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USO DA ASSOCIAÇÃO ENTRE LIQUENS E TARDIGRADAS COMO CRITÉRIO
DE QUALIDADE AMBIENTAL DE PROMONTÓRIOS
Nayara Rubya Bevilaqua1,2; Sérgio A. Netto1
1
2
Laboratório de Ciências Marinhas/Centec/Unisul
Curso de graduação em Ciências Biológicas/Unisul
INTRODUÇÃO
Promontório pode ser definido como um maciço costeiro individualizado saliente e
alto, usualmente não florestado, e que compõe a paisagem litorânea de continente ou de ilha.
De grande beleza cênica, o litoral catarinense possui uma enorme diversidade de
promontórios.
Dentre os organismos presentes nos promontórios, mais precisamente na zona
supralitoral, os liquens são formas conspícuas e importantes indicadores de qualidade
ambiental (JOVAN 2008). Em associação aos líquens, organismos pertencentes a meiofauna
(aqueles com tamanho entre 63 e 500 mµ) são grandes representantes deste meio devido à alta
adaptabilidade às condições ambientais locais, como a dessecação e elevada variabilidade de
temperatura.
A falta de planejamento do desenvolvimento litorâneo, em particular a
apropriação ilegal de áreas públicas federais, põem em risco a permanência desta paisagem
natural. Os promontórios são ambientes singulares e quase paradoxais. Apesar de sua alta
resistência às condições altamente estressantes, possuem baixa resiliência ambiental, ou seja,
baixa capacidade de recuperação após perturbações ambientais em função de suas
características geológicas instáveis (COUTINHO, 2002).
Neste trabalho buscamos estabelecer um critério de qualidade ambiental dos
promontórios sul catarinenses, baseado na associação entre liquens e tardigradas. A hipótese
testada foi que promontórios sujeitos a maior grau de uso e ocupação irão exibir liquens
morfologicamente distintos e com menor biomassa, além de menor riqueza e abundância da
meiofauna, em particular os tardigradas.
Palavras-chave: Qualidade Ambiental. Líquen. Tardigrada. Promontório.
MÉTODOS
Amostramos nove promontórios com diferentes usos e graus de ocupação no sul
catarinense, são eles: Farol de Santa Marta, Galheta, Ipoã, Teresa, Gravatá, Ponta do Frade,
Itapirubá, Rosa Sul e Rosa Norte. Com o auxílio de imagens de satélite determinamos o
percentual e o tipo de ocupação dos promontórios e construímos escalas, classificando-os em
três níveis de uso e ocupação: - baixo, até 15% da área ocupada; - médio, entre 15 e 30% da
área do promontório está ocupada; - Alto, acima de 30% do promontório foi tomado por
edificações ou outros usos ilegais.
Em cada promontório, oito amostras de 10 cm2 de liquens foliosos foram
amostradas aleatoriamente ao longo da faixa supralitoral do costão rochoso. As amostras
foram acondicionadas e transportadas para o laboratório. Os liquens foram fixados em
formalina 10% e peneirados em malhas de 500 e 63µm. O sedimento retido na peneira de
maior malha foi centrifugado com água (3000 rpm durante 5 minutos) e o material retido na
peneira de menor malha foi novamente centrifugado, porém com Ludox TM (densidade 1,18)
a cerca de 5.000 rpm durante 1 min. Por fim, o sobrenadante foi vertido na peneira de 63µm,
lavado e fixado com álcool 70% para posterior exame em placa de petri e estereoscópio, já
com os indivíduos corados com Rosa de Bengala.
Com a meiofauna já contabilizada, os dados foram submetidos às análises
univariadas, multivariadas e geoespaciais aplicadas sobre a abundância dos indivíduos,
podendo associar-se os dados levantados com a hipótese traçada.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dentre os nove promontórios analisados, o Farol de Santa Marta apresentou o
maior percentual de uso e ocupação, acima de 50% da sua área territorial, uma situação
extremamente grave para sua preservação. Itapirubá, Galheta e Frade, do mesmo modo,
encontraram-se próximos de obterem uma ocupação em metade de sua área territorial. Já o
promontório do Gravatá apresentou os menores indícios de interferência humana, inferir a
10% de uso e ocupação da sua área total.
Em áreas de elevada instabilidade geológica, típico caso dos promontórios, a
legislação federal veta a edificação de qualquer natureza na faixa de até dois mil metros a
partir da ponta mais avançada do promontório. Estas áreas públicas, pertencentes ao
patrimônio da União e destinadas exclusivamente ao uso público. Órgãos estaduais e
municipais não possuem competência para autorizar construção ou utilização em patrimônio
nacional. A legislação, no entanto, é sistematicamente ignorada na região sul catarinense,
agravada pelo fato da área estar dentro de uma área de proteção ambiental (APA da Baia
Franca).
Na associação líquen-meiofauna, foram coletados mais de 30.000 invertebrados.
Os Acari compreenderam 70% da fauna coletada e forma seguidos pelos Tardigrada (21% da
fauna) e os Nematoda (pouco mais de 6%). Os resultados mostraram Os tardigradas, em
especial, não obtiveram discrepância significativa na abundância dentro de cada grau de uso e
ocupação estabelecidos nos promontórios (Gráfico 1); os nematódeos, por sua vez,
alcançaram maior abundância nos promontórios de baixo nível de ocupação, enquanto que os
ácaros estiveram mais presentes nos níveis médio e alto de ocupação, porém sem grande
variação entre eles.
200
300
150
250
200
100
150
R² = 0.9903
100
50
50
0
0
Baixo
Medio
Ácaro
Nematóide
Biomassa Sedimento
Biomassa Líquen
Biomassa (g)
Média de indivíduos
350
Alto
Tardigrade
Gráfico 1 – Média da meiofauna e biomassa do sedimento e do líquen por grau de uso e ocupação dos promontórios.
A biomassa do sedimento (Gráfico 1) presente sobre os liquens coletados
estabeleceu um decrescente linear em direção ao nível mais alto de ocupação, respondendo
positivamente a hipótese de que quanto menos o promontório é usado/ocupado, mais
integridade morfológica dos liquens folioso e consequentemente maior deposição de
sedimento sobre eles. Quanto a biomassa do líquen, houve uma diferença considerável entre
os níveis baixo/alto e o nível médio; provável resultado pelo fato de os pontos de coleta nestes
promontórios eram, em grande parte, de difícil acesso, o que dificultaria uma intensa ação
humana local.
Na análise de correlação entre a abundância de meiofauna e a biomassa da
amostra seca (biomassa do líquen somado ao sedimento), percebeu-se que os nematódeos
foram os que melhor responderam significativamente a relação, ou seja, a abundância de
nematódeos nos liquens está diretamente associada ao peso da amostra após passar pelo
processo de desidratação na estufa (p= 0,000), com uma diferença significativa entre as
variáveis de 75% (R=0,7572).
Quanto aos ácaros, apenas obtiveram uma correlação significativa com os valores
de peso do sedimento após combustão do líquen (R=0,3600; p=0,026), ou seja, a abundância
de ácaros está diretamente relacionada com a quantidade de sedimento presente sobre os
liquens.
Os Nematódeos obtiveram maior significância, se comparada aos demais
indivíduos, para todas as variáveis analisadas, destacando-se na correlação com o peso da
amostra (Líquen + Sedimento) úmida logo após a coleta (R=0,7801; p=0,000), como se pode
analisar no Gráfico 2. Baseando-se na relação diretamente proporcional da abundância dos
nematódeos com a biomassa tanto dos liquens quanto destes somados ao sedimento
decantado, comprova-se que os nematódeos são seres altamente sensíveis a alterações
morfofisiológicas dos liquens.
3
R² = 0.4413
Nemátoda
2.5
2
1.5
1
0.5
0
0
0.5
1
1.5
2
2.5
Biomassa úmida do Líquen
Gráfico 2 - Análise de dispersão entre o número de nemtódeos e a biomassa do líquen logo após a coleta.
Vargha et al (2002) em sua investigação sobre o efeito dos metais pesados sob os
tardigradas habitantes de musgos, concluiu que os tardigradas podem ser utilizados como
bioindicadores da qualidade do ar, ou seja, possuem a capacidade de detectar e indicar
contaminantes ambientais por meio da análise da mudança de sua ocorrência, frequência e
abundância. Porém, neste estudo, os tardigradas não responderam de maneira significativa as
variáveis de biomassa, ou seja, não houve correlação entre a abundância destes indivíduos
com as variáveis analisadas. O que confirma a necessidade de mais estudos nesta área, a fim
de investigar essas divergências.
Ao estudar os efeitos de mudanças micro e macro-ambientais em populações de
tardigradas,
Guil
(2009),
relatou
que
a
abundância
poderia,
por
sua
vez,
ser principalmente dependente das condições micro-ambientais (características particulares do
habitat) em vez de em gradientes de grande escala (clima, solo, bioma, etc). Poucas espécies
foram encontradas em áreas abertas de altas temperaturas, alta variação climática e baixa
precipitação. Este tipo de habitat fornece áreas expostas em que os tardigradas podem
colonizar por dispersão passiva. Fato esse, que pode estar relacionado a variação da
abundância de tardigradas desse estudo, entre pontos amostrais protegidos e encobertos para
áreas abertas.
CONCLUSÕES
De acordo com os resultados obtidos nesta pesquisa concluiu-se que é de suma
importância relacionar a intensidade do uso e ocupação dos promontórios com indivíduos da
meiofauna, já que alguns destes são seres extremófilos e, portanto, resistentes às alterações de
condições ótimas ambientais.
Entretanto, seriam necessárias análises da associação liquens x meiofauna quanto
à riqueza de indivíduos para confirmar mais hipóteses do problema estudado.
REFERÊNCIAS
VARGHA, Béla; ÖTVÖS, Edit; TUBA, Zoltán. Investigations on ecological effects of heavy metal
pollution in Hungary by moss-dwelling water bears (tardigrada), as bioindicators. Annals of
Agricultural and Environmental Medicine, 2002, 9: 141–146.
GUIL, Noemı et al. Effects of macro and micro-environmental factors on the species richness of
terrestrial tardigrade assemblages in an Iberian mountain environment. Landscape Ecology,
2009, 24: 375–390.
Jovan, Sarah. 2008. Lichen bioindication of biodiversity, air quality, and climate: baseline
results from monitoring in Washington, Oregon, and California. Gen. Tech. Rep. PNW-GTR-737.
Portland, OR: U.S. Department of Agriculture, Forest Service, Pacific Northwest Research Station.
115 p.
FOMENTO
Nayara Rubya Bevilaqua foi financiada pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação
Científica (PIBIC/CNPq) da Unisul e Sergio Netto pelo Programa Produtividade em Pesquisa
(PQ/CNPq).

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