conceitos de corpo na modernidade

Transcrição

conceitos de corpo na modernidade
FACULDADE DE SÃO BENTO
Curso de Filosofia
CONCEITOS
DE
CORPO
NA
MODERNIDADE
T.C.C – Trabalho de Conclusão de Curso
Aluna: Célia Regina Gouvêa Vaneau, RGM 736
Orientador: Professor Dr. Franklin Leopoldo e Silva
São Paulo
Fevereiro de 2013
Faculdade de São Bento
Curso de Filosofia – Licenciatura Plena
T.C.C. – Trabalho de Conclusão de Curso
CONCEITOS DE CORPO NA MODERNIDADE
Célia Regina Gouvêa Vaneau
Monografia apresentada como exigência para obtenção do título de
Graduação em Filosofia
Professor Orientador: Dr. Franklin Leopoldo e Silva
São Paulo
2013
Dedico este trabalho à memória do meu marido
Maurice Vaneau,
que sempre torceu pelo sucesso de meus
empreendimentos.
i AGRADECIMENTOS
Agradeço especialmente ao meu orientador, Prof. Dr. Franklin Leopoldo e Silva, que
de fato me orientou, apontando-me o método, o caminho, sugerindo leituras exatas; sobretudo
pela paciência ao responder às minhas muitas perguntas e dúvidas intelectuais.
Agradeço a Talita Bretas, pelo precioso auxílio na formatação.
A Thiago Braz, Maurício Paraguassu, Vanessa Pozzolli, Gabriela Rodella,
Flávio Nigro, Ricardo Fornara, Alexandre Sant´Anna, Darly Menconi, Sílvia Geraldi, ao tio
Clóvis, à prima Raquel, aos meus irmãos Tito e Leila, pelas conversas esclarecedoras. A Vera
e Odete, a irmã mais velha e a mais nova, pelo carinho. A Paulo Neves, por seus versos.
Aos professores da Faculdade de Filosofia de São Bento, que me devolveram o gosto
em estudar Filosofia.
Às minhas filhas Yara e Vânia, pelo incentivo. À minha mãe Odete, pela compreensão
nas ausências.
ii Do corpo.
Mas que é o corpo?
Meu corpo feito de carne e osso.
Esse osso que não vejo, maxilares, costelas,
flexível armação que me sustenta no espaço
que não me deixa desabar como um saco vazio.
Que guarda as vísceras todas funcionando
como retortas e tubos
fazendo o sangue que faz a carne e o pensamento
e as palavras
e as mentiras.
Ferreira Gullar
iii RESUMO
A investigação está concentrada nos conceitos de corpo na modernidade. Introduz o tema
constatando a importância concedida à cabeça, sede da razão, em várias épocas e culturas.
Aborda a distinção radical estabelecida por René Descartes entre res cogitans e res extensa e
a tendência presente no Racionalismo e Idealismo modernos em privilegiar o conhecimento
proveniente do sujeito cognoscente. Questiona o procedimento de estabelecer dicotomias. A
crítica de Maurice- Ponty ao cartesianismo se desloca para o corpo, sua motricidade e sua
expressividade, como sujeito da percepção interligado ao mundo percebido. Segue-se o foco
no pensamento original, instintivo e fulgurante de Friedrich Nietzsche. A crítica à lógica
binária é colocada com base no pensamento de Gilles Deleuze e Félix Guattari, através do
conceito de rizoma, que contém múltiplas ramificações. Foi também Deleuze quem colocou
em relevo o conceito de corpo sem órgãos de Antonin Artaud , que vem a ser intensidade
concentrada. Michel Foucault redimiu o corpo. Através de seu olhar agudo, foca as
instituições coercitivas, que moldam o corpo do indivíduo, chegando à noção de biopoder. A
conclusão da pesquisa é que a tradicional distinção entre corpo e alma foi substituída pela
interação entre psíquico e somático, sobretudo a partir do século vinte, quando o corpo
passou a ser objeto de estudos por um conjunto de disciplinas, numa hermenêutica que
considera o corpo um agente sensorial produtor de pensamento, conectado ao ambiente.
Palavras-chave: Corpo; Interação; Movimento; Percepção; Pensamento ; Vida iv SUMÁRIO
1. Introdução .......................................................................................................................... 1
2. O Racionalismo Moderno .................................................................................................. 8
2.1 O Cogito ................................................................................................................... 8
2.2 A Visão de Merleau- Ponty - A crítica Merleaupontyana - O cogito encarnado .... 11
3. Nietzsche e o Pensamento Pulsional .............................................................................. 20
4. O problema das dicotomias ............................................................................................. 26
4.1 Razão e emoção ....................................................................................................... 29
4.2 Matéria e Forma / Conteúdo e Forma...................................................................... 30
5. Corpo sem Órgãos ............................................................................................................ 33
6. Foucault ............................................................................................................................ 35
7. Um breve olhar sobre a História e a Sociedade ................................................................ 38
8. Considerações Finais ....................................................................................................... 42
Referências Bibliográficas .................................................................................................... 44
v CONCEITOS DE CORPO NA MODERNIDADE
1. INTRODUÇÃO
Vem de longe o privilégio concedido à cabeça, como parte nobre do corpo humano,
lugar da razão. Exercendo uma função de comando, sede do cérebro, a cabeça (caput) é o
órgão que abriga a alma, sopro vital da pessoa, ocupando por isso uma função dirigente, como
nos explica Jacques Le Goff. Observa o autor que as concepções organicistas descrevem a
sociedade relacionado-a a regiões do corpo, estabelecendo assim metáforas corporais. O
senado romano constituía a cabeça. A plebe, que lhe era subordinada, correspondia aos
membros. Deveria haver cooperação entre ambos. Os pés, sempre aderentes ao chão,
evocavam os camponeses (agricolae). Tal concepção constituiu um dos legados deixados
pela antiguidade grecorromana ao cristianismo medieval.
Parece-me que as metáforas corporais da Antiguidade centralizaram-se
primeiro no sistema cabeça/ intestinos / membra (cabeça / ventre/membros),
a despeito do fato que o tórax ( peito) e o coração (cor), como sedes do
pensamento e sentimento prestam-se obviamente a uso metafórico. Entre as
vísceras, o fígado (algumas vezes hepar, um termo emprestado dos gregos ,
ou com mais freqüência iecur ou iocur), representaram especialmente um
importante papel simbólico (LE GOFF, 1989, v.3, p. 14).
A prática da decapitação, habituais nas sociedades arcaicas, antigas e medievais,
demonstram a relevância conferida à cabeça, associada à abóbada celeste. Um texto irlandês
da Idade Média narra que “os ulates, habitantes de Ulster, costumavam, de cada guerreiro que
matavam em duelo, retirar os cérebros das cabeças e misturá-los com cal, até que se
tornassem bolas duras.” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 1997, p. 222). Entre nós, no final
da década de trinta do século XX, Virgolino Ferreira da Silva, o Lampião, juntamente com
seu bando, no nordeste brasileiro, tiveram as cabeças expostas depois de degolados, exibindo
assim a própria identidade. David Bakan relata que Santa Catarina de Alexandria, quando
decapitada, de seu corpo teria brotado leite ao invés de sangue.
O apóstolo Paulo usou o termo kefale em suas epístolas ao referir-se a Cristo enquanto
cabeça da Igreja, embora a sabedoria popular grega e hebraica admitisse que as decisões
deveriam ser tomadas pelo coração ou pelo diafragma.
1 Por sua vez, Jean Pierre Vernant indaga sobre o que era o corpo para os gregos.
Constata que a corporeidade grega ignorava a distinção alma-corpo, bem como o corte radical
entre o natural e o sobrenatural. ”O corporal no homem compreende tanto realidades
orgânicas como forças vitais, atividades psíquicas e inspirações ou fluxos divinos”
(VERNANT in Fragments for a History of the Human Body, v. 1, 1989, p. 21). A palavra
soma, traduzida por corpo, designa originalmente o cadáver, quando o indivíduo é
abandonado por tudo o que constitui a vida e a dinâmica corporal, tornando-se inerte. Por
outro lado, no corpo humano, habitado pela graça, sangue é vida .
A graça, cháris, faz brilhar o corpo como um resplendor jubiloso que é a
emanação mesma da vida, o encanto que incessantemente se desprende
dela...a estatura, a largueza dos ombros, a presteza, a velocidade das pernas,
a força dos braços, o frescor das carnes, a ligeireza, a agilidade dos membros
e também, ainda que não visíveis aos olhos do outro mas captados por todo o
mundo dentro de si mesmo em seu stethos, seu thumós, sua phrénes, seu
nóos, a fortaleza, o ardor no combate, o frenesi guerreiro, o impulso de
cólera, temor, desejo e domínio de si, a sagaz compreensão intelectiva, a
astúcia sutil - tais são alguns dos “poderes” dos quais o corpo é depositário e
que se podem ler sobre ele como marcas que provam o que é um homem e o
que vale ( Op. Cit. p. 28).
Penetrado por força e energia, atravessado por pulsões, o ser humano experimenta
emoções que o movem, bem como se dedica a reflexões e saberes. A imbricação do físico ao
psíquico numa consciência de si que guarda ao mesmo tempo um compromisso com as partes
do corpo, leva James Redfield, citado por Vernant, a afirmar: ”nos heróis de Homero o eu
interior coincide com o eu orgânico.” Prossegue Vernant ao inventário dos atributos do corpo:
”stêtos, kardía, phrén, thumós, ménos, sopros, vapores ou fluidos líquidos, sentimentos,
desejos, pensamentos, operações concretas da inteligência, como captar, reconhecer,
enumerar, compreender” (VERNANT, 1989, p. 22).
A cabeça, kára, é parte desse todo. A oposição flagrante que se estabeleceu na
civilização ocidental entre alma e corpo. o espiritual e o material, ainda era desconhecida
entre os gregos. A tendência a dividir tudo em dois era então inexistente. Se o Ocidente ficou
só com a razão, Vernant aponta para uma idéia de interação.
A cultura oriental recende a ambigüidade, indeterminação e acaso, numa visão
heurística. O conceito de Ma
abrange um estudo anatômico, sensoperceptivo, criativo,
imagético e poético do Espírito, constituindo uma experiência sinestésica. Concentrando-se
no intervalo, no entre-espaço e no vazio como espaço disponível, contém a impermanência, a
2 transitoriedade, a incompletude. O texto tântrico atribuído ao indiano De Ratnasara, afirma:
“Quem toma consciência da verdade do corpo chega a conhecer a verdade do universo”.
O ateniense Platão, nascido no século V A.C. quase concomitantemente a Buda na
Índia e Confúcio na China, traz em seu nome a palavra plátano ou largueza. Aquele que tem
os ombros largos. Não obstante a fisicalidade de seu nome, separou a essência da aparência,
distinguindo não só o mundo sensível do inteligível, mas dando primazia a este: as formas,
mundo das idéias, contrapõe-se à matéria (mundo da existência). Dividiu a alma em três
partes: vegetativa, localizada no baixo ventre e responsável pelas funções digestiva e sexual; a
sensitiva, na região do diafragma, constitui o centro emotivo. Por fim a cabeça, sede da razão.
O pescoço foi considerado um istmo, para não perturbar as funções racionais em relação às
demais.
Admirava, porém, a força física dos guerreiros espartanos e recomendava a prática da
ginástica. Afinal, o corpo é inquestionável, é palpável, enquanto a alma, não palpável, é
questionável.
Ao conceber sua República, concluiu que nela os artistas não teriam lugar, à exceção
dos músicos, palavra da qual se deriva musa. O mundo das idéias é uno, enquanto o sensível
é múltiplo. Na antiga Grécia a beleza tinha um apelo forte, mas não constituía senão um
primeiro degrau. Conduzida por Eros, a alma deveria ascender da apreciação da beleza física
à contemplação (theomai) final de toda a beleza, o Belo em si. Segundo Platão, os artistas se
ocupam da multiplicidade, praticam a mimese ou imitação das coisas, fazem a cópia da cópia
e não do modelo em si, portanto o que fazem é um simulacro. Os artesãos ou demiurgos, que
dominam o saber fazer, a tékné (τέκνέ), estes teriam lugar em sua república. Seu ofício é
próximo da ciência. O corpo (soma), da qual se derivam sômato, sensitivo, se transmuda em
sema (túmulo ou prisão) da alma. Há ainda a palavra sarx. Muito mais tarde a palavra latina
corpus passou a designar tanto o corpo vivo quanto o morto, enquanto em alemão,
distinguem-se os termos lieb (corpo vivo) e korper ( corpo fisiológico). Em torno dos anos
1100-1150 tomaram forma o campo semântico em que “ipl” significa corpo. Por volta do
mesmo período, a Igreja era favorável à dissecação de cadáveres, visando o progresso da
Ciência.
Jean Pierre Vernant lembra ainda que, apesar da idéia de alma imortal ter sido
elaborada nas seitas que inspiraram a filosofia de Platão e ter se tornado corrente, a prática e a
literatura médica foram perseguidas. “Os gregos investigaram o corpo, observando,
3 descrevendo, teorizando sobre seus aspectos visíveis, suas partes, os órgãos internos que o
compõem, seu funcionamento, os humores diversos que nele circulam e que regem a saúde ou
enfermidade” ( Op. cit. p. 20) .
Por sua vez, ao referir-se à Ilíada de Homero, António Damásio observa que não há
referência ao corpo inteiro (soma), mas a partes do corpo, isto é, membros. “Sangue,
respiração e funções viscerais são designados pela palavra ‘psique’, ainda não convocados
para designar ‘mente’ ou ‘alma’ (DAMASIO, 2009, p. 123).
Aristóteles, sucessor de Platão, natural de Estagira, discordou de seu antecessor. Se
Platão condenou a arte por desencadear sentimentos e emoções, enfraquecendo o racional,
Aristóteles inverte: a arte não nos carrega, mas nos alivia da emotividade, e o tipo de emoção
que ela oferece não só não prejudica, mas beneficia. O estagirita enaltece a catharsis, que vem
do adjetivo catharos (puro).
Ao comparar o poeta ao historiador, nota que este descreve fatos ocorridos, enquanto o
poeta, fatos que poderiam ocorrer. A amplitude a uma gama de possibilidades tornaria a
poesia algo mais filosófico e elevado que a História.
Critica a teoria das idéias, o dualismo corpo-alma e a idéia de um Bem absoluto e
transcendente. Aristóteles prefere delinear como fim a felicidade imanente. É possível afirmar
que, enquanto Platão estabeleceu uma hierarquia de caráter vertical entre o mundo da essência
e da aparência, Aristóteles, ao focar a imanência, estabelece uma horizontalidade, ainda que
admita duas realidades: a do mundo sensível, cognoscitível e o que habita a mente humana.
Dito de outro modo, Platão teria estendido sua mão ao céu e Aristóteles à terra. A divisão
aristotélica da alma difere da platônica. Aristóteles divide segundo as faculdades nutritiva,
sensitiva, apetitiva, locomotiva e a racional. Segundo o comentarista Fernando Rey Puente
[...] estas são divididas de acordo com as funções psicofísicas do homem – a
digestão, a percepção, o apetite, a razão, etc. e estas, por sua vez, são
divididas consoante as coisas a que se referem – ao alimento, ao sensível, ao
inteligível, etc..Há portanto uma precedência lógica das coisas sobre as
funções psicofísicas e destas sobre as faculdades anímicas (PUENTE, 2001,
p. 263).
Ex-discípulo de Platão, pleiteou mas não obteve o lugar do mestre à frente da
Academia. Foi preterido por Espeusipo, sobrinho do mestre. Depois de ausentar-se durante 20
anos, voltou e fundou o Liceu, em homenagem a Apolo Lício. As aulas eram dadas passeando
no jardim anexo aos edifícios, demonstrando a presença do corpo. Uma vez que peripatos
4 significa passeio, a escola foi chamada peripatética, ou andar de lá para cá e de cá para lá. Foi
quando Aristóteles elaborou a maior parte dos textos que chegaram até nós, chamados
exotéricos, dirigidos ao exterior, em contraposição aos esotéricos, restritos ao âmbito interno.
Aristóteles considerava também que os exercícios físicos eram a causa do vigor físico e este
daqueles.
Quanto à genética do corpo vivo, este se compõe, segundo Aristóteles, pelas qualidades de
dureza e moleza, calor e umidade, “efetuando-se a classificação dos produtos da geração
segundo a perfeição crescente do mais frio ao mais quente, da não posse à intervenção da
semente na produção do embrião ( apud GAUTHIER-MUZELLEC, p. 95.)
Posteriormente, no século XVIII, Jean Jacques Rousseau, andarilho ilustre, dirá: “Eu só
posso meditar caminhando; assim que paro eu não penso mais e minha cabeça só funciona em
consonância a meus pés” (ROUSSEAU, 1971, p. 32, tradução minha)1.
O fato de não ter nascido em Atenas tornou Aristóteles menos ligado à questão da polis
que Platão. O primeiro foi um grande perquiridor das causas a partir de seus efeitos. A
classificação aristotélica entre forma e matéria, tem como ponto de partida a consideração da
substância sêmen para atribuir a forma ao pai e a matéria à mulher. Considerada pela lógica
dos modernos, a distinção entre forma e matéria serviu para dar ensejo à divisão entre
conteúdo e forma, passando esta mais ao sentido de formato que do sentido original
aristotélico.
A educação romana visava criar guerreiros fortes e hábeis. O romano Lucrécio, nascido
um século antes de Jesus Cristo, autor de Natura rerum, com o objetivo de estudar a natureza
da alma e destruir o medo da morte , já afirmava em “L´esprit et l´âme se tiennent étroitement
unis a solidariedade existente entre alma e espírito enquanto partes do corpo, bem como a
dissipação da alma no ar após a morte. Admite que a respiração, o ar e o calor encontram-se
entremeados em todo o organismo. O longo poema do pagão Lucrécio sobre a natureza, dado
como perdido por mil anos e redescoberto em 1417, antecipa uma visão materialista do
Universo, sem deuses ou causas misteriosas. Especialista em sua obra, o inglês Stephen
Greenblatt, em A Virada – O Nascimento do Mundo Moderno, com tradução de Caetano W.
Galindo, editado em 2012 pela Companhia das Letras, resume em entrevista e artigo de
1
Tradução do original: “Je ne puis méditer qu´em marchant; sitôt que je m´arrête je ne pense plus et ma tête ne va qu´avec
mes pieds”. 5 Antonio Gonçalves Filho publicados em “O Estado de São Paulo”, de 23 de Junho de 2012,
os pontos principais da filosofia lucreciana, retomados no século XX pela física quântica:
[...] o universo funciona bem sem a ajuda dos deuses; o temor religioso faz
muito mal às cabeças dos homens; a matéria é feita de pequenas partículas
atômicas em eterno movimento de reorganização, sendo o choque entre elas
o gerador da vida. A “virada”, identificada com um movimento mínimo que
provoca várias colisões ao acaso, nada mais seria do que a fonte do livrearbítrio, porque a natureza experimenta o tempo todo e todos os seres
evoluem da mesma forma, num processo de tentativa e erro. A alma é feita
do mesmo material do corpo, não há vida após a morte, as religiões são
inúteis, além de cruéis, e o objetivo da vida humana não é outro além do
prazer – sendo seu maior obstáculo não a dor, mas a ilusão.
O cristianismo primitivo não se opunha igualmente ao corpo. Foi a partir do século IV com
Santo Agostinho que ocorreu a cisão, apesar de o futuro bispo de Hipona ter iniciado o
movimento interiorizante do indivíduo, seguindo a tendência dos neoplatônicos. O argumento
segundo o qual não é o corpo que peca mas a alma, suscita a constatação atribuída a São
Tomás de Aquino: a alma ordena, o corpo obedece. Desde então, o corpo passou a ser indutor
ao pecado e foi condenado. Já desqualificado por Platão ao ser considerado cárcere da alma, o
Cristianismo coloca o corpo em segundo plano, uma vez que importa é a salvação da alma.
Ainda assim, o corpo de Cristo é constantemente invocado, tanto no ritual litúrgico da
comunhão quanto na idéia da encarnação de Cristo, que na via crucis teve seu corpo
maltratado e sacrificado. A crença na imortalidade da alma, que voltaria a habitar os corpos
que então ressuscitariam para o Juízo Final, convida a dar importância à integridade do corpo.
Em “A Verdadeira Imagem”, Hans Belting diz que o Ocidente é cristão e lembra que Deus
se encarna num corpo para fazer o sacrifício da redenção. O mistério da trindade, tem como
terceiro elemento o espírito, que é sopro vital ou praná, na linguagem oriental. O judaísmo,
por sua vez, considerava que a salvação deveria ocorrer neste mundo. Se na espiritualidade
grega havia a superioridade da visão e do ver, a judaica é prioritariamente centrada no escutar
e no ouvir. A meditação budista, próxima da idéia estóica de imperturbabilidade ou ataraxia,
requer a coluna ereta e a atenção voltada à respiração, solicitando assim a presença ativa do
corpo. Gilles Deleuze e Felix Guattari, no segundo volume de “Mil Platôs, também abordam a
questão:
Comer pão e beber vinho são misturas de corpos; comunicar com o Cristo é
a pura expressão de um enunciado e é também uma mistura entre corpos
6 propriamente espirituais, não menos “reais”. Mas a transformação do corpo
do pão e do vinho em corpo e sangue do Cristo é a pura expressão de um
enunciado, atribuídos aos corpos (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 19).
O médico Moisés Maimônides, nascido em Córdoba em 1135 e falecido em Fostat,
próximo ao Cairo, em 1204, defendeu sob a influência tanto da Torah judaica quanto do
aristotelismo, a idéia da íntima relação da alma e do corpo, como também da saúde e da
sabedoria.
O foco deste trabalho sobre o corpo é precisamente este: o de questionar a esmagadora
tendência presente na Teoria do Conhecimento ou Gnosiologia ocidentais , ao separar e opor
mente e corpo, razão e emoção e corpo e alma no mais flagrante exemplo, estabelecendo
dicotomias, dualidades e compartimentos, ao invés de considerar o aspecto orgânico, de
interação, de conjunto.
É certo porém que analisar, no sentido primeiro de quebrar e fragmentar, leva a convocar
os seus contrários, para melhor elucidar os seu objetos, tornando o dissolver necessário.
Separar para compreender. As dicotomias só encontram sentido nesta perspectiva. A
expressão latina pars totalis refere-se à questão. Foi o que fez Descartes, o filósofo do
conhecimento analítico, cujo método consistiu em distinguir para tornar claras e distintas as
verdades no pensamento.
7 2. O RACIONALISMO MODERNO
2.1. O Cogito
“Eu penso, logo existo”.
(Descartes, 1983, p. 47)
“Eu sou, eu existo” ou a identificação do ser ao pensamento, é uma proposição
necessariamente verdadeira sempre que pronunciada e constitui a primeira verdade da cadeia
de razões. Passada a Idade Média, o cientista e filósofo René Descartes (1596-1650) inaugura
a modernidade do pensamento, distinguindo radicalmente a substância pensante (res cogitans)
da extensa (res extensa). Descartes conserva a substância proveniente do aristotelismo, tão
valorizada durante o período medieval. ”Não preciso do meu corpo para pensar”, disse o
filósofo, apesar de ser praticante de esgrima. As coisas sensíveis induzem ao erro. Nessa
visão, o corpo humano encontrou-se reduzido ao status de máquina, desprovido de
interioridade, tanto do ponto de vista anatômico quanto fisiológico, de acordo com o modelo
da mecânica clássica .
Efetivamente , Descartes depreciou e desconsiderou o corpo, considerando-o um
estorvo. Eis o que ele diz em sua segunda Meditação: “Considerava-me, inicialmente, como
provido de rosto, mãos, braços e toda essa máquina composta de ossos e carne, tal como ela
aparece em um cadáver, a qual eu designava pelo nome de corpo” (DESCARTES, 1983, p.
93).
Somente a representação das coisas no pensamento podem conduzir ao conhecimento
claro e distinto, formando um arcabouço intelectual que leva ao saber objetivo e universal. Do
ponto de vista científico, se na Idade Média predominou a postura de contemplar a natureza
sem nela intervir, pouco antes de René Descartes surge Galileu Galilei que, ao apontar sua
luneta para o céu, elabora uma nova concepção da Física. Era afeito à Matemática tanto
quanto Descartes. Este, porém, vai encontrar em Galileu lacunas em seus fundamentos
metodológicos. Perseguindo a consistência do fundamento, Descartes encontrará no Eu
pensante o fundamento da ciência: “verifico aqui que o pensamento é um atributo que me
pertence; só ele não pode ser separado de mim” (DESCARTES, 1983, p. 93-94).
Descartes encontra apoio na matemática como garantia capaz de conduzir ao saber
seguro. O método da dúvida ou dúvida metódica permitirá chegar ao conhecimento evidente,
8 apoiado no rigor matemático. A palavra grega mathemata significa cálculo e o método
cartesiano irá se apoiar na noção de mathesis universalis. Lembrando que método é caminho
segundo os gregos, Descartes fez sua opção com o propósito de encontrar o que procurava. ”O
conhecimento matemático , sinônimo de razão, foi precisamente aquele que mostrou, no
decorrer do exame a que todos foram submetidos, um grau de evidência capaz de resistir
naturalmente à dúvida” (LEOPOLDO E SILVA, 1996, p. 33). O autor acrescenta: “Na
matemática não existe o problema da adequação, pois essa ciência é constituída de entidades
inteligíveis, e não de coisas materiais que são percebidas”. Assim, as essências matemáticas
não necessitam da existência para serem verdadeiras, pois a representação da essência
independe dela. Falar em existência implica forçosamente na inclusão do corpo, lembrando
que o prefixo ex designa fora, exterior, enquanto sistere é ser o que é.
Já se tornou lugar comum a associação entre René Descartes e a clássica distinção
entre alma e corpo, a tal ponto que não se procura investigar e compreender com exatidão o
fundador da Filosofia na época moderna, responsável pelo fortalecimento do sujeito e da ideia
enquanto representação mental, configurando-se assim como idealista. Deixou marcas em
todos os filósofos que o sucederam, tanto em seus conterrâneos quanto no Idealismo alemão,
de Emmanuel Kant a Friedrich Hegel , passando por Johann Gottlieb Fichte , discípulo de
Kant e professor de Friedrich Wilhelm Joseph Schelling, que completa o arco. É possível
dizer que desde Platão até Jean Paul Sartre (1905-1980), a essência foi considerada superior à
existência.
Disse Descartes em Discurso do Método: “esse eu, isto é, a alma, pela qual sou o que
sou, é inteiramente distinta do corpo e, mesmo, que é mais fácil de conhecer do que ele, e ,
ainda que este não existisse, ela não deixaria de ser o que é”. Ele acrescenta: ”por já ter
reconhecido em mim mui claramente que a natureza inteligente é distinta da corporal,
considerando que toda a composição testemunha dependência, e que a dependência é
manifestamente um defeito” (1983, p .47). Descartes prepara aí a terceira verdade na cadeia
de razões: “o espírito é mais fácil de conhecer que o corpo” (1983, p. 98).
Conforme acima mencionado, Descartes identificou o ser ao pensamento, resíduo
último da dúvida metódica: eu penso, eu sou. Conhecer é operação do sujeito, enquanto a
coisa
independe do conhecimento e do pensamento. Descartes acrescenta “existo” ao
“penso”. ”Para pensar, é preciso existir” ( 1983, p. 47). A questão ontológica aparece. O que é
a existência para Descartes? Esta se encontra submetida a seu ser, constituindo uma
9 explicitação deste. Reduz o “existo” ao penso”. “O próprio corpo, no que tem de essencial,
não é conhecido pelos sentidos, nem pela imaginação, mas pelo entendimento” (LEOPOLDO
E SILVA, 1996, p. 57).
Posteriormente, Kant criticará
o método de inspecção interna cartesiano e sua
perspectiva eminentemente subjetiva. Ao propor o Idealismo Transcendental, considera que
Descartes confundiu a averiguação psicológica de si mesmo com a crítica da razão. O ponto
de vista cartesiano compreende a inclusão de outros seres humanos além de si mesmo no
processo de acessar o próprio eu, como quando menciona na sua segunda Meditação, que
aqueles que observa de sua janela podem ser nada mais do que autômatos que portam
chapéus.
Teria Descartes se refugiado no cogito ergo sum para escapar da coerção exercida
pela teologia e pela lógica neo-aristotélica? Efetivamente, a Filosofia e a Teologia
caminharam juntas até o século XIV.
Tanto era artificial o dualismo cartesiano, que este não se sustenta. Em sua sexta
meditação, Descartes hesita. Após reconhecer as faculdades de imaginar e sentir, admite que
ele sente dor, fome e sede, e afirma: “não somente estou alojado em meu corpo, como um
piloto em seu navio, mas que, além disso, lhe estou conjugado muito estreitamente e de tal
modo confundido e misturado, que componho com ele um único todo”. (DESCARTES, 1983,
p. 136). Como o corpo, tão distinto da alma, pode estar tão ligado a ela? Se está no corpo, a
alma não pode ser determinada pela sua própria essência. Se o corpo sente fome ou dor, está
sendo determinado pelo espírito. A dificuldade para determinar a separação ou união, ou da
consubstanciação, leva àquele que talvez seja o principal impasse do sistema.
Descartes aborda a passagem da res cogitans à res extensa, relacionando a essência à
existência., abordando o mundo empírico. Considerado um idealista radical, não ignora a
segunda. Para ele há a necessidade de demonstrar que o mundo material existe. Propõe-se a
demonstrá-lo com muita segurança, indo ao encontro das representações claras e distintas das
coisas materiais. Sem a sensação e a percepção, não há como determinar a materialidade.
Em seu Tratado sobre as Paixões da Alma, o filósofo francês procede a um inventário,
sobretudo anatômico e psicofisiológico sobre as afecções da alma, ou antes da junção entre
esta e o corpo. É quando se refere à glândula pineal, situada na nuca, como sede da alma. O
postulado foi criticado e mesmo ridicularizado por aqueles que o sucederam, como Baruch
Spinosa. Henri Bergson (1859-1941),
ao referir-se ao espírito, afirma haver este lugar
10 nenhum, não localizado. Mais recentemente, o psicanalista inglês Donald Woods Winnicott
(1896-1971), ao ser indagado sobre a posição da mente no corpo, respondeu: ”ela está por
aí”.
Demorando-se em seu estudo sobre a percepção, Descartes vai concluir que é pensando e
não percebendo, que o objeto é constituído. Ao referir-se ao corpo próprio, o filósofo dirá:
”algumas sensações estão intimamente ligadas ao que julgo ser o meu corpo. Órgãos e
funções são quase irresistivelmente sentidos como meus e me parece que não poderiam
existir se não existisse o meu corpo” ( LEOPOLDO E SILVA, 1996, p. 73).
Três séculos depois, seu conterrâneo Maurice Merleau Ponty (1908-1961), apesar de
reconhecer o avanço produzido por René Descartes ao destacar o sujeito pensante como
produtor de conhecimento, vai dele discordar em outros aspectos além do conceito de
percepção, tal como a separação entre sujeito e objeto.
2.2 A Visão de Merleau- Ponty - A Crítica Merleaupontyana - O Cogito Encarnado
“E a carne é somente um meio de
abordar o enigma que há na carne”
Paulo Neves
Nas anotações finais de sua obra póstuma “O Visível e o Invisível”, publicada na
França em 1964, três anos após a morte do filósofo, Merleau-Ponty considera que, enquanto
reflexão, o cogito de Descartes é uma operação sobre significações, enunciando as relações
entre elas , com as próprias significações sedimentadas nos atos de expressão, pressupondo
um contato pré reflexivo de si consigo mesmo. Diz ainda: “ o cartesianismo, querendo ou não,
inspirou uma ciência do corpo humano, que também o decompõe num entrelaçamento de
processos subjetivos prolongando essa análise, juntamente com a noção de sensação, até o
psiquismo” (MERLEAU- PONTY, 1971, p.33).
Perceptio, ônis é igual a de percipere, e significa a ação de colher, a colheita.Estudos
recentes atribuem à percepção uma função ativa ao invés de apenas receptiva, envolvendo
ação e movimento, bem como interação ao ambiente. Em sua obra mais célebre, “A
Fenomenologia da Percepção”, de 1945, Merleau-Ponty reserva um longo capítulo final ao
cogito cartesiano, no qual reconhece como definitivamente verdadeiro o retorno das coisas
11 ou idéia ao eu. Prossegue tomando o exemplo de uma árvore. Há duas hipóteses: ou eu nada
sei a seu respeito e não sou capaz de identificá-la; ou diante deste existente perante mim,
posso formar ativamente uma noção. Dito de outro modo: ”minhas percepções finitas e
determinadas são manifestações parciais de um poder de conhecimento que é coextensivo ao
mundo e que o desvela de parte em parte”. (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 424, tradução
minha)2. Para Merleau-Ponty, o cogito cartesiano só tem sentido a partir de seu próprio
cogito. Acrescenta que a consciência de si é o ser mesmo do espírito em exercício. ”É preciso
que o ato pelo qual eu tenho consciência de algo seja apreendido no instante mesmo em que
se cumpre, sem o que ele se quebraria”( 1945, p. 426, tradução minha ).3
O ponto mais importante de convergência entre o autor da Fenomenologia da
Percepção e as descobertas de René Descartes está contido na primeira parte da afirmação “o
movimento profundo de transcendência que é o meu próprio ser, o contato simultâneo entre o
meu ser com o ser do mundo”( 1945, p. 432 tradução minha)4. O contato simultâneo já
estabelece uma discordância. A primeira verdade eu penso é válida desde que compreendida
como eu me pertenço. Mas Merleau-Ponty acrescenta que estando no mundo, sou levado a
considerar que o interior e o exterior são inseparáveis, ou seja, o mundo encontra-se dentro de
mim e eu dentro do mundo.
Ao referir-se expressamente ao corpo, Merleau-Ponty chega ao cerne de sua
colocação:
Se, refletindo sobre a essência da subjetividade, eu a encontro ligada à do
corpo e à do mundo, é porque minha existência como subjetividade faz uma
unidade com minha existência como corpo e com a existência do mundo e o
sujeito que eu sou, tomado concretamente, é inseparável deste corpo aqui e
deste mundo aqui. O mundo e o corpo ontológicos que nós reencontramos no
coração do sujeito não correspondem ao mundo enquanto idéia ou ao
corpo enquanto idéia, mas ao mundo em si mesmo abarcado numa tomada
global, é o próprio corpo como corpo-cognoscente (1945, p. 467, tradução
minha).5
2
Tradução do original: “mes perceptions finies et determinées sont les manifestations partielles d´un pouvoir de connaissance
qui est coextensif au monde et qui le déploie de part en part”.
3
Tradução do original: “Il faut que l´acte par lequel j´ai conscience de quelque chose soit appréhendé lui-même dans l´instant
ou il s´accomplit, sans quoi il se briserait”.
4
Tradução do original: “le mouvement profond de transcendance qui est mon être même, le contact simultané avec mon être
et avec l´être du monde”.
5
Tradução do original: “Si, réflechissant sur l´essence de la subjectivité jela trouve liée à celle du corps et à celle du monde,
c´est que mon existence comme subjectivité ne fait qu´um avec mon existence comme corps et avec l´existence du monde et
que finalement le sujet que je suis, concrètement pris, est inséparable de ce corps-ci et de ce monde-ci. Le monde et le corps
ontologique que nous retrouvons au coeur du sujet ne sont pas le monde en idée ou le corps en idée, c´est le monde lui même
contracté dans une prise globale, c´est le corps lui même comme corps-connaissant”. 12 Ao rejeitar a experiência confusa e obscura, Descartes havia estabelecido uma
hierarquia na qual a substância pensante antecedia a substância corpórea. Para ele a sensação
equivalia a um grau pobre de conhecimento. A idéia e a realidade mental vinham em primeiro
lugar, enquanto Merleau-Ponty
admitiu a convivência íntima entre as duas substâncias. O
fenomenólogo francês credita a Descartes e sobretudo a Kant o aparecimento do conceito de
consciência, pela afirmação de que eu não poderia atingir coisa alguma como existente se
primeiro eu não me provasse como existente no ato de atingi-las. Critica, no entanto, a
desvalorização por parte do cogito da percepção do outro, considerando que o “Eu” só é
acessível a si mesmo. Releva ainda a encarnação numa natureza e a possibilidade de uma
situação histórica, dados ignorados por René Descartes.
Merleau-Ponty considera a percepção como a primeira abertura ao objeto, atribuindolhe a função de fundar ou inaugurar o conhecimento. Para a Fenomenologia, que estabelece
uma ontologia: “a percepção antecipa, vai à frente”. (Op. cit., p. 82). Conhecer é, portanto,
antecipar. Apoiando-se na teoria estruturalista da Gestalt, considera que nosso campo
perceptivo é formado por coisas e vazios ou intervalos entre elas. Por sua vez, Henri Bergson
,refere-se a “uma consciência espontânea e reflexiva ao mesmo tempo” (1934, p. 10).
Considera o estado de consciência um epifenômeno do estado cerebral, admitindo a
solidariedade entre o estado de consciência e o cérebro, dando como exemplo a relação entre
um prego na parede e um vestido que será colocado ali. Refere-se ao antigo problema das
relações entre alma e corpo e considera o pensamento uma função do cérebro. Em “Matéria e
Memória”, Bergson constitui o corpo como um centro de ação, destinado a mover os objetos.
Diz ainda: ”Tudo ocorre como se, neste conjunto de imagens que eu chamo o universo, nada
poderia se produzir de realmente novo senão por intermédio de certas imagens particulares
cujo padrão me é fornecido por meu corpo” ( 1946, p. 12, tradução minha)6
O sistema nervoso percebe sensorialmente, através de todos os sentidos e inclui a
propriocepção, expressão cunhada em 1906 pelo neurofisiologista inglês Charles Scott
Sherrington – (apud SUQUET, 2009). A propriocepção corresponde ao conjunto dos
comportamentos perceptivos. Detecta a posição do indivíduo no espaço, assim como o
movimento, a tensão e o estiramento musculares. Cientificamente, a percepção não é
6
Tout se passe comme si, dans cet ensemble d´images que j´appelle l´univers, rien ne se pouvait produire de réelement nouveau que par l´intermédiaire de certaines images paticulières dont le type m´est fourni par mon corps. 13 consciente necessariamente, enquanto o sentimento é o que a torna consciente. Segundo
Merleau- Ponty o visual é atingido pelos olhos, o sensível é o que se atinge pela sensação. O
ato perceptivo depende da ação do movimento: vem a ser, portanto, uma ação do corpo, que
inclui a intensidade do tônus muscular. Para Jacques Dalcroze (1920) “o movimento é uma
experiência muscular, e essa experiência é apreciada por um sexto sentido – o sentido
muscular” (p. 164). A cinestesia trata da percepção do corpo no espaço, visto do interior,
orientada por este “sexto sentido”, básico para a ação de improvisar. A palavra cine equivale a
movimento e corresponde à sensação que o indivíduo tem da situação de sua existência . Ou
seja, ela compreende as suas funções orgânicas e a corporeidade, enquanto sinestesia - do
grego syn (junção) e esthesia (sensação), estabelecendo junções entre planos sensoriais
diversos. Por meio dessa teoria, há o reconhecimento da pessoa como unidade psicossomática.
A expressão foi empregada pela primeira vez em 1794, em Halle, como título de uma tese de
doutorado presidida por Johann Christian Reil , que teria servido de inspiração à palavra
coenesthesis, equivalente ao termo germânico Gemeingefühl, que encontrou seu equivalente
francês com sensibilité génerale ou general sensibility em inglês.
Merleau-Ponty
credita
a
Edmund
Husserl
(1859-1938),
o
conceito
de
intersubjetividade, quando o sujeito transcendental entra em situação objetiva e assinala:
[...] a reflexão não se retira do mundo em direção à unidade da consciência
como fundamento do mundo, ela toma recuo para ver jorrar as
transcendências, ela distende os fios intencionais que nos ligam ao mundo
para fazê-los aparecer, ela apenas é consciência do mundo porque ela o
revela como estranho e paradoxal (Op. cit., p. VIII , tradução minha)7.
A escrita poética do autor francês faz-se presente ao desenvolver seu próprio conceito
de intersubjetividade em “O Visível e o Invisível”, quando estabelece o elo indissolúvel
entre sujeito e objeto, questionando a separação entre ambos. O ir e vir estabelece pontes
indissociáveis. Merleau-Ponty mostra o quiasma ou entrelaçamento, quando principia
referindo-se à carne:
[...] a carne de que falamos não é a matéria . Consiste no enovelamento do
visível sobre o corpo vidente, do tangível sobre o corpo tangente, atestado
7
Tradução do original: “La réflexion ne se retire pas du monde vers l´unité de la conscience comme fondement du monde,
elle prend recul pour voir jaillir lês transcendances, elle distend lês fils intentionnels qui nous relient au monde pour le faire
paraître, elle seule est conscience du monde parce qu´elle le révèle comme étrange et paradoxal”
14 sobretudo, quando o corpo se vê, toca-se vendo e tocando as coisas, de
forma que, simultaneamente, como tangível, desce entre elas, como
tangente, domina-as todas, extraindo de si próprio essa relação (1971, p.
141).
O meu corpo não é coisa nem idéia. Idealidade não estranha à carne, fornece eixos,
profundidade, dimensões. Segundo o Novíssimo Dicionário Latino-Portuguez de Santos
Saraiva, a palavra carne evoca também a gordura, o tronco, a madeira, o pau das árvores.
Ainda com referência a Descartes, Merleau -Ponty rejeita a distinção dualista entre a extensão
e o pensamento, nomeados como visível e invisível, uma vez que a relação entre ambos é
idêntica ao direito e avesso de uma mesma peça. Leandro Neves Cardim, em seu livro
intitulado “Corpo”, exprime o ir e vir através dos termos ativo e passivo, autonomia e
dependência, quando há diálogo ao invés de contradição.
Os sentidos entendem-se entre si, sem a necessidade de passar por uma idéia ou por
uma representação. Para o neurocientista Antonio Damásio, não existe percepção pura de um
objeto num canal sensorial único, como por exemplo a visão. A ocorrência da percepção
depende de sinais, do ajustamento do corpo acrescido a sinais sensoriais especializados. Dito
de outro modo, não existe percepção pura.”A percepção depende de atividade em várias
regiões cerebrais formadoras de imagem e frequentemente envolve também partes do cérebro
relacionadas ao movimento” (DAMASIO, 2009, p. 191).
A intersubjetividade é sustentada por uma intercorporeidade fundamental, por um
verdadeiro diálogo inter corpos. Assim como ocorre o contato entre sujeito e objeto, dá-se
também o elo entre consciência e mundo, gerando uma nova proposta de ontologia. O real é
sempre o percebido. Não pode haver percepção sem mundo. O corpo habita o espaço ao invés
de estar no espaço e no tempo. Para o autor da Fenomenologia da Percepção esta abordagem
tem carga arcaica e se ramifica no campo afetivo.
O verdadeiro cogito ergo sum para Merleau- Ponty não se restringe ao pensamento
sobre o pensamento, mas liga-se ao mundo. A consciência do mundo e a consciência de si
encontram-se intrinsecamente ligadas. O postulado remete ao Dasein de Martin Heidegger
(1889-1976), igualmente discípulo do teórico da Fenomenologia Edmund Husserl. Para
Heidegger é na existência que corpo e alma se conjugam. A palavra fenômeno, derivada do
grego phainomenón, significa mostrar-se. ”É o que se mostra, o que se revela, traz à luz do
dia, põe no claro...aquilo que, em seu mostrar-se, aponta e indica algo que não se mostra”
(HEIDEGGER, 2002, p. 58). Para Merleau-Ponty, o corpo está no mundo como o coração
15 está abrigado dento do organismo, habitando o Lebenswelt, ou o mundo da vida, que se
desvela permanentemente diante de nós. Há a apreensão das qualia
ou propriedades
fenomênicas com as quais um objeto é sensualmente representado pelo sistema sensório de
um organismo com o todo.
É o corpo capaz de superar os dilemas decorrentes das filosofias da consciência, que
produzem impasses. A capacidade de pensar está necessariamente vinculada ao corpo e à
percepção. A constatação leva Merleau-Ponty a afirmar: ”eu sou meu corpo” (1945, p. 175),
admitindo a condição corpórea entranhada no mundo, que não se encontra disposto diante de
um espírito desencarnado. O corpo é o lugar do mundo que nos permite percebê-lo e pensá-lo.
Se a percepção depende da ação do movimento, trata-se portanto de uma operação do corpo.
A professora Marilena Chauí, após observar que o nosso corpo, segundo a física é um
agregado de átomos; segundo a química um composto feito de moléculas de água, oxigênio,
carbono, enzimas e proteínas; para a biologia um organismo vivo pertencente a uma
determinada espécie e para a psicologia uma aparelhagem receptadora de estímulos externos e
internos que respondem e constituem comportamentos observáveis, imbuída pelo pensamento
de Merleau-Ponty e pela idéia de intercorporeidade cujo processo é simultâneo, dirá, em
Convite à Filosofia:
Visível-vidente, táctil-tocante, sonoro-ouvinte/falante, meu corpo se vê
vendo, se toca tocando, se escuta escutando e falando. Meu corpo não é
coisa, não é máquina, não é feixe de ossos, músculos e sangue, não é uma
rede de causas e efeitos, não é um receptáculo para uma alma ou para uma
consciência:é meu modo fundamental de ser e estar no mundo, de me
relacionar com ele e de ele se relacionar comigo. Meu corpo é um sensível
que sente e se sente, que se sabe sentir e se sentindo. É uma interioridade
exteriorizada e uma exterioridade interiorizada. É esse o ser ou a essência do
meu corpo. Meu corpo tem, como todos os entes, uma dimensão metafísica
ou ontológica (2004, p. 207).
Quando Merleau- Ponty refere-se ao tato, no exemplo de uma mão que toca a outra,
tornando-se difícil definir qual é a mão que toca ou é tocada, há aí uma possível ambigüidade.
Em “O Olho e o Espírito” volta a citar Descartes, que afirmou que os cegos “vêem com as
mãos” . Neste caso, o modelo cartesiano da visão é o tato.
A visão merleaupontyana foi, na História da Filosofia, uma das que mais atribuiram
sentido ao corpo: “ se percebemos com o corpo, o corpo é um eu natural e como que o sujeito
da percepção” (1945, p. 239). Somos consciência encarnada no corpo. Questiona o idealismo
16 transcendental, pois o sujeito da percepção não pode ser um Ego transcendente, separado do
mundo. Recusa tanto o ponto de vista teológico e a busca do Absoluto quanto as filosofias da
consciência que têm como parâmetro o sujeito, do latim subjectus. Tal concepção, iniciada
por René Descartes, teve prosseguimento com os filósofos alemães, de Kant a Husserl,
conforme exposto. Descarta ainda o cientificismo objetivo e impessoal. No exemplo do tato
citado acima, o corpo que toca não é um objeto que se apresenta diante de uma consciência
separada e imaterial. A pessoa que toca percebe entrar em contato físico com o que toca.
Nossa corporeidade é fundamento da experiência perceptiva. Os recentes debates
contemporâneos entre corpo e ambiente, muito devem às vias abertas por Merleau-Ponty.
Numa confluência de várias disciplinas do conhecimento, tem como eixo abordagens sobre a
cultura, nas quais as oposições binárias encontram-se excluída.
Em A Estrutura do Comportamento, uma de suas primeiras obras, o fenomenólogo
seguiu os paradigmas da Gestalt ( forma, em alemão). O aspecto estrutural desta abordagem
interessa a Merleau-Ponty, por se situar fora da relação sujeito-objeto e por considerar a
estrutura uma dimensão do ser , um sistema de relações e diferenças internas que admite uma
organização já dada num campo de possibilidades. Para o filósofo, estrutura é pregnância, é
fecundidade, trazendo nela mesma o seu devir. Hoje não mais discutida e praticada, a Gestalt
concebe a forma como totalidade, que tem estrutura própria, mais que a soma das partes.
O significado das coisas depende de nossa experiência das coisas enquanto tais. Uma
lei física, ainda que concebida enquanto modo para organizar fatos físicos, funda-se não
somente nos fatos, mas também em nossa estrutura perceptiva. Merleau-Ponty
procura
mostrar que uma abordagem objetiva e científica do corpo não permite uma compreensão
completa e adequada dos fenômenos. As conexões neurofisiológicas, sustentadas pelo
realismo científico,
não dão conta de explicar a capacidade do corpo de realizar uma
experiência cheia de significado e uma atividade organizada.
Conforme a concepção merleaupontyana, a peculiar unidade do corpo não pode ser
explicada nem pelo sensacionismo, nem tampouco pelo idealismo. A fenomenologia do corpo
pensa que a união entre alma e corpo não pode ser determinada por decreto, mas se realiza a
cada momento da existência. A dualidade entre “meu corpo” e “minha subjetividade”
desaparece logo que se concebe a existência como “um ser no mundo”.
Merleau-Ponty distingue então o corpo objetivo do corpo fenomenal. O primeiro é
encontrado nas ciências naturais como a anatomia e a fisiologia, enquanto que o segundo não
17 é de modo algum um objeto, mas nossa capacidade corporal da percepção e da ação
significativa. A percepção se atém ao núcleo do nosso ser , constituindo o fenômeno
originário que funda a possibilidade da verdade, do conhecimento e da liberdade.
O projeto de Merleau-Ponty distingue-se do husserliano, que afirma a possibilidade de
se colocar as próprias coisas “entre parênteses” através da redução fenomenológica, e que
leva, por exemplo, a partir de uma bananeira, chegar à noção de “baneiridade”. Escreve ele
que “a verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo antes de sua apropriação intelectual”.
A professora Marilena Chauí acrescenta, em ensaio publicado na Revista Cult n° 123 em
2008, ano do centenário de nascimento do fenomenólogo francês:
Já que a percepção funda nossa idéia de verdade, nosso corpo, enquanto
corpo cognoscente, é iniciação ao mistério do mundo e da razão. Graças ao
corpo, espaço, tempo, motricidade, sexualidade, linguagem, visão, emoção,
pensamento e liberdade surgem na trama dos acontecimentos corporais e
destituem a consciência reflexiva de seu papel constitutivo soberano ou do
insensato “projeto de posse intelectual do mundo8.
Para Chauí, o Racionalismo Moderno cindiu o corpóreo do pensamento reflexivo, ao
eleger a consciência, a pura interioridade, enquanto referência máxima do conhecimento,
levando às últimas conseqüências a separação entre o corpóreo e o anímico , afirmando que a
subjetividade constitui a realidade ou põe o mundo a partir de si mesma. Fundadas na cisão
entre sujeito e objeto, a herança deixada pelas filosofias reflexivas foi “a oposição entre corpo
e alma, matéria e espírito, mundo e consciência, fato e idéia, sensível e inteligível,
abandonando o ver e o sentir em nome do pensamento do ver e do sentir” (2008, p.1). Chauí
liquidifica assim sua avaliação do peso deixado pelo moderno racionalismo, defendendo o
pensamento encarnado num corpo. Este não é uma coisa, nem o mundo pode ser domesticado
pelas representações construídas pelo sujeito do conhecimento. Merleau-Ponty enumerou as
antinomias presentes na epistemologia, além de sujeito-objeto. A este seguem-se: fato e
essência, ser e nada, consciência, imagem, palavra, corpóreo- incorpóreo. Encontram-se assim
sepultadas as distorções decorrentes do Racionalismo Moderno, iniciado com René Descartes.
Em sua busca por uma nova ontologia, há a busca pelo Espírito Selvagem e o Ser
Bruto, presentes nas criações filosóficas e artísticas. Essas alcançam expressões ainda
inexistentes, construindo linguagens originais, marcadas pela radicalidade e acessando o ser.
8
Disponível em: http://revistacult.uol.com.br/2010/03/merleau-ponty-a-obra-fecunda
18 São polpa carnal do mundo, carne de nosso corpo e carne das coisas. São quiasma ou
entrecruzamento “do visível e do invisível, do dizível e do indizível, do pensável e do
impensável, cuja diferenciação, comunicação e reversibilidade se fazem por si mesmas como
estofo do mundo” (2008, p. 4). A experiência criadora é o emblema da ontologia proposta por
Merleau -Ponty. Ela não necessita ser eficaz, mas sim fecunda.
Tal experiência é guiada pelo ato da pequena palavra ver. ”A visão não é um certo
modo do pensamento ou presença a si: é o meio que me é dado de estar ausente de mim
mesmo, de assistir por dentro à fissão do Ser, ao término da qual somente me fecho sobre
mim” (MERLEAU PONTY, 2004, p. 42). É o mesmo que disse Fernando Pessoa, sob a pele
de Alberto Caieiro em Poemas Inconjuntos: “ ver podendo dispensar tudo menos o que se vê /
É esta a ciência de ver, que é nenhuma”.
Marilena Chauí refere-se ainda ao propósito merleaupontyano de afirmar “eu quero,
eu posso”, brotadas do Espírito Selvagem. Este querer-poder é próximo do ser humano que,
ao invés de dizer “eu devo” diz: “eu quero”. Este é defendido pelo filósofo que pensou
visceralmente, antecessor de Maurice Merleau-Ponty: Friedrich Nietzsche (1844-1900), que
vislumbrou a afirmação total do corpo que resulta em plenitude pessoal. Trata do ser próximo
de si mesmo, que se escuta, é autônomo, ativo, forte, espontâneo, agressivo. A convicção da
potência corporal sustenta o original pensamento do filósofo.
19 3. NIETZSCHE E O PENSAMENTO PULSIONAL
“Corpo sou eu inteiramente, e nada mais;
e alma é apenas uma palavra para um algo no corpo”.
Nietzsche
Tal como ocorreu com Merleau-Ponty, Friedrich Nietzsche vai encontrar na arte um
manancial. Para o filósofo, “criar é aligeirar, é descarregar a vida, inventar novas
possibilidades de vida. O criador é legislador-dançarino “ (Apud DELEUZE, 2009, p. 20). A
afirmação do corpo, no sentido nietzschiano, enquanto reconhecimento das forças vitais, das
pulsões, é possível. Em “Assim falou Zaratustra, diz o autor em resposta aos desprezadores do
corpo: ”o corpo é uma grande razão...Há mais razão em teu corpo do que em tua melhor
sabedoria” (NIETZSCHE, 2011, p. 34 e 35). O filósofo alemão inaugura, com “O nascimento
da tragédia e o espírito da música”, de 1871, a sua apologia dos impulsos e forças vitais, até
chegar ao seu conceito de vontade de poder .
Em pleno século XIX, o Romantismo, movimento cujos integrantes apreciavam a
tragédia grega, floresce. É forte a atração por algo torrencial e incontrolável. Nietzsche sabe
que não será no racionalismo europeu que encontrará os fundamentos necessários para a
construção de seu próprio pensamento, marcado por uma grande insubmissão e irreverência.
Reprova o privilégio concedido por seus antecessores Kant e Hegel, alemães como ele, ao
intelecto. Para Nietzsche o intelecto é um falsificador, um órgão da vontade. Ele explica: os
homens mostram-se muito orgulhosos por buscar a verdade. O que encontram? O que eles
queriam e já traziam dentro de si. A conclusão é que o pensamento não pode dissimular seu
fluxo, suas vibrações e circunvoluções. A consciência pressupõe uma autonomia que ela não
tem, uma independência sobre o corpo, o qual ela ignora.
A arte, sim, será um veículo de salvação, uma grande saída. Posteriormente, como
extensão de seu gosto pela tragédia, Nietzsche acompanhará a gesamtkunstwerk, ou obra de
arte total, sobretudo através das óperas compostas por Richard Wagner.
Como bom filólogo, Nietzsche vai atrás de tudo quanto jorra vida e, tendo o ser
humano como protagonista, abarca as fontes onde bebe o teatro, fontes essas titânicas. A
palavra ursprung expressa a arkhé, que corresponde à força do engendramento, responsável
pelo brotar.
20 A tragédia é, por excelência, expressão do mito, permitindo o resgate do “fundo das
coisas”. Considerada um tônico, alterna fragilidade e força, revelando a hybris, a desmedida,
o excesso. Ao enfrentar o sofrimento, o herói permite a emersão de uma nova vida. O embate
com a encenação trágica e o recurso à catarse ou purificação, resultam na atitude de não
permitir ser destruído. Apenas o enfrentamento com a dor e o sofrimento poderão
potencializar o indivíduo. O desvelamento permite a renovação. A moral nega o terrível da
existência, procurando camuflar o que é natural. Baniu o estranho do existir, pois na vida
cotidiana, no dia a dia, prevalece a moralidade estabelecida. Já ao nascer o indivíduo se
depara com costumes codificados, que ele poderá, sim, contestar. À auto conservação,
Nietzsche proporá um cada vez maior crescimento. O sentido da expressão super- homem
conota o ultrapassar-se a si mesmo, a superação. Para Gilles Deleuze, a questão que se
coloca é um embate entre forças internas do homem em relação com outras forças situadas do
lado de fora “ e que nova forma poderia advir que não seja mais nem Deus nem o Homem?
Esta é a colocação correta do problema que Nietzsche chamava o super-homem “
(DELEUZE, 2005, p. 140).
Em sua “Poética”, Aristóteles situa a tragédia como representação de uma ação
elevada, constituída por fábula, caracteres, falas ou elocução, espetáculo e canto ou melopéia.
Estrutura-se segundo a unidade de tempo, lugar e ação. Felicidade e desventura encontram-se
presentes na ação. A palavra tragédia é proveniente do noturno e lunar canto do bode, que
simboliza a pujança genésica, a força vital, a fecundidade. Originariamente, era com esse
canto que se acompanhavam os ritos do sacrifício de um bode nas festas de Dioniso. Era um
rito reprodutor das forças da natureza, uma celebração do poderoso impulso de amor pela
vida.
Na origem do teatro grego encontra-se o ditirambo, expressão através do canto e da
dança em homenagem ao deus silvestre Dioniso, durante a festa em comemoração à chegada
da primavera. Ainda em sua poética, Aristóteles relaciona o termo “comediantes” aos grupos
que, nas ruas da cidade ou em trânsito de uma aldeia a outra, cantavam e dançavam
(komázein, na primeira hipótese, ou kómas na segunda).
Nietzsche detem-se longamente no par Dioniso-Apolo, que caminham lado a lado,
apontando para a complementaridade dos contrários, que não é necessariamente harmônica.
Personagem mítico, Dioniso é deus do transbordamento sexual, da dança, da embriaguez, da
letargia que permite o esquecimento de si por momentos. A palavra remete ao rio Lethe (Rio
21 do Hades), que ilustra a teoria da reminiscência de Platão, quando seres nele imergiam para
saciar sua sede neste rio do esquecimento, antes de retornarem à terra para uma nova vida. Ao
tratar de Dioniso e de Apolo, seu duplo, Nietzsche chega ao cerne do que nos faz mover: as
pulsões.
O herói trágico dilacerado, tal como Édipo ou Prometeu, espelha-se em Dioniso,
despedaçado pelos primitivos titans. Por sua vez, a atitude apolínea desemboca no resgate e
salvação. O impulso apolíneo é sempre o de construção. A arte permite a salvação perante o
titanismo. Por meio da tragédia, o mito atinge sua profundidade maior. Os sustos e medos
provocam a entrada no trágico mundo dionisíaco. Nietzsche menciona a fraterna aliança entre
Apolo, aquele que edifica e constrói e Dioniso, que dilacera e desconstrói. Este é o deus das
máscaras, sem rosto. Juntos, atingem o ápice das finalidades artísticas, numa dimensão
epifânica, quando realizam tanto os impulsos
apolíneos quanto dionisíacos. Muitos
consideram que Apolo porta a máscara de Dioniso.
O declínio do tempo dos heróis provoca o esvaziamento do mito. Convencido está
Nietzsche de que uma cultura se exprime antes de tudo através de seus mitos. Tanto a
dialética quanto a lógica e o silogismo atribuem à morte o horizonte de tudo. A Religião
destitui o mito de sua função primordial. Nietzsche critica as proposições socráticas. Cita em
“O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música”, § 14: “Virtude é saber; só se peca por
ignorância; o virtuoso é o feliz: nessas três fórmulas básicas do otimismo está contida a morte
da tragédia” (NIETZSCHE, 1974, p. 21). Na concepção nietzscheana, o otimismo é sentença
de morte à tragédia. Sócrates teria sido portanto um instrumento da dissolução grega. Foi ele a
inaugurar “ a época da razão e do homem teórico, que se opôs ao sentido mítico de toda a
tradição da época da tragédia “(CHAIM FEREZ, 1974, p. XI) . Efetivamente, no diálogo
“Fédon”, de Platão, Sócrates declara que responder ao chamado do corpo faz quebrar a
reflexão. Em “Nietzsche”, Gilles Deleuze lembra que:
A degenerescência da filosofia aparece claramente com Sócrates. Se
definimos a metafísica pela distinção de dois mundos, pela oposição da
essência e da aparência, do verdadeiro e do falso, do inteligível e do
sensível, é preciso dizer que Sócrates inventou a metafísica: ele faz da vida
qualquer coisa que deve ser julgada, medida, limitada, e do pensamento ,
uma medida, um limite, que exerce em nome de valores superiores – o
Divino, o Verdadeiro, o Belo, o Bem... (2009, p. 20).
22 Com Sócrates morre o mito, portanto. Nietzsche considera seus conterrâneos, os
alemães, doentes por terem cindido os instintos da razão. Tudo o que é introjetado produz
doenças. A tese nietzscheana será , no século XX, retomada por Sigmund Freud (1856- 1939),
que considerará a introjeção e a extrojeção. A questão da racionalidade x instinto é colocada.
A primeira teria o poder de solapar a vida, tão cara a Nietzsche, a vida que é physis, que faz
brotar. Disse também que existe uma linguagem da vida diária, sem metafísica. O pensar
instintivo é dionisíaco.
Não é a procura da verdade que move os seres humanos, mas a vontade de potência.
Instaura a força, a conquista, é agressiva, espontânea. A alegria, antes celebrada por filósofos
como Lucrécio e Espinosa, é afirmativa. Em “Assim falou Zaratustra”, disse Nietzsche: “Que
tudo o que é pesado se torne leve, que todo corpo vire bailarino, este é meu alfa e meu
ômega”. O codinome da alegria é querer, sinônimo de libertação. O querer é criador. Se o
burro ou o camelo carregam fardos, o leão tem o poder de destruir valores estabelecidos. Para
o indivíduo cerceado, é difícil ser criativo.
Para Nietzsche a pessoa tem de ser singular, ser forte e modificar o mundo. É difícil ao
homem dionisíaco desacorrentado sujeitar-se a Deus ou a instituições. Opta por antes contar
consigo mesmo e enfrentar os riscos e desafios da vida. É capaz de superar-se, enfrentando as
dificuldades com disposição. Livre e criativo, pode mudar de opinião.
O alcance de tais propósitos requer uma atitude e uma postura radicais. Antes de tudo,
há que sepultar velhos valores. Quais são os velhos valores aos quais Friedrich Nietzsche faz
referência e chama de triunfo dos escravos?
Um deles é o aspecto retrospectivo, passivo, do sentido histórico. Debruçar-se sobre a
cultura histórica equivale à velhice da humanidade, fazendo do conhecimento um caminhar
para trás, ao invés de considerar o instante. A sistematização rigorosa requerida pelo
encadeamento histórico sufoca o fluxo do pensamento. A linha evolutiva ou o tempo da
evolução serão descartados como material investigativo. A reflexão nietzscheana
será
clarificada em Considerações extemporâneas.
Outro fator é a moral, sobretudo a cristã, que constitui uma negação da natureza,
lembrando que esta nem sempre é acolhedora. Acatar as regras morais leva a desembocar no
triunfo das forças reativas e à submissão do ser humano. Nietzsche aponta como principais
fatores: o ressentimento, que leva a sempre a atribuir ao outro as causas das próprias
fraquezas; a má consciência, que conduz à introjeção da culpa e ao remorso; o ideal ascético
23 ou momento da sublimação, que exige muita disciplina para realizar exercícios espirituais que
elevam a alma a outra dimensão, afastando-a do pecado. Afastando-se das coisas materiais, o
asceta recusa o mundo em prol do espírito. Nietzsche vê nesta atitude uma negação, que supõe
uma aspiração ao nada. Corpo e vida; Vida e corpo encontram-se quando não no texto, no
subtexto de Friedrich Nietzsche, ininterruptamente.
A busca budista pelo estado de nirvana é igualmente considerada niilista por
Nietzsche, por se situar fora deste mundo. Seu foco específico é a Europa cristã e moderna,
onde a visão de mundo e da existência são detectadas como um final sem saída. Do ponto de
vista metafísico, há a ausência total de valores superiores.
A impotência contra outros seres humanos, não contra a natureza, acorda a amargura.
Sofredores, resignados, ressentidos, oprimidos, humilhados, ofendidos e enjeitados
apequenizam-se e sucumbem-se. Eliminam o sentido da responsabilidade, aceitando o
fatalismo, perfilando-se no instinto social do rebanho. A atitude reativa, de passividade e
pessimismo, é que importa reverter.
Nietzche releva ainda a queda dos valores cosmológicos. A muito grega noção de
cosmos equivale para o filósofo à vontade de poder, um ultrapassar seus próprios limites. Por
seu lado, o niilista incorre no monismo ou unidade. A totalidade exclui o devir criativo e
plural, permanecendo no âmbito do ser e mais ainda no de seu correlato, o não ser. O
resultado é a ausência de fim, alvo e sentido. Dito de outro modo, a estabilidade exclui o
movimento.
A esse peso, a esse descontentamento, contrapõe-se o múltiplo e o devir, que celebram
a alegria da diversidade. Devir e múltiplo correspondem a afirmações.
A força a que Nietzsche se refere é ativa eternamente, porém não infinitamente
grande. Não cria possibilidades infinitas, ela tem de se repetir. É necessário que tudo já tenha
estado aí, inúmeras vezes. Todo vir-a-ser , em alemão werden, se move.
Só volta a afirmação, só volta aquilo que pode ser afirmado, só a alegria
volta.Tudo o que é negação é expulso pelo próprio movimento do eterno
Retorno... deve ser comparado com uma roda; mas o movimento de uma
roda é dotado de um poder centrífugo, que expulsa todo o negativo.Porque o
Ser se afirma do devir, ele expulsa de si tudo o que contradiz a afirmação,
todas as formas do niilismo e da reação: má consciência, ressentimento...só
os veremos uma vez... A oposição de um tempo circular nos antigos e de um
tempo histórico nos modernos é uma idéia fácil e inexacta. Em todos os
aspectos podemos, com o próprio Nietzsche, considerar o eterno Retorno
24 como uma descoberta nietzscheana, apenas tendo premissas antigas
(DELEUZE, 2009, p. 35-36).
A transmutação nietzscheana consiste em não mais opor o devir ao Ser, o múltiplo ao
Uno, mas em afirmar o Uno do múltiplo, o Ser do devir. Nas palavras do próprio Nietzsche,
trata-se de afirmar a necessidade do acaso.
Não vou aqui citar os muitos elogios proferidos à dança por Nietzsche, uma vez que
tais enunciados, de tão citados, tiveram seu sentido esvaziado. Muito atraído ele sempre foi
por saltos, pés ligeiros, músculos, pela flexibilidade do corpo, pelo prazer que o movimento
propicia. A dança exige força, pedra de toque do pensamento nietzscheano. Importa antes de
tudo saber o que o levou a tanto apreciar a linguagem da tanz. Dança é movimento, que é
vida. “Todo processo de mudança e de movimento é um processo de vida” (LEOPOLDO E
SILVA, 1996, p. 47).
Mudar ou movimentar é engendrar, isto é, fazer nascer. Nietzsche costumava dizer que
a saúde da maior parte dos pensadores e filósofos costuma ser precária. A saúde frágil
certamente o fez projetar imagens de agilidade, frescor e leveza próprias à dança e contrárias
a seu próprio estado físico. Sua escrita, repleta de aforismos, procede aos saltos. O filósofo
que considerava perdido o dia em que não se dançou pelo menos uma vez, ele mesmo não
dançava. Gilles Deleuze atribui a pouca saúde de muitos filósofos e escritores ao fato de
terem vislumbrado algo grandioso demais, que os esfacela.
25 4. O PROBLEMA DAS DICOTOMIAS
Probalo em grego é problema e quer dizer lançar para a frente. Lidar com problemas
nos arremessa para a frente. No século XIX , houve na Alemanha uma redescoberta dos
primeiros filósofos gregos. A expressão “pré socráticos” foi então cunhada pelo alemão
Diels, que viveu em período posterior a Hegel.
Nietzsche exalta Heráclito (cerca de 540-470 A.C.), que afirmou: “Ao devir, são
necessários tanto o que é como o que não é; quando surgem conjuntamente, surge o devir”
(NIETZSCHE, 1999, p. 83). Considera que o pensador oriundo de Éfeso “exprime a
imponência e a majestade da verdade, mas da verdade apreendida na intuição, não da verdade
galgada pela corda da lógica” ( 1999, p. 127). Heráclito fez do cambiante fogo o elemento
primordial de todas as coisas. Tal como o movimento, o fogo traz a idéia de transformação.
Movimento é sinônimo de devir. Disse ainda Heráclito: “Tudo flui, nada persiste nem
permanece o mesmo. Oscilação e instabilidade são permanentes” (HERÁCLITO, 1999, p.
93). A estabilidade do ser pretendida pelos eleatas, encontra-se descartada. O não é a
expressão mesma do movimento, pois implica em sair de um ponto para passar a outro: diz-se
não ao ponto inicial e sim ao seguinte. Ao ser, outro ser é negado. O não está dentro do é. “O
Ser, sabe-se já há muito tempo, parece-se com o nada como um irmão” ( DELEUZE, 2009, p.
31).
O que Nietzsche admite é um permanente jogo de forças, que difere da harmonia dos
contrários heraclitiana e que levou Heráclito a ser considerado o pai da Dialética. O primeiro
a empregar a palavra foi Platão, com a conotação de discussão ou diálogo ou antes arte do
convencimento. Se tomarmos o par Dioniso e Apolo, constatamos que ambos caminham
juntos sim, porém não de modo harmonioso, mas conflitante. As forças tensionantes operam
ao mesmo tempo. O que orienta Nietzsche é a articulação entre korper, leib e fleisch, que
supõe a interação entre as várias dimensões, colocando o corpo vivo no lugar da alma ou da
consciência:
[...] longe de ser uma nova figura do incondicionado metafísico, a vida dos
corpos vivos implica ao menos três condições:a pulsão dionisíaca que os
une, a pulsão apolínea que os separa e a tensa articulação dessas duas
pulsões, orientadas em sentido “contrário”. Sem o socorro da arte, que
associa as duas pulsões, o continuum carnal (Dioniso sem Apolo) conduziria
a um caos afetivo intolerável (Apud STIEGLER, 2012, p. 714).
26 O presente estudo trata do corpo e da supressão das dualidades. Incrustadas na
tradição, os pares de conceitos são recorrentes, cindindo não apenas corpo / alma e sujeito /
objeto, como mundo / consciência, matéria / espírito, razão , mente / corpo e muitos outros.
Se, para evitar a permanente divisão em partes, admitisse que tudo se encontra alojado no
corpo e que portanto tudo é corpo, estaria incorrendo em monismo.
Detendo-me de modo mais prolongado no exemplo constituído pelo par DionisoApolo constato que, do ponto de vista da dialética hegeliana, a oposição entre ambos acabaria
numa síntese totalizante entre tese e antítese, pois Hegel admitia a identidade dos contrários,
iniciada pelo par ser-não ser. A idéia de fusão é bem explicitada no v. 27 da Primeira
História da Criação, comentada pelo poeta Haroldo de Campos: “ o homem e a mulher são
criados por Deus simultaneamente, como as duas faces do ser humano...e deram que se
trataria de um ser hermafrodita” (Apud HAROLDO DE CAMPOS, 1995, p. 163). Focando
apenas o momento da afirmação e da negação, anterior à síntese, a dialética é dualista. Pode
cair no maniqueísmo, se levarmos em conta certas oposições, como bem e mal ou bom e mau,
por exemplo. O filósofo francês Henri Bergson dizia que a tendência da dialética era juntar
coisas incongruentes , disparatadas.
A meu ver, não se trata de afirmar, depois negar e por fim encontrar uma síntese entre
dois elementos. Muito menos de estabelecer dualismos ou oposições binárias. Nem tampouco
de estabelecer complementaridades, nem completudes, tais como o yin e o yang orientais, ou
o lado direito e o esquerdo do meu corpo, o dia e a noite e mesmo a inspiração e a expiração,
a expansão e o recolhimento, a tensão e o relaxamento, pois estarei assim sempre
visualizando totalidades. O par Apolo/Dioniso constitui um bom exemplo do que quero
exprimir. Não há um momento em que me construo, me salvo, me resgato, seguido por outro
no qual me consumo. Ambos os estados convivem ininterruptamente, ao mesmo tempo.
Friedrich Nietzsche não era dialético. Levava em conta um jogo de forças, uma transmutação.
Em sua inacabada “Crítica da Razão Dialética” publicada em 1960, Jean Paul Sartre
aponta para uma inexistência da harmonia, revelada pelo não alcance dela nas revoluções. A
Francesa destituiu a nobreza colocando a burguesia, e não o povo, em seu lugar; a Russa, ao
invés de colocar o proletariado no poder como era o objetivo, findou em pesada burocracia.
Inútil
é, portanto, perseguir a felicidade, pois esta pode ser almejada, mas não
alcançada. Inútil deixar de integrar um grupo para aderir a outro com a esperança de obter a
27 paz, pois esta não será atingida. A atual busca alternativa por qualidade de vida, na qual todos
são ecológicos, certamente não será alcançada. O título do que quero expor é: “ é vã a busca
pela harmonia”. Não há síntese, mas tensão permanente. O conflito é inextinguível. Isto
porque o ser humano é assim, desarmônico.
Ao discorrer sobre A gaia ciência , o professor J.A. Giannotti, em consonância com
as reflexões acima expostas, escreve:
Em resumo, além da bipolaridade do verdadeiro e do falso e, de um ponto de
vista mais amplo, além da bipolaridade do bem e do mal se colocam os
pensadores de exceção, aqueles que se vacinaram contra o niilismo, e
percebem que antes dessas bipolaridades operam valorações que como tais
vivem seus contrários, afirmam-se na disputa, no agon da vida, quando até
mesmo o forte necessita da resistência do mais fraco para ir além de si
próprio (GIANNOTTI, 2011, p. 228).
À lógica binária, Gilles Deleuze e Félix Guattari opõem a multiplicidade. Não se
trata, portanto, de promover o monismo, mas de celebrar o múltiplo que resulta na
fragmentação encontrada na nossa cultura. “Falamos exclusivamente disto: multiplicidades,
linhas, estratos e segmentações, linhas de fuga e intensidades, agenciamentos maquinais e
seus diferentes tipos” (DELEUZE; GUATTARI, 1995, v. 1, p.12 ). Segundo os pensadores
franceses, o pensamento nunca compreendeu a multiplicidade. Em Mille Plateaux, publicado
na França em 1980, sugerem o conceito de rizoma: “mapa que deve ser produzido, construído,
sempre desconectável, reversível, modificável, com múltiplas entradas e saídas com suas
linhas de fuga”. (Op. Cit., p. 32). A palavra chave é flexibilidade.
Diferentemente da solidez e enraizamento de uma árvore, que carrega a lógica binária,
o rizoma se ramifica interminavelmente. O termo, que significa multiplicidade, é derivado da
Biologia, disciplina que tanto tem influenciado as atuais discussões sobre o corpo.
As multiplicidades são rizomáticas. São fios, hastes que movem as
marionetes, formando uma trama [...] Princípio de multiplicidade:é somente
quando o múltiplo é efetivamente tratado como substantivo, multiplicidade,
que ele não tem mais nenhuma relação com o uno como sujeito ou objeto,
como realidade natural ou espiritual, como imagem e mundo. As
multiplicidades são rizomáticas e denunciam as pseudomultiplicidades
arborescentes” (Op. Cit., p.16).
O múltiplo, para Bérgson, é multiplicação da unidade. Para os autores franceses, o
múltiplo não é feito de unidades mas de dimensões, ou antes de direções movediças. Num
28 mundo que perdeu seu pivô, a idéia de fundamento é destituída, o fim e o começo são
anulados. É no meio que as coisas adquirem velocidade. Os cinco volumes que integram Mil
Platôs não precisam ser lidos em seqüência. A passagem entre os capítulos pode e deve ser
aleatória. Deleuze e Guattari consideram o dualismo ou dicotomia maniqueístas, mesmo em
suas formas rudimentares de bom ou mau.
4.1 Razão e Emoção
A palavra
razão está associada a outros termos tais como consciência, mente,
intelecto. A palavra é derivada do latim rationem, que significa cálculo, medida ou regra. É
derivada de ratio, particípio passado de reor, igual a determino, conheço, estabeleço, julgo,
raciocino, compreendo, pondero.
Para a tradição filosófica, a ratio é constructo. O que Descartes “prescreve como
recurso para a construção da ciência e também para a sabedoria de vida é seguir os
imperativos da razão, que, a exemplo de sua manifestação matemática, opera por intuições e
análises” (LEBRUN, 1983, p. XV e XVI). Para Kant, a faculdade de conhecimento é a que
permite chegar às formas. Ele afirmou não saber o que as coisas são, mas o que são para
mim. Para Hegel a razão não tem que se apoiar no sensível, mas em si mesma e é
essencialmente dialética. Husserl considera que o nous (derivado do grego) é o intelecto que
intelige, enquanto a noesis é o ato de inteligir que processa o conhecimento até atingir a
noema (ou mahana para os árabes), que é o conceito. Para o trio de filósofos alemães, há em
comum um distanciamento do mundo sensível, do lebenswelt em favor da garantia do saber
universal. O critério racionalista é o atemporal ( não histórico), além da universalidade. Para
as teorias modernas, há a precedência do sujeito e da representação. O ato de conhecer ocupa
a prioridade.
O norte-americano Charles Sanders Peirce (1839-1914), que já havia criticado
Descartes ao dizer que a dúvida encontra-se sempre do lado de fora, considera como função
da racionalidade tornar a vida razoável, construindo mediações. Aristóteles também
valorizou as virtudes da prudência, justa medida e moderação, a sophrosyne.
A palavra emoção é formada pela vogal “e”, que segundo a Lógica é negação, mais
“moção”, que é movimento. É portanto a negação do movimento, supondo-se que a emoção
paralisa o indivíduo. Estudos recentes fazem supor que pensamentos racionais, emoções e
29 sentimentos
ocorrem ao mesmo tempo em todo o corpo.”Há uma rede de interações
orgânicas pela ação eficiente de neurotransmissores e modulares (sistema nervoso), peptídeos
e hormônios.” (apud GOUVÊA, 2004).
Antonio Damásio define as emoções como adaptações singulares que integram o
mecanismo com o qual os organismos regulam sua sobrevivência. Divididas entre primárias
(universais), secundárias (sociais) e de fundo, segundo o neurocientista as emoções “são um
conjunto complexo de reações químicas e neurais, formando um padrão” (DAMASIO, 1999,
p.74).
A interligação entre razão e emoção levou a ensaísta Helena Katz a concluir no artigo
Todo corpo é Corpo mídia: “A razão não é desencarnada nem transcendental, universal, não
é sequer consciente. Em sua maior parte, é inconsciente. É metafórica e imaginativa. É
carregada de emoção. Razão-emoção fazem parte da mesma ação de conhecer.9
4.2 Matéria e Forma / Conteúdo e Forma
Voltando a Merleau-Ponty, em palestra proferida ainda na década de trinta do século
passado e posteriormente publicada, cujo título é “O Primado da Percepção e suas
conseqüências filosóficas”, afirmou: “toda matéria é grávida de sua forma”, apontando para a
idéia de fecundidade, que lhe foi tão cara e que desenvolveu posteriormente.
A discussão remonta a Aristóteles. Como bem explica Leopoldo e Silva, em
Aristóteles há dois pares de noções que desempenham função estratégica:
[...] forma/matéria e ato/potência. A matéria é o indeterminado que se
determina ao receber uma forma. A potência é a possibilidade, em si
meramente indeterminada, que se realiza concretamente pela determinação
de um ato (LEOPOLDO E SILVA, 1996, p. 45-46).
Dito de outro modo a forma enforma a matéria. A matéria é despotencializada,
passiva, a “matéria prima” contém a forma em potência. Matéria e forma (morphé)
constituem uma unidade, bem como potênica e ato. A ousía é a substância, forma ou
pensamento. As formas encontram-se no mundo das idéias ou na mente de Deus, enquanto a
9
http://livrovermelho-likeaperformer.weblogger.terra.com.br/index .htm 30 matéria pertence ao mundo da existência. O dualismo platônico torna-se claro: a
transcendência é separada da imanência, a essência da existência.
Conforme bem exposto pelo comentador François Stirn “Aristóteles substitui idéias
separadas por formas distintas, mas imanentes às realidades sensíveis mediante relações entre
potência e ato” (2006). A causa formal aristotélica ocorre quando o processo chegou à sua
finalidade, como quando a transformação do barro resultou em pote.
Para Hegel, ligado como Kant aos poetas do Romantismo, o belo era a aparência
sensível da idéia. A afirmação supõe que a idéia é anterior. Um artista, em posse de um
conteúdo, passaria posteriormente à construção sensível. É bem verdade que existe um
momento de concepção ou visão que é ilimitado, que antecede a construção, quando
aparecem os problemas de como colocar pedra sobre pedra. Um artista pode estar
simplesmente habitado, encontrando-se em estado criador, sem ter domínio algum do
resultado do seu trabalho. Um vídeo em câmara lenta do pintor francês Henri Matisse (18691954), mostra sua mão hesitando se o traço continuará à esquerda ou à direita. É no fazer que
o propósito se clarifica.
Lembrando a atribuição aristotélica exposta acima, é possível concluir que forma
confundiu-se com formato e o que Aristóteles chamou de forma tornou-se conteúdo. É claro
que no século XX já não se andava atrás da essência. Diz a crítica contemporânea:
As formas implicam um código, modos de codificação e descodificação. As
substâncias como matérias formadas se referem a territorialidades, a graus de
territorialização e desterritorialização. Mas há, justamente, código e
territorialidade para cada articulação, cada uma comportando , por sua conta,
forma e substância... A estrutura é o conjunto dessas relações e correlações
[...] Hjelmslev tinha conseguido elaborar uma grade com as noções de
matéria, conteúdo e expressão, forma e substância. Esses eram os “strata”,
dizia Hjelmslev. Ora essa grade já tinha a vantagem de romper a dualidade
forma/conteúdo, pois havia tanto uma forma de conteúdo quanto uma forma
de expressão ( DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 55-57).
É datada a separação entre forma e conteúdo. Nos anos sessenta , o comunicólogo
canadense Marshall Mac Luhan (1911-1980) publicou “O meio é a mensagem”, cujo título
já explicita o assunto tratado.
A criação artística opera por imagens. Imaginatio traduz o árabe tasawor derivado de
surat ( imagem), que quer dizer também forma, do verbo sauara (formar, modelar), assim
como descrever e conceber. Para o filósofo Gaston Bachelard (1884- 1962), que criou a
31 Fenomenologia da Imaginação, as imagens são anteriores às idéias e conceitos. A palavra
cinema tem cine ou imagem em sua composição. Em “Cinefilia – Invenção de um Olhar”,
Antoine de Baecque constata que “o conteúdo de um filme, sua mensagem, se preferirmos,
consiste integralmente na forma cinematográfica desdobrada pela mise en scène, não
residindo na tese sugerida por um autor nem em seu roteiro, nem em seus diálogos” ( artigo
de Alcino Leite para a ”Folha de São Paulo” – São Paulo, 06/02/2011).
A forma não se submete nem é inferior ao conteúdo. É um padrão existente em todas
as coisas. Grandes artistas das artes cênicas promovem um elogio da forma. Formal passou a
opor-se a psicológico. No programa da última versão da ópera Macbeth apresentada em São
Paulo, o diretor Robert Wilson principia seu artigo com as palavras “Meu Teatro é um Teatro
formal”. Tal como outra grande diretora teatral, a francesa Ariane Mnouchkine, do Théâtre
du Soleil, é no Oriente que esta forma será buscada. Wilson escreve: ”O teatro de Bali, o
Katakali indiano, a ópera de Pequim, ou o teatro Nô do Japão são todos formais, ao passo que
na cultura ocidental, como disse André Malraux, o teatro foi circunscrito pela literatura”
(2012, p.17). Há os que sustentam que a cultura veio do leste para o oeste, assim como outros
consideram que o Oriente foi inventado pelo Ocidente.
32 5. O CORPO SEM ÓRGÃOS
O conhecimento não é contemplar o abismo,
mas jogar-se no abismo.
Georges Bataille
A frase de Georges Bataille refere-se primeiramente a Nietzsche e depois a Michel
Foucault (1926-1984). Entre ambos há certamente um nome: Antonin Artaud (1896-1948).
Muitas são as semelhanças entre Nietzsche e Artaud. Uma das quais é certamente a de ir ao
extremo das coisas. Ambos têm como marca a radicalidade que atinge o centro nervoso da
pessoa inteira, suas vísceras constituídas por coração, pulmões, intestino, fígado e pâncreas,
boca, língua e garganta, glândulas endócrinas, pituitária, tireóide, adrenais, ovários e
testículos, a pele, a medula óssea, o sangue e a linfa.
Para Aristóteles, organon é instrumento. Para os gregos, ao invés de órgão físico do
corpo, significava a causa orgânica e instrumental. Orgânico pode ser conjunto. Pode ser
ordenado. Pode ser conjunto ordenado. Pode também ser vivo. Tem a ver com o estrutural.
“O todo orgânico é sempre uma estrutura nascida de uma função que pode ser cognitiva,
digestiva, etc.. Se a metáfora muda, muda o entendimento ontológico do corpo e a sua
possibilidade de experimentação” (GREINER, 2005).
Segundo a tradição, o corpo é a matéria orgânica que constitui o ser humano, podendo
referir-se aos ossos cobertos por carne. Há muitas conotações, segundo o dicionário latinoportuguez: corporalitas, atis: corporeidade, materialidade; corporasco, corporesco:
corporificar; corporeus, a, um: corpóreo, carnudo; corporo, as, are: corporisar, tomar corpo,
formar-se; corpus, oris: constituição física, estatura, robustez, cadáver, indivíduo, pessoa,
conjunto, todo; corpora individua: átomos; corpus sine pectore: corpo sem alma.
Para Deleuze organismo é articulação, correlação articular, órgãos, funções e
regulações. Chega-se assim ao sentido de organização social coercitiva. As instituições ou
organismos geram controle.
É o que provocou a repulsa do grande visionário francês Artaud . Analisada por Gilles
Deleuze no terceiro volume de Mil Platôs e intensivamente divulgada, a expressão “corpo
sem órgãos” gerou múltiplas interpretações, que muitas vezes se afastam de quem a fala
partiu: Antonin Artaud. Sua obra mais difundida é o Teatro da Crueldade , em que propõe
que o jogo teatral acorde os nervos e o coração e atue como a peste: ” Importa antes de mais
33 nada admitir que, como a peste, o jogo teatral seja um delírio e que seja comunicativo”
(ARTAUD, 1964, p. 37, vl. XIII). O termo crueldade não é ligado nem ao sangue, nem à
carne, mas ao martírio. Trata-se de um rigor cósmico, irreversível, implacável, que atua como
um rolo compressor.
Artaud, como muitos profetas, lançou manifestos. Escreveu muito e encenou pouco,
Melhor assim, pois deixou como legado grandes marcas no teatro do século vinte , menos
fundamentado no texto literário. O visionário francês propôs desconstruir o texto, em
proveito de uma linguagem encantatória, construída no espaço, através de “formas, gestos,
rumores, cores, plásticas, devolvendo o teatro à sua função primitiva, resgatando seu aspecto
religioso e metafísico, reconciliando-o com o universo” (ARTAUD, 1964, p. 108) . Artaud
propôs o teatro total, uma encenação que pode ocorrer em espaços múltiplos – granjas,
hangares, ou seja, que não se restrinja a um teatro.
A metáfora do corpo sem órgãos data de 1947 e consta do Dossier Pour em finir avec
le jugement de Dieu:
O corpo é o corpo
ele está sozinho
e não necessita de órgãos
o corpo não é jamais um organismo
os organismos são os inimigos do corpo (ARTAUD, 1974, p. 287)
O corpo que não se compõe com seus órgãos para formar um organismo é pura
matéria pulsante, em potência, é energia concentrada, cheia de intensidade. Para viver há que
ter um corpo, sim, Artaud o admite, mas um corpo feito por si mesmo através dos atos
praticados. Para ser alguém é preciso ter um osso. Desarticular é deixar de ser um organismo.
Este é um algo que vem se acoplar ao corpo, gerando estratificações.
Do mesmo modo como ocorre no corpo, as estruturas sociais encontram-se
organizadas para reprimir os indivíduos. O orgânico é o ordenado, o que provoca a rejeição
de Artaud., que diz não à ordenação. Para muitos, o organismo não é mais que uma máquina
viva. Este pensamento relaciona-se com as posições de Michel Foucault (1926-1984), que
considera o sujeito
aquele que se sujeita às regras, às instituições sociais. A palavra
conformar-se principia com o prefixo con, designando tomar a mesma forma - o mesmo que
aceitar, permitir.
34 6. FOUCAULT
Não há relação de poder
entre sujeitos livres.
Michel Foucault
Já para Aristóteles, o ser humano é um animal vivo, o mais capaz de existência
política. Inicialmente adepto do estruturalismo e firmando seu pensamento em oposição ao
existencialismo sartreano, é a questão do poder que orienta as investigações de Michel
Foucault. Em torno de 1970 cunhou a expressão biopoder , uma integração do biológico e
político. O interesse pelos seres vivos, do domínio da história natural, foi deslocado para o
olhar desvelador que se concentra nos corpos vivos. Há um amálgama entre práticas médicas
e sociais, formando um olhar anatomoclínico para compreender a história. Foucault
mergulhou principalmente no estudo dos sistemas prisionais e manicomiais. O corpo é
moldado por um concurso de disciplina e regulamentos, instaurando uma anatomopolítica.
Em Vigiar e Punir, inventário de sofrimentos, suplícios, torturas, punições e ato sádicos ,
verdadeira história da violência nas prisões, Foucault sentencia:
O grande livro do Homem máquina foi escrito simultaneamente em dois
registros: no anátomo-metafísico, cujas primeiras páginas haviam sido
escritas por Descartes e que os médicos, os filósofos continuaram: o outro,
técnico-político, constituído por um conjunto de regulamentos militares,
escolares, hospitalares e por processos empíricos e refletidos para controlar
ou corrigir as operações do corpo. Dois registros bem distintos, pois tratavase ora de submissão e utilização, ora de funcionamento e de
explicação:corpo útil, corpo inteligível (FOUCAULT, 1997, p. 132).
Foucault refere-se também à concepção de La Mettrie expressa em “O homem
máquina”, que estabelece uma teoria geral do adestramento através da relação obediênciautilidade, gerando um corpo submetido, utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado.
Conclui que a disciplina fabrica corpos dóceis e que a anatomia política equivale a uma
mecânica de poder. A tática militar é um exemplo.
Já Nietzsche havia se detido sobre a questão do castigo. Este visa a perturbar e inibir a
pessoa, constrangê-la, tornando-a inofensiva. O castigo dói, humilha, infunde o medo. É
processo doloroso. Quando crio um senhor para mim, sofro.
35 Foucault emprega as expressões intimidação, temor, intervenção, controle e sanção.
Há estruturas sociais inconscientes, anônimas, que moldam a pessoa, desde a mais tenra
infância. Ao desenvolver um raciocínio, sou eu que penso ou repito o que me foi ensinado?
Foucault vai debruçar-se sobre a episthemé ou conjunto de idéias que estruturam e
determinam uma práxis.
O tema foucaultiano recorrente é o poder, abrangendo, além dos já citados
manicômios e prisões, as escolas, os orfanatos, os hospitais, os asilos, as creches, as fábricas,
os quartéis, enfim todos os sistemas disciplinares ocidentais, formando corpos obedientes,
úteis e produtivos. Suas posições contribuirão para os movimentos das minorias.
A palavra, a linguagem e as relações sexuais também são abordadas. Foucault indaga:
o que faz de alguém alguém? Como a pessoa se singulariza? O que fez você de você mesmo?
O contorno que adquire o corpo individual acha-se diretamente vinculado ao coletivo
apreendido em espaço aberto. O que considero do domínio da minha intimidade mais
profunda é rigorosamente semelhante a outros eus:
sob o bisturi intelectual de Foucault, o corpo se torna o lugar em que se
se impõe e se vive o poder; este é apreendido em uma história completa que
coloca em ação todos os elementos de uma sociedade determinada. Longe
dos debates abstratos sobre a natureza e a legitimidade do Estado, Foucault
visou à anatomia concreta de suas práticas (Apud KREMER-MARIETTI,
2012, p. 473).
O problema político é, portanto, aquele que investe sobre o corpo aparelhos de
micropoder e, silenciosamente, inventam formas de dominação, que podem se transmudar em
oportunidades para outras oportunidades de vida. O campo do dócil e utilitário pode ir além
e colocar-se do lado da indústria, do trabalho, da produtividade, da criatividade, da
autonomia, do autogoverno.
Numa nova fase, Foucault irá se concentrar mais especificamente sobre a gestão da
vida, aliando política e ética. É quando produz A hermenêutica do sujeito, visando proteger a
vida e dotá-la de boa saúde. É quando é possível constatar a substituição do conhecimento de
si socrático pelo cuidado de si, introduzindo um aspecto espiritual fundado na
governabilidade de si.
Com “Utopias e Heterotopias” – geografias humanas, palestra proferida em março de
1967 e que, com o título “Des Espaces Autres”, foi publicado pelo jornal francês
“Architecture/Mouvement/Continuité” em Outubro de 1984, Foucault concentra-se
36 integralmente no corpo e na questão corporal. Se a utopia indica um espaço em um lugar não
real, a heterotopia situa espaços outros e lugares efetivamente localizáveis, justapostos e
simultâneos, com um recorte temporal , numa conjunção de real e irreal ao mesmo tempo. A
disciplina heterotopologia passa a existir. O hetero, o outro, o diferente, junta-se a topologia
ou topografia, referindo-se à descrição anatômica e particularizada de qualquer parte do
organismo humano.
Um exemplo é o jardim, espaço real onde o que ocorre pode estar situado num outro
plano da realidade. Outro é o navio que, em certos momentos históricos ocupou uma posição
mercantilista, mas que igualmente povoa a imaginação.
O corpo é o ponto zero do mundo, ator principal de todas as utopias, ligado ao além do
mundo. É em torno dele que as coisas se colocam, a partir do corpo, este pequeno núcleo
utópico. É dele que tudo emana, a fala, a percepção, a imaginação. Como na cidade do sol, é
a partir dele que tudo irradia. O corpo do dançarino oferece uma experiência dilatada, interna
e externa ao mesmo tempo. As crianças precisam de um tempo para descobrir que têm um
corpo. O espelho ensina que existe aí uma forma, um contorno, uma espessura, um peso, que
ocupam um lugar. O próprio Michel Foucault conta que se olha no espelho e não aprecia o
que vê: olho míope, ausência de cabelos, nada bonito, enfim.
A máscara, a maquiagem, a tatuagem, permitem adquirir um outro corpo, gerando uma
nova corporeidade. Dotam o corpo de poderes secretos e forças invisíveis, colocando-o num
espaço imaginário, no universo da divindade e das linguagens cifradas. É quando o corpo é
arrancado de seu espaço próprio e lançado numa outra dimensão. A reflexão pode auxiliar a
pensar as questões do travesti e do transexualismo, ou o fato de aceitar ou não e identificarse ou não com o próprio corpo, o que desemboca frequentemente num conflito.
Por fim , evoca a mão do outro que, no ato amoroso, apazigua. É quando o corpo não
se encontra além , mas aqui.
Foucault é considerado o pensador que promoveu a redenção do corpo.
37 7. UM BREVE OLHAR SOBRE A HISTÓRIA E A SOCIEDADE
O primeiro Foucault debruçou-se sobre o homem de carne e osso. Foi também em
defesa deste que se pronunciou Karl Marx (1818-1883). A miséria da filosofia consiste em
não se ocupar das questões que interessam ao homem concreto. O trabalho é a mais alta
realização humana , para Marx. Etimologicamente, a palavra trabalho designa forçar, ou o
instrumento de tortura que era usado em escravos que não queriam trabalhar, enquanto labor,
dor em latim, é carregar peso ou dar à luz.
Desde a primeira revolução industrial na Inglaterra, no século XVIII, o corpo não
podia ser desqualificado por ser sede da saúde, do contrário a produção dos bens materiais se
inviabilizaria. A força do vapor gerou a idéia de máquina construída com carvão mineral e
ferro, que distingue a idéia de manufaturismo, substituindo a água como força motriz,
utilizada desde os gregos e romanos. A moderna tecnologia que domina hoje quase todas as
áreas de trabalho, vai progressivamente dispensando o trabalhador.
O corpo já foi muito maltratado e continua sendo, às vezes em nome da saúde e da
beleza. Na introdução deste estudo, foi recordada a prática da decapitação, para extrair a
parte nobre do corpo, sede da razão e portadora da identidade do indivíduo. É como a
nobreza medieval européia punia os crimes de alta traição ao rei. “O criminoso era então
condenado à pena de enforcamento, evisceração e esquartejamento, nisso se acrescentando
muitas vezes a trituração de ossos, a castração e a decapitação” (artigo de Sérgio Telles em
“O Estado de São Paulo” – São Paulo, 23/06/2012).13
Nas guerras em geral, os exércitos lançaram mão do emprego de lanças, espadas, balas
e baionetas, materiais que destroçam e retalham , numa eminente violência contra os corpos.
Com suas explosões, as bombas queimam e mutilam.
Com o Renascimento surge a noção moderna de corpo, quando este ganha presença
carnal e beleza. Em 1777, a descoberta do oxigênio por Lavoisier regulou os exercícios
físicos. Por outro lado, na Europa pré industrial ocorria o que se denominou “teatro penal”,
quando o hábito era raspar a cabeça, perfurar a língua e cortar os dedos.
Até o século XVIII o poder era exercido através de suplícios e penas, haja vista o
esquartejamento de Tiradentes, em Minas Gerais. No final deste mesmo século, atenuantes
para a dor foram inventados, como a anestesia, em 1780 e a guilhotina, proporcionando uma
morte rápida, em 1792. Foi encurtada a longa agonia. No entanto, a palmatória foi instituída
38 nas escolas. Corpos anormais eram exibidos em circos, mercados e feiras como atração,
provocando prazeres mórbidos: mulheres barbadas, homens macacos, irmãos siameses,
anões, homens elefantes. O hábito foi extirpado com o surgimento do cinema. A aparente
trivialidade dos fatos narrados demonstra o tratamento reservado aos corpos.
Duchas públicas na Europa apontam para a preocupação com a higiene, por volta de
1925, e a ginástica e a prática esportiva tornaram-se comuns. A Belle Époque trouxe
também uma perda do pudor, quando já era possível visualizar os tornozelos das mulheres! É
por volta desse período que o corpo passa a ser objeto de estudos, num amálgama ou
hermenêutica que reúne várias disciplinas, como a Anatomia, a Teoria da Evolução, a
Biologia, as Artes, a Psicanálise. O psiquiatra austríaco Paul Schilder (1886-1940), afirma
que a identidade de uma pessoa não se constrói sem a relação com o outro, que passa pela
mediação corporal. O autor lembra que para Freud , o eu é primeiro corporal. Para Schilder o
psiquismo se constrói na interioridade do corpo neurológico e psicossomático. O esquema
corporal e a imagem do corpo são conceitos fundamentais, reunindo “ neurofisiologia,
fenomenologia e psicanálise. Une elementos ligados à estruturação do corpo anatômico, do
estar-no-mundo e do inconsciente” (Apud CHAPUT, 2012, p. 572). Na análise do tato,
Schilder detem-se na pele:
Quando as mãos a tocam, milhões de células sensoriais enviam sua
mensagem para a medula espinhal. O fluxo nervoso sobe até o córtex,
atravessa o tálamo (centro de triagem das sensações), desce até o
hipotálamo, que controla a secreção do hormônio do prazer (SCHILDER,
1968).
A data da primeira publicação francesa de L´image du corps:Étude des forces
constructives de la psyché de Paul Schilder ocorreu em 1968. Foi no mês de Maio daquele
ano que ocorreu o movimento iniciado na França com eco no mundo todo e que tinha
como um de seus principais propósitos o questionamento das instituições em geral, incluindo
a família. A participação de intelectuais franceses como Gilles Deleuze e Guy Débord foi
proeminente. Num período de grandes transformações nos costumes, “O Anti Édipo” de
Deleuze foi uma das publicações mais veiculadas. Deleuze e Guattari apostaram no corpo,
considerando-o condição de disposição central da política, ou seja, o impulso de referência
social foi substituído pela politização do corpo, tornando-se objeto da reflexão filosófica.
39 Muitas aspirações políticas foram deslocadas para dentro do corpo. A crítica às
instituições levou de roldão também a Psicanálise, que supostamente teria como objetivo
ajustar o indivíduo à sociedade. A prática psicanalítica sobreviveu, tendo como baluarte o
ajuste do indivíduo a si mesmo, tornando o sujeito capaz de se autodeterminar.
Em 1960 a pílula anticoncepcional foi inventada nos Estados Unidos. Entre as duas
grandes guerras, o pudor foi sendo deixado de lado, em parte devido ao cinema. Como lastro
deixado pela guerra do Vietnã, o lema “Faça amor e não a guerra” encontrou seu ápice no
Festival de Música de Woodstock, nos Estados Unidos, em 1969.
O evento foi mola propulsora da Contact Improvisation por Steve Paxton que, com a
noção de abandono do peso ao corpo do outro, abriu uma nova perspectiva. A palavra
experiência substituiu a representação mental. A prática da improvisação pelo contato é um
exemplo claro da abertura da percepção, “por meio das opções (focos pré motores),
sensibilidade (sensório), consciência (percepção), habilidade para responder (motor) e sentir
seu self e comunicação com o parceiro” (BAINBRIDGE COHEN, 1987, p. 26).
Desde 1950 o progresso do capitalismo e o conseqüente consumismo foram
incrementados. Houve uma mudança radical na sociedade de produção. Imagens de glamour
cinematográficas incentivaram as práticas consumistas. Se para Max Weber (1864-1920) o
capitalismo era um ethos equivalente à ética protestante do trabalho, posteriormente Daniel
Bell afirmou que, pouco a pouco, a ética protestante foi destruída pelo cartão de crédito.
No início dos anos 80 houve o aparecimento da A.I.D.S., golpe que freou a libertação
sexual.
Nestas rápidas pinceladas, acrescento que a palavra chave do século XX é a saúde,
verdade e utopia dos corpos, mas as guerras, genocídios e holocaustos continuaram a ocorrer.
Dietas, cirurgias plásticas, academias, um mix de procura pela saúde e preocupação pelo
invólucro corporal. A voga da hipervalorização do corpo contrasta com a pouca consciência
sobre a posição sentada, a pior para o funcionamento corporal. O cientista brasileiro Miguel
de Nicolelis em “Muito além do nosso eu”, lembra que o computador é uma operação
analítica que substitui o corpo. Este fica de fato torporizado e os músculos encurtados diante
da tela, assim como o trabalho intelectual prolongado gera uma energia física represada,
desregulando o tônus muscular.
Ao longo da História, não foram todos os filósofos que abandonaram seus corpos.
Além da valorização do vigor físico no período platônico-aristotélico , quando foi citada a
40 escola peripatética bem como o andarilho Rousseau, que exaltava a rêverie, ou o sonhar
acordado, há outros exemplos: Sartre praticava boxe, Merleau-Ponty e Deleuze jogavam
tênis, Albert Camus era goleiro. Buscavam certamente a anapausis, ou o restauro da força.
Muitos gestos habituais são culturais, convencionais, tais como abraços e apertos de
mão. Portanto, o código gestual não é espontâneo, mas fruto do aprendizado. Há uma
dimensão social. A gestualidade humana não é inocente, nem tem natureza biológica, mas é
algo imposto ao indivíduo. É fruto de normas coletivas.
Relevantes são também os estudos realizados por Marcel Mauss (1872-1950), que nota
o quanto os seres humanos passam a vida desatentos à observação da grande ferramenta
oferecida pelo corpo humano. Seu objetivo é levar à tomada de consciência da importância
do corpo na sociedade. Mauss defende que os atos mais corriqueiros são capazes de revelar a
complexidade humana e chega à teoria etnológica do “fato social total”, atentando ao
“homem total” (Apud DIBIE, 2012, p. 641), apontando para a concepção interativa que
defendemos.
41 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo primeiro deste trabalho é promover o resgate da noção de corpo,
desenhando sua excelência. Defendemos a interação, superando dicotomias tais como mente
e corpo. A tradicional cisão entre alma e corpo foi substituída pela fusão do psíquico e do
somático, sobretudo a partir do século XX. O corpo passou a ser considerado como matéria
sensível e pensante ao mesmo tempo. A pessoa é convidada à uma experiência cinestésica,
ou sensação interna dos movimentos do próprio corpo. As investigações, no sentido
hermenêutico, enquanto contato entre várias disciplinas, continuam. Como disse Deleuze, o
procedimento se assemelha a um ritmo, enquanto o processo é uma dança. Não há conclusões
definitivas.
O atentar ao próprio corpo implica em focar o respirar. A palavra é derivada do verbo
spirare, ou spiritus, enquanto animus se refere ao princípio vital. Os fluxos da inspiração e
expiração , segundo Mary Wigman “comandam silenciosamente as funções musculares e
articulares” (apud SUQUET, 2012, p. 519). A observação dos músculos em forma espiral,
palavra que é sinônimo de vida, passou a ser levados em conta.
Heidegger referiu-se ao caráter ontológico da presença, enquanto pre- sença, que se
descobre e se entrega à responsabilidade do pré . É no próprio esquivar-se que o pre se abre
em seu ser. “O ente que possui o caráter da pre-sença, é o seu pré, no sentido de dispor,
implícita ou explicitamente, em seu estar lançado” (HEIDEGGER, 1986, p. 189). A presença
convoca como recursos o silêncio, a lentidão, à quase imobilidade, o que corresponde a ouvir
o próprio corpo, como já reinvindicado por Nietzsche.
Se, para Descartes, sentir e imaginar são atributos do pensamento e a este
subordinados e o sentimento ocupa uma dimensão secundária e pré reflexiva, é possível
constatar que a dimensão sensível é própria ao ser humano e, se não pode ser metodicamente
demonstrada, apresenta-se porém num alto grau de irreversibilidade. O certo é que Descartes
continuou a ser uma referência, um núcleo inicial com o qual os filósofos que o sucederam
não cessaram de dialogar, sobretudo os franceses.
A dimensão afetiva não é clara nem distinta, mas, como diz Gilles Deleuze, sempre
atento ao universo dos afectos, o sensível se impõe à Lógica.
Merleau-Ponty trouxe a inovação de associar a noção de corpo à de carne. A carne do
mundo e a do próprio corpo se fundem. Segundo José de Anchieta Correa:
42 [...] o ilustre fenomenólogo francês funda sua teoria do conhecimento
(diferentemente de seu mestre Husserl ) , na perfeição da conduta corporal
provocada por um estímulo... para passar da análise fenomenológica do
corpo “visível” (“corps”) à “carne” quase ontológica (‘chair”) – o estado
selvagem como pré predicativo do ser, comparável aos “elementos” pré
socráticos (1966, p. 75).
O paradoxo consiste na constatação de que a consciência corporal pode ser alcançada e
habitar qualquer ser humano, mesmo o mais iletrado, que pode desenvolver a auto-escuta e
atentar aos seus estados corporais.
A sensação é algo comum aos seres humanos, pois todos nós temos sentidos, enquanto
a percepção é pessoal, singular e única. A primeira diz respeito a um aspecto mecânico
“envolvendo o estímulo dos receptores e nervos sensórios, enquanto a percepção envolve
nosso relato sobre o que estamos sentindo, com relação a nós mesmos, a outros, à terra e ao
universo” (BAINBRIDGE COHEN, 1987, p. 22). A autora reitera o que havia sido afirmado
por Jacques Dalcroze, não entendendo como o movimento não é também considerado como
um sentido.
Nietzsche referiu-se ao jogo de forças, que o levou a considerar o corpo um campo de
batalha, defendendo que quando a inteligência se aproxima do instinto, melhor cumpre a sua
função. Por sua vez, o foco foucaultiano
é o poder, avaliando o peso exercido pela
normatividade sobre as nossas formas de vida.
Se as modernas teorias do conhecimento priorizaram o ato de conhecer, um novo
pensamento emergiu no século XX, tornando-se o corpo protagonista do conhecimento. O
melhor modo de uma pessoa ser produtiva é deixar agir seu próprio corpo. Este não é a sede
dos desejos e instintos. O corpo é a alma.
Concluo com uma frase de Merleau-Ponty: “não se obtém aquilo que se procura com
demasiada deliberação, e, pelo contrário, as idéias, os valores não deixam de vir àquele que
soube em sua vida meditante libertar-lhes a fonte espontânea (MERLEAU-PONTY, 2004, p.
119).
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