O Turismo de Peregrinação no Caminho de Peabriru

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O Turismo de Peregrinação no Caminho de Peabriru
TURISMO DE PEREGRINAÇÃO NO CAMINHO DE PEABIRU
SILVA, Marilene Miranda Celant da1
RODRIGUES, Solange Aparecida2
Resumo: Este estudo visa mostrar como se desenvolve um dos inúmeros segmentos do turismo, a
partir de experiências vivenciadas como membro integrante de um núcleo de estudos e pesquisas. O
turismo de peregrinação sempre esteve ligado a religião e no Brasil temos exemplos deste tipo de
peregrinação em diversos estados. Porém o turismo de peregrinação místico ligado a cultura de um
povo indígena extinto é novidade e se inicia com turistas levados pelos mais diversos motivos e
finalidades a estar em contato com a natureza. A partir de pesquisa-ação desenvolve-se um plano onde
se planeja criar uma rota de peregrinação por meio do resgate histórico de uma antiga trilha, resgata-se
a identidade e a auto-estima de muitas comunidades quase desaparecidas, planejando ainda o turismo.
Palavras chaves: turismo, peregrinação, caminho, plano.
1
Bacharel e Especialista em Turismo e Meio Ambiente pela Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo
Mourão – FECILCAM. Docente do Curso de Turismo e Meio Ambiente da FECILCAM.
2
Professora da rede pública de ensino.
Introdução
O Turismo de Peregrinação vem se desenvolvendo na região, por meio de caminhadas e
cavalgadas com intuito religioso, no caso de Lunardelli e místico e cultural, no caso do
Caminho de Peabiru. O Núcleo de Estudos e Pesquisas da COMCAM sobre o Caminho de
Peabiru – NECAPECAM, está desenvolvendo um trabalho de pesquisa e diversos estudos de
campo para estabelecer uma Rota de Peregrinações nos municípios por onde um antigo
caminho indígena passava, O Caminho de Peabiru, cuja origem ainda é motivo de discussão.
Este caminho, corresponde a uma trilha de aproximadamente 1,40m de largura, demarcada,
com origem nos arredores da Ilha de Santa Catarina, Cananéia e São Vicente (São Paulo), que
segue até o Peru. O significado de seu nome, assim como sua origem é controverso.
Em Tupi, diversas são as interpretações para “Peabiru”. Podendo significar “caminho antigo
ida e volta”, “caminho batido ou pisado”, “pegada do caminho” ou “caminho cujo percurso se
iniciou”. Segundo estudos, o nome Peabiru pode ser resultado da coordenação de pe-biru, que
corresponde a caminho para biru, forma como os Incas denominavam seu território. De
acordo com Galdino (2006), Caminho para o Peru e Caminho para as Montanhas do Sol,
seriam outras interpretações possíveis para Peabiru, caminho que ficaria conhecido e bastante
utilizado no Brasil Colonial.
O Caminho de Peabiru, segundo artigo de Sabrina de Assis Andrade, publicado no
Compêndio sobre o Caminho de Peabiru da NECAPECAM, organizado por Sinclair Pozza
Casemiro (2005) corresponderia a uma estrada milenar, transcontinental que ligava os
oceanos Atlântico ao Pacífico, pois atravessava a América do Sul, unindo quatro países.
Conforme historiadores, passava por Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Mato Grosso do Sul e
depois Paraguai, Bolívia e Peru. No Paraná, este caminho cruzava as atuais cidades
paranaenses de Peabiru e Campo Mourão.
O Peabiru até os dias atuais ficaria conhecido por seu tamanho, sua função e características, e
ainda hoje a civilização moderna não foi capaz de construir nenhuma rodovia ou ferrovia
ligando os dois oceanos de ponta a ponta (CASEMIRO, 2005). Seja por cortar o continente,
ou pelas personagens que transitaram no Caminho de Peabiru, o mesmo tem despertado o
interesse de pesquisadores.
O trabalho na região da COMCAM vem sendo realizado por diversas entidades e Coordenado
pela Doutora Sinclair Pozza Casemiro, juntamente com turismólogos, professores do curso de
Turismo e Meio Ambiente da Fecilcam, comunidade e Senac de Campo Mourão-PR., visa
preservar a história da região por meio do turismo. Outros grupos ou núcleos de pesquisas
desenvolvem trabalhos semelhantes, e outras regiões do Paraná, São Paulo e Santa Catarina.
Todo o planejamento da Rota desde seu traçado, sua sinalização, os melhores locais de
passagem na travessia de rios, rodovias, propriedades particulares, respeitando a história e
vestígios encontrados, é fruto de exaustivas pesquisas e verificações em loco, por ser esta a
característica de trabalhos exploratórios e a prática de quem se propõe a fazer as coisas
acontecerem.
A metodologia utilizada segue um plano traçado em 2004 pelo NECAPECAM, de mapear e
sinalizar toda a região norte da COMCAM até o ano de 2006. Estabeleceu-se que a cada
distância compreendida entre 55 a 65 quilômetros mapeada, sinaliza-se, mesmo que
provisoriamente e realiza-se uma peregrinação (caminhada a pé) e atende-se escolas ou outros
grupos que queiram conhecer a Rota em outras datas fora das datas que constam no
Calendário Oficial do Município de Campo Mourão (na semana de 19 de abril e na semana de
10 de outubro). Estas datas são móveis pelo fato se ter verificado que a participação dos
peregrinos é maior quando há feriado prolongado.
Todo planejamento sofre ajustes no desenrolar dos trabalhos planejados, e as Peregrinações
no Caminho de Peabiru, não estão livres de passar por readequações a cada nova peregrinação
até que se encontre a melhor maneira de atender as expectativas dos turistas/peregrinos. “A
metodologia para o desenvolvimento dos recursos turísticos é complexa e existem inúmeros
estudos e propostas, porém os objetivos e as prioridades são altamente influenciados por
critérios políticos, sociais e econômicos” (RUCHMANN, 1999, p.87).
O planejamento regional do turismo é um desafio que o NECAPECAM resolveu enfrentar,
uma vez que o Caminho de Peabiru passa por diversos municípios desta região e há a
necessidade de integração destes para que a Rota de Peregrinação venha a se tornar uma
realidade e proporcione ganhos econômicos a seus moradores e mesmo aos cofres públicos,
pelo resgate da história da própria região.
A sinalização é um exemplo disso, até encontrar recursos para utilização das normas do Guia
Nacional de Sinalização Turística, foi necessário sinalizar a Rota com placas e pedras de
forma provisória até sua substituição por placas oficiais.
É uma preocupação constante no Plano de Desenvolvimento Turístico da Rota Caminho de
Peabiru, a preservação do meio ambiente, para que se usufrua dos recursos naturais sem
depredá-los, para que as comunidades do entorno do Caminho não sofram descaracterização
de suas culturas deve haver um gerenciamento desta Rota onde cada município terá que
assumir sua parte neste processo.
Está sendo iniciado um trabalho a longo prazo. Primeiramente estabeleceram-se metas de
curto prazo pela necessidade real do momento, porém já se pode vislumbrar a possibilidade de
replanejar com prazo definido conforme as características do produto turístico que está sendo
formatado.
O produto turístico se compõe de atividades e serviços ligados aos
empreendimentos de hospedagem (indústria da construção civil e indústria
do mobiliário e de outros meios de bens transformados para utilização como
equipamentos de recepção e de hospedagem), aos bens de alimentação
(atividade agrícola e indústria alimentícia), aos transportes (indústria de
transformação para produção de veículos, de equipamentos, de peças de
reposição, além do pessoal necessário à sua produção, funcionamento e
reparos) e aos produtos típicos locais (objetos de arte de artesanato ou de
simples captação com adaptações mínimas e trabalhos puramente
artesanais), além de visitas a locais diversos e utilização de equipamentos de
lazer e de divertimento, tanto naturais como artificiais. (ANDRADE, 2000,
p.100).
Pode-se prever os benefícios que o Turismo trará aos municípios e localidades por onde a
Rota do Caminho de Peabiru passa e com isso a responsabilidade dos planejadores e
organizadores é grande, principalmente na recepção dos peregrinos/turistas e na definição da
Rota, procurando ser fiel a história e as comunidades locais, impactando o mínimo possível o
ambiente.
Definição da Rota
Primeiramente realizou-se pesquisas bibliográficas e documentais, recorrendo a mapas da
década de 1950 feito por geógrafo que percorreu o estado do Paraná. A seguir passou-se a
percorrer o município de Campo Mourão, Corumbataí do Sul e Barbosa Ferraz, conversando
com as primeiras pessoas que desbravaram a região, entrevistando-as e verificando
informações de vestígios e marcas de afundamento do solo, de pedras marcadas e restos de
cerâmica e demais utensílios encontrados em suas terras e doados por estas pessoas que as e
guardavam em casa, porém gostariam de contribuir com o projeto.
Define-se a Rota de Peregrinação nortendo-se pelos locais de maior evidência de presença de
indígenas mesmo que estes locais não sejam considerados o tronco principal do Caminho de
Peabiru. Conforme a historiadora Rosana Bond nos informa o tronco principal ia do litoral de
São Paulo até o litoral do Peru, e haviam muitas ramificações, ou seja, caminhos secundários
que se ligavam ao caminho principal.
Uma rota turística baseada na história e em evidências, em alguns trechos não se apresenta
com paisagem rústica e sombreada, pelo contrário na região da COMCAM a agricultura
predomina e portanto grande parte percorre lavouras de soja, milho e cana de açúcar, o
primeiro trecho mapeado é o que ainda preserva algumas matas e portanto mais agradável de
percorrer.
Sinalização da Rota
A sinalização ideal de uma rota de peregrinação é aquela que o Guia Nacional de Sinalização
Turística recomenda. No entanto a dificuldade de obter tal guia por estar esgotada sua
publicação e pela falta
de financiamento optou-se por sinalizar o percurso com placas
confeccionadas em madeira e serigrafadas com a logomarca do Caminho de Peabiru, com
pedras pintadas de branco indicando a direção e a distâncias percorrida e também utilizando
ícones como uma cabeça de vaca, em divisas de municípios, simbolizando o primeiro não
índio a percorrer a trilha, sendo guiado pelos próprios índios guaranis. Planeja-se em breve
padronizar a sinalização dentro das recomendações do Instituto Brasileiro do Turismo –
EMBRATUR.
Centro de Pesquisas Científicas e Arqueológicas
As pesquisas arqueológicas são imprescindíveis para a determinação da idade e da
procedência dos materiais líticos encontrados. A criação de um Centro de Estudos e Pesquisas
poderá abrigar um Museu do Caminho de Peabiru entre outros espaços destinados ao acervo
bibliográfico e material de publicações de pesquisas e demais estudos relacionados.
O local aberto a visitação e empréstimo de material de estudo, proporcionará a população em
geral Ter acesso ao conhecimento da história e da cultura de sua cidade e região.
Conscientização da População Local
Grande parte da população das comunidades por onde a rota passa não tem conhecimento do
Caminho de Peabiru. Para que não ocorra rejeição por parte destes com respeito aos turistas, é
necessário a realização de palestras nas comunidades conscientizando os mesmos da
importância histórica e dos benefícios que o turismo irá proporcionar. Ao mesmo tempo
incentivar que estes possam estar vendendo seus produtos, o artesanato, hospedando e
alimentando os peregrinos, agregando renda as suas atividades rurais.
Os próprios moradores podem trabalhar de guias, afinal ninguém melhor para indicar sítios
arqueológicos, cachoeiras e demais atrativos aos turistas.
Preservação do Patrimônio Histórico
Os processos de tombamento do patrimônio cultural é a única maneira de se preservar a
história.
Os elementos que comprovem a existência do Caminho de Peabiru são escassos, por isso
torna-se urgente preservar os sítios com vestígios positivos de ocupação pelos
paleoameríndios – grutas, lapas, abrigo sob rochas, além de cemitérios, sepulturas ou locais de
pouso prolongado ou de aldeiamento, estações e cerâmicas com vestígios humanos, inscrições
ruprestres e oficinas líticas.
A Lei nº 3.924 de 26 de julho de 1961 dá proteção especial aos monumentos arqueológicos e
pré-históricos, além da legislação existente desde 1937 que abrange todo o patrimônio
histórico e artístico nacional.
Considerações Finais
Todo o trabalho realizado até o momento pelo NECAPECAM e outros grupos de pesquisas
sobre o Caminho de Peabiru é um grande avanço se considerar-mos todos os anos de
esquecimento da história do povo que realmente habitava este continente antes dos europeus
chegarem.
Apesar das dificuldades e indiferença enfrentadas por parte dos poderes constituídos, por mais
que os pesquisadores sofram ao buscar evidências, muitas vezes, acalentadas em um sonho
particular, o esforço vale a pena quando aquelas pessoas idosas notam o interesse de alguém
naquela história que ele houve desde criança e que lhe foi contada por pais e avós.
O Caminho de Peabiru, enfim está se tornando uma rota de peregrinos, e que não visa
somente lucrar com o turismo, mas principalmente resgatar a história e a cultura de uma
região do país.
A Rota de Peregrinação do Caminho de Peabiru para ser estruturada necessita de profissionais
das mais diversas áreas e a sua sustentação ocorrerá por meio de planejamento e gestão
constantes dos profissionais do turismo e também da participação dos poderes público e
privado.
O fato de percorrer diversos estados do país e dentro de cada estado, muitos municípios, faz
com que se tenha que superar as adversidades até certo ponto normais num país sem tradição
turística, a não ser nos balneários.
Um projeto para divulgação do Caminho de Peabiru, pode ser atitude contra o descaso das
autoridades, somado ao desinteresse dos estudiosos e a desinformação geral da população.
Conhecer, é uma forma de preservar, uma parte da história do Brasil, daquela terra e povo já
existentes antes dos colonizadores, até mesmo, preservar a própria história dos povos
colonizadores na povoação do país e na sua relação com os índios.
Estudar e divulgar conhecimentos sobre esta antiga Trilha do Peabiru, ou Caminho do
Peabiru, é uma maneira de reabilitar o Peabiru, como um símbolo dos primeiros caminhos do
Brasil, bem como da potencialidade e genialidade dos povos que o criaram, demonstrando que
nas terras descobertas, ao invés de seres ignorantes, brutais, incultos, como eram descritos os
índios, existiam indivíduos capazes de algo fantástico como “O Caminho de Peabiru”, cuja
potencialidade turística, tal qual a histórica, ainda não foi devidamente explorada.
Referências Bibliográficas
ANDRADE, J.V. de. Turismo, fundamentos e dimensões, São Paulo: Yangraf, 2000.
BARRETO, M. Planejamento e organização em turismo, São Paulo: Papirus, 1999.
Cadernos da Ilha. Um pouco sobre o caminho de peabiru. Florianópolis-SC: Editora Curso de
Jornalismo da UFSC, 2004.
CASEMIRO, Sinclair Pozza. Pequeno vocabulário comentado de usos lingüísticos no Projeto
“Caminhos de Peabiru na COMCAM Comunidade dos Municípios de Campo Mourão-Pr”.
Vol.II. Campo Mourão: SISGRAF, 2004.
_______. Compêndio sobre o Caminho de Peabiru na COMCAM – Micro-Região 12 de Paraná.
Campo Mourão: SISGRAF, 2005.
GALDINO, Luiz. Os Incas no Brasil. Belo Horizonte: Estrada Real, 2005.
RUSCHMANN, D. Turismo e planejamento sustentável – a proteção do meio ambiente, São
Paulo: Papirus,1999.