Nota de Aula 03 - A evolução do pensamento em

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Nota de Aula 03 - A evolução do pensamento em
Disciplina: Geopolítica, Regionalização e Integração
Líder da Disciplina: Prof Enzo Vasques
Professora: Rosely Gaeta
NOTA DE AULA 03 – A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO EM GEOPOLÍTICA
3.1
A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO EM GEOPOLÍTICA.
Com o fim da Guerra Fria, há um processo de globalização e multipolarização política que fez com
que o hiato no debate geopolítico decorrente do fim da Segunda Guerra Mundial acabasse. Assim,
teve início uma fase de compreensão da conjuntura e de redefinição da política internacional. O
processo de descolonização de países africanos, as revoluções no Leste europeu, a entrada de
nações emergentes no contexto internacional e a mudança no paradigma das relações internacionais
alteraram o pensamento geopolítico contemporâneo. O mundo não era mais regido somente pelo
poderio econômico ou militar das superpotências, mas por aproximações e afinidades culturais,
sociais, étnicas e regionais, ocasionando uma perspectiva ainda mais para a análise do sistema
internacional.
3.1.1 Geopolítica clássica
O termo geopolítica adveio de um neologismo utilizado por Rudolf Kjellén e se tornou uma
expressão comum para explicar e sistematizar o pensamento contemporâneo relativo às relações
entre os Estados e a relevância do território-nação. Apesar de haver uma incerteza quanto à época
de utilização desse termo, é fácil notar que o neologismo geopolítica é um produto direto do
contexto histórico do período de transição entre os séculos XIX e XX, vivido por Rudolf Kjéllen.
Na época, a Suécia via-se dividida no debate referente à dissolução da União de Estados SuéciaNoruega, fato que acabou ocorrendo em 1905. Kjéllen representava um forte opositor da
independência da Noruega. Ele redigiu vários manuscritos (entre eles aquele no qual foi utilizada
pela primeira vez a palavra geopolítica, chamado Inledning till Sveriges Geografi) e praticou
diversas intervenções políticas contra a dissolução em questão (VESENTINI, 2007).
A repercussão do discurso conservador/autoritário/imperialista e do neologismo de Kjellén foi
significativa não somente na Suécia, mas também entre o público alemão e o público austríaco. As
ideias de Kjellén se tornaram mais populares principalmente no território germânico, visto que o
neologismo criado foi lá introduzido pelos trabalhos de Robert Sieger no início do século XX. A
germanização da geopolítica deveu-se ainda ao fato de que Kjéllen tinha uma intensa admiração
pelo modelo imperial da Alemanha e, dessa forma, constituiria junto ao francês Joseph-Arthur e ao
britânico Stewart Chamberlain o trio de pensadores não alemães que possuíam um alinhamento ao
ideal (VESENTINI, 2007).
No entanto, a explicação do significado de geopolítica e de seu objeto de estudo foi elaborada por
Kjellén em sua obra mais notável, Staten som Lifsform ou O Estado como forma e vida, escrita em
1916. Nela, a geopolítica é apresentada como uma forma de ciência do Estado, que é visto da
perspectiva de um organismo geográfico e analisado a partir de sua manifestação e interação como
país, território ou até mesmo como império. Contudo, essa nova “ciência” tinha como objeto de
estudo constante o Estado unificado e almejava contribuir para o entendimento profundo de sua
estrutura. Para Kjellén, a geopolítica não era, portanto, um simples neologismo de compreensão
subjetiva e de interpretação duvidosa, como o era para muitos detratores e críticos, a geopolítica
representa, antes, uma verdadeira ciência autônoma que se utilizava de um objeto de estudo novo,
diferentemente da geografia política, criada por Ratzel no século XIX.
Assim, ligada diretamente à tradição novecentista alemã de estudos geográficos e também à
tradição histórica e nacionalista de Heinrich von Treitschke e Leopold Von Ranke, a geopolítica
surgiu na Alemanha no decorrer da segunda década do século XX, no que ficou conhecido como
Escola Alemã de Geopolítica ou até mesmo Escola de Munique.
Em 1924, foi fundada a Zeitschrift für Geopolitik ou Revista de Geopolítica, destinada
diretamente aos geógrafos profissionais e tendo em vista também a divulgação dos conteúdos
escritos por diplomatas, políticos, jornalistas e industriais. Porém, a principal contribuição e
personalidade da revista era Karl Haushofer, que possuía características de um militar acadêmico,
ou seja, além dos conhecimentos estratégicos inerentes à sua formação militar, também detinha
credenciais acadêmicas significativas, o que fez seus livros e publicações de artigos tornarem-se
populares no mundo rapidamente. Percebe-se ainda que seu sucesso deve-se à sua experiência no
exercício da carreira militar e do conhecimento prático de diversas regiões da Ásia e do Pacífico,
especialmente de países como o Japão, onde já havia desempenhado funções de adido militar
(VESENTINI, 2007).
Para compreender a ideia expressa nos trabalhos de Haushofer, faz-se necessário compreender o
contexto histórico da época e perceber que o período era de redefinição política, econômica e
social, uma época extremamente conturbada na Alemanha do século XX. Contudo, a criação da
Revista de Geopolítica dinamizava e disseminava o tema, resultado esse obtido pelo esforço e união
de competências entre vários pensadores e importantes profissionais da área de política e
geografia, especialistas em relações internacionais e analistas do cenário global da época
(VESENTINI, 2007).
É ainda relevante ressaltar que os trabalhos de Haushofer também foram influenciados pelo
grande debate que teve início nos anos de 1924 e 1925 entre os geógrafos alemães e os defensores
da geografia política clássica, na linha de Ratzel. Karl Haushofer foi um dos principais
protagonistas desse debate e publicou um famoso artigo intitulado Politische Erdkunde und
Geopolitik, ou Geografia política e geopolítica, em 1925, que sustentava a necessidade de difundir o
conhecimento da geopolítica como um saber estratégico tanto para a elite alemã e mundial quanto
para a população. Entretanto, para tal fazia-se necessário romper com a tradição da geografia
clássica anteriormente proposta, pois, em sua essência, embora o dualismo da geografia e os
conceitos de Ratzel fossem estritamente importantes, eles se tornavam ultrapassados para a
época. Assim, traçou-se uma distinção entre a geografia política, que estuda a distribuição do
poder estatal à superfície dos continentes e suas condições (solo, configuração, clima e recursos) e
a geopolítica em si, que tem como objetivo principal a atividade política de um determinado Estado
num espaço natural (VESENTINI, 2007).
Além desse posicionamento liderado por Kjellén, que resultou no debate entre geógrafos e
geopolíticos, pode-se encontrar ainda ideias e teses geopolíticas nos vastos trabalhos e publicações
que auxiliam na compreensão do pensamento e contextualizam todas as questões relevantes da
época, desde os problemas territoriais de expansionismo – principalmente alemão – até as zonas de
influência das grandes potências. O debate teve seu início principalmente por duas razões:
⇒ primeira: a partir de questões acadêmicas, afirmavam e criticavam Kjellén por simplesmente
ter adaptado parte da obra de Ratzel e a chamada antropogeografia para uma perspectiva
mais ampla e adequada à realidade, sem, no entanto, ter criado uma “ciência” nova que
merecesse uma desvinculação total da geografia já conhecida ou da geografia política;
⇒ ·segunda: recaía sobre questões políticas e era reflexo do ambiente global conturbado e dos
problemas internos da Alemanha, que possuía uma visão equivocada da perspectiva de Kjellén
e afirmava que esta havia influenciado e causado parte da derrocada alemã por não
contribuir nos assuntos relacionados à definição das fronteiras nacionais (TUNADER, 2011).
Juntamente a esse intenso debate, surgem duas publicações de Haushofer, uma delas é
Grenzen in iher Geographischen und Politischen Bedeutung, ou As fronteiras e o seu
significado geográfico e político, e a outra é Geopolitik der Pan-Ideen, ou Geopolítica das
ideais continentalistas. Esta definiu um novo conceito chamado pan-região, que se referia
às quatro grandes regiões mundiais: a Euro-África (toda a Europa, o Médio-Oriente e todo
o continente africano), a Pan-Rússia (a generalidade da ex-União Soviética, o
subcontinente indiano e o leste do Irã); a Área de Co-prosperidade da grande Ásia (toda a
área costeira da Índia e sudeste asiático, o Japão, as Filipinas, a Indonésia, a Austrália e a
generalidade das ilhas do Pacífico) e a Pan-América (todo o território desde o Alasca à
Patagônia e algumas ilhas próximas do Atlântico e do Pacífico).
Estreitamente ligada à tese das pan-regiões está a ideia dos Estados-diretores, que consistia na
liderança de cada uma dessas áreas por um Estado forte, dinâmico, com grande população e
recursos, dotado de altos padrões econômicos e industriais e de uma posição geográfica que lhe
permitisse exercer um efetivo domínio sobre os demais. Os Estados melhores posicionados para
exercerem essa liderança seriam, segundo Haushofer, a Alemanha (Euro-África), a Rússia (PanRússia), o Japão (Área de Co-prosperidade da grande Ásia) e os EUA (Pan-América) (VESENTINI,
2007).
Figura 1 Fonte: FERNANDES, J. P. T. A geopolítica clássica revisitada. Nação & Defesa, Brasília, Instituto
de Defesa Nacional, n. 105, 2003, p. 232. Disponível em:
http://www.jptfernandes.com/docs/art_acad_geopolitica_rev.pdf Acesso em: 2 fev. 2012.
Apesar desse pensamento de zonas de influência, ao final da Segunda Guerra Mundial Halford
Mackinder criou o discurso geopolítico em sua publicação chamada The Geographical Pivot of
History. Embora sem mencionar a palavra geopolítica – vista por ele como um pensamento
germânico –, o estudioso analisava os acontecimentos históricos das principais áreas do mundo e
afirmava que os mais decisivos e importantes da história universal haviam ocorrido na planície
asiática, ou seja, na Eurásia da Antiguidade. A partir desse pressuposto, desenvolveu-se uma
designação para essa área – Heartland (coração da Terra) ou Pivot Area (região pivô) – e sua interrelação com a dominação e/ou desequilíbrio de poder no continente euroasiático. A teoria do
Heartland provocaria uma transformação das relações de poder no mundo.
Mackinder pronunciou em 1904, durante a conferência na Real Sociedade Geográfica de Londres,
que o poderio naval começaria a ser ameaçado pelo poderio terrestre, visto que os territórios da
Alemanha e da Rússia eram invulneráveis a uma invasão marítima. Segundo seu discurso, o domínio
dessa região representaria o domínio do mundo. Mackinder utilizava-se do seguinte raciocínio:
“quem controla a Europa Oriental, domina a Terra Central; quem controla a Terra Central, domina a
Ilha Mundial; e quem controla a Ilha Mundial, domina o mundo” (A tradução da conferência de
Mackinder para o castelhano está presente em RATTENBACH, A. B. Antología geopolítica. Buenos
Aires: Pleamar, 1975, pp. 65-81).
No decorrer das décadas, essa concepção permeou o pensamento das nações vencedoras da
Segunda Guerra Mundial de tal modo que se buscou o equilíbrio de poder no continente por meio do
isolamento da Alemanha e da Rússia e da vigília constante das ações desses dois países.
Esse conceito de divisão do espaço geográfico e de influência das potências em territórios
específicos começa a ser ainda mais estudado no decorrer dos anos 1950 e 1960, a partir da
concepção de Mackinder. Assim, a teoria geopolítica contemporânea vem ao encontro do conceito
de globalização e está interligada aos acontecimentos e jogos de poder entre os players que
compõem o sistema internacional.
Figura 2. Fonte: MACKINDER, H. T. The geographical pivot of history. Geographical Journal, n.
23, 1904, p. 421-437.
Bibliografia:
TUNADER, O. Swedish geopolitics from Rudolf Kjellén to a swedish “dual state”. Noruega:
International
Peace Research Institute, 2011.
VESENTINI, W. J. Novas geopolíticas. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2007
3.1.1 Geopolítica contemporânea
Durante a Guerra Fria, a geopolítica desempenhou um papel central não somente no âmbito
acadêmico, mas também na esfera político-militar. A formulação da política de contenção e da Otan
(Organização do Tratado do Atlântico Norte) ao final da década de 1940 – e seu desenvolvimento
nas últimas décadas – ao lado do desenvolvimento de novas tecnologias e da corrida armamentista
nas décadas de 1970 e 1980 foram reflexos da estratégia adotada pelas potências por meio do
estudo da geopolítica clássica e do desenvolvimento de uma análise complexa.
Tais argumentos e concepções foram fundamentados por estudiosos como Halford Mackinder,
Nicholas Spykman, Colin Cinza e Zbigniew Brzezinski, no entanto, ao contrário do pensamento
norte-americano, Kjellén e os geopolíticos alemães ressaltaram não somente as relações entre o
desenvolvimento tecnológico e seu impacto na geografia, mas também a conexão com as questões
étnicas e políticas que impactavam no ambiente global. A ciência política americana sem dúvidas
herdou conceitos importantes da tradição alemã, particularmente de Hans Morgenthau, assim como
de Max Weber e Carl Schmitt, mas os norte-americanos possuíam também uma estratégia política
individual e construída em bases sólidas (VESENTINI, 2007).
O universalismo americano se opunha em termos ao culturalismo alemão ou contextualismo – visto
da perspectiva de que o contexto ou a época influencia diretamente na construção do pensamento –
e se mostrava mais voltado para a área estratégica. Contudo, atualmente não se pode desvincular a
análise geopolítica da interface étnica e cultural, já que a análise geopolítica tem um profundo
impacto nas decisões das nações. Apesar disso, Samuel Huntington debate o choque das
civilizações e afirma que a política se tornou muito mais próxima às ideias de Kjellén. A linha de
divisão geográfica que Huntington criou entre as civilizações do leste e do oeste é praticamente
idêntica a que Kjellén, 80 anos antes, havia ressaltado ser a grande linha cultural entre a Rússia e a
Europa (VESENTINI, 2007).
Entretanto, foi a geopolítica sueco-alemã cosmopolita que provou ser precisa na descrição do
futuro da Europa contemporânea, principalmente nos anos de reestruturação e redefinição do
paradigma das relações internacionais. No período pós Segunda Guerra Mundial, o mundo
presenciava uma luta incessante pelo domínio ideológico e político de duas grandes potências,
Estados Unidos e URSS (União das Repúblicas Soviéticas), que utilizavam as zonas de influência
como forma de proteção e disseminação de seus respectivos ideais.
Com uma situação desfavorável e com a economia em ruínas, a Europa necessitava de capital
externo e investimentos que auxiliassem em sua reestruturação política e econômica, bem como na
reintegração com os demais países. Tendo em vista a ameaça soviética e a possível aliança com os
países do ocidente europeu – o que fortaleceria, por conseguinte, os conceitos do capitalismo –, os
Estados Unidos da América idealizaram um plano capaz de suprir as necessidades das nações
devastadas na Segunda Guerra Mundial: o Plano Marshall. Inicialmente, os EUA pretendiam
abranger com o plano não só o ocidente europeu, mas também a União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas (URSS), que necessitava igualmente do auxílio. Contudo, as divergências ideológicas não
permitiram um acordo, o que determinou que o crédito seria concedido somente aos países
europeus que compactuavam com as políticas americanas e com a Doutrina Truman.
Em contrapartida, a URSS utilizou uma política de isolamento semelhante para aproximar as nações
comunistas e protegê-las da invasão ideológica do capitalismo ocidental: era a Cortina de Ferro.
Como afirma Huntington (1997):
[...] Em sua competição entre si, os Estados-núcleos tentam congregar suas
legiões civilizacionais, fazer alianças com Estados de terceiras civilizações,
promover a divisão e defecções nas civilizações adversárias e empregar a
combinação apropriada de ações diplomáticas, políticas, econômicas e
clandestinas, bem como instigações por propaganda e forma de coerção, para
atingir seus objetivos [...] (HUNTINGTON, 1997, p. 261).
No entanto, a peculiaridade da Guerra Fria – ainda que houvesse o desentendimento entre as
potências e a divisão do mundo – residia no fato de que não existia um perigo iminente ou uma
ameaça definitiva de uma Terceira Guerra Mundial. Havia, na verdade, uma subdivisão advinda do
final da Segunda Guerra Mundial e do acordo entre Estados Unidos da América e URSS. Essa
subdivisão apontava que esses países exerceriam influência sob suas respectivas áreas sem utilizar
a força militar. Segundo Hobsbawn (1995):
[...] A situação mundial se tornou razoavelmente estável pouco depois da
guerra e permaneceu assim até meados da década de 1970, quando o sistema
internacional e as unidades que o compunham entraram em outro período de
extensa crise política e econômica [...] as duas superpotências aceitavam a
divisão desigual do mundo, faziam todo esforço para resolver disputas de
demarcação sem um choque aberto entre suas Forças Armadas [...]
(HOBSBAWN, 1995, p. 225).
O termo coexistência pacífica definia esse período de incertezas e de redefinições do sistema
internacional, no qual uma ainda frágil potência, a URSS – se vista por meio das mazelas sociais e
das revoluções internas –, via uma vasta oportunidade de manter sua hegemonia e domínio
territorial, ao mesmo tempo em que seus problemas econômicos, cada vez mais evidentes,
aproximavam-na mais de seu fim.
Entretanto, as mudanças políticas no contexto da Guerra Fria transformaram o panorama
internacional, visto que não havia mais uma rivalidade entre a maioria das grandes potências –
principalmente entre as que foram derrotadas na Segunda Guerra Mundial. A maior parte delas se
encontrava em processo de reconstrução de sua política e economia. Pode-se afirmar, assim, que
houve um congelamento da política internacional e que as questões levantadas em épocas de guerra
se viam abrandadas e inviáveis para serem colocadas em pauta novamente (HUNTINGTON, 1997).
Porém, no decorrer das relações da Rússia com os países contíguos após a “desestalinização”, houve
um constante desentendimento, o que fez com que a então imponência do exército vermelho tivesse
de ser mostrada novamente para que sua hegemonia regional fosse mantida. As divergências
políticas, diplomáticas e culturais eram fatores indispensáveis para analisar esses conflitos e
conseguir compreender a estrutura de cada província. Contudo, não somente o leste-europeu, mas a
África, marcada por uma grande miscigenação e com mais de 50 países, sofreu com a dificuldade
de abranger politicamente todas as diferenças étnicas e culturais dentro de uma só nação. Como
afirmou Huntington (1997):
A política mundial está sendo reconfigurada seguindo linhas culturais e
civilizacionais. Nesse mundo, os conflitos mais abrangentes, importantes e
perigosos não se darão entre classes sociais, ricos e pobres, ou entre outros
grupos definidos em termos econômicos, mas sim entre povos pertencentes a
diferentes entidades culturais. As guerras tribais e os conflitos étnicos irão
ocorrer no seio das civilizações [...] (HUNTINGTON, 1997, p. 21).
Durante a Guerra Fria, a teoria de Huntington foi comprovada especialmente com relação às nações
recém-independentes do continente africano – Saara Ocidental e Somália – e com nações
comunistas do leste europeu. Entretanto, essa nova era da geopolítica mundial, que perdurou de
1947 a 1991, foi marcada por um hiato ou crise da produção e discussão acadêmica referente aos
temas geopolíticos. Devido à dissolução da União Soviética e à crise do comunismo no mundo, o
processo de desenvolvimento, a predominância do capitalismo como modelo econômico e a
conjuntura internacional reacenderam o debate entre a década de 1980 e 1990.
Desse modo, as mudanças provocadas pelas constantes evoluções tecnológicas se tornaram cada
vez mais visíveis nas relações internacionais (como a Terceira Revolução Industrial). A superação
de distâncias geográficas e temporais e a troca de informações e de conteúdo em tempo real
permitiram o aprofundamento da globalização, a interdependência da economia mundial e a
integração de várias esferas da sociedade, o que intensificou os processos e modificou a
geopolítica global.
Diante dessa crescente conectividade, verifica-se a emergência de um sistema internacional cada
vez mais complexo, juntamente com uma economia global dinâmica e a subsequente ascensão de
novos atores (Estados e não Estados). A globalização, portanto, está fundamentada nos conceitos
de intercâmbio e interdependência entre as nações em aspectos mais abrangentes do que o
econômico, como os aspectos culturais, políticos e sociais.
Desde Ratzel, a geopolítica utiliza como ferramenta de estudo essas interfaces, a fim de conseguir
compreender e analisar as relações entre os Estados e as questões referentes ao expansionismo, à
distribuição dos territórios e aos conceitos de regionalização e de integração política, econômica e
cultural, que permeiam o estudo das relações internacionais. A lógica das disputas está submetida
hoje não somente às questões do comércio, mas principalmente às questões geoestratégicas, como
a influência ideológica e a utilização do soft power, essenciais para a manutenção da hegemonia das
grandes potências.
Bibliografia:
HOBSBAWM, E. Era dos extremos: o breve século XX (1914-1991). 2. ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995.
HUNTINGTON, S. P. O choque de civilizações. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997.
VESENTINI, W. J. Novas geopolíticas. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2007.

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