Quando falta de escrúpulos

Transcrição

Quando falta de escrúpulos
Quando a falta de escrúpulos alimenta um tráfico milionário e arrecada
prejuízos bilionários!
Alguns clientes nos solicitam para termos um relatório “automático” escrito a partir dos
resultados do L.A.B.E.L. e sempre explicamos que quem deve redigir um relatório é o psicólogo a partir
dos resultados confiáveis a sua disposição e das exigências da empresa que solicitou a avaliação.
O respeito dos candidatos, dos clientes e dos mais elementares princípios de ética nos incitam
a perseverar neste princípio, pois a redação de laudos automáticos específicos por estabelecer cada
adequação requer a criação de algoritmos extremamente sofisticados que por enquanto superam de
longe as capacidade de processamento dos PC’s mais possantes. E provavelmente é bom que seja
assim, pois o dia onde uma máquina conseguirá facilmente avaliar seu criador nos leva aos cenários
dos mais assustadores filmes de terror.
“Mas existem empresas que fornecem laudos muitos válidos até sem possuir toda a tecnologia
da Moityca: porque vocês não fazem?” Vamos passar alguns momentos analisando a validade de
alguns laudos – sem pretender ser exaustivo nem parecer escolher “as vítimas” – para provar que
esses laudos usam e abusam do efeito Forer, contém afirmações que não fazem sentido, - mas são do
melhor efeito - e que finalmente apresentam dados forjados que só a pouca curiosidade ou a
credulidade do público permite sustentar.
O efeito Forer.
O psicólogo Bertram R. Forer descobriu que as pessoas consideram normalmente descrições
vagas e gerais de personalidades como unicamente aplicáveis a si próprios principalmente quando
apresentam dados positivos, sem perceberem que a mesma descrição pode ser aplicada praticamente
a qualquer outra pessoa. Forer aplicou um teste de personalidade aos seus estudantes em 1948.
Ignorou as respostas deles e deu-lhes o texto da avaliação. Pediu-lhes que dessem uma nota de 0 a 5,
com 5 significando uma avaliação "excelente", 4 que era "boa", etc... até 0 que significa que a
descrição não corresponde a “nada”. A média de classificação foi de 4,26. O teste tem sido repetido
centenas de vezes com alunos de psicologia e a média continua em volta de 4,2.
Ilustração: “Você necessita se focar em terminar os projetos que você começa. Este pode ser um grande
problema para você. Diferentemente de outras pessoas extrovertidas, você precisa de tempo sozinho
para encontrar seu equilíbrio, e para ter certeza que você está em sintonia com seus valores. Se você se
mantiver equilibrado, é muito provável que você tenha e obtenha sucesso em seus projetos. Então, não
caia no hábito de sair rapidamente de um projeto quando você se animar com uma nova possibilidade,
pois você pode acabar nunca atingindo os grandes objetivos que você pode atingir.”
Fonte: Extrato de um relatório de perfil MBTI – tipo ENFP, 2009
Belo exercício de sofismo, onde se afirma uma coisa em uma linha, se declara seu contrário na
seguinte e a primeira vista nem dá para perceber a contradição! Trata-se de um texto suficientemente
genérico e abrangente para que todos os leitores possam se reconhecer.
© Moityca Eficiência Empresarial Ltda.
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A interpretação dos escores padronizados
O psicólogo pretende gostar de gente e não gostar de números: pois bem, mas não é uma
razão para se permitir escrever qualquer “besteira” – que o aparenta a um charlatão - só para não
entender o que significam os números. Veja o exemplo a seguir:
Fonte: Extrato de um relatório de perfil estabelecido por Thomas International Limited, 2011.
Um teste como o DISC só pode comparar os resultados de um indivíduo com os escores de
uma norma sensata representar as características de uma população. Isto significa claramente que se
os autores deste texto entendessem um mínimo de psicometria nunca escreveriam “Este indivíduo é
motivado,...” pois não faz nenhum sentido. Frases do tipo: “A segurança parece ser um motivador
mais importante por este indivíduo que pela maioria das pessoas,...” são bem mais conformes à o que
os resultados mostram. “Parece”, pois sem índices de controle que indicam se a pessoa entendeu ou
manipulou suas respostas é pelo menos imprudente afirmar, e “motivador mais importante” pois os
escores padronizados só permitem comparar, NUNCA descrever.
Na construção do PPA (Thomas International que é uma da inúmeras formas do DISC), de suas escalas,
nada, estritamente nada permite calcular e consequentemente afirmar o que é importante por um
indivíduo ou o que ele prefere. Trata-se de pura especulação, de afirmações gratuitas sem nenhum
embasamento científico; impressionam o psicólogo de RH que não gosta de números e que não
entende porque seu trabalho não está sendo valorizado na empresa por engenheiros e outros
administradores que entendem o que são os escores padronizados!
Só que dizer a verdade não permite vender, e aí melhor aumentar a dose da incongruência e
da falta de escrúpulos apostando na falta de curiosidade e de entendimento do público:
Fonte: Extrato de um relatório de perfil estabelecido por RH Profiler, 2011
Aventurar-se a escrever “%” nos resultados de um teste de atitudes releva de uma ousadia
sem limites ou de uma profunda ignorância. Nenhum teste de personalidade construído de “forma
clássica” permite definir porcentagens, às vezes nem percentis tanto as bases de coleta de dados são
mal estruturadas, lacunares por causa de respostas subjetivas, não métricas, no melhor dos casos
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numa sequencia ordinal, que não permite a construção de escalas, pois a soma de respostas ordinais
não faz realmente nenhum sentido do ponto de vista matemático.
Enfim, não é por acaso que nenhum destes instrumentos foi aprovado pelo Conselho Federal de
Psicologia nesta data. Só olhando a apresentação dos resultados, o que está escrito em preto sobre um
fundo branco, mostra claramente que os resultados apresentados são puros produtos de “marketing”
e que não possuem um mínimo de fundamento científico.
O fato de comercializar estes instrumentos mostra falta de escrúpulos por parte dos vendedores, e
para quem compra... vamos imaginar que eles não sabem que estes instrumentos – de uso privativo
do psicólogo – não podem ser vendidos no Brasil. Vejam a lista atualizada em dezembro de 2011 dos
Instrumentos que são testes psicológicos, mas sem possibilidade atual de uso profissional
(http://www2.pol.org.br/satepsi/sistema/instrumentos.htm).
Mas como existem interesses financeiros relativamente importantes...
Agora se “as meninas de RH” gostam de serem enganadas, tudo bem, mas inútil depois chorar
que os gestores não acreditam no trabalho delas: apresentar como sério um laudo com porcentagens,
afirmações peremptórias e banalidades do tipo ilustradas por Forer, faz sorrir o engenheiro, quando
não cai numa franca gargalhada.
O triste é que prejudica os trabalhadores, as empresas e finalmente a sociedade!
Boa reflexão!
Renzo Oswald e Roland Capel
Rio de Janeiro, Dezembro de 2011
© Moityca Eficiência Empresarial Ltda.
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