Eugenia, bioética e os direitos humanos
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Eugenia, bioética e os direitos humanos
1 Ano 3 nº18 Jornal do Centro Universitário Fluminense - UNIFLU Campus I- Direito de Campos agosto/setembro de 2014 Eugenia, bioética e os direitos humanos A eugenia é a Ciência que se aprofunda nos estudos das condições mais propícias à reprodução e melhoramento genético da espécie humana. Esse termo foi criado em 1883 por Francis Galton e significa “bem nascido”1. Segundo Cowan, Galton “acreditava no determinismo biológico, ou seja, os indivíduos já nasciam prontos para serem brilhantes ou estúpidos, geniais ou medíocres, saudáveis ou doentes”2. Quanto à bioética, cuidase, segundo definição bastante precisa de Fermin e Braz: [...] uma ética aplicada, chamada também de “ética prática”, que visa “dar conta” dos conflitos e controvérsias morais implicados pelas práticas no âmbito das Ciências da Vida e da Saúde do ponto de vista de algum sistema de valores, chamado também de “ética”3. Os ideais de eugenia iniciaram-se antes que seu criador, Galton a batizasse, sendo possível verificar que, já na antiga Grécia, o filósofo Platãoalmejava a sociedade humana se aperfeiçoando por processos seletivos4. Os habitantes de Esparta, município helênico, já priorizavam a prática da eugenia frente aos recémnascidos, sendo importante ressaltar que:[...] os espartanos mantinham um acompanhamento cuidadoso na gravidez de suas mulheres que eram levadas para fazer exercícios que possibilitassem uma melhor gestação. Ao nascer, a criança era avaliada por uma comissão de anciãos que buscava observar se o recém-nascido apresentava saúde perfeita, caso contrário ocorreria a sua execução (infanticídio)5. Há séculos, o homem tem realizado técnicas de melhoramento genético em favor de seu interesse, assim como nos dias de hoje verificase cada vez maior a utilização dessas técnicas em plantas e animais em prol do interesse humano. Nesse âmbito de priorização das necessidades e interesses do homem, devemos nos preocupar, pois não são somente essas realizações benéficas que tem ocorrido ao longo da história, visto que por outro lado, há projetos autoritários de eugenia positiva, contrariamente à liberdade e ao consentimento individual, bem como à noção de dignidade do homem. Esse contexto de tamanha amplitude e riqueza, também é polêmico, de forma que Newman na década de 1920 já havia afirmado que: “Nos Estados Unidos da América, há leis que proíbem o casamento de epilépticos, insanos, alcoólatras, miseráveis, idiotas, defeituosos e aqueles afetados por doenças venéreas. Seria desejável que essas leis não só fossem mais uniformes e difundidas, como também mais rigidamente obrigadas a serem cumpridas”6. Até que ponto podese melhorar determinada espécie através da seleção artificial, como era a proposta de Francis Galton, que acreditava que “a raça humana poderia ser melhorada caso fossem evitados cruzamentos indesejáveis”7, sem infringir Foto Gilberto R. Viana Evandro Monteiro de Barros Junior os direitos humanos e as normas éticas que protegem a vida? Convencido de que a maioria das qualidades físicas, mentais e morais dos humanos eram herdadas, Galton verificou que o progresso humano dependeria de como essas qualidades seriam passadas para as gerações futuras. O referido cientista tinha 1 Galton, Francis. Inquiries into human faculty and its development.New York: AMS Press, 1973. 2 Cowan, R. S. 1977 ‘Nature and nurture: the interplay of biology and politics in the work of Francis Galton’. Studies in History of Biology, 2, pp. 137-42. 3 Roland, Fermin e Braz, Marlene.Introdução à Bioética. Disponível em http:// www.ghente.org/bioetica/ 4 Platão. A República. Hemus Livraria Editora Ltda. 5 http://oficiodahistoria.blogspot.com.br/2008/11/esparta-cidade-dosguerreiros.html 6 Newman, H. H. 1921. P. 477. Readings in evolution, genetics, and eugenics. Chicago, The University of Chicago. Disponívelem: 7 http://pt.wikipedia.org/wiki/Francis_Galton 2 Campos dos Goitacazes, agosto/setembro como objetivo incentivar o nascimento de indivíduos mais notáveis ou mais aptos na sociedade e desencorajar o nascimento dos inaptos. Propôs ainda o desenvolvimento de teses de inteligência para selecionar homens e mulheres brilhantes, destinados à reprodução seletiva e deu origem ao conceito de testes mentais (de inteligência) testando a habilidade motora e a capacidade sensorial de indivíduos. No campo da eugenética, que é a forma recente da eugenia, oriunda da junção da genética, biologia molecular e engenharia genética, também se faz importante esse debate, assim como na esfera do eugenismo que por sua vez, haveria de ser considerado como a ideologia da eugenética, crente que a substituição dos genes maus pelos genes bons será capaz de conceber uma humanidade nova e melhorada, livre do peso do sofrimento8. Na utilização prática dessa ciência, faz-se necessário a observância do direito para que não haja violação das normas protetoras do ser humano, em virtude de ser comum na atualidade a transmutação de genes com objetivo de melhoramentos das qualidades e princípios nutritivos de plantas bem como fortalecimento de características dos seres humanos. O jurista Augusto Mattiazzo pondera que: “Obrigatoriamente surgiram normas de proteção ao ser humano em seu aspecto psíquico e físico, mudanças na legislação nacional e internacional, novas interpretações, normas profissionais, jurisprudências e doutrina”9. Há duas ramificações no que tange a eugenética: a primeira seria a eugenética negativa, cuja preocupação é prevalente no sentido em prevenir e curar doenças e má formações de origem genética; e a segunda seria classificada como eugenética positiva, cujo escopo maior é a melhoria das capacidades humanas objetivamente, nas várias ordens de categoria psicofísicas. A eugenia negativa é aceita sem grandes óbices, no entanto, a grande polêmica reside na eugenia positiva e seu ânimo em alterar a natureza humana, daí a observância do direito, para que não sejam ultrapassados os limites traçados pela lei. A partir desses entendimentos, temos a concepção do comprometimento das Ciências Jurídicas perante essas Ciências da Vida e da Saúde, observando a priori, que o Direito está assíduo em todo sistema deorganização e melhoramento social como instrumento de regulação, de busca pela paz social, em qualquer que seja o regime político ou o sistema de governo do Estado ao qual o Direito deva ser objeto de estudo e aplicação. Edivaldo Albuquerque já afirmou em artigo científico nuperpublicado: [...] a eugenia, um tema que parecia ter sido Distribuição Gratuita e Dirigida extinto ao final da Segunda Grande Guerra com a queda do império nazista, todavia encontra-se cada vez mais atual. De fato, pode-se afirmar que jamais deixou de ser atual, pois acompanha o homem por toda a sua evolução. Na verdade, o instinto eugênico é inerente a todos os animais, assim como o instinto de sobrevivência. O interessante é que o ser humano consegue se destacar entre todos os animais por conseguir, por meio da evolução de seu raciocínio e do reconhecimento de sua espiritualidade, agir não por instinto, mas pela razão. Sendo assim, quanto mais o homem age pela razão, mais se distancia de qualquer espécie, passando a dominá-las10. Ainda, no mesmo sentido, relata Junges: É uma tendência permanente que se pensava rompida com a experiência nazista, mas continua presente sob outras formas mais sofisticadas. A pseudociência nazista desapareceu, mas a ideologia da superioridade do homem permanece11. Existe hoje a interferência da medicina nos processos de fecundação e desenvolvimento do feto até mesmo escolha de suas características físicas como: sexo, cor dos olhos, capacidade cognitiva etc. A biologia também tem manifestado diversas experiências na mutação genética de plantas e animais. Estariam as ciências médicas de acordo com os princípios morais e éticos vigentes na Constituição Federal e nas leis ordinárias de nosso ordenamento e do Direito comparado? A evolução da sociedade deve ser perseguida pelo direito com a finalidade de regular as condutas e estabelecer limites aos cidadãos. Confrontamos com aquilo que é função maior dos juristas, que deve sugerir com quais instrumentos legais o Estado deverá trabalhar em prol da proteção do cidadão, de maneira que a sociedade respeite as normas éticas, a partir de uma definição hierárquica dos bens jurídicos que devem ser tratados intimamente como mais importantes quais sejam: aqueles ligados à sobrevivência da espécie humana, como a vida, a liberdade, a igualdade e a dignidade da pessoa humana. Aos estudiosos cabe atentar-se, sobretudo, para a atuação do Estado, que em vários momentos da história mostrou-se demasiadamente coercitivo, sendo importante frisar o que fora formulado por Kant que “todo homem possui direitos imperdíveis, 8 Garcia, Kelly. Eugenia – Ética e Direito. 2005. http://jus.com.br/forum/2215/ eugenia-etica-e-direito/ 9 Mattiazzo, Augusto.Disponível em: http://www.mail-archive.com/[email protected]/msg00663.html 10 Albuquerque, Edvaldo. Responsabilidade Civil e Eugenia. 11/2011 Disponível em: http://jus.com.br/ 11 JUNGES, José Roque. Bioética – perspectivas e desafios. São Leopoldo: UNISINOS, 1999. IMPORTANTE Todo material impresso neste jornal é de inteira responsabilidade de seus autores, não representando obrigatoriamente a opinião deste jornal ou do Campus I - UNIFLU. Deseja publicar o seu artigo no Opinio Juris? Envie para: [email protected] Os artigos serão revisados e selecionados pela edição do jornal. 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Esses bens jurídicos têm seus valores variando no tempo e no espaço, levandose em consideração o caráter afirmativo da historicidade do Direito defendido por Rudolf Stammler13, e, portanto não são, esses valores perpétuos nem imutáveis numa mesma sociedade. Cuida-se de delicada relação entre a prática da eugenia e os direitos humanos, justamente em virtude de ser o próprio direito violador dos direitos humanos, como leciona Maus:[...] a intervenção militar visando os direitos humanos não pode evitar, enquanto militar, violar, simultaneamente, direitos humanos fundamentais à vida e à integridade corporal, sem poder buscar oconsentimento dos indivíduos atingidos como titulares desses direitos; em outras palavras, os direitos humanos são transformados de direitos legítimos individuais subjetivos em finalidades objetivas do sistema14. Os valores são reguladores, não são objetivos concretos da vida e da atividade, mas constituem padrões abstratos pelos quais deverão ser aferidos e orientados na vida todos os fenômenos dentro dos domínios da cultura que lhes dizem respeito. Até que ponto seria pertinente melhorar determinada espécie através da seleção artificial, como era a proposta de Francis Galton, que acreditava que “a raça humana poderia ser melhorada caso fossem evitados “cruzamentos indesejáveis” , sem infringir os direitos humanos e as normas éticas que protegem a vida? O problema que propomos tem sua importância respaldada no fato de que a revolução científica que Distribuição Gratuita e Dirigida temos observado nas últimas décadas, acaba por utilizar experimentos de melhoria genética para fins comerciais, a saber, em plantas e animais, sendo que tais experimentos já começam a abraçar aquilo que poderíamos chamar de “problemas humanos”. A sexagem fetal, por exemplo, a escolha de determinadas características físicas do embrião, como o sexo, já vem sendo permitida legalmente em alguns países e, embora no Brasil isto ainda não seja permitido, nos parece uma realidade próxima o suficiente para desde já começarmos a nos questionar sobre os quesitos éticos e legais envoltos não apenas nesta, mas em outras questões que permeiam a discussão 3 acerca da eugenia positiva em termos de bioética. Nesse âmbito, envolto da prioridade da Bioética no exercício de qualquer atividade humana, o direito deve ser observado junto às práticas ligadas à eugenia e abarcado pela bioética que está ainda mais presente nessa esfera que demanda juízo de valor relevante, pois trata de liberdade (direito de escolha), vida e saúde. Evandro Monteiro de Barros Junior Advogado, conciliador e mediador de conflitos – IMARJ Especialista em Direito Tributário – Universidade Anhanguera – UNIDERP – 2014. 12 Kant, apud Maus. O Judiciário como Superego da Sociedade. P. 182. Editora Lumen Juris. RJ. 2010. 13 Larenz, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Capítulo IV. O abandono do Positivismo na Filosofia do Direito na primeira metade do século XX. 14 Maus, Ingeborg. O Judiciário como Superego da Sociedade. P. 174/175. Editora Lumen Juris. RJ. 2010. 4 Campos dos Goitacazes, agosto/setembro VADE MECUM – CONCURSOS E OAB (EDITORA GEN) “Eu indico pois está dentro das normas que são exigidas pela 2.ª fase da OAB, dividido por cores e ainda contém encartes com informações sobre a prática de cada matéria.“ Distribuição Gratuita e Dirigida