - por Pretória há vários anos. Leopold Senghor, um dos chefes de Estado africanos que haviam aceito o diálogo com J. Vorster, acaba de constatar laconicamente; “À política de detente está morta." Em alguma parte das planícies angolanas, entre Luanda e Huambo, a África do Sul perdeu sua última chance de se Nyeroro • Machol fazer aceitar um dia pela comunidade dos Estados africanos. Doravante, ela está na defensiva em suas próprias fronteiras: na rica Namíbia, os dias da presença sulafricana estão contados. Pretória, lançou, há algumas semanas, um programa de militarização acelerada. A massa dos 20 O milhões de negros sul-africanos, provisoriamente canalizada pelo processo dos bahtustãs, ou submetida a um controle policial de um rigor totalitário, não apresenta nenhum sinal aparente de nervosismo. Mas o mito da “invencibilidade” sul-africana se evaporou em Angola e ninguém, hoje em dia, ousa avaliar o impacto psicológico deste fracasso militar entre os negros submetidos à dominação de Pretória. Em todo caso, nas escolas, os jovens negros contavam os pontos e seguiam com paixão o avançao do MPLA em direção ao Sul. E, finalmente, um indício irrefutável: segundo The Times, os “gnomos” da Union Bank of Switzerland, que tinham enormes interesses industriais e minerais na África do Sul, desfizeram-se de tudo no decorrer das três újtimas semanas. No meio, aviões Nestas condições, a África do Sul poderia conceder à Rodésia a ajuda que lan Smith espera dela? Em Washington, acredita-se que isto seria uma reação suicida: o regime de Vorster perdería suas últimas chances de restabelecer um esboço de diálogo com os países africanos. A época mais temida - a da luta aberta do conjunto da África Negra contra o último bastião do poder branco, Pretória - poderia chegar muito mais rápido que o previsto. A resposta de Vorster ao apelo de Salisbury, portanto, poderia perfeitamente ser a mesma de Harold Wilson: “Se o exército rodesiano sucumbir sob os golpes das conas de guerrilheiros vindos de dramático rufar tambores dos do Saara Jean-Francis Held Le Nouvel ObMrvatmir nel marroquino Dlimi “limpou” a Saguia el-Hamra. “Desinfectou" como ele afirmou tão gentilmente. Jsto quer dizer que os tanques e os 'aviões metralharam, bombardearam, “napalmizaram” os campos que havíamos visitado. Os saharavis não podiam resistir de frente aos ataques marroquinos. Eles retiraram as mulheres, as crianças e os doentes para território argelino. Atualmente há cerca de 40 mil “transplantados” perto de Tindouf; “os palestinos do Maggreb" - como disse Ould Ziou, presidente do Conselho Provisório sahraoui. Muito bem: “A liberdade ou a morte”, os combatentes têm as mãos mais livres. Com seus “Land-Rover” antiquados, estes “Land” que são o nervo da guerrilha, eles inquietam o exército real, que domina tudo e não controla nada, que teve de renunciar às pequenas patrulhas todas destinadas a cair nas emboscadas. Os marroquinos, ao que parece, tomaram mesmo Mahbès, a última base da Frente em território saariano. Tomaram Tifariti, Bir Lahiou; cercam Guelta Zemmour, tocam de leve na fronteira argelina, evitando justamente a última provocação, o pretexto caracterizado. Mas os guerrilheiros respeitam seu contrato heróico, que há um mês, tomávamos por loucas bravatas. Eles atacam, sem dúvida alguma, á partir de suas bases argelinas, Nada prova que o segundo combate de Amgala, onde dezenas de marroquinos perderam a vida e que provocou grande irritação no rei Hassan, foi ganha por soldados de Boummediene. Á Polisario existe mais do que nunca, e, apesar dos seus esforços de “normalização”, o Marrocos desempenha o papel de ocupante no “seu” Saara. Além do campo de combate, também, o jogo se precisa, e a tese marroquina do fato consumado e de “caso encerrado” perde consistência. Na falta de colocar em prática uma verdadeira consulta que demonstraria, inequivocamente, a vontade de independência dos Saharavis, o rei Hassan levou em Zâmbia e de Moçambique, não esperem de nós nenhuma intervenção militar. Nós podemos, no máximo, conceder uma ajuda humanitária, sob a forma de meios de transporte para retirar os brancos rodesianos.“ Mas nada garante que os eleitores brancos de Vorster, na Àf^rica do Sul, aceitem esta atitude, ditada pela fria razão do Estado. Encontra-se, pois, nas mãos de lan Smith - um político esperto, considerado por muitos como um perigoso iluminado - a chave do frágil equilíbrio que pode instaurar-se hoje na África Austral depois do tfemor de terra angolano. Três possibilidades: I) lan Smith entrega os pontos - e então os britânicos retomam o controle do pais, assegurando uma transição, rápida e sem violência, no sentido da lei da maioria, isto é, a instalação de um governante negro em Salisbury; 2) o premier rodesiano concede aos nacionalistas negros moderados uma modificação constitucional que conduzirá, em alguns anos, ao mesmo resultado; os guerrilheiros instalados nas fronteiras, porém, não parecem dispostos a aceitarem uma transação deste tipo e 3) lan Smith obstina-se em sua recusa de aceitar a lei da maioria e então deve eclodir a “guerra total”, na qual nenhum país africano, mesmo o mais reticente, poderá permanecer neutro. Foi talvez para evitar esta última saída e para forçar lan Smith a abrir concessões que Samora Machel, presidente de Moçambique, em comum acordo com os chefes de Estado de Zâmbia e da Tanzânia, seus vizinhos, acaba dè cortar. Todas as ligações ferroviárias, rodoviárias e aéreas, que permitiam até agora que Salisbury escapasse dos efeitos asfixiantes das sanções da ONU. Mas todo mundo atualmente pensa na sinistra predição do presidente de Zãmbia, Kenneth Kaunda - até o momento um dos mais ardentes defensores do compromisso -, que acaba de declarar: “Em Zimbabwe, o banho de sangue tornou-se inevitável." consideração o voto da sua Djemaa fantoche, em El-Aioun, pretendendo ter sido ele uma demonstração de adesão popular, de acordo còm o desejo da ONU. Foi um pouco pesado demais... Finalmente, o apoio do coronel Kadhafi à Argélia se definiu. Chegava a ocasião de se anunciar a República Saharavi. “Uma inépcia” - declarou Sua Majestade. Doravante, por toda a parte, a relação de forças ficou de tal forma equilibrada, de tal forma congelada que a Organização da Unidade Africana não se ousou pronunciar contra ou a favor da Frente Polisario no desenrolar da sua XXVI sessão, em Adis-Abeba. Os princípios não pesaram muito. Hassan ameaçava quebrar tudo, Boummdiene também, e a OUA não teria resistido ao choque. A Argélia e o Marrocos estão mais do que nunca plantados frente a frente, e o pobre Mohamed Riad, secretário-geral da Liga Árabe, vai ter dificuladades em sua missão de conciliação. Conciliação inconcebível. Para o Marrocos, que fala em nome da grandeza nacional, ligada intimaniente à sorte dos 70 mil nômades do deserto, o Saara foi, continua sendo e sempre será marroquino. Para a Argélia, pouco importunada pelo seu próprio e imenso Saara, que lhe foi outorgado pelos acordos de Evian e que, historicamente, é tão argelino quanto a Conchichina. o direito dos povos