Motores mais eficientes, materiais mais leves, sistemas

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Motores mais eficientes, materiais mais leves, sistemas
8 • P2 • Segunda-feira 26 Dezembro 2011
A Europa à procura
Motores mais eficientes, materiais mais leves, sistemas inteligentes. Os aviões do futuro próximo n
A Rolls-Royce e outras empresas
estão a desenvolver uma nova
geração de motores turbofan,
ainda mais eficientes do que os
actuais. Mas as maiores esperanças
de redução de emissões de CO2
depositam-se no sistema de “rotor
aberto”, em que a carenagem do
rotor externo é eliminada, expondo
duas hélices em contra-rotação. “É o
maior passo tecnológico”, assegura
Simon Weeks.
A ideia não é nova. Nos Estados
Unidos, outros fabricantes de
motores – a GE e a Pratt&Whitney
– já tinham desenvolvido modelos
semelhantes na década de 1980,
pressionados pelo aumento nos
preços do petróleo. Mas antes que
a ideia vingasse comercialmente,
os preços começaram a cair e os
projectos foram engavetados.
Agora, um novo motor de “rotor
aberto” está a ser desenvolvido pela
Rolls-Royce e deverá ser testado em
voos experimentais dentro de cinco
anos, acoplado à parte traseira da
fuselagem de um Airbus A340.
Construir aparelhos mais leves
e com melhor aerodinâmica são
outros dos ingredientes do avião
“verde” do futuro próximo. Para
isso, há diversas tecnologias na
calha. Já em 2014, o programa Clean
Motores
A tecnologia de “rotor abe
é das mais promissoras, c
possível redução de 15% das em
de CO2. Trata-se de um motor
mas com duas hélices exterio
contra-rotação. Já houve exper
no passado. Uma nova geraç
jactos convencionais tamb
está em desenvolviment
Operações
Com mais instrumentos,
mais dados meteorológicos e
geográficos, e melhores programas
de simulação, podem-se criar rotas
mais eficientes ou com menor impacto
ambiental, sobretudo a nível de ruído.
Por exemplo, na aproximação ao
aeroporto, pode-se poupar 10% de
combustível se a descida for
contínua, e não em “degraus”.
2016
2015
Data para voos
experimentais na Europa
Metas para a aviação na UE
2000
2020
2050
50% 50%
35%
20%
NOx
Segundo passo
Sky deverá testar, também num
Airbus A340, desenhos alternativos
de parte das asas, para que sobre
elas o fluxo de ar tenha o menor
nível possível de turbulência. Isto
depende não só do desenho da
asa, como de detalhes que possam
interferir com o fluxo “laminar”
que se deseja. Os rebites que ligam
uma chapa à outra podem ter de ser
substituídos por soldas especiais. E
as superfícies têm de estar sempre
limpas, o que exigirá uma solução
própria, dado que seria impraticável
lavar o avião antes de cada viagem.
O controlo activo dos fluxos de ar,
através, por exemplo, de uma série
de microjactos alojados na superfície
das asas, é outra tecnologia que
está a ser perseguida. Com isto,
pode melhorar-se a capacidade de
sustentação do avião.
No menu de componentes
do avião “verde” estão também
materiais mais leves e recicláveis,
o uso mais generalizado da
electricidade e o desenvolvimento
de equipamentos e programas
informáticos que permitam calcular
a melhor rota durante o voo e
orientar subidas e descidas com
menor consumo de combustível.
Mas não basta. “Uma redução
de 50% nas emissões de CO2 até
2050 não poderá ser obtida só
com os avanços na tecnologia e
nas operações”, escreve Phillipe
Fonta, especialista da Airbus, no
último relatório ambiental da
ICAO. “Combustíveis alternativos e
melhorias tecnológicas adicionais
(ainda por desenvolver) vão ser
necessárias”, completa.
Os biocombustíveis começam
a despontar como uma potencial
solução e já há companhias aéreas
na Europa e nos Estados Unidos a
testar a sua incorporação parcial nos
tanques das aeronaves. Mas não se
prevê o seu uso generalizado a curto
prazo.
No caminho para uma aviação
mais “verde”, para cada desafio em
particular pode até haver propostas
de solução. Mas é preciso pôr tudo
a funcionar num só avião. “Não
queremos apenas tecnologias
engraçadas. Queremos ser capazes
de as aplicar”, afirma Eric Dautriat,
director executivo do programa
Clean Sky.
Os diversos subprogramas da
iniciativa europeia deverão convergir
em aviões “conceptuais” que, se
tudo correr bem, poderão entrar em
operação comercial dentro de 10 a
15 anos. Num turbo-hélice regional
para 90 pessoas, serão testados,
ao mesmo tempo, novos materiais
compósitos ou metais mais leves,
sistemas eléctricos generalizados
CO2
a Quando se pensa no avião
do futuro, a imaginação viaja e
surgem configurações fabulosas
de aparelhos com asas inovadoras,
fuselagens impensáveis e
capacidades estratosféricas. Num
horizonte mais próximo, no entanto,
a realidade da aviação vai trazer
soluções menos espampanantes.
Dentro de 10 a 15 anos, os aviões
parecerão ser os mesmos de hoje
– salvo talvez pelos motores –, mas
prometem incorporar inovações
tecnológicas que os tornarão muito
mais “verdes”.
É o que pretende o programa
europeu Clean Sky – uma das várias
iniciativas em curso para reduzir
o fardo ambiental da aviação.
Numa parceria entre a indústria
aeronáutica e a Comissão Europeia,
o Clean Sky vai pôr no ar, nos
próximos anos, uma série de voos
experimentais para testar desde
asas melhoradas e novos motores, a
componentes estruturais e sistemas
de gestão da rota.
O objectivo é ajudar a cumprir
uma visão definida por Bruxelas,
de modo a fazer da União Europeia
o epicentro da aviação sustentável.
Até 2020, os aviões deverão cortar
metade do seu ruído e emissões de
dióxido de carbono (CO2) e reduzir
em 85% a sua poluição por óxidos de
azoto (NOx), em relação aos níveis
de 2000. Em 2050, os cortes são
elevados para 65% no ruído, 75% em
CO2 e 90% em NOx .
Em 50 anos, desde os primeiros
jactos comerciais, o ruído dos
motores já caiu 75% e o consumo
de combustível 80%. A motivação
esteve sobretudo na necessidade de
poupança. Agora, o CO2 tornou-se
também um inimigo a abater, por
outra razão: as alterações climáticas.
A partir de Janeiro, as companhias
aéreas que operem na UE passarão
a estar sujeitas a limites de
emissões de CO2 por ano. Se forem
ultrapassados, as empresas terão
de comprar licenças de poluição no
mercado europeu de carbono.
O aumento da frota aérea é outro
problema. Segundo a Organização
Internacional para a Aviação Civil
(ICAO, na sigla em inglês), o número
de aviões disparará para 47.500
em 2036, mais do dobro do que
os 18.700 de 2006. “O esperado
aumento na demanda de serviços de
transporte aéreo está a ultrapassar
as tendências actuais de melhorias
na eficiência”, diz o mais recente
relatório ambiental anual da ICAO.
Várias iniciativas para acelerar a
busca de novas soluções estão em
curso nos Estados Unidos, Europa,
Japão, Canadá e Rússia. Boa parte
baseia-se em parcerias públicoprivadas, como o Clean Sky, que
envolve 1,6 mil milhões de euros de
financiamento até 2017 – metade
vinda dos cofres de Bruxelas e
metade da indústria.
Para a indústria, que tem os seus
próprios planos de desenvolvimento
tecnológico, é um empurrão
importante. “Sem o Clean Sky,
faríamos o mesmo, mas a um ritmo
diferente”, afirma Simon Weeks,
director de Investigação e Tecnologia
Aeroespacial da Rolls-Royce, que
está a desenvolver uma nova
geração de motores mais eficientes e
silenciosos.
A evolução na área da propulsão
tem sido constante. Os primeiros
jactos impulsionavam o avião
só com os gases expelidos pela
câmara de combustão – num fluxo
estreito e rápido. Deram depois
lugar aos turbofan, em que parte
da energia da combustão faz girar
um rotor secundário, mais largo –
que é o primeiro conjunto de pás
rotativas que vemos à entrada do
motor. Quanto maior o diâmetro
desta secção, menos combustível
é consumido e menor é o ruído. “É
mais eficiente mover um fluxo maior
de ar, mais devagar”, explica Simon
Weeks.
Ruído
Ricardo Garcia
25%
10%
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do avião “verde”
não serão revolucionários, mas vão incorporar novidades para reduzir o fardo ambiental
Estrutura
Novos compósitos estão a ser
desenvolvidos, de modo a tornar os
aviões mais leves. Os materiais poderão
ter sensores para monitorizar a estrutura
da aeronave, reduzindo a necessidade de
inspecções periódicas. Novos tipos de
alumínio de baixa densidade também
estão na calha. Optimizar a montagem
e desmontagem de peças e a sua
reciclagem é outro objectivo.
rto”
om
missões
a jacto,
ores em
riências
ção de
bém
to.
Asas
2015
Como as aves
Quando mais perfeito for
o fluxo de ar nas asas (fluxo
laminar), menor é a resistência. Várias
tecnologias estão a ser desenvolvidas,
incluindo alterações nas superfícies
móveis e novas partes dinâmicas.
No conjunto, visam reduzir em
10% a resistência total do avião.
2014
Combustíveis
Biocombustíveis já estão a
ser testados experimentalmente
em rotas comerciais na Europa e nos
Estados Unidos. É um mercado que
ainda está, porém, na sua primeira
infância. Uma utilização em larga
escala não está prevista num
futuro muito próximo.
Em curso
mais amplos, monitorização
permanente das condições da
estrutura, novos sistemas de
protecção das asas contra o gelo.
Mais ambicioso é o projecto de
uma aeronave a jacto regional –
na faixa de capacidade dos 130
passageiros – que integra ainda
mais componentes inovadoras,
como o motor de “rotor aberto”, a
monitorização inteligente do voo e
e asas modificadas para reduzir a
resistência ao ar.
Electricidade
Pretende-se ampliar o seu uso a
vários sistemas do avião (ar condicionado, pressurização da cabina, controladores de voo, trens de aterragem, travões).
Substituiria assim parte dos sistemas
pneumáticos e hidráulicos, libertando
energia dos motores para a propulsão.
As unidades auxiliares de potência,
accionadas quando o avião está
estacionado, também podem
vir a ser eléctricas.
2015
Aviões maiores, para viagens de
longo curso, também estão na mira.
Mas o próprio mercado impõe
limitações, tendo já as linhas mais
ou menos traçadas para os próximos
anos. O A380 – o gigante de dois
andares da Airbus lançado em 2007
– já foi alvo 243 ordens de compra,
com 63 aparelhos entregues até
agora. E o novo A350, que ainda não
está em produção comercial, já tem
pretendentes para 119 aparelhos.
Do lado da Boeing, o seu novo 787
Dreamliner conta com 821 ordens
de compra. Os dois primeiros foram
entregues à All Nippon Airlines há
poucos meses.
Estes modelos já integram
muitas tecnologias novas que
os colocam alguns furos acima
dos aviões da geração anterior:
motores mais eficientes, sistemas de
monitorização estrutural, navegação
inteligente. O Dreamliner, da Boeing,
é até apresentado como um avião
“super-eficiente”. Nesta gama, com
o mercado comprometido com
esses novos modelos, a ordem agora
é tentar inovar em determinados
componentes, e não inventar aviões
completamente novos. A própria
Boeing está agora a apostar numa
versão modificada do seu “jumbo”, o
747-8, já incorporando novidades do
Dreamliner.
O que a indústria europeia quer
aproveitar é sobretudo o momento
de substituição da frota de aviões de
médio curso. “A renovação dos A320
é uma espécie de fio condutor para a
investigação”, diz Eric Dautriat.
Criar um novo avião não é
uma brincadeira. São anos de
desenvolvimento tecnológico,
mais anos de testes, certificações e
aprovações. Ideias propriamente
revolucionárias são algo de um
futuro mais distante.
Mas estão em marcha. Uma
delas é criar aeronaves cujas asas
mudem a sua geometria durante o
voo, adaptando-se a cada fase do
percurso. “É o que fazem as aves”,
explica Afzal Suleman, especialista
do Instituto Superior Técnico (IST)
em engenharia aeroespacial. O IST
está envolvido em vários projectos
internacionais que procuram
soluções para o futuro, como um
avião em que o estabilizador vertical
pode mudar de posição, ou uma
aeronave militar não-tripulada,
com um radar incorporado em dois
conjuntos de asas, unidos em forma
de diamante.
Os veículos aéreos não-tripulados
(UAV, na sigla em inglês) são uma
boa plataforma para testes de novas
tecnologias, dado que têm menos
restrições do que os aviões para
passageiros. “É um mercado que
está a acelerar”, acrescenta Afzal
Suleman.
Na aviação comercial, uma
revolução de facto – com conceitos
completamente diferentes dos
actuais – não se antevê senão dentro
de algumas décadas. Em 2008, a
NASA lançou um desafio à indústria
e a centros de investigação para
idealizarem novas aeronaves para
dali a 30 anos. O resultado foi
divulgado em Janeiro de 2011. Uma
das ideias é a do avião BWB (blendedwing body), no qual a fuselagem e as
asas são uma coisa só. Outro conceito
é o da “dupla bolha”, na essência
duas fuselagens unidas lado a lado
num aparelho muito mais largo.
Não são conceitos fáceis de
vingar, pois os aeroportos não estão
preparados para os acolher, seja
porque esses aviões têm asas muito
longas, ou porque simplesmente
não cabem nas posições de
estacionamento, devido à sua
geometria. “Com tanto capital
já investido no actual sistema,
qualquer nova tecnologia tem de
ser capaz de potenciar as infraestruturas existentes”, escrevem
Eric Kronenberg e Justin White, da
consultora Booz&Co., num artigo
sobre o futuro da aviação.
As ideias para daqui a 30 anos
representam o que a NASA chama de
geração “N+3”. Ou seja, ainda haverá
mais duas gerações de aeronaves,
além da actual, até ali se chegar. Na
prática, a aviação caminha mais em
evolução gradual, do que com saltos
revolucionários.
Neste ritmo progressivo, não
parece haver grandes secretismos.
Aquilo que está a ser pensado para
a indústria europeia também está
ou esteve nos planos de outras
empresas, noutras partes do mundo.
A razão, segundo Eric Dautriat,
é simples: as soluções sempre
estarão condicionadas pelas leis da
física. “Vamos sempre encontrar as
mesmas ideias”, diz Dautriat. “Física
é física.”
Parte das entrevistas e informações
deste artigo foram obtidas numa
viagem a Bruxelas, a convite do
Parlamento Europeu

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