Oficinas para o ensino de estratégias de leitura

Transcrição

Oficinas para o ensino de estratégias de leitura
OFICINAS PARA O ENSINO DE ESTRATÉGIAS DE LEITURA
Ms. Vania Kelen Belão Vagula
Dra. Renata Junqueira de Souza
FCT/UNESP – CELLIJ - SP
Eixo 7 – Pesquisa, Leitura, Escrita e Educação
Pôster
Resumo
Esta pesquisa, que encontra-se em andamento, propõe um esforço de união entre teoria e prática
que aponte caminhos para o ensino de estratégias de leitura com textos literários. Objetivamos
investigar possibilidades de atuação do professor no ensino de estratégias metacognitivas de
leitura para desenvolver a competência leitora dos alunos. Para tanto, optamos por uma pesquisa
qualitativa, do tipo estudo de caso, a ser realizada em um 5º ano do ensino fundamental da rede
municipal de ensino de Presidente Prudente. Para gerar os dados a serem analisados, foram
realizadas entrevistas com os alunos e com a professora da sala, observação e aplicação de
atividades diagnósticas, bem como aplicação de oficinas de leitura. Fizemos uso de recursos de
gravação em áudio e vídeo durante as oficinas, as quais incluíram atividades orais e escritas. A
análise está sendo feita por meio da triangulação dos dados advindos desses instrumentos e
buscando, por meio dessas diferentes fontes de informação, obter resultados o menos falseados
possível. Tem sido possível perceber o quanto o conhecimento adquirido sobre as diferentes
estratégias de leitura, bem como as vivências de uso das mesmas durante esta etapa da pesquisa
contribui para que os alunos utilizem cada uma das estratégias ou várias delas ao mesmo tempo,
a serviço de suas aprendizagens.
Palavras-chave: formação do leitor, estratégias de leitura, práticas docentes.
Introdução
Vivemos em uma sociedade onde as possibilidades de uso da linguagem são
infinitas. Segundo Cosson (2009, p. 16), “praticamente todas as transações sociais de nossa
sociedade letrada passam, de uma maneira ou de outra, pela escrita”. Por outro lado, temos
baixos índices de pessoas que se tornam leituras e uma grande defasagem no que se refere às
habilidades de compreensão da escrita por meio da leitura, conforme é possível verificar em
resultados de avaliações como a do PISA 20121, na qual o Brasil foi classificado entre os
últimos.
De acordo com Colomer e Camps (2002) e Kleiman (2008) cada dia mais os
professores parecem não ter um norte no que se refere ao como ensinar leitura para os alunos.
As propostas dos livros didáticos, as quais ainda têm hegemonia nas práticas escolares,
contribuem bastante para isso, com textos e propostas inadequados para a formação do leitor e
incoerentes com a concepção de texto e leitor como espaço de diálogo.
A leitura literária, por sua vez, de acordo com Cosson (2009), é item quase
que inexistente nas propostas educacionais. Sob a égide da mera leitura por prazer, sem
cobrança, e em vista da dificuldade dos docentes em aceitar as diferentes possibilidades de
leitura permitidas pelo texto, os alunos têm sido deixados a percorrerem sozinhos o caminho de
formação do leitor e, especialmente, do leitor de literatura.
Estudos realizados por Solé (1998), Harvey e Goudvis (2007), Kleiman
(2008), Koch (2010), Giroto e Souza (2010), apontam que o uso de estratégias de leitura é um
dos principais fatores relacionados à formação do leitor competente. Sendo assim, optamos por
desenvolver uma pesquisa sobre o ensino de estratégias de leitura com textos literários.
Com esse intuito, selecionamos uma sala de aula de 5º ano do ensino
fundamental da rede municipal de Presidente Prudente. Foram aplicadas oficinas de ensino de
estratégias de leitura com contos clássicos de Hans Christian Andersen. As atividades das
oficinas envolveram discussões orais e jogos, registrados em áudio e vídeo, bem como
atividades escritas registradas em folhas do pensar, gráficos organizadores e demais produções,
realizadas individualmente, em pequenos ou grandes grupos.
Para as análises apresentadas aqui, selecionamos o trabalho com a estratégia
de previsão e como esta se conectou com o uso de outras estratégias. A análise foi feita
mediante a triangulação dos dados coletados e registrados por meio das produções escritas,
gravações e entrevistas feitas com os alunos e coma professora.
A opção por trabalhar com textos literários, nos coloca diante de materiais
escritos repletos de elementos estéticos e espaços em aberto a serem preenchidos pelo leitor. O
autor Hans Christian Andersen, cujos textos foram objeto de estudo dos alunos e das
pesquisadoras, é bastante provocativo em sua obra, ao fazer críticas à sociedade da época, sendo
que muitas das características abordadas por ele, ainda se repetem em nossa sociedade. Ele
explora diferentes aspectos que constituem o ser humano, sendo que um dos principais é o
1
Fonte: http://download.inep.gov.br/acoes_internacionais/pisa/resultados/2013/resultados_pisa_2000_2012.pdf Acesso em 29/04/2014.
dualismo aparência versus essência, presentes em contos como O Patinho Feio, A Rainha da
Neve, A sombra e João Trapalhão.
Essa riqueza do material e a validade dele para o trabalho com as crianças se
faz evidente se considerarmos que, mais de dois séculos após esses textos terem sido escritos,
continuam sendo lidos e apreciados por crianças e adultos ao redor do mundo.
Fundamentação e metodologia de trabalho
Adotamos a concepção dialógica de linguagem e, portanto, de texto e leitura.
Sendo assim, texto é entendido como um produto inacabado, resultante da interação do autor
com seu universo de conhecimentos e com o contexto no qual está inserido. A leitura, por sua
vez, é o diálogo estabelecido pelo leitor com o texto, a partir de sua própria bagagem, seus
saberes e seu contexto histórico e cultural. Concordamos que ler, para além de decodificar o
código escrito, é a habilidade de interagir com o texto de modo a compreendê-lo e que a leitura
é “uma atividade de produção de sentido” (KOCH; ELIAS, 2010, p. 12) e não apenas a
recriação deles pelo leitor.
Dentre os diversos autores que abordam o ensino de estratégias
metacognitivas de leitura, optamos por trabalhar com a metodologia apresentada por um grupo
de autores norte-americanos, a saber, Pearson e colaboradores.
Esses pesquisadores vêm
desenvolvendo estudos a partir de práticas adotadas em escolas norte-americanas, que
representaram mudanças qualitativas no trabalho do professor e, consequentemente, na
formação do aluno. Harvey e Goudvis (2007) elencam seis estratégias de leitura conexão,
visualização, perguntas ao texto, inferência, sumarização e síntese. Acrescentamos para esta
pesquisa, a estratégia de previsão. As autoras propõem que as estratégias sejam ensinadas em
oficinas nas quais serão utilizadas antes, durante e depois da leitura.
Keene (2011) afirma que o trabalho de ensino de estratégias metacognitivas
de leitura, contribui para que os pequenos leitores possam ser mais reflexivos sobre o que leem;
ajuda a criar um vocabulário comum entre os alunos e o professor; quando os professores
revelam para os alunos seus processos de pensamento, permitem que eles usem os mesmos
processos em suas leituras; ajuda a formar leitores progressivamente mais autônomos; ajuda os
professores a elevarem as expectativas quanto aos resultados dos alunos; faz com que a leitura
mais lenta e aprofundada se torne mais aceitável; o foco do professor é em como o aluno realiza
o processo de compreensão dos textos, e não em como eles respondem as questões sobre o
texto; amplia a área de conhecimento dos alunos sobre estratégias, sobre textos e os assuntos
neles abordados. Esta autora complementa ainda que “as crianças são mais suscetíveis para reter
e aplicar o que aprendem quando são metacognitivos (conscientes de seus próprios pensamentos
e hábeis para manipulá-los)” (KEENE, 2011, p. 13 – tradução nossa).
O modelo de oficina utilizado pelos autores norte-americanos foi adaptado
para a realidade brasileira por Girotto e Souza (2010) e, após a primeira etapa desta pesquisa,
fizemos novas alterações para adequá-lo às características da turma, dos textos trabalhados e aos
objetivos de ensino e da pesquisa.
Oficina de Leitura – para o ensino de estratégia
(110 minutos)
Aula introdutória
Modelação do professor
15 – 20 minutos
Leitura feita pelos alunos,
aplicando a estratégia
modelada pela professora.
Partilha em grupo dos
sentidos construídos
individualmente.
35 a 50 minutos
20 a 25 minutos
Avaliação
(05-15 minutos)
O período de duração de uma hora e cinquenta minutos pode parecer um
tanto longo. Contudo, considerando-se que as oficinas eram aplicadas apenas uma vez por
semana e que os textos de Andersen são complexos e extensos, identificamos que, se realizadas
em tempo inferior, era insuficiente para explorar os textos adequadamente. Por outro lado,
embora os alunos apresentassem uma boa velocidade na leitura dos textos, tinham muita
dificuldade para realizar o tipo de tarefa proposto, o qual se diferenciava em muito das
realizadas cotidianamente, bem como para fazer os registros escritos, no que tornavam o
registro bastante demorado, demandando orientação e intervenção constante da pesquisadora.
O primeiro momento da oficina é chamado de aula introdutória ou
modelagem. É quando o docente/mediador apresenta e define a estratégia a ser trabalhada.
Depois, realiza uma leitura em voz alta, fazendo pausas para explicitar ao leitor seus próprios
processos de pensamento, revelando-lhes como ele, enquanto leitor experiente, utiliza a
estratégia para compreender melhor o texto. Este momento, embora tenha como característica
principal ajudar o aluno a compreender a estratégia, oferecendo um modelo de ação a ser
imitado e/ou ampliado pelos alunos, também pode ter a participação do grupo ao darem algum
exemplo, ou desenvolvendo algumas atividades curtas.
No momento posterior o aluno deverá a utilizar em leitura individual
estratégia modelada pelo docente. Para tanto o aluno escolhe ou o professor propõe a leitura de
um texto, apresentando uma atividade na qual o leitor registrará seus pensamentos, ao buscar
usar a estratégia em questão.
O momento de compartilhar os sentidos elaborados por cada um é bastante
rico, no qual os alunos podem perceber as diferentes possibilidades de compreensão dos textos,
os diferentes elementos que chamaram a atenção de cada membro do grupo.
Ao final, é feita a avaliação da oficina e do uso da estratégia, relativamente
aos três momentos: apresentação do professor, leitura individual e contribuições do grupo. Para
esta etapa da pesquisa optamos por desenvolvê-la mesclando imagens e escrita.
Ensino e aprendizagem da estratégia de previsão
O texto selecionado para trabalhar com a estratégia de previsão foi a
primeira história do conto “A Rainha da neve”2. Contudo, a leitura das duas últimas histórias foi
feita de modo que utilizassem as diferentes estratégias pelas quais optassem e, portanto, também
se constitui como objeto de análise da aprendizagem dessa estratégia.
Este conto narra a história de duas crianças que possuíam uma forte amizade.
Certo dia, o menino Kay foi atingido por um caco de espelho de um duende maligno, que faziao enxergar de maneira distorcida. Com um caco do espelho no olho e um no coração, passou a
ver defeito em tudo e todos, foi se esquecendo de tudo que antes gostara, e acabou sendo
raptado pela Rainha da Neve.
O enredo central da história consiste na busca de sua amiga Gerda para
encontrá-lo e trazê-lo de volta. Enquanto a outras pessoas já haviam perdido a esperança de que
ele estivesse vivo, ela percorre o mundo e enfrenta todos os perigos por seu amigo. O texto é
2
A versão utilizada foi: ANDERSEN, Hans Christian. Contos De Andersen. Tradução de: Guttorm
Hanssen, Rio De Janeiro: Paz E Terra, 1981.
complexo e rico em simbologias, apresentando inúmeros implícitos e elementos que podem ser
analisados: o caco de vidro, o coração que vai se tornando pedra, o poder dos beijos congelantes
da rainha, em oposição ao poder do amor de Gerda, sua capacidade de superar obstáculos;
influência das estações na vida das pessoas e como forma de marcação temporal, entre outros.
O conto é composto por sete partes que o autor denominou de fábulas.
Contudo, de acordo com a tradução, iremos nos referir a elas como “histórias”. A primeira, que
os alunos leram na oficina que teve como objeto de estudo a estratégia de previsão, trata do
duende maligno que construiu o espelho, o qual será o elemento perturbador da situação inicial
dos protagonistas.
Durante o trabalho de ensino de estratégias, a pesquisadora foi
desenvolvendo um processo para ajudar os alunos a pararem para pensar sobre o que estavam
lendo, visto que uma característica marcante dessa turma no início do ano era fazerem uma
leitura rápida e ininterrupta do texto, sem se atentarem aos detalhes, aos elementos
dificultadores da compreensão e, portanto, sem pararem para refletir sobre o texto antes, ou
durante a leitura. Desta maneira, eles não utilizavam estratégias para ajudar na compreensão do
texto. Nas entrevistas que foram realizadas no início do ano, o recurso que vários alunos
mencionaram usar para ajudá-los na compreensão dos textos, foi perguntar para a mãe ou outro
parente próximo o significado de palavras desconhecidas, comportamento que revelaram ter
praticamente apenas nas leituras feitas em casa.
Após a professora modelar como usava a estratégia por meio da leitura de
trechos de dois contos de Hans Christian Andersen, os alunos foram orientados a utilizarem essa
estratégia, atentando para seus pensamentos antes e durante a leitura e registrando o que haviam
pensado, no que se referia ao estabelecimento de previsões sobre o que viria mais adiante no
texto. Foi solicitado que, primeiramente, estabelecessem previsões antes de lerem o texto, a
partir do título e da imagem ilustrativa. Em seguida, a pesquisadora pediu que iniciassem a
leitura e fossem registrando outras previsões que elaborassem para o texto enquanto lessem.
O registro proposto para a prática da estratégia foi um gráfico organizador
no qual os alunos deveriam registrar não apenas as previsões, mas quais elementos do texto as
suscitaram.
Elementos do texto
E
Previsão que fizemos
Como era a primeira vez que praticavam esta estratégia, a leitura e o registro
foi feito em duplas. Nesta oficina, os alunos extrapolaram o universo do texto, utilizaram
conhecimentos prévios de outras leituras e elaboraram ampla gama de previsões.
Conhecimento prévio e o uso de estratégias de compreensão
Entender a leitura como produção de sentido implica em considerar que o
leitor traz para o texto sua contribuição e, com base nas dicas que o texto traz, recorre aquilo
que já sabe para elaborar um sentido para o novo. “Nas atividades de leitores ativos,
estabelecemos relações entre nossos conhecimentos anteriormente constituídos e as novas
informações contidas no texto” (KOCH; ELIAS, 2010, p. 18). Para Goulemot (1996, p. 115)
O livro lido ganha seu sentido daquilo que foi lido antes dele [...] Não há
jamais compreensão autônoma, sentido constituído, imposto pelo livro em
leitura. A biblioteca cultural serve tanto para escrever quanto para ler. Chega
mesmo a ser, creio eu, a condição de possibilidade da constituição do sentido.
Nas atividades realizadas pelos alunos, foi possível perceber essa ideia de
leitura e a influência dos conhecimentos prévio dos alunos.
A partir do título e de seus conhecimentos prévios, AJBP e IC3 preveem que
“Ela4 parece com a „Dama das Geleiras‟, mas ela pode ser igual (má) ou pode ser diferente
(boa)”. Aqui, recorrem ao conhecimento adquirido na leitura de outro conto de Andersen,
comparando personagens para prever características e possibilidades de atuação.
Fundindo o elemento apresentado pelo texto “Rainha” com o conhecimento
que extrapola aquele dado pelo texto que estão lendo: “A Dama das Geleiras é do mal”, VGSR e
TVF consideram que “Será uma rainha do mal”.
Tendo em vista os termos espelho e cacos, EGF e NJSC registram: “ela vai
se olhar no espelho enfim vai quebrar com sua feiura”. As alunas, ao elaborarem essa previsão,
trazem à tona um dito popular o qual considera que, se alguém muito feio se olha no espelho,
ele se parte. A mesma previsão foi feita pela dupla ODI e PBC, esta ideia aparece mais uma vez
na produção de LSWS e MPF que, considerando que o espelho refletia não apenas a aparência e
a partir do trecho “Se um pensamento bom e piedoso atravessasse a mente de alguém refletia-se
3
4
Para garantir o anonimato dos participantes, utilizamos apenas as letras iniciais de seus nomes.
Referem-se, aqui, à personagem Rainha da Neve.
no espelho ...”, os alunos registraram que “Acho que o pensamento vai ser tão horrível que vai
quebrar o espelho”.
Partindo do conhecimento que se fez comum entre os alunos de que “as
histórias de Andersen têm final triste”, ao ler a sexta história, já apreensivo sobre o destino de
Gerda e Kay, NJSC prevê: “No final, acho que vai ser triste”.
Considerando que o texto afirma ser o duende maligno, ISR e GNH
apontam como possibilidade que “Ela vai matar a Rainha da Neve ou machucar alguém”.
Embora as alunas não tenham registrado o conhecimento que as ajudou a fazer a previsão, fica
claro que foi possível pensar dessa forma por possuírem anteriormente um saber que lhes
permitiu compreender o vocábulo maligno como algo do mau e relacionar a possíveis ações da
personagem. Isso demonstra ainda que, conforme destaca Kleiman (2008), o conhecimento do
vocabulário e a habilidade de inferir significado de palavras novas é fator fundamental na
formação do leitor, pois é condição para a compreensão do texto.
A intersecção das estratégias e a construção da compreensão
Percebemos, ainda, que embora a metodologia de ensino estabeleça que as
estratégias sejam ensinadas didaticamente uma de cada vez, elas não ocorrem apenas
separadamente. Os alunos podem recorrer a mais de uma delas para compreender um texto e,
mesmo, elaborar pensamentos rumo à compreensão, que envolvam mais de uma estratégia ao
mesmo tempo. Quando os alunos já citados AJBP e IC, VGSR e TVF, por exemplo, retomam o
que viram em outro texto lido “A Dama das Geleiras” para prever algo sobre o texto que estão
lendo, estão utilizando também, uma estratégia chamada conexão texto-texto.
Foi possível, ainda, identificar o uso da estratégia de previsão pelos alunos
também na leitura das duas últimas histórias deste conto. Para essa leitura eles deveriam
registrar todos os pensamentos enquanto liam e, depois, tentar identificar a estratégia que
haviam utilizado colando um adesivo com o símbolo de uma das sete estratégias estudadas
durante o ano.
Muitas vezes, a estratégia de previsão funde-se com a de perguntas ao texto,
quando eles elaboram questões para o texto, as quais já contêm uma previsão sobre o que pode
vir mais adiante, como possibilidade, visto que a previsão uma suposição sobre algo que tanto
pode ocorrer como não. Vejamos alguns exemplos:
“Será que a velha vai ser gentiu?” (EAS)
“A Gerda vai achar Kay? A mulher vai mesmo falar de Kay? A Rena vai
voltar buscar Gerda? Kay vai reconhecer Gerda?” (...) (MPCSS)
“Será que a mulher da Lapônia ajudará Gerda a Encontrar o Kay? (LNP)
“Será que ele (Kay) vai derrotar a Rainha da Neve? Será que eles vão
encontrar a avó?” (EMBI)
Nos exemplos transcritos acima, os alunos optaram pelo símbolo da
estratégia de perguntas ao texto, talvez porque o ponto de interrogação nas perguntas
elaboradas por eles, seja um forte marcador do que seja uma questão. Porém, houve quem
conseguiu perceber que estavam utilizando mais de uma estratégia, colando o símbolo de ambas
ao lado da anotação, como foi o caso de GAS: “Gerda vai conseguir salvar Kay da Rainha da
Neve? Será que Kaby sobrifera (sobreviverá)?”
Esse tipo de pergunta ajuda o aluno a buscar respostas e a inferi-las a partir
do que o texto lhe trará e de seus conhecimentos prévios. Tanto a estratégia de previsão quanto a
de perguntas ao texto ajudam os alunos a refletirem sobre o texto, estabelecerem objetivos para
leitura, envolvendo-se mais com o texto, o que contribui para uma melhor compreensão.
Outro aluno, para registrar sua previsão, recorre à estratégia de inferência:
“Esse capítulo a Gerda vai achar Kay e vai falar que ela gostava dele” (TVF). Considerando
tudo que ela fez por Kay, entendem que o amor do qual o texto fala, é produto de uma paixão, e
não apenas de amizade. Isso se manifesta também nas previsões de outros alunos, como de
ALCT, ao registrar, após ler a última linha do texto, que “Eles vão se casar.”; ou “Gerda vai
casar-se com Kay” (LSWS).
Considerações finais
Embora reconheçamos que ainda haja um longo caminho no processo de
formação desses alunos, os resultados obtidos no trabalho com ensino de estratégias revelou-se
bastante significativo.
O trabalho com oficinas aqui mencionadas pode ampliar o universo de
leitura dos alunos, não só pelos textos lidos, mas também pelas trocas efetivadas no grande
grupo, pelo aprimoramento do monitoramento do processo de leitura e por ajudar a refletir
constantemente sobre o que está lendo.
A entrevista realizada com a professora no final do ano, revelou que os
alunos se lembravam dos textos lidos nas oficinas e das estratégias, mencionando seu uso em
outros momentos, no cotidiano da sala de aula, mesmo quando a pesquisadora não estava
presente.
Após um longo trabalho da pesquisadora demonstrando como ela utilizava
diferentes estratégias de leitura antes, durante e depois da leitura, propondo diferentes atividades
estimulando-os a pensarem sobre o que iriam ler ou estavam lendo, houve uma mudança
significativa no comportamento leitor. Isso incluiu o uso das estratégias de leitura nestes
momentos, mas também maior disposição em se arriscar registrando seus pensamentos e
participando das discussões.
Vemos assim, que o diálogo que o leitor estabelece com outros textos, com
sua bagagem cultural e seus conhecimentos, vai ajudando a usar estratégias para compreender o
que lê. Por outro lado, o uso consciente das estratégias de leitura, permite ao aluno refletir sobre
o que lê, tendo a disposição os recursos aprendidos nos momentos de instrução do professor, de
práticas individuais e coletivas de leitura.
Usando uma estratégia de cada vez ou várias ao mesmo tempo, bem como
recorrendo a diferentes fontes de informação, o aluno vai construindo um caminho rumo à
compreensão. A aprendizagem e uso consciente das estratégias
podem auxiliam
progressivamente a constituição do leitor autônomo.
Referências
COLOMER, Tereza; CAMPS, ANNA. Ensinar a ler Ensinar a compreender. Porto Alegre:
Artmed, 2002.
COSSON, Rildo. Letramento Literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2009.
GIROTTO, C. G. G.S.; SOUZA, R. J. Estratégias de leitura: para ensinar alunos a compreender
o que leem. In: SOUZA, Renata Junqueira (org) . Ler e compreender: estratégias de leitura.
Campinas, SP: Mercado de Letras, 2010.
GOULEMOT, Jean Marie. Da leitura como produção de sentidos. In: CHARTIER, Roger
(org.). Práticas da Leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 1996, p. 107-116.
HARVEY, Stephanie; GOUDVIS, Anne. Strategies that work: teaching comprehension for
understanding and engagement. 2. ed. Portland, Maine: Stenhouse Publisher, 2007.
KEENE, Ellin Oliver. Comprehension Instruction Grows up. In: KEENE, Ellin Oliver (et
al.). Comprehension going forward: where we are and what's next. Portsmouth, NH:
Heineman, 2011.
KLEIMAN, Angela. Leitura: ensino e pesquisa. Campinas, SP: Pontes Editores, 3 ed, 2008.
KLEIMAN, Angela. Oficina de leitura: teoria e prática. Campinas, SP: Pontes Editores, 2010.
KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender: os sentidos do texto. São
Paulo: Contexto, 2010.

Documentos relacionados