UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS – UFAM INSTITUTO

Transcrição

UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS – UFAM INSTITUTO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS – UFAM
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS – ICHL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO SOCIEDADE E CULTURA NA
AMAZÔNIA – PPGSCA
Igarapé do Quarenta: gênero e linguagem
Manaus – Amazonas
2012
KARLA PATRÍCIA PALMEIRA FROTA
Igarapé do Quarenta: gênero e linguagem
Dissertação de Mestrado apresentada à Banca
Examinadora do Programa de Pós-Graduação
Sociedade e Cultura na Amazônia da
Universidade Federal do Amazonas. Linha de
Pesquisa: Sistemas Simbólicos e Manifestações
Socioculturais, sob a orientação da Professora
Doutora Iraildes Caldas Torres.
Manaus – Amazonas
2012
Ficha Catalográfica
(Catalogação realizada pela Biblioteca Central da UFAM)
Frota, Karla Patrícia Palmeira
F941i
Igarapé do Quarenta: gênero e linguagem / Karla Patrícia
Palmeira Frota. - Manaus: UFAM, 2012.
151 f.; il. color.
Dissertação (Mestrado em Sociedade e Cultura na Amazônia) ––
Universidade Federal do Amazonas, 2012.
Orientadora: Profª. Dra. Iraildes Caldas Torres
1. Relações de gênero 2. Sociolinguística 3. Igarapé do Quarenta
I. Torres, Iraildes Caldas (Orient.) II. Universidade Federal do
Amazonas III. Título
CDU 392.6:81’27(043.3)
KARLA PATRÍCIA PALMEIRA FROTA
Igarapé do Quarenta: gênero e linguagem
Dissertação de Mestrado apresentada à Banca
Examinadora do Programa de Pós-Graduação em
Sociedade e Cultura na Amazônia, da
Universidade Federal do Amazonas. Linha de
Pesquisa Sistemas Simbólicos e Manifestações
Socioculturais, sob a orientação da Professora
Doutora Iraildes Caldas Torres.
Aprovado em __________ de outubro de 2012.
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________
Profª. Drª. Iraildes Caldas Torres – Presidente
Universidade Federal do Amazonas – UFAM
______________________________________________
Prof. Dr. Edgard de Assis Carvalho – Membro
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP
______________________________________________
Profª. Drª. Maria Sandra Campos – Membro
Universidade Federal do Amazonas – UFAM
À Deus fonte de amor e proteção infinitos e
a quem sempre recorro em todos os
momentos da minha vida.
Ao meu irmão Keilon Ivan (in memoriam)
que tanto me incentivou a realizar as
grandes escaladas da vida e não ficou para
ver minha vitória, porque partiu cedo
demais.
Dedico este trabalho.
AGRADECIMENTOS
À Deus, razão e força suprema da minha existência e desta vitória conquistada arduamente.
Agradeço o dom supremo da vida, por todas as bênçãos recebidas, pela fé, pela coragem de
continuar trilhando o difícil caminho da vida. Por me manter confiante, mesmo quando assim
não me sentia. Por me amar incondicionalmente, apesar de todos os meus defeitos. Por me dar a
paciência necessária para esperar o momento certo de realização de mais este sonho.
À minha orientadora, professora Doutora Iraildes Caldas Torres, por ter me orientado com rigor,
a exigência e a presteza necessários ao bom andamento de uma pesquisa, além de seus esforços
para me acompanhar nessa jornada. À esta mulher de fibra que muito além do que tão somente
me orientar neste trabalho, me ajudou a crescer um pouco mais como pessoa e como
pesquisadora, meus sinceros agradecimentos.
À Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Amazonas – FAPEAM pela concessão da Bolsa
de Estudos no Mestrado.
Aos professores Edgard de Assis Carvalho e Maria Sandra Campos que participaram da Banca
de Exame de Qualificação trazendo grandes contribuições e indicando valiosos caminhos a este
trabalho.
À Coordenadora do Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia, professora
Doutora Rosemara Staub Barros de Zago pela simpatia e bom humor. E também por todos os
momentos compartilhados nas aulas de Semiótica do PPGSCA.
Aos professores integrantes do Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia –
PPGSCA, com os quais tive a felicidade de compartilhar prestimosos momentos em sala de aula.
Momentos aqueles de enriquecimento cultural com pessoas com quem pude aprender mais um
pouco.
À secretária do Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia – PPGSCA,
Alberta Amaral de Oliveira, por todas as informações prestadas.
A todos (as) os (as) colegas da Turma de Mestrado - éramos quinze no total. São eles: Agenor
Cavalcanti de Vasconcelos Neto, Andresa Fogel Pereira Jales, Ariomar Oliveira Cunha, Flávia
Lidiane Batista Abtibol, Francisco Pinto dos Santos, Lucyanne de Melo Afonso, Mariana
Baldoíno da Costa, Nixon Martins Leite, Núbia Lira Cintrão, Raimunda Rodrigues de Menezes,
Rárima Gomes Coelho, Rita Cíntia Pinto Vieira, Rosimary de Souza Lourenço e Valdenice
Henrique da Cunha por todos os momentos passados em sala de aula, pelos trabalhos realizados,
pelos momentos de descontração e pelas experiências adquiridas conjuntamente.
À bibliotecária Nilma Francisca Paes Gama, da Biblioteca Setorial do Setor Norte
(FACED/FES/ICHL), da Universidade Federal do Amazonas – UFAM pela sua gentileza e
simpatia e quem muito me ajudou no empréstimo de alguns exemplares de livros que precisei,
sempre que precisei.
À Universidade Federal do Amazonas – UFAM por ter sido o local de vivência e convivência
desse Mestrado, da qual muito me orgulho por ter passado preciosos momentos na Graduação e
na Pós-Graduação.
Aos moradores e moradoras do Igarapé do Quarenta, sem os quais não seria possível a execução
desta pesquisa e que permitiram que eu adentrasse em seus mundos. Pessoas essas que me
atenderam e me ajudaram com as informações necessárias para compor esta pesquisa.
À Unidade de Gerenciamento do Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus – UGPI,
que me ajudou com valiosas informações e fotos sobre o Igarapé do Quarenta.
Ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE/AM, na pessoa do senhor Adjalma
Nogueira Jaques (Sup. de Disseminação de Informações), pelas informações prestadas.
À minha avó (in memoriam), minha avozinha para sempre querida, por ter sido um grande
exemplo de amor, ternura e doçura.
À minha querida mãe, por todos os ensinamentos repassados a mim durante a minha vida. Em
especial por ser o meu maior e grande exemplo de força, coragem, dedicação e determinação, e a
quem devo a minha vida e a educação recebida.
Às minhas irmãs, pelo carinho e por fazerem parte da minha vida e da minha história.
Ao meu marido, meu querido companheiro que soube entender minhas ausências para realizar
esta pesquisa, me dando o suporte necessário, e também pelo apoio constante expressado de
várias maneiras.
Aos meus filhos, meus grandes amores, minhas maiores bênçãos recebidas, minhas riquezas,
minhas maiores alegrias e realizações nesta vida, que com seus sorrisos e choros quebravam a
rotina sisuda quando da feitura desta Dissertação.
Enfim, a todos (as) aqueles (as) que de alguma forma contribuíram para a realização deste grande
sonho,
Meus sinceros agradecimentos!
A igualdade é um princípio absoluto e uma
prática historicamente contingente. Não é a
ausência ou a eliminação da diferença, mas
sim o reconhecimento da diferença e a
decisão de ignorá-la ou de levá-la em
consideração.
Joan Wallach Scott
RESUMO
Este estudo assume o propósito de verificar de que forma o modo de falar se firma na distinção
de gênero, destacando a linguagem falada dos moradores do Igarapé do Quarenta, em Manaus,
no Amazonas. Pesquisar o modo de falar como uma distinção entre mulheres e homens que
residem no Igarapé do Quarenta implicou para nós grandes desafios. O desafio maior foi o de
adentrar o universo vocabular desses moradores permeado por variadas significações que se
entrelaçam às relações de gênero. A pesquisa foi realizada no Parque Residencial Professor José
Jefferson Carpinteiro Péres, no bairro Morro da Liberdade, e no Parque Residencial Professor
Gilberto Mestrinho, no bairro Cachoeirinha, ambos localizados na Zona Sul, situados na área do
Igarapé do Quarenta. O trabalho de campo assumiu o aporte das abordagens qualitativas sem
exclusão dos aspectos quantitativos. Foi realizado por meio de técnicas de entrevista semiestruturada contendo perguntas abertas e fechadas, com o uso autorizado do gravador.
Utilizamos também a técnica da etnografia para apresentarmos o campo da pesquisa, além do
diário de campo. Dentre os múltiplos aspectos revelados, a pesquisa constatou que, no falar dos
moradores dessas localidades do Igarapé do Quarenta, cada um dos gêneros homem e mulher,
apresenta características próprias em suas falas, constituídas por um conjunto de traços
específicos que revelam a unidade presente na diversidade e a diversidade presente na unidade.
Pessoas diferentes articulam suas falas de modo também diferente. Pode-se, concluir, afirmando
que o gênero é produzido e reproduzido na linguagem e pela linguagem. Os estilos diferenciados
no masculino e no feminino, no modo de falar, estão presentes na vida dos moradores das áreas
pesquisadas no Igarapé do Quarenta.
Palavras-chave: Mulheres e homens, falares, Igarapé do Quarenta.
ABSTRACT
This study assumes the purpose to verify how the manner of speaking is firmed in gender
distinction, highlighting the spoken language of the residents of the Igarapé do Quarenta, in
Manaus, Amazonas. To research the manner of speaking like a distinction between women and
men, who live in Igarapé do Quarenta implied big challenges for us. The biggest challenge was
to know the vocabular universe of those residents permeated by different meanings that
intertwine to gender relations. The survey was conducted in the Residential Park Teacher José
Jefferson Carpinteiro Péres, in Morro da Liberdade district, and in the Residential Park Teacher
Gilberto Mestrinho, in Cachoeirinha district, both located in South Zone, in Igarapé do Quarenta
area. The fieldwork took the contribution of qualitative approaches without exclusion of
quantitative aspects. It was performed by techniques of semi-structured interview containing
open and closed questions, with the authorized use of the recorder. We also used the technique of
ethnography to present the research field, beyond the field diary. Among the many revealed
aspects the survey found that, in the speaking of the residents of these locations of Igarapé do
Quarenta, each one of the male and female genders, has its own characteristics in their speech,
consisting of a set of specific traits that reveal the unity in diversity and the diversity in unit.
Different people articulate their speech in a different way. We can conclude by claiming that
gender is produced and reproduced in the language and by the language. The different styles in
male and female manner of speaking, are presented in the lives of the residents of the surveyed
areas in Igarapé do Quarenta.
Keywords: Women and men, manner of speaking, Igarapé do Quarenta.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Construções desordenadas às margens dos igarapés
24
Figura 2 – Construções desordenadas com alto risco de desabamento
25
Figura 3 – Bacias hidrográficas da cidade de Manaus
28
Figura 4 – Hidrografia da área urbana da cidade de Manaus
29
Figura 5 – Palafitas em lugares inadequados
32
Figura 6 – Barracos às margens do Igarapé
32
Figura 7 – Igarapé do Quarenta
34
Figura 8 – Área verde no Parque Residencial Jefferson Péres
36
Figura 9 – Modelo padrão habitacional / Bloco com 24 residências
36
Figura 10 – Cultura como sistema integrado ao conhecimento
51
Figura 11 – Sistema cultural
53
Figura 12 – Trindade humana
55
Figura 13 – Área livre para caminhada e lazer no Parque Residencial Gilberto Mestrinho
58
Figura 14 – Praça e área de ginástica no Parque Residencial Jefferson Péres
59
Figura 15 – Área Interna no Parque Residencial Gilberto Mestrinho
75
Figura 16 – Cartaz do Filme My Fair Lady
99
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Local de nascimento dos jovens
30
Gráfico 2 – Local de nascimento dos adultos e idosos
31
Gráfico 3 – Quantidade de pessoas por moradia em relação aos jovens
78
Gráfico 4 – Local de nascimento dos pais dos jovens
81
Gráfico 5 – Local de nascimento dos pais dos homens
109
Gráfico 6 – Local de nascimento dos pais das mulheres
118
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Jovens Moradores do Quarenta
74
Tabela 2 – Faixa etária dos jovens
76
Tabela 3 – Profissão / Ocupação dos jovens
77
Tabela 4 – Renda familiar dos jovens
79
Tabela 5 – Grau de escolaridade dos pais dos jovens
80
Tabela 6 – Faixa etária dos homens
106
Tabela 7 – Grau de escolaridade dos pais dos homens
108
Tabela 8 – Faixa etária das mulheres
115
Tabela 9 – Grau de escolaridade dos pais das mulheres
117
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
AID – Área de Influência Direta
CEF – Caixa Econômica Federal
CEP – Comitê de Ética em Pesquisa
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
EIA – Estudo de Impacto Ambiental
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ONG – Organização Não Governamental
PEA – Programa de Educação Ambiental
PNAD - Programa Nacional de Amostragem por Domicílios
PROSAMIM – Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus
RIMA – Relatório de Impacto Ambiental
SEINF – Secretaria de Estado de Infra-Estrutura
UGPI – Unidade de Gerenciamento do Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus
UFAM – Universidade Federal do Amazonas
ZFM – Zona Franca de Manaus
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
17
CAPÍTULO 1 – A CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL DO MASCULINO E
DO FEMININO NA SOCIEDADE PATRIARCAL
22
1.1– Localização do campo da pesquisa
22
1.2– Os clichês e estereótipos dirigidos às mulheres na formação social da Amazônia
41
1.3– A cultura como elemento construtor das relações de gênero
51
CAPÍTULO 2 – O DISCURSO SOCIOCULTURAL DOS MORADORES
DO QUARENTA
62
2.1 – A linguagem como elemento condicionante das relações de gênero
62
2.2 – Os falares presentes na oralidade de adolescentes e jovens moradores do Igarapé
do Quarenta
74
2.3 – A oralidade como fator de transmissão da linguagem
85
CAPÍTULO 3 – VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS ENTRE HOMENS E MULHERES
96
3.1 – Os termos regionais presentes nas variações linguísticas
96
3.2 – Os falares dos homens moradores do Quarenta
105
3.3 – Os falares das mulheres moradoras do Quarenta
115
CONSIDERAÇÕES FINAIS
125
REFERÊNCIAS
128
DOCUMENTOS CONSULTADOS
136
ANEXOS
137
17
INTRODUÇÃO
A compreensão mútua entre os seres
humanos quer próximos, quer estranhos, é
daqui para frente vital para que as relações
humanas saiam de seu estado bárbaro de
incompreensão.
(Edgar Morin)
As sociedades humanas assentam-se em pequenos grupos de indivíduos que, no decorrer
dos processos históricos, sofrem inúmeras modificações e adaptações, com acertos e vicissitudes,
em relação às suas formas culturais e seus discursos orais.
As relações de gênero estão presentes em todas as sociedades, pois, afinal, elas compõem
e fazem parte do contexto histórico-político-social de todas as civilizações e grupos étnicosociais desde os primórdios até os dias atuais.
Os diferentes grupos sociais que compõem a sociedade são constituídos por diversos
saberes e diferentes falares, independentemente das relações de gênero que se destaquem entre
eles. Para Scott (1991, p. 10), “através da linguagem é construída a identidade de gênero”. É de
acordo com o que se fala e como se fala que se estabelece a identidade de gênero.
É possível relacionar a linguagem com a comunicação humana como elementos que se
interconectam no processo histórico-social de forma constante e incessante. Para Morin (2007, p.
52), “as interações entre indivíduos produzem a sociedade e esta, retroagindo sobre a cultura e
sobre os indivíduos, torna-os propriamente humanos. [...]. A espécie produz os indivíduos
produtores da espécie, os indivíduos produzem a sociedade produtora dos indivíduos”. É patente,
então, o fato de que não há indivíduo destituído de cultura ou cultura destituída da presença do
indivíduo. Neste sentido, “a linguagem está em nós e nós estamos na linguagem. Somos abertos
pela linguagem, fechados na linguagem, abertos ao outro pela linguagem (comunicação),
fechados ao outro pela linguagem (erro, mentira), abertos e fechados às ideias pela linguagem”
(MORIN, 2007, p. 37). A linguagem e a sociedade são elementos imbricados e indissociáveis,
um só existe devido a presença do outro.
Pesquisar o modo de falar como uma distinção entre mulheres e homens, sejam
adolescentes, jovens, sejam adultos e idosos residentes no Igarapé do Quarenta, na cidade de
18
Manaus, implicou para nós grandes desafios. O desafio de tentar compreender o universo
vocabular desses moradores permeado por variadas significações que se entrelaçam às relações
sociais próprias da comunidade de acordo com os gêneros.
Para Scott (1991, p. 05), “o termo ‘gênero’ foi utilizado para introduzir uma noção
relacional em nosso vocabulário de análise. De acordo com essa autora, as mulheres e os homens
eram definidos em termos recíprocos e nenhuma compreensão de um deles podia ser alcançada
por um estudo separado”. Para que possamos compreender as relações sociais e os modos de
vida dos grupos humanos é preciso atentarmos para as relações de gênero que são
institucionalizadas na sociedade.
Em relação à comunicação humana baseada em distinções de certo e errado, Bagno
(2009, p. 67), diz que “é preciso abandonar essa ânsia de tentar atribuir a um único local ou a
uma única comunidade de falantes o ‘melhor’ ou o ‘pior’ português e passar a respeitar
igualmente todas as variedades da língua, que constituem um tesouro precioso de nossa cultura”.
Isto é, deve-se compreender que a língua, por ser heterogênea, sempre apresentará variações de
termos usados em locais diferenciados.
Ao estabelecermos uma análise compreensiva sobre o nível de profundidade da
abordagem sociolinguística com o modo de falar como uma distinção de gênero, procuramos
analisar as origens e a formação social da localidade para compreendermos os significados dos
termos usados nesses falares. É preciso saber como é constituído esse universo vocabular, em
que espaço ele é falado e se há diferenças nos discursos de cada um dos gêneros: homem e
mulher. De acordo com Samara et. al (1997, p. 45), “é necessário, nas pesquisas sobre gênero,
estar atento às ‘diferenças’, tendo, também, sensibilidade para entender as semelhanças”. Então,
ao estudarmos as distinções, devemos atentar tanto àquilo que surge como diferente quanto ao
que se apresenta como semelhante.
O Igarapé do Quarenta é uma microbacia que constitui a principal bacia formadora da
bacia de Educandos. Esta vai da foz até a Avenida Presidente Castelo Branco, e a partir desse
limite até alcançar a nascente no bairro Zumbi, é que ela passa a ser denominada de Igarapé do
Quarenta. Nossa área de estudo abrange dois bairros distintos que são espaços que comportam o
Igarapé do Quarenta, a saber: o Parque Residencial Professor José Jefferson Carpinteiro Péres,
no trecho que está situado entre a Ponte Juscelino Kubitschek e a Avenida Maués, do lado direito
19
da margem desse igarapé; e o Parque Residencial Professor Gilberto Mestrinho, no trecho
situado entre a mesma ponte e a mesma avenida, mas do lado esquerdo da margem desse igarapé.
Manaus é hoje uma grande metrópole. Está constituída e dividida em diversos bairros,
ruas e avenidas espalhadas por todos os lados da cidade que se entrecortam e se misturam para
formar um novo bairro ou uma nova rua.
A imagem do Igarapé do Quarenta de outrora e a de hoje comporta muitas mudanças,
principalmente no aspecto das construções urbanísticas advindas com o programa Prosamim que
exibem um novo cenário urbano. O Igarapé do Quarenta ressurge dentro da própria comunidade
com os mesmos atores sociais, mas com um novo cenário e um novo palco de representações.
A vida adquiriu novos ares e mais espaço, mas ainda há muito o que ser transformado.
Talvez tenha sido esse também um dos motivos de nossa inquietação e de nos mostrarmos
ansiosas em conhecer aquele lugar e aquelas pessoas com todas as suas peculiaridades. Nada
melhor e mais interessante em conhecer os indivíduos de uma dada comunidade do que o fazer
por meio da pesquisa.
O caminho metodológico seguido na pesquisa para se conhecer o lugar, as pessoas e sua
linguagem assumiu o aporte das abordagens qualitativas sem excluir os aspectos quantitativos. O
trabalho de campo foi realizado no Parque Residencial Professor José Jefferson Carpinteiro Péres
e Parque Residencial Professor Gilberto Mestrinho, ambos no Igarapé do Quarenta.
O Parque Residencial Professor José Jefferson Carpinteiro Péres está situado no bairro do
Morro da Liberdade, e o Parque Residencial Professor Gilberto Mestrinho está localizado no
bairro da Cachoeirinha, ambos na Zona Sul da cidade e transpassados pelo referido Igarapé.
Ouvimos 20 moradores em entrevista semi-estruturada, contendo perguntas abertas e
fechadas. Esses informantes foram distribuídos em três grupos distintos, a saber: Grupo de
Jovens – com faixa etária entre 13 e 19 anos; Grupo de Adultos – com faixa etária entre 20 e 59
anos e o Grupo de Idosos – com faixa etária a partir de 60 anos.
Para os Grupos de Jovens e os de Idosos foram selecionados subgrupos formados por seis
informantes em cada grupo, divididos em duas categorias, segundo o gênero. O Grupo de Jovens
e o de Idosos foi composto por 03 informantes de cada gênero, perfazendo um total de 12
informantes. Já o Grupo de Adultos foi composto por 04 informantes de cada gênero, perfazendo
um total de 08 informantes, sendo que, destes, 02 são representantes comunitários, um de cada
gênero humano.
20
Escolhemos o Igarapé do Quarenta por se tratar de uma área constituída por migrantes
com diferentes formações socioculturais e por ser uma localidade de grande vulnerabilidade e de
segregação social, que abriga pessoas de baixo poder aquisitivo, que sobrevivem do trabalho
informal em sua maioria.
A escolha recaiu também pelo fato de o Igarapé do Quarenta constituir-se numa grande
área populosa da cidade de Manaus, que comporta pessoas advindas de diversas localidades. Isso
tudo caracteriza um enorme manancial e espaço de diversidade linguística que permitiu a esta
pesquisadora a grande oportunidade de ouvir, conhecer e saber os diferentes modos de falar.
A aproximação com os sujeitos da pesquisa foi possibilitada por meio de visitas prévias
exploratórias nas áreas estabelecidas do Igarapé do Quarenta. Momentos estes em que
realizamos várias observações na tentativa de primeiro ver e conhecer o lugar, saber como ele é
organizado e dividido, para depois abordarmos alguns moradores e, assim, estabelecer um
contato próximo.
O texto dissertativo está organizado em três capítulos distintos nos quais discutimos o
objeto de estudo entrelaçado à temática central das relações de gênero. No primeiro capítulo
apresentamos o campo da pesquisa, os clichês e estereótipos dirigidos às mulheres, travando um
debate sobre a cultura como elemento construtor das relações de gênero.
No segundo capítulo, procurou-se discutir a linguagem como elemento inerente ao ser
humano, dada a sua condição. Mostramos as marcas presentes na oralidade dos jovens
moradores do Quarenta. Concluímos este capítulo mostrando a oralidade como fator de
transmissão da linguagem entre os indivíduos.
No terceiro capítulo apresentamos os fatores regionais presentes nas falas dos sujeitos
desta pesquisa, estabelecendo uma discussão sobre os falares distintos de homens e mulheres
moradores do Igarapé do Quarenta. Identificamos formas diferentes de nomear ou classificar
certos elementos presentes no cotidiano dos sujeitos entrevistados, tais como as variações de
falares de acordo com o gênero e conforme as faixas etárias e profissões distintas que aparecem
na pesquisa.
Por fim, teremos algumas considerações finais, mostrando que as falas dos sujeitos da
pesquisa são carregadas de informalidade e do uso não padrão da Língua Portuguesa, mas
perfeitamente compreensíveis por se constituírem, notadamente, em relações sociais construídas
na vida em sociedade.
21
Esperamos que os resultados dessa pesquisa possam contribuir para os estudos sobre os
falares regionais tão escassos na academia. Do mesmo modo, esperamos poder contribuir para
com os moradores do Igarapé do Quarenta que poderão dispor de mais um estudo sobre a sua
realidade sociocultural.
22
CAPÍTULO 1
A CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL DO MASCULINO E DO
FEMININO NA SOCIEDADE PATRIARCAL
O tesouro da humanidade está na
diversidade criadora, mas a fonte da sua
criatividade está na sua unidade geradora.
(Edgar Morin)
1.1 - Localização do campo da pesquisa
Manaus é a capital do Estado do Amazonas, Brasil, e está situada na microrregião
denominada Médio Amazonas, na margem esquerda do rio Negro. O clima é tropical úmido,
com chuvas abundantes. Seu fuso horário equivale a uma hora de atraso em relação ao horário
oficial de Brasília. A paisagem é caracterizada pela presença marcante de igarapés de pequeno
curso d’água que cortam a cidade.
O espaço urbano de Manaus é constituído por um sistema de colinas tabuliformes
pertencentes a uma vasta seção de tabuleiro de sedimentos terciários que separam os igarapés. As
formas topográficas da região de Manaus são caracterizadas por baixo planalto, com uma
amplitude altimétrica que varia entre 20 a 30 metros acima do nível médio do rio Negro. 1
De acordo com Oliveira (2003, p. 21) “Manaus revela, de um lado, territórios pretéritos
que se caracterizam pela predominância de movimentos lentos a serviço de atividades
tradicionais e, de outro, territórios novos que comportam movimentos rápidos com atividades
fluidas impostas pela modernização”.
_________________________________
1
Ver a esse respeito o livro A cidade de Manaus, de Aziz Ab’Saber (1953).
23
Os igarapés de Manaus apresentavam uma profundidade de 7 a 12 metros de barrancas
laterais com vales que isolavam os blocos urbanos da cidade, demonstrando o vigor dos entalhes.
O declínio das águas durante a estiagem transformava os igarapés em modestos ribeirões, mas
conservavam sempre o nível d’água com profundidade que possibilitava a circulação de toda a
sorte de pequenas embarcações, numa extensão aproximada de 2 quilômetros, a partir da barra
do rio Negro. Tratava-se de um tipo especial de vias internas de água doce. 2
Historicamente, Manaus recebeu grandes levas de migrantes nordestinos e brasileiros de
outras regiões, bem como imigrantes ingleses, franceses, judeus, gregos, síriolibaneses,
portugueses, italianos e espanhóis, gerando um crescimento demográfico que obrigou a cidade a
passar por mudanças significativas.
De acordo com Pinheiro (2000, p. 38) “no período de efervescência em Manaus,
chegavam grandes contingentes de população pobre a procura de oportunidades de trabalho.
Com parcos recursos viam-se compelidos a se hospedarem em hotéis de terceira categoria, para
onde eram ‘arrastados’ pelos rebocadores”.
Os nordestinos tiveram suas razões para sair de suas cidades. Um dos fatores diz respeito
à grande seca que assolava o Nordeste na segunda metade do século XIX. Um outro fator está
associado à ilusão do enriquecimento rápido na região amazônica, em função das atividades de
exploração do látex da seringueira.
Benchimol (2009) manteve um contato próximo durante quase dois anos com os
cearenses que chegavam a Manaus, no período que vai de 1942 a 1944, possibilitando a coleta de
centenas de entrevistas. Isto lhe permitiu documentar estórias de vida, flagelos, seus modo de
vida e como eles se sentiam no momento da chegada à região.
As palavras, a força de expressão, o rico linguajar sertanejo, o passado de suas vidas, as
esperanças e “frustrações de vida constituíram-se em critérios utilizados para classificar as mais
diferentes categorias de tipos humanos e revelar diferentes estados d’alma, sentimentos de
revolta, desespero, mágoa, afeição, sofrimento e arrependimento, mas também, fé, esperança,
coragem, fascínio e redenção” (BENCHIMOL, 2009, p. 207).
O autor elenca setenta e sete perfis e tipos humanos daqueles personagens-migrantes para
compor uma antologia social, cultural e psicológica desses retirantes.
_________________________________
2
Ver a esse respeito o livro A cidade de Manaus, de Aziz Ab’Saber (1953).
24
Com a implantação da Zona Franca, em 1967, a cidade cresceu vertiginosamente. Atraiu
milhares de migrantes que ocuparam de forma desordenada a periferia da cidade. Silva (2010,
pp. 148-149) considera que, “com a criação da ZF, Manaus experimentou uma nova fase de
crescimento demográfico, atraindo particularmente migrantes do interior do Amazonas, de outros
Estados das regiões Norte e Nordeste”, possibilitando o aumento crescente e desordenado do
número de habitantes em Manaus. Para tanto, o IBGE (2010) aponta o número de 1.802.525
habitantes na cidade.
De acordo com Pinheiro (2000, p. 53) “boa parte desses migrantes acabava a meio
caminho, engrossando as fileiras de elementos pauperizados que vagavam sem rumo pelas
cidades do cautcho, imprimindo-lhes sua marca, fazendo com que Manaus fosse perdendo um
pouco de sua fisionomia tapuia”.
A capital amazonense passou a sentir os diferentes e crescentes impactos dessa ocupação
irracional. Novos bairros foram surgindo sem nenhuma infraestrutura, sem saneamento básico,
sem água encanada, sem esgotos, sem qualidade mínima de vida e condizente com a condição
humana, conforme mostra a figura seguinte:
Figura 1
Construções Desordenadas às Margens dos Igarapés
Fonte: UGPI, 2011
25
Com a interferência humana de forma inadequada nesses lugares, surgem problemas
como a alteração nas águas dos igarapés, causada por lixo lançado constantemente no seu leito
poluindo-as e tornando-as imprestáveis para qualquer uso. O verde é subtraído dessas áreas,
animais silvestres são extintos, tanto pela perda de seu habitat natural, como pelas queimadas.
Em algumas partes da cidade que foram atingidas por essas ocupações, é possível
percebermos áreas desmatadas que modificam bruscamente o ambiente natural, provocando
alterações climáticas. Surgem as construções de barracos, casebres e outras improvisações de
moradia (palafitas) com alto risco de desabamento devido à construção precária, sem nenhuma
segurança aos moradores. É o que mostra a Figura 2:
Figura 2
Construções Desordenadas com Alto Risco de Desabamento
Fonte: UGPI, 2011
26
A grande maioria das pessoas migra para outro lugar sempre em busca de melhores
condições de vida. Essa população específica vinda não só do interior do Estado do Amazonas,
mas também de outros Estados vão formando na cidade uma espécie de aglomerado humano em
torno de uma área, que geralmente são as calhas de igarapés.
O termo igarapé significa braços estreitos de rios. Os rios, conforme Tocantins (1968),
comandam a vida na região, ou seja, não só são o símbolo maior da região das águas como
também possuem uma função social expressiva na vida dos habitantes locais com suas leis de
enchente e vazante das águas. O rio está instituído no imaginário social como um bem. Como diz
Bachelard (1997, p. 119), “se o sentimento pela natureza é tão duradouro em certas almas é
porque, em sua forma original ele está na origem de todos os sentimentos. É o sentimento filial.
Todas as formas de amor recebem um componente do amor por uma mãe”.
Morar às margens do igarapé é culturalmente significativo na medida em que o regime
das águas está instituído na memória daquelas pessoas. Os rios têm cânones sociais, não só é o
lubrificante do organismo, como também rege as relações sociais.
O autor complementa, afirmando que “a água leva-nos. A água embala-nos. A água
adormece-nos. A água devolve-nos a nossa mãe. [...]. É ao pé da água, é sobre a água que se
aprende a vagar sobre as nuvens, a nadar no céu. [...]. A água convida-nos à uma viagem
imaginária” (BACHELARD, 1997, pp. 136-137).
Os moradores das áreas de igarapés ficam perto da água porque eles lembram dos seus
locais de origem. O rio está muito ligado às suas vidas, imbricado na tríade natureza/ sociedade/
cultura. Para Tocantins (1968, p. 306),
O homem e o rio são os dois mais ativos agentes da Geografia humana
da Amazônia. O rio enchendo a vida do homem de motivações
psicológicas, o rio imprimindo à sociedade rumos e tendências, criando
tipos característicos na vida regional. [...]. Os rios asseguram a presença
humana, embelezam a paisagem, fazem girar a civilização – comandam a
vida no anfiteatro amazônico.
O rio é uma espécie de continuação do viver dessas pessoas na área ribeirinha. É por isso
que, quando o Poder Público local retira as populações das áreas de igarapés, algumas pessoas
acabam voltando para aquelas áreas mesmo vivendo em péssimas condições, porque querem
ficar perto do rio, perto da água.
27
Com isso, a cidade vai engendrando problemas do ponto de vista urbanístico (da sua
estrutura urbana), não só porque os barracos e as palafitas enfeiam a cidade, mas também porque
é gerador de doenças, é algo degradante, a qualidade de vida dessas pessoas fica comprometida,
além dessa população comprometer o meio ambiente sujando as águas, derrubando ou retirando
a vegetação local (a vegetação nativa). São problemas sociais de várias ordens que surgem no
processo de ocupação das áreas degradadas.
Com uma população alcançando o patamar de dois milhões de habitantes, Manaus chega
à posição de sétima cidade mais populosa do Brasil, depois de São Paulo, Rio de Janeiro,
Salvador, Brasília, Fortaleza e Belo Horizonte.
Dos dados oficiais de 1.802,525 habitantes (IBGE / 2010), 50,4% da população são
homens e 49,6% são mulheres; e 99,36% vivem na área urbana e 0,64% na área rural. O
crescimento populacional de Manaus é superior à média das capitais brasileiras, crescendo 10%
acima da média. A maior parte da população encontra-se nas regiões norte e leste da cidade,
sendo a Cidade Nova o bairro mais populoso, com mais de 300 mil moradores. 3
O rápido crescimento populacional de Manaus não foi acompanhado pelos investimentos
em infra-estrutura necessária, nem por controle do uso e da ocupação do solo. A ausência de
políticas de moradia urbana acessíveis, principalmente para as populações de baixa renda,
provocou a aparição de assentamentos informais com moradias precárias e sem titularidade do
solo sobre áreas ambientalmente vulneráveis, como é o caso das margens dos igarapés.
De acordo com Rodrigues (1988, p. 51), “morar é uma das necessidades básicas assim
como comer, vestir. [...]. As quantidades de artigos ou de meios de subsistência que são julgados
necessários em cada período são condicionados historicamente. A moradia, em qualquer período
histórico, é considerada uma necessidade vital”.
A cidade de Manaus é entrecortada por mais de 130 igarapés cuja extensão alcança mais
de 200 km distribuídos em 13 Bacias (Figura 3), abrigando cerca de 800 mil habitantes. As
principais dessas bacias hidrográficas são os igarapés de São Raimundo e Quarenta. Nessa
última, a mais densamente povoada, vivem cerca de 580.000 habitantes ocupando a área mais
antiga e central da cidade.
_________________________________
3
Fonte: <http://www.wikipedia.com.br> Acesso em 15 de agosto de 2011
28
Figura 3 – Bacias Hidrográficas da Cidade de Manaus
Fonte: UGPI, 2011
A área da Bacia Hidrográfica de Educandos é entrecortada por uma vasta rede de
drenagem4. Os canais dos principais igarapés como o Quarenta, Mestre Chico, Bittencourt,
Manaus e Cachoeirinha drenam para o rio Negro, e esses canais, além de alguns outros,
complementam o quadro hidrográfico local (Figura 4).
_________________________________
4
Disposição dos canais naturais de drenagem de uma certa área. Traçado produzido pelas águas que escorrem e
modelam o solo.
29
Figura 4
Hidrografia da Área Urbana da Cidade de Manaus
Fonte: UGPI, 2011
Importante chamar a atenção para o fato de que a expansão da cidade de Manaus, a partir
da segunda metade do século XIX, impulsionada pela economia gomífera, foi um dos fatores
condicionantes da extinção de muitos igarapés5 ou canais6 existentes em Manaus. Os igarapés
representavam um obstáculo ao avanço urbano.
Nessa época conhecida como Belle Èpoque iniciaram as primeiras intervenções nos
igarapés. Com a instalação da Zona Franca de Manaus, na segunda metade do século XX, os
igarapés também representaram um obstáculo, dessa vez não mais por impor limites físicos à
cidade, mas por abrigar nas suas margens os migrantes que vieram para o trabalho na indústria.
_________________________________
5
O termo igarapé vem do Tupiguarani e significa cursos d’água, braços estreitos de rios ou canais existentes em
grande número na bacia da Amazônia.
6
Conduto aberto artificial. Curso d’água natural ou artificial, claramente diferenciado, que contém água em
movimento contínuo periodicamente ou então que estabelece interconexão entre duas massas de água.
30
Silva (2010, p. 149) assinala que “essa cidade continua atraindo migrantes internos, em
sua maioria, do interior do próprio Estado para vários setores da sua economia, porém, com
menor intensidade que em décadas anteriores e, cada vez menos, para a atividade industrial”.
Em nossa pesquisa realizada junto aos moradores do Igarapé do Quarenta, aparecem os
locais de procedência desses moradores, oriundos do interior do Amazonas. O fato instigante é
que esses informantes são jovens (Gráfico 1), adultos e idosos (Gráfico 2), o que mostra ser o
movimento migratório intenso e pujante ainda nos dias atuais. Vejamos os índices estatísticos:
Gráfico 1 Comparado – Local de Nascimento dos Jovens
6
5
4
3
Rapazes
2
Moças
1
0
Manaus
Carauari
Parintins
Maués
Pres. Fig.
Fonte: Pesquisa de campo / 2011
Apesar de a maioria dos adolescentes e jovens aqui entrevistados vir da capital de nossa
cidade, ainda assim, podemos dizer que há uma presença bem expressiva daqueles que são
oriundos da zona interiorana de nosso Estado.
31
Gráfico 2 Comparado – Local de Nascimento dos Adultos e Idosos
5
4,5
4
3,5
3
Homens
2,5
Mulheres
2
1,5
1
0,5
0
Autazes
Maués
Manaus
Itacoatiara
Tefé
Fonte: Pesquisa de campo / 2011
Esse êxodo migratório se justifica, em parte, pelo fato de essas pessoas buscarem
melhores condições de vida na capital. A Zona Franca é responsável por despertar nos habitantes
da região o deslocamento para Manaus, os quais chegam com a ânsia de aqui encontrar uma vida
melhor. Esses migrantes acabam ‘engrossando’ os bolsões de pobreza, morando às margens dos
igarapés (Figuras 5 e 6). A ausência de saneamento básico provocou a poluição das águas e a
exposição dessas pessoas a diversas doenças.
Os igarapés sempre foram considerados áreas sem valor para a especulação imobiliária,
mas não para os migrantes que encontraram neles o lugar “ideal” para suas moradias. Essa
situação aprofundou ainda mais a degradação de seus recursos hídricos.
A ocupação destas zonas de alta vulnerabilidade acarreta grande problema ambiental,
social e urbanístico para a cidade. Gera externalidades negativas para a área central (inundação,
maus odores, mosquitos e roedores) resultando na deterioração e abandono das áreas vizinhas
com a consequente perda de ativos públicos e de valor imobiliário, promovendo a degradação
das edificações e dos espaços públicos nas proximidades.
O processo de ocupação de terras em Manaus é acompanhado pela ação de retirada da
cobertura vegetal nativa. Este procedimento gera uma série de consequências para o sistema
32
ambiental local, aumentando o poder erosivo das águas pluviais nos terrenos pela perda da
proteção natural do solo, tornando-os mais vulneráveis à erosão7.
A retirada dessa cobertura vegetal nativa8 permite a rápida lavagem do material
superficial e consequente carreamento do mesmo para o fundo do vale, causando, muitas vezes,
o assoreamento dos canais de drenagem9.
As cidades constituem-se no palco das relações existentes entre seus moradores e suas
vivências. Homens e mulheres precisam cuidar do ambiente onde se inserem, pois isso
contribuirá para a construção de uma cidade saudável e com a participação de todos.
Figura 5
Palafitas em Lugares Inadequados
Fonte: UGPI, 2011
Figura 6
Barracos às Margens do Igarapé
Fonte: UGPI, 2011
O espaço é uma dimensão universal enquanto que o lugar comporta uma dimensão mais
particularizada. Harvey (2004, p. 222) assinala que “o novo urbanismo deseja pensar as regiões
______________________________________
7
Erosão refere-se ao processo de desagregação do solo e transporte dos sedimentos pela ação mecânica da água dos
rios (erosão fluvial), da água da chuva (erosão pluvial).
8
Cobertura Vegetal Nativa refere-se ao termo usado para designar os tipos ou formas de vegetação natural ou
plantada que recobrem uma certa área ou terreno.
9
Parte das informações aqui apresentadas foi obtida da UGPI (Unidade de Gerenciamento do Programa Social e
Ambiental dos Igarapés de Manaus).
33
como um todo e buscar a realização de um ideal bem mais holístico e orgânico com respeito ao
caráter que podem ter cidades e regiões”. Conforme o autor, esse urbanismo está relacionado ao
fato de se tentar transformar grandes cidades em aldeias urbanas.
O autor chama a atenção para “a figura da cidade como fulcro da desordem social, do
colapso moral e do mal irredimido [...]. Também tem seu lugar no conjunto de sentidos
metafóricos que a palavra ‘cidade’ presentifica em nosso universo cultural” (Ibidem, 2004, p.
207).
E acrescenta:
A cidade é também lugar de ansiedade e de anomia. É o lugar do
estranho anônimo, da subclasse [...], espaço de uma incompreensível
alteridade [...], o terreno da poluição e de terríveis corrupções, o lugar
dos condenados que precisam ser encerrados e controlados, o que torna
‘cidade’ e ‘cidadão’ politicamente opostos na imaginação pública na
medida mesma de sua ligação etimológica (HARVEY, 2004, p. 209).
Ao apresentar algumas falas dos sujeitos de nossa pesquisa, registramos os dados de uma
moradora, de 38 anos, sobre a precariedade dos serviços que são prestados à comunidade: “a
água é encanada. Mas a água vai embora todo dia. A partir das 11 horas da manhã, ela vai
embora, e só chega 4 horas da tarde, 5 horas” (J.D.S.P., entrevista / 2011). E sobre o maior
problema que os moradores enfrentam ela acrescenta:
Bem, o maior problema é a água, né? A gente sofre muito pela água,
porque olha num caso desse, numa quentura dessa você quer tomar um
banho, aí, não tem água. Só tem água parada e essa água parada causa
doença. Então, é difícil. Esse é o problema. (J.D.S.P., entrevista / 2011).
Para Lefebvre (2001) o direito à cidade não se refere apenas à natureza, mas à vida
urbana renovada e transformada. O espaço urbano dentro da perspectiva do direito à cidade é
muito mais amplo do que somente morar na cidade. O direito à cidade tem que estar relacionado
com todos os outros direitos inerentes às necessidades do ser humano.
Conforme Oliveira (2003, p. 30), “compreender o espaço urbano significa identificar não
apenas os mecanismos que colocam em funcionamento o sistema social, mas também as várias
dimensões por meio das quais o sistema social se espacializa na cidade.”
34
A
microbacia do Igarapé do Quarenta comporta uma área com aproximadamente 38 km
de extensão, uma largura média de 6 metros e profundidade média de 50 cm, a qual constitui-se
como a principal formadora da bacia hidrográfica de Educandos, que possui uma área total
aproximada de 4.320 hectares.
A microbacia do Quarenta está localizada entre os paralelos 3º04´16.95” e 03º08´83.51”,
e meridianos 59º55´62.35” e 60º01´31.42”. O seu leito, em relação ao sítio da cidade de Manaus,
corre de nordeste para sudoeste e se encontra com os igarapés da Cachoeirinha e do Mestre
Chico, que juntos formam a bacia hidrográfica de Educandos que deságua no rio Negro10.
A bacia hidrográfica de Educandos, que possui uma área de 44.87 km2, da foz até a Av.
Presidente Castelo Branco, nas proximidades da Av. 7 de Setembro, recebe a denominação de
Igarapé de Educandos, e a partir desse limite até a nascente no bairro do Zumbi, a nordeste da
cidade, é denominada de Igarapé do Quarenta11 (Figura 7).
Figura 7 – Igarapé do Quarenta
Fonte: UGPI, 2011
_________________________________
10 e 11
Ver a esse respeito o livro Cidade de Manaus: visões interdisciplinares, organizado por José Aldemir de
Oliveira et. al (2003).
35
No que se refere à água do igarapé do Quarenta, “a sua característica natural corresponde
aos rios de água preta” (OLIVEIRA e DINELY, 2003, p. 84).
Ao serem perguntados sobre o tempo de moradia na área do Igarapé do Quarenta
obtivemos o seguinte quadro: um morador, de 36 anos, revelou: “morei na margem do Igarapé
do Quarenta por 33 anos”. (R.S.D.S., entrevista / 2011).
Uma outra moradora, de 76 anos, também afirmou ter vivido muitos anos na área do
Igarapé do Quarenta: “Ih, eu morei 37 anos” (M.L.P., entrevista / 2011). Ressaltou o fato de que
antes desse período viveu no interior do Estado, no município de Itacoatiara de onde se deslocou
para Manaus.
Uma outra moradora, de 38 anos, afirmou: “ eu morei lá 35 anos, desde quando eu nasci”.
(J.D.S.P., entrevista / 2011). Conforme Oliveira (2000, p. 191) “o espaço não é um produto
qualquer, mas um produto das relações concretas do homem em sociedade no transcurso de seu
processo de humanização. Este processo ocorre a partir da prática sócio-espacial que o homem
vai construindo ao longo do processo histórico”.
Outra informante de 48 anos revela que morou pouco tempo na área do Igarapé do
Quarenta: “morei três anos”. (M.C.D.C.O., entrevista / 2011). Essa moradora revelou também
que antes desse período viveu no interior do Estado, no município de Maués, seu lugar de
origem.
Observa-se que há uma variação de tempo de moradia às margens desse Igarapé, o que
demonstra o fato de a migração constituir-se num movimento incessante. Manaus recebe
constantemente levas e levas de pessoas. Para Oliveira (2000, p. 126) esse fenômeno demonstra
que “o migrante vem com o sonho da terra, trabalho por conta própria, liberdade e autonomia.
Quando consegue pelo menos a terra reluta em continuar migrando”.
As áreas pesquisadas contém a seguinte infraestrutura: área verde (Figura 8), bancos,
rampas e escadas de concreto, estacionamentos, área de ginástica, praças, área de recreação
infantil, sistema viário, rede de distribuição de água potável, rede de distribuição elétrica de alta
e baixa tensão, sistema de esgotamento sanitário e estação elevatória de esgoto.
Após o processo de revitalização do Igarapé do Quarenta, cada prédio habitacional possui
um bloco com 06, 12 ou com 24 residências. O padrão de habitação em relação ao seu gabarito
só pode chegar até três pavimentos em função da densidade requerida e da capacidade de carga
do solo em que a mesma foi assentada.
36
Figura 8 – Área Verde no Parque Residencial Jefferson Péres
Fonte: Pesquisa de Campo / 2012
O modelo-padrão de construção (Figura 9) corresponde ao modelo de alvenaria
tradicional. As moradias são construídas com material cerâmico adquiridos no local, obedecendo
às normas no tocante ao número e ao tamanho dos cômodos, a saber: dois quartos, uma sala de
estar, uma cozinha, um banheiro e uma área de serviço, a qual dispõe de uma área útil de 54m2.
Figura 9 – Modelo Padrão Habitacional / Bloco com 24 Residências
Fonte: UGPI, 2011
37
Um dado interessante que deve ser registrado é o fato de o Estado do Amazonas, com o
financiamento do BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento, ter implementado uma
política urbanística de revitalização dos igarapés conhecida como PROSAMIM.
O PROSAMIM12 é um programa de intervenção do Estado do Amazonas de revitalização
ambiental e urbana que possui uma atuação direta nos igarapés da cidade. O Programa é voltado
para a resolução de problemas socioambientais na cidade de Manaus com foco na urbanização e
consequente retirada dos moradores das áreas urbanas degradadas do entorno dos igarapés.
O Governo deu início às obras em março de 2006, e já concluiu a primeira fase de suas
ações. Atualmente, encontra-se em fase de assinatura do segundo financiamento para assegurar a
continuidade do Programa no restante da Bacia do Educandos e início da Bacia do São
Raimundo. 13
Esse Programa urbanístico foi concebido mediante uma ampla articulação institucional
envolvendo órgãos estaduais, municipais, federais, o Governo do Estado do Amazonas, o BID
(Banco Interamericano de Desenvolvimento), a sociedade civil organizada e a CEF (Caixa
Econômica Federal).
O ciclo de reassentamento obedeceu as seguintes fases: 1) casa identificada no igarapé; 2)
é realizado um cadastro físico territorial; 3) entrega da documentação do imóvel e de seu titular;
4) reuniões informativas sobre o processo de remanejamento; 5) mudança dos benefícios para a
moradia transitória; 6) visita na obra com beneficiários de Unidade Habitacional; 7) escolha da
unidade habitacional; 8) recebimento do título definitivo da Unidade Habitacional; 9)
recebimento da chave da casa nova; e, 10) acompanhamento de pós-ocupação nos Parques
Residenciais.14
O financiamento de recursos do BID para a área urbana em nosso país é pautado na
diretriz do desenvolvimento dos chamados países emergentes, como é o caso do Brasil.
Dentre os Planos e Programas apresentados no EIA/RIMA do PROSAMIM, estão o
Plano de Reassentamento, Desapropriação e Readequação; Programa de Controle de Processos
Erosivos; Programa de Controle de Vetores; Programa de Educação Ambiental (PEA); Plano de
________________________________
12
Em 14 de abril de 2005, por meio da Lei-Delegada nº. 2, o Governo do Estado do Amazonas criou o Programa
Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus (PROSAMIM). E, em 29 de julho de 2005, por meio da Lei-Delegada
nº. 57 foi criada a Unidade de Gerenciamento do PROSAMIM - a UGPI.
13 e 14
Parte das informações aqui apresentadas constam do RIMA (2004) do PROSAMIM e UGPI (2011).
38
Contingência para Situação de Incêndios, Plano de Contingência de Enchentes, dentre vários
outros.
O Programa pretende promover o saneamento, o desassoreamento e a utilização racional
do uso do solo às margens dos igarapés, associada tanto à manutenção do desenvolvimento
socialmente integrado e do crescimento econômico ambientalmente sustentável.
Algumas áreas sofrerão a intervenção direta do Programa – Área de Influência Direta
(AID) – que são aquelas em que se darão a maioria das intervenções, em especial as soluções de
engenharia para macro e micro-drenagem, água e esgotamento sanitário, sistema viário,
habitação e urbanismo. 15
Para Oliveira (2003, p. 29),
O processo de produção da paisagem urbana é contínuo e descontínuo no
espaço e no tempo. O contínuo-descontínuo afeta as relações sociais que
se concretizam em espacialidades. Ao longo do processo de
desenvolvimento urbano, algumas formas desaparecem, outras se
transformam e/ou são recuperadas, passando a ter novos conteúdos,
embora não percam algumas das características pretéritas.
Distingue-se na Bacia Hidrográfica de Educandos duas unidades de ocupação urbana: dos
bairros densamente povoados e a do Distrito Industrial de Manaus. A Bacia contém uma área
onde se concentra a maior parte das atividades industriais da cidade, predominantemente no
Distrito Industrial, na área da Suframa, estendendo-se até os bairros de Educandos, Colônia
Oliveira Machado e Japiim.
Com a implantação do Programa, estão sendo beneficiadas diretamente aproximadamente
21.326 famílias ribeirinhas, totalizando cerca de 102.365 habitantes. Deste universo, cerca de
35.827 habitantes moram em situação de alto risco. De forma indireta, toda a população da Bacia
do Educandos ganhará em qualidade de vida com a melhoria das condições ambientais, sanitárias
e urbanísticas. Este ganho será extensivo aos habitantes de Manaus que passarão a usufruir de
uma cidade mais humanizada. 16
_________________________________
15 e 16
Parte das informações aqui apresentadas consta do RIMA (2004) do PROSAMIM e UGPI (2011).
39
O Programa estimula a participação da comunidade como uma estratégia no campo social
para assegurar o bem-estar e a melhoria da qualidade de vida da população que mora no entorno
dos igarapés de Manaus. A participação da comunidade ocorre em forma de consulta pública
como ação direta.
Um morador, de 55 anos, ao ser inquirido sobre sua condição de moradia no Igarapé do
Quarenta antes da atual reforma urbanística, relatou que “lá era muito difícil. Nós morávamos
num beco muito pequeno, muito feio. O Igarapé era horroroso, cheio de bichos e próximo a uma
bocada de fumo, uma boca de fumo. Horrível. É, nisso foram 48 anos nesse sofrimento” (A.F.L.,
entrevista / 2011).
Para uma mulher moradora, de 38 anos, quando solicitada a falar sobre como era a sua
vida social antes de morar no Igarapé do Quarenta com a atual reforma urbanística, ela
respondeu: é “a mesma coisa como daqui. Não mudou nada pra mim. (J.D.S.P., entrevista /
2011).
Já para uma mulher, de 49 anos, falar sobre seus tempos idos e vividos no Igarapé do
Quarenta antes da reforma atual significa não apenas lembrar do espaço dividido, mas também
de seus amigos de vizinhança, com os quais partilhava o ambiente, as esperanças, as ilusões e as
desilusões. Vejamos: “lá era bom. A vizinhança, todo mundo era unido. E o espaço não tinha
muito não. Tinha uma casinha uma do lado da outra” (E.F.R., entrevista / 2011). De acordo com
Morin (2009, p. 51),
A compreensão humana nos chega quando sentimos e concebemos os
humanos como sujeitos; ela nos torna abertos a seus sofrimentos e suas
alegrias. Permite-nos reconhecer no outro os mecanismos egocêntricos
de autojustificação, que estão em nós, bem como as retroações positivas
que fazem degenerar em conflitos inexplicáveis as menores querelas.
A percepção e a representação dos moradores adultos aparecem de formas distintas. É
notável perceber que, ao relatarem esses fatos, sempre se mostraram muito envolvidos com um
passado que se distancia há alguns anos. Para alguns deles, foram bons e velhos momentos
vividos juntos aos seus familiares, vizinhos e amigos.
Para Santos (2006, p. 41), “a cultura passa, assim, a ser entendida como uma dimensão da
realidade social, a dimensão não material”. Essa realidade social pode ser vista aqui como o
relato desses moradores composto por diversos fragmentos lembrados e constituintes de uma
40
história individual e em coletividade.
Todos temos memórias recentes ou antigas sobre um lugar. É um exercício de lembrar de
fatos pretéritos juntamente com uma relação subjetiva entre o que vivemos e o que guardamos
conosco. A memória aparece como uma construção feita pelo sujeito a partir de coleções de
fatos, acontecimentos e experiências vivenciadas, que auxiliam nas recordações de vida.
Nora (1993, p. 9), assinala que “a memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto,
na imagem, no objeto”. E, assim, ela é composta de pontos de referência que são ao mesmo
tempo materiais e simbólicos. A memória social sustenta-se nas lembranças coletivas permitindo
sua transmissão. Essa memória é também simbólica porque contém acontecimentos e
experiências vividos.
Sem dúvida ainda há muito para Manaus tornar-se uma cidade completamente
desenvolvida, sobretudo no que diz respeito à qualidade de vida de sua população. Porém, não
podemos deixar de reconhecer seu crescimento, saltos urbanísticos e infraestruturais importantes
nos últimos tempos.
41
1.2 - Os clichês e estereótipos dirigidos às mulheres na formação social da
Amazônia
Ao longo de toda a história da humanidade as mulheres vêm ocupando um lugar de
subalternidade em relação ao do homem, embora esta relação venha passando por significativas
mudanças nos últimos tempos.
A discriminação de gênero marca a distinção entre o que é feminino e o que é masculino,
separando a mulher e o homem em distintos papéis e lugares sociais, a ponto de a sociedade
passar a produzir estereótipos, clichês e estigmas em relação à mulher.
A palavra estereótipo vem do termo grego stereos que significa sólido. Ela funciona
como um discurso social, uma opinião pronta que é amplamente difundida, renovada, atualizada
e solidificada a cada nova situação de uso. É um lugar comum, ou ainda, um clichê. Existem,
pois, os estereótipos verbais e os estereótipos visuais que se fortalecem por meio de um sistema
de estereotipia.
Antes, o estereótipo era usado para denominar a placa gravada sobre o metal para a
impressão de imagens e textos por meio de prensa tipográfica. Se até o início do século XX a
composição era feita através de caracteres móveis, a partir dessa data surge um novo processo de
reprodução em massa no qual o clichê ou estereótipo utiliza um modelo fixo.
O fato desse termo ter sido tomado aleatoriamente como um pensamento que foi se
solidificando ao longo do tempo, e talvez por isso ter-se distanciado do que era real e verdadeiro,
fez com que fosse entendido como elemento falseador e pernicioso para as relações sociais.
Desta feita, o termo estereótipo assume uma conotação pejorativa, já que remete a um conceito
falso que generaliza uma crença desprovida de senso crítico, verdadeiro e sério. A noção de
estereótipo pode variar de acordo com diferentes pré-noções estabelecidas e instituídas por
sociedades específicas, e também, de acordo com o ponto de vista adotado.
A situação da mulher na sociedade é produto de elaboração social em momentos
históricos distintos. Essa elaboração depende de cada cultura e da formação social de cada
sociedade. O padrão de dominação masculina tem contribuído para a reprodução de vários
clichês e estereótipos dirigidos às mulheres.
Consolidados pelo uso e marcados por convenções os clichês e estereótipos significam
42
uma representação fixada e utilizada por uma coletividade que depende, de certa forma, dessas
representações para interagir com o outro nas relações sociais. Os clichês e estereótipos circulam
e são transmitidos pelas mais diversas fontes de interação, tais como: igreja, família, local de
trabalho, círculo hierárquico, na literatura, na religião, na política, nas ciências dentre outros.
Todas essas instituições atuam como agentes reprodutores de discriminação e preconceito agindo
na consolidação, e até mesmo, numa possível alteração dos clichês e estereótipos.
No período colonial, os conquistadores fizeram uso de estratégias de colonização
baseadas na atividade produtiva extrativista e na exploração de recursos humanos, no caso os
indígenas, subordinando-os, escravizando-os e criando uma aura ao redor desse segmento
humano carregada de preconceito, clichês e estereótipos. A colonização não é apenas a
dominação e a conquista de territórios, é principalmente, uma relação de dominação de corpos e
de pensamentos.
Botânicos, biólogos, zoólogos, astrônomos, agrônomos assumiram a função de cronistas a
partir do século XVI, e tinham a incumbência de produzir conhecimentos a partir de informações
colhidas em campo. Seus propósitos eram produzir uma história natural por meio da descrição
do meio físico, da fauna e da flora locais. Deveriam também recolher informações sobre os
habitantes dessas paragens com descrição de hábitos, costumes, crenças, ritos e modos de vida
dessa população.
Partindo de conceitos e de juízos de valores próprios dos europeus e das ciências naturais,
os cronistas passaram a escrever e narrar fatos não verossímeis, transmitindo a seus leitores
ideias falsas e práticas selvagens sobre os povos que habitavam a Amazônia.
Esses viajantes recorreram também a distintas formas de coletas de material etnográfico e
icnográfico, além de observações diretas, discursos dos nativos, transcritos segundo seus
interesses próprios, perfazendo um apanhado geral de informações sobre a nova terra, o novo
mundo e seus habitantes. Esse olhar é carregado de preconceito e estereótipo que acabaram
criando estigmas e marcas indeléveis à imagem dos nativos desta região.
Esses viajantes traziam consigo um domínio cristalizado de ideias, fatos, juízos e
avaliações. É assim que, ao realizarem suas análises sobre os habitantes da região, imprimiam
preconceitos étnico e de gênero em seus relatos. Este último dirigido às índias.
Homens e mulheres não eram vistos como sujeitos centrais da Amazônia, mas como “um
elemento acoplado à natureza, um ser sem alma, sem consciência, sem história, uma espécie de
43
duende imiscuído na natureza” (TORRES, 2005).
O determinismo geográfico que apontava o clima da região como fator condicionante
para tornar os homens e as mulheres da região preguiçosos e indolentes, serviu de pretexto para
construir uma imagem distorcida dos povos nativos como seres selvagens e lascivos sexuais.
A historiografia sobre a conquista da região dá conta de que a expedição de Gonzalo
Pizarro partiu de Quito no ano de 1541 rumo às regiões conhecidas como Província da Canela.
Mas, devido a toda sorte de perigos e situações de diversas ordens encontradas pelo caminho
Pizarro não conseguiu lograr êxito em sua missão de conquistador do território que mais tarde
teria a denominação de Amazonas.
Um dos problemas enfrentados pela expedição de Pizarro foi o fim das reservas de
mantimentos para prover sua tripulação. A solução encontrada foi enviar uma tropa com 59
homens confiados ao capitão Francisco de Orellana. Esse grupo de espanhóis não teve como
retornar ao local da expedição de Pizarro devido a correnteza do rio Amazonas. Orellana
conseguiu socorro alimentício nas tribos indígenas próximas e seu grupo acabou transformandose na expedição conquistadora do Amazonas.
Frei Gaspar de Carvajal que fazia parte desse grupo como cronista da expedição,
registrou que numa pequena aldeia indígena do cacique Aparia Maior a tropa foi abastecida de
papagaios, pescados e tartarugas para dar prosseguimento à viagem. Esse relacionamento cordial
com os índios era necessário, pois além do quesito sobrevivência da tropa, ia ao encontro dos
interesses ibéricos a fim de abrir caminho para a implantação da colônia na região17.
Muitas aldeias não viam com bons olhos a chegada desses espanhóis e muniam-se para
defender seus territórios contra suas invasões, atacando-os com grandes frotas de canoas e por
terra. E foi num desses vários conflitos contra os indígenas que Carvajal narra afirmando que a
tropa de Orellana teria se confrontado com as índias guerreiras, transformadas por eles em
amazonas, as quais lutavam com arcos e flechas.
O mito das amazonas migrou do Velho para o Novo Mundo, já que a alta antiguidade
baseada nas elaborações de Homero dá conta da existência dessas amazonas. Esse mito foi
redimensionado encontrando uma nova realidade que se apresentava aos europeus. E no tocante
às amazonas, o cronista Carvajal narra o ataque dando vitória aos homens da tropa de Orellana,
________________________________
17
Ver a esse respeito o artigo de Auxiliomar Silva Ugarte, no livro Os senhores dos rios (2003).
44
numa flagrante elaboração machista com base no patriarcalismo. De acordo com Torres (2005, p.
46), mesmo essas mulheres sendo em número muito superior, bem habilidosas no combate,
fortemente armadas com arco e flecha e bem nutridas, ainda assim, o cronista afirma que elas
tombaram no combate.
A repercussão da saga de Orellana ecoou pela Europa e repercutiu em seus círculos
cartográficos. As imagens sobre a Amazônia contada pela tropa de Orellana na viagem realizada
no período de 1541 a 1542 eram apresentadas em diferentes mapas com desenhos ou imagens
que retratavam (segundo uma visão eurocêntrica) a região amazônica. No ano de 1544 o
cartógrafo italiano Sebastião Caboto confeccionou um mapa que ilustrava toda a bacia do rio
Amazonas, a partir do que foi relatado por Orellana: uma clássica e fantasiosa odisséia de
combate entre a tropa de Orellana e as guerreiras amazonas18.
Nos anos seguintes por meio de representações em mapas pintados segundo a visão
desses europeus, a região amazônica passou a ser mais conhecida pelos europeus. Por meio de
uma recriação social forjada os europeus tingiam a realidade com os tons que lhes eram
convenientes.
Os europeus quando aportaram na região se defrontaram com novos costumes e práticas
que para eles eram estranhas. Passado o primeiro estranhamento, começaram a difundir para o
mundo as práticas indígenas de modo sempre mais vultoso servindo-se do exagero como
elemento falseador da realidade. As mulheres indígenas foram rotuladas como pervertidas
sexuais e seres de extrema luxúria com desregramentos sexuais.
Esse termo luxúria era uma expressão comum usada em relação aos índios, e
principalmente às mulheres indígenas, porque segundo os relatos dos viajantes os nativos
cometiam todos os tipos de pecado carnal. De acordo com Raminelli (1997, p. 42),
A teoria da degeneração refere-se às comunidades ameríndias como um
todo. Mas como explicar o fato de que a degeneração retratada pelos
observadores do cotidiano indígena recaía mais sobre o grupo feminino,
e principalmente, sobre as velhas? Para retomar a discussão em torno da
consideração do sexo feminino, é importante lembrar a misoginia da
tradição cristã. No final do século XVI, vários teólogos reafirmavam que
________________________________
18
Ver a esse respeito o artigo de Auxiliomar Silva Ugarte, no livro Os senhores dos rios (2003).
45
o sexo oposto era mais frágil em face das tentações por estar repleto de
paixões vorazes e veementes. No entanto, esse sentimento em relação ao
sexo oposto não era característica apenas dos teólogos quinhentistas e
seiscentistas [...]. Desde Eva, as tentações da carne e as perversões
sexuais surgem do sexo feminino. Os eruditos do final da Idade Média
partem comumente da falta de autocontrole para explicar as perversões
sexuais das mulheres.
Além de preconceitos e estigmas que foram elaborados contra o indígena, mas
principalmente contra a mulher índia pelos viajantes, destaca-se notadamente o grande teor de
preconceito e estereótipo que recaíam sobre as mulheres mais velhas. Elas foram apontadas
como elemento de perversão sexual e perdição por serem membros de etnias que exerciam a
prática do canibalismo. Para Raminelli (1997, p. 12), essa mancha de preconceito recaía sobre
“os estereótipos ligados às velhas canibais, pois foram elas as que mais despertaram a
curiosidade dos viajantes e missionários nos séculos XVI e XVII”.
Essa prática do canibalismo, presente em apenas algumas nações indígenas, foi
amplamente divulgada pelos europeus como prática realizada por seres irracionais, vista como
prática erótica e abominável. O que ficava bem claro nessas descrições era que elas recaíam
somente sobre as mulheres indígenas mais idosas.
Alguns missionários como Yves d’Evreux ao fazerem seus relatos e descrições sobre os
indígenas, destacavam a suposta fragilidade moral presente nas mulheres índias por andarem sem
roupas, completamente nuas. Afirmavam que os corpos nus das índias provocavam a libido, a
luxúria e a lascívia nos homens, considerando que essa sexualidade estava fortemente marcada
pelo paganismo.
De acordo com Raminelli (1997, p.11) “o cotidiano feminino entre os tupinambá pode ser
vislumbrado a partir dos relatos de viajantes que observaram a cultura indígena no Brasil
colonial”. Ainda no século XVII, havia na Europa uma literatura antifeminista, marcada por uma
profunda hostilidade e preconceito.
Havia entre os viajantes muita confusão e contrariedade ao retratar os indígenas, seus
hábitos, costumes e crenças. Isso aparece nitidamente na consideração de Raminelli (1997, p.
11), a saber:
É preciso antes considerar que os viajantes adotavam uma perspectiva
típica da tradição cristã, pouco se preocupando com as particularidades
dos habitantes do Novo Mundo; viam os tupinambá pelo viés europeu,
46
que estranhava, julgava e por vezes reavaliava os próprios valores. Nas
terras do além-mar, os costumes heterodoxos eram vistos como indícios
de barbarismo e da presença do Diabo; em compensação, os bons hábitos
faziam parte das leis naturais criadas por Deus. [...]. A cultura indígena
foi descrita a partir do paradigma teológico e do princípio de que os
brancos eram os eleitos de Deus, e por isso superiores aos povos do novo
continente.
Os indígenas foram considerados escravos naturais pelos cronistas e colonos desde o
século XVI, por possuírem uma imagem carregada de clichês e estereótipos negativos e
depreciativos, como selvagem, criatura perigosa, bestial, de inteligência limitada. Os discursos
apresentados sobre os índios ficaram presos aos interesses gerais da colonização e dos
missionários. Para Raminelli (1997, p. 12),
Representar os índios como bárbaros (seres inferiores, quase animais) ou
demoníacos (súditos oprimidos do príncipe das trevas) era uma forma de
legitimar a conquista da América. Por intermédio da catequese e da
colonização, os americanos podiam sair do estágio primitivo e alcançar a
civilização.
As mulheres na visão dos cronistas carregavam o peso moral de reunir os piores
predicados frente aos europeus. A depreciação física e moral recaía sobre as velhas por serem
apontadas como seres antropofágicos, sujas e descuidadas, firmava o preconceito contra a mulher
muito mais exacerbado em relação à mulher índia do que ao homem indígena.
Já as mulheres brancas representavam a pureza, a castidade, baseado no modelo da
Virgem Maria. No final do século XIV até meados do século XVIII, o Tribunal da Santa
Inquisição deflagrou guerra às mulheres, era a época de caça às bruxas. Bruxas ou feiticeiras
eram aquelas mulheres, como afirma Perrot (2008, p. 88), “sem vínculo com as ordens religiosas,
essas mulheres não eram submetidas a qualquer controle e por isso consideradas perigosas. A
Inquisição as perseguiu”.
A missão do Santo Ofício da Inquisição chegou a Amazônia no século XVIII, na época
da expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal. Com a caça às bruxas e feiticeiras a
sexualidade feminina praticamente desapareceu, pois o conhecimento tradicional que essas
mulheres dispunham ficou na clandestinidade. Como esclarece Foucault (1979, p. 236), “a
sexualidade não é fundamentalmente aquilo de que o poder tem medo; mas de que ela é, sem
dúvida e antes de tudo, aquilo através de que ele se exerce”.
47
As práticas de canibalismo presentes na cultura de algumas etnias causou forte
estranhamento aos europeus que imediatamente as associaram à práticas perversas e demoníacas.
Justificavam a sua ‘superioridade’ como povos eleitos por Deus e de tez clara, em confronto com
a pele morena dos nativos da região.
As práticas distorcidas dos fatos reais serviam para justificar os interesses de conquista e
de cristianização dos nativos. Ou seja, essas práticas tidas como selvagens e demoníacas na
Europa constituíam a malha de interesses das nações brancas voltados para a colonização e a
evangelização do homem e da mulher nativos do Novo Mundo.
O missionário João Daniel (2004, p. 263) denuncia o eurocentrismo afirmando que
“houve europeus que chegaram a proferir que os índios não eram verdadeiros homens, mas só
um arremedo de gente, e uma semelhança de racionais; ou uma espécie de monstros, e na
realidade geração de macacos com visos de natureza humana”.
Também Gambini (2000, p. 166), ao discutir o nascimento da alma brasileira assinala
que,
A alma brasileira nasce, portanto, de uma projeção cruzada. A projeção
portuguesa, que tinha dois aspectos: a percepção do litoral baiano como o
Paraíso terrestre e a dos índios como filhos do Demônio e encarnação do
mal [...]. Fiel à tradição do Gênese, Adão índio será captado pelo olhar
português projetivo, como um trabalhador braçal à espera de feitores e
essa Eva nativa, como um objeto gratuito de desejo. Adão corta paubrasil e Eva, por via de estupro, sedução ou mesmo entrega voluntária, é
apropriada como mulher.
Os colonizadores portugueses, para estruturarem seu sistema de exploração colonial,
consideraram homens, mulheres e crianças indígenas como selvagens, sem alma, e mera mão de
obra a ser usada para o trabalho rude e pesado. A política do Marquês de Pombal (Sebastião José
de Carvalho e Melo), datada de 1750 a 1777, embalada pelas teses do Iluminismo, sobrepôs o
papel do Estado sobre a evangelização cristã. Na esfera de abrangência das querelas entre Estado
e Igreja, Marquês de Pombal estabelece uma política econômica que subordinou os
empreendimentos das ordens religiosas às políticas do Estado.
Para Pombal a consolidação do domínio português nas fronteiras do Norte e do Sul teria
de passar pela integração das populações indígenas à civilização portuguesa, por isso foram
tomadas diferentes medidas como a extinção da escravização dos indígenas e o grande incentivo
48
para o casamento entre brancos e índias, como forma de Portugal se apropriar da região a partir
do caldeamento entre o sangue português e o índigena.
A construção da imagem da mulher amazonense carregada de estigmas, estereótipos e
clichês se apresenta, sobretudo nesse período da política pombalina. É o período em que é
elaborada a imagem da amazônida como mulher fácil e lasciva sexual (TORRES, p. 23, 2005).
Essa problemática étnica e de gênero traz à tona os preconceitos historicamente arraigados e
difundidos contra a mulher amazonense, inserindo-a num plano de inferioridade social.
No período colonial firmou-se de forma exacerbada a desigualdade social com o domínio
exclusivo de uma única classe (a elite rural), de uma única raça (a branca) e de um único gênero
(o masculino). De acordo com Scott (1991, p. 04),
O gênero se torna, aliás, uma maneira de indicar as ‘construções sociais’
– a criação inteiramente social das ideias sobre os papéis próprios aos
homens e às mulheres. É uma maneira de se referir às origens
exclusivamente sociais das identidades subjetivas dos homens e das
mulheres. O gênero é, segundo essa definição, uma categoria social
imposta sobre um corpo sexuado.
A partir da segunda metade do século XVIII tem início a mistura do sangue português
com o sangue indígena com o intuito de povoar a Amazônia. Para Torres (2005, p. 73), “o
comércio sexual foi a estratégia sexista encontrada pelo poder local para povoar a Amazônia,
atendendo, assim, tanto aos interesses da Coroa em se apossar o mais rápido possível da região,
quanto da Igreja em expandir a sua base católica no novo território”.
A Coroa portuguesa promovia o casamento entre os brancos portugueses e as mulheres
indígenas, premiando esses homens com sesmarias e outras condecorações pelo fato de ter
contraído casamento com a mulher índia. A Coroa portuguesa precisava de um instrumento que a
legitimasse no poder e, como Portugal estava sem condições de expandir a colonização, já que
sua população era em número bem reduzido, uma política indigenista tornava-se fundamental.
Essa política de caldeamento imposta pelo Diretório, expedido por Francisco Xavier de
Mendonça Furtado (meio irmão do Marquês de Pombal) no ano de 1757, e aprovado em 1758,
tornou-se o instrumento mais importante do projeto de colonização.
Esse era um instrumento fortalecedor do domínio de Portugal na região de forma direta, e
não para promover a integração dos indígenas na sociedade colonial. A discriminação étnica
49
continuava a ser o forte divisor de águas entre os brancos europeus e os índios ameríndios.
Conforme Torres (2005, p. 67), “a discriminação contra a região é expressa de modo amplo em
relação à renda, educação, estilos de vida e outros indicadores da situação humana local. Mas é
principalmente sobre a sua condição étnica que recai mais facilmente os pejos da discriminação”.
Há um enorme peso discriminatório que recai sobre a imagem da mulher amazonense,
funcionando como um tipo velado de violência. Isso pode explicar o fato de algumas mulheres
terem receio, reservas ou vergonha de falar sobre sua ascendência indígena. Nos vários períodos
históricos da formação social da Amazônia, percebemos claramente o cunho sexista de
discriminação das mulheres desta região.
A pesquisa realizada junto aos moradores do Igarapé do Quarenta mostra a diferenciação
entre a fala de homem e a fala de mulher. Uma entrevistada afirma que “homem fala mais gíria.
Mulher não. Mulher é mais delicada”. (R.S.D.S., 21 anos, entrevista / 2011). Uma outra
moradora, de 19 anos, afirma que “o tom de voz do homem é mais alto”. (L.P.D.L., entrevista /
2011). Fica explícito na fala dessas moradoras que as falas de homens e mulheres são diferentes
pelo timbre de voz, e também pelo tipo de discurso utilizado por ambos.
Um adolescente do sexo masculino, de 14 anos, diverge desse ponto de vista. Ao ser
indagado se homens e mulheres dentro de sua casa falam do mesmo modo ele respondeu o
seguinte: “não, as mulheres falam mais alto. Mulher é mais grosseira”. (J.L.D.S., entrevista /
2011). Esse fato está diretamente relacionado ao fato de que na casa dele é a mãe quem exerce o
controle da casa e dos moradores, e para ser ‘respeitada’ por todos os filhos e pelo companheiro
ela fala mais alto que todos quando quer impor alguma coisa. Para Perrot (2008, p. 48), “a dona
de casa e mães de família muito grandes dispõem de influência e poderes que sabem como usar”.
Indagados sobre se há diferença no modo de falar dos jovens em relação à fala de seus
pais, um informante adolescente de 15 anos, afirmou que “tem. Ah! A diferença é que o falar
deles tá certo, e o meu não. É diferente”. (K.P.D.C., entrevista / 2011). Já para uma outra
entrevistada, de 19 anos, a distinção acontece da seguinte forma: “tem. No uso da gíria. Que o
jovem usa muitas gírias e os pais não” (L.P.D.L., entrevista / 2011).
Uma informante de 19 anos, ao ser indagada se há discriminação em relação a meninos e
meninas, afirma categoricamente que “existe. Há certos lugares que os homens não deixam as
mulheres entrar. E no futebol também, eles não deixam. Existe discriminação” (L.P.D.L.,
entrevista / 2011). Depreende-se da fala dessa moradora que o pejo discriminatório ocorre com
50
relação à demarcação de espaços considerados masculinos e outros femininos. Para Moreno
(1999, p.29),
De todas as possíveis formas de atuação, cada sociedade elege algumas
que constituem seu modelo e que vão se formando e transmitindo ao
longo de sua história, ficando rigidamente estabelecidas como normas ou
modelos de conduta. Estes padrões ou modelos não são os mesmos para
todos os indivíduos; existem uns para o sexo feminino e outros para o
masculino, claramente diferenciados.
O que a autora discute vai ao encontro do que a informante acima revela sobre a conduta
tipicamente masculina e machista de alguns homens em demarcar espaços, na tentativa de
procurar demonstrar uma separação de condutas, subjugando as mulheres. Isso nos remete a um
debate sobre cultura enquanto elemento constitutivo e constituinte das relações de gênero em
todos os tempos.
51
1.3- A cultura como elemento construtor das relações de gênero
O conceito de cultura é polissêmico, inexiste uma única definição. Ou seja, não existe
unanimidade em torno do tema. Para Morin (2004, p. 47) “conhecer o humano é, antes de mais
nada, situá-lo no universo, e não separá-lo dele. Todo conhecimento deve contextualizar seu
objeto para ser pertinente”. A cultura como sistema integrado ao conhecimento pode ser
compreendida a partir dessa figura apresentada por Morin (2008, p. 19).
Figura 10
Cultura Como Sistema Integrado ao Conhecimento
Cultura
conhecimento
Fonte: Edgar Morin. O método 4 (2008).
Morin (2008, p. 19) considera a cultura um elemento interligado. Ou seja,
A cultura, que caracteriza as sociedades humanas, é organizada /
organizadora via o veículo cognitivo da linguagem, a partir do capital
cognitivo coletivo dos conhecimentos adquiridos, das competências
aprendidas, das experiências vividas, da memória histórica, das crenças
míticas de uma sociedade. Assim se manifestam ‘representações
coletivas’, ‘consciência coletiva’, ‘imaginário coletivo’. E dispondo de
seu capital cognitivo, a cultura institui as regras / normas que organizam
a sociedade e governam os comportamentos individuais [...]. Cultura e
sociedade estão em relação geradora mútua. Nessa relação, não podemos
esquecer as interações entre indivíduos, eles próprios portadores /
transmissores de cultura, que regeneram a sociedade, a qual regenera a
cultura.
52
Há uma relação circular na qual cultura e sociedade são indissociáveis na medida em que
um estabelece uma relação de inter-dependência mútua com o outro. Morin (1977, p. 76) indaga
se “há algum sentido na cultura que unifica suas acepções tão diferentes. Haveria um sentido da
cultura que, fugindo à definição totalizante e à definição residual entre as quais ela oscila,
explicasse uma e outra?” Como resposta a essas indagações podemos dizer que existem duas
abordagens explicativas para o caráter geral da cultura: a primeira visa associar a cultura a
estruturas bem organizadas; e a segunda visa reconduzi-la a um plasma existencial.
Cada uma dessas abordagens ou filosofias coloca ênfase em uma dimensão essencial da
cultura. No entanto, a problemática da cultura é deslocada por sua oposição repulsiva. Para
Morin (1977, p. 77), “se é preciso encontrar um sentido na noção de cultura, é sem dúvida o que
ligaria a obscuridade existencial à forma estruturante”.
Para o autor, “a cultura deve ser considerada como um sistema que faz comunicar uma
experiência de uma existência e um saber constituído” (IBIDEM, p. 77). Isto é, a cultura faz
parte de uma zona obscura e metabolizante, algo que está em constante transformação, algo em
movimento contínuo e incessante.
Trata-se de um aspecto de mutação contínua funcionando como um dispositivo, acionado
de acordo com os interesses em presença. Em nome da cultura, justificam-se interesses espúrios
como o machismo e a violência contra a mulher no contexto indígena.
Nessa zona obscura, há a presença de elementos biopsicossociais que compõem o saber
constituído e a cultura. Os indivíduos se constituem pela dinâmica causadora de acontecimentos
no cotidiano de uma sociedade específica. A vida constitui-se de momentos decorrentes de
elementos ligados ou relacionados a ideias, crenças, práticas sociais, que dão expressão à vida
em comunidade.
Sobre essa vida em comunidade trazemos a fala de uma informante indagada sobre quem
deve ser o responsável por administrar o dinheiro da família, se o homem ou a mulher, ela
revelou que “quem deve cuidar é a mulher, né? Porque é a mulher que sabe o que tá faltando em
casa, o que ela vai pagar, o que ela vai comprar” (D.G.F., 82 anos, entrevista / 2012).
Sobre isso Sarti (2011, p. 72) pontua que são essas “atribuições masculinas e femininas”
que vão estabelecer e providenciar o cumprimento das relações entre o homem e a mulher dentro
da casa.
Morin (1977, p.78) então apresenta um esquema representativo denominado “Sistema
53
Cultural” da seguinte forma:
Figura 11
“Sistema Cultural”
EXISTÊNCIA
CÓDIGO
ZONA
OBSCURA*
PADRÕES
SABER
* Zona obscura antropo-cosmológica
Fonte: Edgar Morin. Cultura de massas no século XX. Vol. II (1977).
A cultura é afirmada sendo a vida social. Todos os gêneros humanos têm seu lugar na
sociedade. Os seres humanos, em sua ontologia, são produtos e produtores da cultura. Nesse
processo de hominização, homens e mulheres passam a ser integrantes de um grupo, de uma
coletividade, de uma sociedade, cuja sociabilidade é construída por relações sociais objetivas e
subjetivas.
A cultura de um povo é formada pelo conjunto de suas práticas sociais, dos objetos e dos
métodos elaborados; das normas, dos códigos e das suas verdades construídas. Isso quer dizer
54
que deve haver aceitação coletiva desse conjunto cultural regente dos homens e das mulheres na
mesma sociedade.
A estrutura sociocultural dos moradores do Igarapé do Quarenta assenta-se em valores
associados à família e ao trabalho. O diálogo em família, as conversas entre pais e filhos, mesmo
sendo práticas comuns para a maioria dos sujeitos de nossa pesquisa, não se dão fortemente e
amplamente no aspecto emocional.
Os sistemas de símbolos dos moradores desta localidade significantes e norteadores da
maioria das conversas em família estão voltados para assuntos como trabalho, religião,
prostituição, escola, estudo, marginalidade, doenças, futuro, drogas19. Os temas mais recorrentes
são estudo, trabalho e drogas.
Um sujeito questionado sobre a educação recebida de seus pais e a dada à suas filhas,
revelou o seguinte: “meu pai era muito severo. Então, eu espero que minhas filhas hoje não
sejam como, infelizmente, muitas aí que se jogam na droga, na prostituição, entende? Então, a
gente tenta. A gente tá mostrando. Quando passa na televisão, diz: olha minha filha você tá
vendo? Entendeu?” (J.A.B., 65 anos, entrevista / 2012).
Para Morin (2007, p. 37), “a linguagem é a encruzilhada essencial do biológico, do
humano, do cultural, do social”. É também por meio da linguagem que o ser humano, enquanto
indivíduo, expressa o que pensa e como age.
Uma informante de nossa pesquisa inquirida a falar sobre os grandes desafios e
dificuldades enfrentados pela comunidade destaca que:
É droga, muita droga de noite aqui. Venha passear aqui de noite pra ver.
Dia de sexta-feira, então. Quando chega a polícia corre todo mundo,
desaparece. Parece assim, um vento. Suh!!!! Some tudo, se enxergarem a
polícia. Agora até tá bom, porque a polícia tá vindo de carro particular,
né? Quase toda noite eles tão encostando aí (M.L.P., 76 anos, entrevista /
2011).
Como afirma Morin (2009, p. 40), “o ser humano nos é revelado em sua complexidade:
ser, ao mesmo tempo, totalmente biológico e totalmente cultural”. A vida dos moradores
pesquisados comporta uma multiplicidade de elementos existenciais próprios da condição huma_________________________________
19
Apesar de esses temas serem instigantes, eles não serão desenvolvidos e analisados aqui porque não constituem o
foco de nosso trabalho.
55
na. Sentimentos, vivências, sonhos, anseios, esperanças e desesperanças são parte de um
cotidiano imerso em problemáticas de grande alcance social.
Também L.G.F. (53 anos) aponta na mesma direção: “aqui ainda falta união e tem muita
droga. Droga é o que mais se comenta por aqui, porque é o que mais assusta a gente. É o que
mais perturba a família aqui” (Entrevista / 2011). Para Morin (2004, p. 55),
A complexidade humana não poderia ser compreendida dissociada dos
elementos que a constituem: todo desenvolvimento verdadeiramente
humano significa o desenvolvimento conjunto das autonomias
individuais, das participações comunitárias e do sentimento de pertencer à
espécie humana.
De fato, na obra de Morin em que aparece o desenho apresentado a seguir, o círculo não é
apresentado visualmente, mas está implícito para representar a circularidade presente nesse
processo. Essa interação entre o circuito humano é o que passamos a demonstrar na figura que
segue:
Figura 12 - Trindade Humana
INDIVÍDUO
ESPÉCIE
SOCIEDADE
Fonte: Edgar Morin. Os sete saberes necessários à educação do futuro (2004).
56
A tríade indivíduo-sociedade-espécie envolve um movimento cíclico, contínuo,
ininterrupto, no qual um elemento depende do outro e está diretamente relacionado a esse outro.
O autor desenvolve essa ideia para explicar como é complexa a humanidade, o ser humano.
A espécie humana só cresce, só evolui e só se desenvolve se estiver em interdependência
com a sociedade e com o indivíduo. Cada um desses elementos pertencentes aos vértices do
triângulo é 100% e está 100% imbricado com o outro.
Nessa trindade, todos os elementos possuem a mesma importância. O indivíduo surge
como um representante da espécie humana, a qual recria-se e é recriada na sociedade.
Essa trindade humana apontada por Morin, faz parte de um circuito onde os elementos
apresentados estão sempre em interdependência mútua, uns em relação aos outros. Nenhum
elemento que compõe esse círculo irá existir sem a presença do outro. Esse triângulo apresenta
um movimento cíclico, giratório, com seus elementos responsáveis pela interação do indivíduo
pertencente a uma comunidade dentro da sociedade.
O triângulo roda para fazer acontecer a vida em sociedade com toda a trama de relações
que envolve o humano em sua dimensão de indivíduo, espécie e pertencente a uma sociedade.
Retomando as falas dos sujeitos de nossa pesquisa, apresentamos o ponto de vista de uma
moradora, de 38 anos, a qual diz que “os homens não se comportam como a gente. É muito
diferente. A mulher se comporta melhor” (J.D.S.P., entrevista / 2011). Outra moradora, de 49
anos, ao responder se os homens se comportam do mesmo modo que as mulheres em sociedade
respondeu que “não. De jeito nenhum. A diferença é que o homem [...] eu não estou falando do
meu, que o meu não é assim. Mas os homens eles bebem, fumam, tem outro comportamento
diferente da mulher. São mais agressivos. São brutos, ignorantes. Mulher, não. Mulher já tem
outro jeito. Se bem que tem mulher que também não é fácil” (E.F.R., entrevista / 2011).
Um outro morador, de 36 anos, quando inquirido se o modo de agir do homem e da
mulher em sociedade é o mesmo afirmou “não. Ah! O homem quer sair, quer se divertir. O
homem quer que a mulher esteja em casa. Isso é o que ele quer” (R.S.D.S., entrevista / 2011).
Na fala desse morador percebemos uma forte carga de preconceito em relação à mulher, com
uma dupla moral permissiva, na qual o homem pode fazer o que quer e a mulher não. Fruto do
sistema patriarcal.
Ao perguntarmos aos sujeitos da pesquisa se existe ou não discriminação entre meninos e
meninas, obtivemos de uma jovem de 21 anos de idade, o seguinte: “na faculdade eu me senti
57
não acolhida e fui discriminada pela turma porque eu tenho um filho. Pelo fato de eu ser muito
nova e já na faculdade ter um filho nessa idade. Teve gente que se afastou bastante de mim.
Pensei que não existisse isso. Mas existe. E muito”. (A.F.R., entrevista / 2011).
A discriminação aparece também na fala de um adolescente da raça negra, de 13 anos de
idade, quando ele diz: “Sim, já me senti não acolhido na Escola, mas já faz um tempo, por causa
da minha cor. O pessoal não gostava de mim”. (W.E.M.R., entrevista / 2011). Casos como esse
são muito comuns em nosso país, mas hoje já há meios para proteger as vítimas desse tipo de
ataque por via judicial.
O racismo é crime previsto pela Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu art. 5º,
XLII, que preceitua o seguinte: “a prática do racismo constitui crime inafiançável e
imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. E ainda em outros dispositivos
legais como o Código Penal Brasileiro, em seu art. 140, §3º que apresenta o seguinte: “se a
injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a
condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, o sujeito terá uma pena de um a três anos e
multa”.
Casos assim, como o sofrido por aquele adolescente da raça negra, podem ser
denominados de bullying. O bullying20 não é um fato novo. Ele sempre existiu nas escolas. A
prática do bullying começou a ser pesquisada na Europa não faz muito tempo, quando foram
descobertas muitas tentativas de suicídio por trás dessa forma de violência.
Somente na década de 1970, o tema começou a ser mais estudado, quando Dan Olweus,
um professor pesquisador da Universidade de Bergen, na Noruega, deu início a um estudo sobre
essa temática. E, de acordo com o que apresenta Calhau (2010, p. 13), “Dan Olweus desenvolveu
os primeiros critérios para detectar o problema de forma específica, permitindo diferenciá-lo de
outras possíveis interpretações”. No Brasil, esse tema só passou a ser abordado a partir do ano de
2000 quando Cleo Fante e José Augusto Pedra realizaram uma pesquisa a esse respeito.
Como podemos notar, a discriminação está bem presente entre os jovens, especialmente
no espaço escolar e acadêmico. Percebemos que quando apresentavam esses relatos, no exato
momento dessa abordagem, os jovens baixavam a cabeça e o olhar se entristecia enquanto lem-
_________________________________
20
O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully, que significa valentão, brigão. Como verbo, significa
ameaçar, amedrontar, maltratar, oprimir, humilhar, intimidar.
58
bravam dessas práticas.
É possível existir uma vasta diversidade cultural localizada em um mesmo ambiente
físico. Foi esse o verificado em nossa pesquisa de campo junto aos moradores homens, mulheres
e adolescentes, de faixas etárias e profissões distintas, na área urbana do Igarapé do Quarenta na
cidade de Manaus.
Para Morin (2009, p. 25), “trata-se, ao mesmo tempo, de reconhecer a unidade dentro do
diverso, o diverso dentro da unidade, de reconhecer, por exemplo, a unidade humana em meio às
diversidades individuais e culturais, as diversidades individuais e culturais em meio à unidade
humana”.
A cultura é o espaço humano no qual o significado e o significante são fatores relevantes.
Os seres humanos precisam, verdadeira e constantemente, tornar-se humanos para contribuir na
formação do indivíduo de seu meio social.
A vida em comunidade (Figuras 13 e 14) apresenta particularidades distintas e com
significados próprios, com maior ou menor intensidade, a depender do indivíduo e da própria
situação. Não podem ser compreendidas de forma isolada.
Figura 13 - Área Livre para Caminhada e Lazer no Parque Residencial
Gilberto Mestrinho
Fonte: Pesquisa de Campo / 2012
59
Apresentamos agora a fala de uma informante que, inquirida a falar sobre como deve se
comportar um homem em sociedade, revela o seguinte: “um homem tem que se comportar como
um chefe de família, né? Tem que ter bom comportamento com a sua esposa, né?” (D.G.F., 82
anos, entrevista / 2012).
Fiorin (2002, p. 129) destaca que, “as atitudes linguísticas não estão delimitadas apenas
por fronteiras geográficas, mas também por fronteiras sociais”. Isto é, essa moradora expressa o
seu ponto de vista baseado em sua experiência de vida, mas deixando-se guiar pelo seu repertório
linguístico. Um outro sujeito de nossa pesquisa indagado a falar sobre o mesmo assunto, diz o
seguinte:
Ele deve dar bom exemplo. Ele deve ficar dentro de casa com os filhos,
com os netos. Dentro do seu trabalho, dentro de uma sociedade, dentro
de uma sala de aula. Ele tem que dar o bom exemplo. Eu sou
aconselhável a isso (A.F.L., 56 anos, entrevista / 2012).
Para Fiorin (2002, p. 138), “língua e fala estão mais do que inter-relacionadas, uma vez
que a relação entre elas parece ser de interdependência”. Como é por meio da fala que o
indivíduo expressa sua linguagem e o conteúdo de sua língua, além de seus valores
internalizados, o informante anterior apresenta seu modo de falar destacando suas ideias sobre o
bom comportamento que o homem deve apresentar.
Figura 14 - Praça e Área de Ginástica no Parque Residencial Jefferson Péres
Fonte: Pesquisa de Campo / 2012
60
Indagados sobre a quem cabe o dever de sustentar a casa, se ao homem ou à mulher, um
morador do Grupo Três – Grupo de Idosos trouxe o seguinte relato:
Nessa fase, nesse mundo que tamos vivendo atualmente, eu acho que é a
mulher e o homem. Trabalhando os dois seria bacana, mas o homem
nasceu pra sustentar a casa. Desde o começo do mundo é o homem que
vai à caçada e a mulher nasceu pra tomar conta do lar” (E.C.D.S., 60
anos, entrevista / 2012).
Realmente esse morador tem toda a razão ao dizer que o homem ia à caça no começo dos
tempos, como informa Stearns (2007, p. 31):
À medida que as civilizações se desenvolveram, a partir dos contatos e
das limitações das trocas, os sistemas de gênero – relações entre homens
e mulheres, determinação de papéis e definições dos atributos de cada
sexo – foram tomando forma também. Por fim, essa evolução haveria de
se entrelaçar com a das civilizações. O deslocamento da caça e coleta
para a agricultura pôs fim gradualmente a um sistema de considerável
igualdade entre homens e mulheres. Na caça e na coleta, ambos os sexos,
trabalhando separados, contribuíam com bens econômicos importantes.
Mas isso foi há muito tempo, no início das civilizações. A fala deste sujeito de nossa
pesquisa se justifica em face da cultura do patriarcado encontrar-se presente em nossa sociedade.
Uma outra idosa entrevistada afirma que “quem deve sustentar a casa é o homem, porque ele é o
chefe da família, né? A mulher pode ajudar, mas não é, não é ela que fica como chefe da família
(D.G.F., 82 anos, entrevista / 2012).
De acordo com Santos (2008, p. 142), “a diversidade é também cultural [...], traduzindose em múltiplas concepções de ser e estar no mundo”. A nossa entrevistada carrega uma forte
herança do sistema patriarcal na memória presente no seu cotidiano. Seus pensamentos, suas
crenças, suas atitudes e comportamentos apresentam resquícios de patriarcalismo.
Por fim apresentamos a fala de um jovem sobre o mesmo assunto que respondeu o
seguinte: “é o homem que deve sustentar a casa, porque ele é o homem da casa, né? Ele tem que
trabalhar pra sustentar sua família” (C.D.C.M.J., 14 anos, entrevista / 2012). Como salienta
Santos (2008, p. 156), “as crenças são parte integrante da nossa identidade e subjetividade [...].
Somos as nossas crenças”. Esse rapaz endossa a lista daqueles moradores que defendem a crença
patriarcal de que o homem é o chefe da casa, porque ele é homem.
61
Essa abordagem empírica do campo da pesquisa nos aproximou do modo como os
moradores do Igarapé do Quarenta vivenciam seu cotidiano carregado de emoções, sensações,
motivações e representações. Os moradores elegem seus falares e expressam as suas diferenças
na oralidade de suas linguagens, em seus discursos, conforme veremos no próximo Capítulo.
62
CAPÍTULO 2
O DISCURSO SOCIOCULTURAL DOS MORADORES DO QUARENTA
A cultura é constituída pelo conjunto de
hábitos, costumes, práticas, savoir-faire,
saberes, normas, interditos, estratégias,
crenças, ideias, valores, mitos, que se
perpetua de geração em geração, reproduzse em cada indivíduo, gera e regenera a
complexidade social.
(Edgar Morin)
2.1 – A linguagem como elemento condicionante das relações de gênero
Estudar a Língua Portuguesa é tornar-se apto a utilizá-la com eficiência na produção oral
e escrita. Nossa sociabilidade vai crescendo e, é a partir desse momento, que começamos a
perceber diferentes modos de tratar e de educar as crianças já na fase da pré-escola. Como
salienta Scherre (2005, p. 94) “se você puser uma criança num ambiente em que haja linguagem,
ela vai adquirir a linguagem, é apenas uma outra forma de crescimento”. Ou seja, é natural que
uma criança aprenda a falar, a usar a linguagem verbal, na medida em que ela encontra-se
inserida numa comunidade de fala.
Desde pequena, a criança aprende que há dois modos de se comportar ou de se referir às
pessoas: o modo de se comportar e agir apropriado a um menino e outro modo de se comportar e
agir “próprio” de uma menina. Meninos e meninas se comportam e falam de forma diferenciada.
Não se pode esperar de uma menina outro comportamento e modo de falar que não seja o
recomendado desde cedo por pais, parentes e professoras. Menina deve ser sempre dócil,
passiva, mansa, comedida em gestos e palavras, deve falar baixo e não deve nunca falar palavrão
(é um erro gravíssimo se falado por uma menina).
63
Já para os meninos, fica reservado um comportamento ou modo de agir mais agressivo,
mais autoritário, mais frio. Menino sempre pode falar num tom alto e grosseiro, fica até bem
visto por tal atitude. Menino pode falar o que quiser e como quiser. Só não pode chorar em
público ou apresentar qualquer outro sentimento de emotividade porque é logo tachado de
“frouxo” e fraco. Choro e emoção são sinônimos de fraqueza para o menino.
Como vimos anteriormente, o modelo patriarcal encontra-se arraigado em muitas
mentalidades e comportamentos de indivíduos ainda nos dias atuais. No processo de socialização
as relações de gênero estão bem presentes. As diferentes sociedades educam e ensinam suas
crianças a desenvolverem condutas e linguagens diferentes baseadas no gênero. Com isso,
meninos e meninas experimentam diferentes formas de usar e de interpretar a linguagem.
Exigem das mulheres comportamentos e atitudes tradicionais e apropriadas ao seu
gênero, ao mesmo tempo em que elas devem se adaptar ao cotidiano e à realidade moderna na
qual elas devem desempenhar um maior número de tarefas. Elas devem desempenhar papéis
ditos femininos dentro de casa e no trabalho fora de casa, o que as sobrecarrega numa dupla
jornada de trabalho.
É patente a existência de evidências biológicas comprovadoras de um modo de falar
distinto para homens e outro para mulheres, ou para os gêneros masculino e feminino. O próprio
aparelho fonador traz a primeira diferença na medida em que as cordas vocais são mais grossas
no aparelho fonador dos homens do que no das mulheres.
Deve-se reconhecer que gênero e sexo não se equivalem. Enquanto sexo refere-se a uma
dimensão biológica das diferenças entre homens e mulheres, gênero é um conceito explicativo
das relações sociais baseadas nas assimetrias entre o feminino e o masculino. Resultam de
construções socioculturais e, portanto, são susceptíveis de serem alteradas.
A principal diferença entre homens e mulheres em seu aspecto bilógico é a estrutura do
aparelho reprodutivo que é aquela que determina o lugar de cada sexo no plano da reprodução da
espécie. Já a desigualdade social entre homens e mulheres é condicionada por vários processos
que naturalizam as diferenças de valor entre o masculino e o feminino.
A esse respeito Torres (2002, p. 38) afirma que, “a identidade de homens e mulheres é
uma construção social que advém da formação do ser social, da forma como o mundo da vida
lhes foi apresentado, das suas bases culturais, da ideologia e das relações construídas no
cotidiano social”. Isso quer dizer que o processo educativo pelo qual cada indivíduo passa acaba
64
por contribuir para que essa diferença se estabeleça.
As relações de gênero explicam as identidades feminina e masculina, mas não se esgotam
nas relações entre homens e mulheres. Uma análise de gênero supõe estudarmos as sociedades e
suas relações sociais e institucionais a partir das assimetrias existentes entre o feminino e o
masculino. Não existe naturalmente o gênero masculino e feminino. Esses são construídos
socialmente.
O sexo é uma categoria biológica escassa para explicar os papéis sociais imputados ao
homem e à mulher. É o gênero que se constitui como uma categoria de análise para indagar uma
suposta essencialidade da diferença entre os sexos. As elaborações assimétricas são produtos de
uma sociedade patriarcal. Trata-se de uma construção social que pode ser mudada. Conforme
Tilly (1994, p. 42), a socióloga Ann Oakley tratou com muita clareza, em 1972, a diferença entre
sexo e gênero nos seguintes termos:
Sexo é uma palavra que faz referência às diferenças biológicas entre
machos e fêmeas [...]. ‘Gênero’, pelo contrário, é um termo que remete à
cultura: ele diz respeito à classificação social em ‘masculino’ e
‘feminino’ [...]. Deve-se admitir a invariância do sexo tanto quanto devese admitir a variabilidade do gênero.
Ao falar em macho e fêmea, ou ao se reportar a um indivíduo apenas baseado no aspecto
sexual, não acrescentamos nada aos estudos das relações de gênero. Por outro lado, se nos
referirmos a mulheres e homens em qualquer tempo e espaço, estaremos falando de gênero
enquanto categoria relacional e epistêmica. Para Louro (1995, p. 06) gênero é um conceito que
“visa – sem descartar as bases biológicas das diferenças entre os sexos – chamar atenção para a
construção social que se dá articulada a essas bases biológicas. É um conceito com forte apelo
relacional, pois quando se fala num gênero está-se, implicitamente, referindo ao outro”.
Não há como falar em um gênero sem se referir ao outro. Não deve (ou não deveria)
haver distinção entre esses gêneros em nenhum sentido, principalmente no aspecto social, haja
vista que o sujeito é produto da sociedade na qual está inserido primariamente.
Algumas diferenças de gênero no uso da linguagem podem se dar baseadas nas
evidências biológicas e nas diferenças de orientação psicológica ou de temperamento. Com
relação às diferenças psicológicas, pode-se dizer que as mulheres tendem a se envolver mais nas
conversas que desenvolvem com outras pessoas. Já os homens preocupam-se mais com a sua
65
autonomia ou destaque pessoal ao desenvolverem uma conversa.
Estas diferenças e percepções do propósito de uma conversa numa fala demonstram uma
grande variedade de diferenças na forma como os homens e as mulheres usam a linguagem.
Certos padrões e modelos de linguagem utilizados assumem variância de acordo com o contexto
no qual o sujeito está inserido.
A linguagem pode ser um instrumento de libertação, mas também pode ser usada como
uma ferramenta de opressão. Ela (a linguagem) pode tornar as pessoas invisíveis, mais
precisamente as mulheres, se não as incluem. Deve-se acabar com a opressão e a discriminação
contra o feminino, pois esse preconceito está vinculado à tirania das palavras e das imagens
usadas contra as mulheres.
Com o passar dos tempos, o papel da linguagem sexista passou a reforçar os estereótipos
machistas que muito contribuem para o desequilíbrio nas relações sociais entre homens e
mulheres em cada sociedade. Quando a criança nasce, o sexo já vem definido biologicamente.
Com relação ao seu comportamento, este assume contorno dentro da cultura, da educação
recebida no seio da família e da sociedade.
Somente após a fase de aquisição da linguagem é que a pessoa vai atingir o campo da
abstração. O pensamento conceitual não existe sem a linguagem. O ser humano aprende não só a
falar, mas a pensar.
A linguagem constitui a base do pensamento de cada indivíduo. De acordo com Whitney
(2010, p. 11) “a linguagem é uma instituição humana”. Isto é, ela tem influência direta sobre o
nosso modo de percepção da realidade e é também o ponto de partida do indivíduo em
sociedade. Ela é interação social, e não é neutra, porque está sempre acompanhada de uma
intencionalidade.
Os processos socioculturais construídos ao longo dos anos por distintas sociedades de
matiz patriarcalista fez com que se criasse uma imagem distorcida da mulher legando a ela o
lugar de inferioridade. Essa construção garantiu a continuidade de uma suposta superioridade
masculina em todas as áreas e também no uso da linguagem.
Mudar a linguagem e os modos como as mulheres são tratadas e como elas aparecem na
linguagem deve fazer parte de um processo de mudança societal. Existe uma ligação direta e
relacional entre a linguagem, o pensamento e o mundo. Cada um desses elementos encontra-se
imbricado e um não sobrevive sem o outro.
66
É preciso mudar a linguagem sexista presente em nossa sociedade. É preciso construir um
mundo mais igualitário entre homens e mulheres. À mulher, ainda não é dado o seu devido valor
como membro da mesma sociedade e da mesma espécie.
Um clássico exemplo desse sexismo presente na linguagem diz respeito ao uso do termo
‘homem’ para designar e se referir a toda espécie humana – homens e mulheres. De acordo com
essa linguagem dominante referir-se aos homens significa referir-se a toda a humanidade, eis o
maior apelo do machismo patriarcal. Conforme as regras gramaticais da nossa língua pátria
internalizadas, aprendidas e apreendidas no processo de socialização, as mulheres são
obrigatoriamente masculinos. Não há muito espaço na linguagem para o feminino. Lembre-se do
fato de que, no meio de várias pessoas do sexo feminino basta uma única pessoa do sexo
masculino, para estabelecer que todas as outras sejam masculinas, porque o coletivo do gênero
humano é masculino (homem).
A linguagem é uma forma de representação da realidade e é um dado cultural pelo qual
os indivíduos atribuem sentido às coisas e às pessoas. Devemos perceber as variações de uso da
linguagem no masculino e no feminino para não deixarmos passar despercebidas as sutilezas da
linguagem como forma de expressão da vida em sociedade, assim como as nossas atitudes em
relação a nós e aos outros como parte do discurso.
A humanidade dispõe desses diferentes recursos para se expressar e para estabelecer uma
comunicação utilizando-se de distintos sinais de diferentes naturezas, como o caso da linguagem
verbal e não verbal. Esses sinais passam a constituir-se numa linguagem ao serem organizados.
Existem diferentes formas de linguagem como a música, a dança, a pintura entre outros,
em que a pessoa exprime seu pensamento, estabelece uma comunicação, representa o mundo.
Quando a linguagem expressa sentidos ela se utiliza de signos21. E esses signos são combinados
entre si, seguindo determinados dispositivos de organização.
A linguagem enquanto mecanismo de transmissão de uma mensagem num ato de
comunicação é constituída por alguns elementos como o emissor (E), o receptor (R), a
mensagem, o referente, o código e o canal de comunicação. Esses elementos em conjunto
compõem a comunicação.
O uso da linguagem feito por cada pessoa vai depender de diferentes circunstâncias,
como o que vai ser falado, com quem vai ser falado, e de que forma será falado, o contexto social
_________________________________
21
Sobre essa temática verificar o livro O signo, de Isaac Epstein (Editora Ática, 2004).
67
o nível cultural de quem fala e de quem está ouvindo. Isso implica dizer que a linguagem deve
ser adequada a cada situação na qual se profere o discurso.
A Língua Portuguesa pode ser reconhecida em diferentes níveis e formas de expressão no
masculino e no feminino, no singular e no plural, com diferentes jogos de palavras e sentidos.
Isso tudo usado por homens e mulheres nos mais variados territórios e contextos regionais do
nosso imenso Brasil.
Em nossa pesquisa, conversamos e entrevistamos duas lideranças comunitárias, um
homem e uma mulher. Ele, um sujeito com 55 anos, nascido em Tonantins, interior do Estado do
Amazonas, casado, estudou até a 4ª série do Ensino Fundamental, vendedor autônomo de
confecções e representante comunitário há dois anos.
Ela, uma mulher com 33 anos de idade, nascida em Coari, também interior do Estado do
Amazonas, convive em união estável, cursa o 1º ano do Ensino Médio, cabeleireira em sua
própria residência e representante comunitária também há dois anos.
O representante comunitário é eleito pelos moradores residentes em seus respectivos
Blocos. Cada Bloco tem um representante comunitário e um suplente. Sempre que há reunião
com os moradores, tudo o que é discutido e aprovado é registrado em uma Ata contendo as
assinaturas de todas aquelas pessoas que compareceram à assembleia. Um dos moradores, ao ser
inquirido sobre quem realiza as tarefas domésticas, afirmou o seguinte:
Ela (a esposa). Ela faz tudo. Eu ajudo. Isso aí é essencial ajudar, né? É,
os direitos são iguais, né? Quando eu posso fazer, eu faço mesmo. Ajudo
ela. Quando ela não pode fazer, eu faço. E quando ela faz, eu também
ajudo. Nem toda vez eu fico pelo canto (W.R.D., entrevista / 2012).
Conforme Scott (1991, p. 14), “gênero é um elemento constitutivo de relações sociais
baseado nas diferenças percebidas entre os sexos”.
O morador entrevistado percebe essas
diferenças entre os gêneros e, talvez por isso, ele só ajuda a mulher nos serviços domésticos
quando “ela não pode fazer”. Trata-se de uma ajuda esporádica. Quem ajuda está em segundo
plano, não é o responsável direto por certa função. Ele afirma que não faz essas tarefas
costumeiramente, mas eventualmente. Já outra moradora indagada sobre a mesma questão
desenha o seguinte quadro:
68
Sou eu. Ele não ajuda. Na maioria das vezes, ele faz a comida. Isso às
vezes, né? e quando ele tá em casa. Ajuda assim, dá uma varridinha. Só.
Ele não faz porque ele não gosta mesmo de fazer. Eu acho que é a
mulher que tem que fazer, né? Porque ela sabe limpar mais, porque o
homem não sabe o gosto da mulher. A mulher limpa direitinho. Agora, o
homem! Limpa do jeito que ele sabe, né? (K.P.D.A., entrevista / 2012).
De acordo com Louro (1995, p. 07), o gênero é “uma categoria social que interfere na
nossa vida, estabelecendo em grande parte nossas oportunidades sociais e orientando nossas
relações com o outro”. Diferentemente do sexo, o gênero não está estabelecido ao nascermos. É
o que afirma Beauvoir (1990, p. 09), em O segundo sexo, que “não se nasce mulher, torna-se
mulher”. A nossa entrevistada tem compreensão patriarcal dos papéis ditos femininos. Trabalho
doméstico para ela é ‘coisa’ de mulher (“ela limpa direitinho”). Ela cuida da limpeza e
organização da casa e o companheiro toma outras providências próprias do ‘papel’ masculimo.
Constata-se que há uma convergência de opiniões sobre o tema suscitado apesar de a
nossa entrevistada não concordar com o fato de o companheiro não ajudá-la, ainda assim ela
reforça a ideia de que é da mulher a incumbência dos serviços domésticos. O homem
entrevistado, apesar de ajudar esporadicamente a mulher, deixou claro em sua fala que ele exerce
o papel secundário na execução dos trabalhos domésticos. Quando ele ajuda o faz sabendo que
essas tarefas não são dele, mas da sua companheira.
Um sujeito de nossa pesquisa ao ser perguntado sobre a fala das mulheres revelou que
“tem mulher que aborrece, né? É porque fala demais. Por exemplo, eu tenho uma vizinha que se
for contar as palavras que ela fala. Meu Deus! É demais!” (W.R.D., entrevista / 2012).
De acordo com Scherre (2005, p. 66) “não existe língua que esconde o pensamento (esta
não é característica intrínseca de nenhuma língua natural conhecida). Podem existir, sim, usos
específicos da língua com objetivo de ‘esconder o pensamento’”. A fala do sujeito de nossa
pesquisa apresenta um ranço característico de preconceito contra a mulher. Ele fala de acordo
com uma estrutura discriminatória. A fala de K.P.D.A. também vai na mesma direção, conforme
podemos perceber: “eu acho que mulher fala muito, porque ela gosta de conversar mais com as
colegas, interagir junto, ali. Aí, vai conversando. Aí, conversa mais que o homem, eu acho” (K.P.
D.A., entrevista / 2012).
Para Perrot (1988, pp. 227-228) “o concerto das vozes das mulheres tende a superar
outros concertos [..]. Elas falam do bairro e dos acontecimentos. Elas falam”. As mulheres
69
tendem a falar muito, mas não são todas as mulheres que falam muito. Isso não deveria ser
considerado um fato irregular, isolado do outro gênero ou incomum, já que ambos os gêneros
falam muito só que em condições diversas e de modos diferenciados também.
Ao serem indagados sobre que assuntos as mulheres falam mais e quais os temas que os
homens falam mais, um dos entrevistados respondeu nos seguintes termos:
É a fofoquinha. Como sempre que é de praxe, as novelas que elas
assistem. E também as coisas atuais da moda, as top models que passam
na televisão. O comentário é total, de homem, rapazes bonitos, né?
Sempre eu escuto isso aí. A minha conversa como evangélico, como
servo de Deus, eu falo mais das coisas da Bíblia. Aconselhando,
ensinando e tudo mais. Mas, tem aquele particularzinho do futebol,
porque quando a gente é esportista, quando a gente é jogador de futebol,
então a gente conversa muito sobre futebol (W.R.D., entrevista / 2012).
Para Torres (2005, p. 207), “as mulheres são diferentes, porque foram submetidas a um
processo educativo assaz diferente do universo masculino”. Todas as pessoas, enquanto
indivíduos da mesma espécie homo sapiens, são formadas por seus pais, pelas suas famílias,
pelas escolas, pelas igrejas, pelos meios de comunicação, entre outros entes que vão ‘ajudando e
colaborando’ para moldar papéis desiguais tanto do homem, quanto da mulher em sociedade.
Na fala desse morador, percebemos mais uma vez resquícios do patriarcalismo na medida
em que desconsidera e não valoriza a linguagem das mulheres. Para com os homens, o
entrevistado foi bem condescendente, apontando apenas um assunto comum na fala masculina.
Uma outra entrevistada se posiciona nos seguintes termos: “as mulheres conversam sobre marido
ou namorado, né? Aí fica comentando. Só comentando. E os homens? Aí, eu não sei. Às vezes,
conversam sobre trabalho, né? Aí, vai” (K.P.D.A., entrevista / 2012).
A linguagem constitui a base do pensamento de cada indivíduo. Como relembra Samara
et. al (1997, p. 17), “a compreensão dessa diversidade é um primeiro passo na crítica à
construção de estereótipos”. A linguagem usada na fala dessa informante tem influência direta
sobre o modo de percepção dela acerca da realidade e é também o ponto de partida de sua ação
em sociedade. A linguagem é uma interação social, e não é neutra, porque está sempre
acompanhada de uma intencionalidade.
Instigado a falar sobre como é a fala de mulher e como é a fala de homem, um dos
entrevistados desenhou o seguinte quadro:
70
Ah! A fala de uma mulher é totalmente diferente. É, principalmente
quando tem um filho. Já conversa sobre filho, sobre netos. Conversa
sobre os pais, a mãe, como é que era a família, como é que foi, como é
que tá andando. É totalmente diferente. O homem fala mais das coisas do
trabalho e do esporte. E, também algum comentário sobre a mídia,
televisão, essas coisas. Isso aí também a gente comenta. A respeito da
violência. Também sobre a violência urbana a gente conversa. Fala
muito, comenta muito. A conversa do homem é assim (W.R.D.,
entrevista / 2012).
Conforme Stearns (2007, p. 35), muitas sociedades gostam de “enfatizar algumas
diferenças agudas entre homens e mulheres”. De acordo com o percebido na fala de nosso
entrevistado, o vocabulário usado pelas mulheres vincula-se diretamente aos cuidados com a
família e com as coisas do seu dia a dia. Para esse sujeito de nossa pesquisa, a mulher fala sobre
a situação que ela vivencia com a família, preocupada com o bem-estar dos filhos, o que não é
comum para o homem.
Uma outra informante de nossa pesquisa afirma que a fala de um homem e de uma
mulher é diferente. Ao responder a pergunta se os homens e as mulheres falam do mesmo jeito
ela disse que “acho que não. Mulher fala diferente, né?” (K.P.D.A., entrevista / 2012).
Para Ducrot (1987, p. 42), “o locutor apresenta sua fala como um enigma que o
destinatário deve resolver. O sentido, que é sempre, para mim, um retrato da enunciação, é então
um retrato cuja responsabilidade o locutor deixa ao destinatário”. E foi exatamente o que a
informante nos transmitiu, uma espécie de enigma, algo de início inacabado, porém, com
distinção no final de sua própria fala: homens e mulheres falam de forma diferente.
Às vezes, para um indivíduo do sexo feminino perceber que fala ou pensa diferente do
outro, pode soar como algo estranho ou fora do comum. E isso pode acabar dando a impressão
de não pertencer a um grupo específico ou a uma comunidade, ou até mesmo, de acreditar ser
diferente em tudo e em relação ao outro devido ao gênero.
E sobre a mesma indagação outro informante respondeu que “não, o falar do homem é
diferente do da mulher. Mulher fala de outras coisas, né? Fala de outros assuntos, né?” (W.R.D.,
entrevista / 2012). Para Possenti (2009, p. 114), “a linguagem pode expressar preconceitos,
ideologias, posições”. Depreende-se da fala desse sujeito de nossa pesquisa, a percepção clara da
diferença de assuntos abordados nas conversas de homens e de mulheres, mas não exemplifica
essa diferença, talvez para não se mostrar preconceituoso.
Ao perguntarmos se os homens moradores das áreas pesquisadas têm preconceito com
71
relação às mulheres moradoras das mesmas áreas, obtivemos a seguinte resposta:
Olha, pelo que eu tenho visto aqui é pouco. Mas tem. Só que é a minoria.
Alguns. É coisa rara. É mais sobre o jeito como a mulher se comporta.
Tem assim, aquela mulher que é na dela. Tem a mulher que é mais
extrovertida. E assim, tem aquela mulher que fala demais. O pessoal
critica também. E as mulheres em relação aos homens? Alguma coisa
sobre trabalho. Sobre trabalho muitas vezes nós homens somos
discriminados, porque as mulheres gostam das coisas certas. Aí, muitas
vezes acham que a gente faz coisas erradas. Por mais que esteja certo ela
acha que tá errado. Tem que ser do jeito dela. Aquela coisa (W.R.D.,
entrevista / 2012).
Constatamos nesta fala masculina que o preconceito é voltado sempre para o
comportamento da mulher. Perrot (2008, p. 21) lembra que, “de maneira geral, quando as
mulheres aparecem no espaço público os observadores ficam desconcertados [...]. Usam-se
estereótipos para designá-las e qualificá-las”. O comportamento feminino sempre despertou a
atenção e a curiosidade masculina, e isso não mudou nos dias atuais. Com relação ao homem,
não importa o seu comportamento. Para os próprios homens, não importa como os homens se
comportam. Vejamos: “preconceito? Não. Ri, assim de alguma coisa [...]. A gente é muito unido,
né? Não tem aquela coisa de tá rindo um do outro. Só ri quando a gente brinca assim, né? um
com o outro, às vezes” (K.P.D.A., entrevista / 2012).
Ducrot (1987, pp. 20-21) observa que “o subentendido reivindica a possibilidade de estar
ausente do próprio enunciado e de somente aparecer quando um ouvinte, num momento
posterior, refletir sobre o referido enunciado”. A informante quis escamotear o fato de que entre
os seus interlocutores não há preconceito. O que há são brincadeiras, quando em algum momento
um ri do outro sobre alguma questão específica.
Nota-se como os pontos de vista divergem. O homem evoca sempre o comportamento da
mulher em sua fala. Já a mulher, quase não se lembra de referir-se sobre o comportamento do
homem em sua fala. Um sujeito da pesquisa inquirido sobre se a mulher deve ser submissa e
subserviente ao homem, respondeu o seguinte:
Não. Aí eu sou um pouco contra, porque como os direitos são iguais, a
mulher tem que obedecer aquilo que [...] é através de opiniões. Eu creio
que é assim. A palavra é assim: se uma coisa tá errada, se eu tô
mandando o que tá errado, que ela acha que tá errado, ela tem o direito
de me corrigir. E eu tenho o direito de corrigir ela, de ouvir ela, de
72
analisar, pra ver se vai dar certo ou não. Eu creio que de duas cabeças,
uma vai funcionar (W.R.D., entrevista / 2012).
Fishman (1978, p. 32) chama a atenção para o fato de que as “relações de poder entre
homens e mulheres são o resultado da organização social das atividades no lar e na economia”.
Depreende-se da fala desse informante que apesar de ele dizer que não concorda que a mulher
deva ser submissa e subserviente ao homem, é nítido em seu discurso, uma certa dominação de
gênero. Na sua fala há indícios de preconceito e intenção de dominação do sujeito mulher. Ao
usar palavras como ‘a mulher tem que obedecer’ fica explícito o caráter dominador e
preconceituoso da pessoa que as evoca. Apesar de inicialmente o nosso informante ter se
colocado contra a ideia de que a mulher deve ser submissa ao homem, foi revelado exatamente o
contrário. Uma outra entrevistada faz contraponto a essa fala dizendo que “acho que não. Isso aí
eu não concordo não, porque tem que ter direitos iguais, né?” (K.P.D.A., entrevista / 2012).
De acordo com Torres (2005, p. 188), “é preciso lutar pela igualdade de direitos e contra
todas as formas de discriminação e violência contra a mulher”. A nossa informante como um
sujeito do sexo feminino percebe e demonstra insatisfação com relação a essa construção
preconceituosa, deixando claro que não deve ser esse o papel da mulher em uma relação. Ela
anseia igualdade de direitos entre os gêneros.
Quando perguntamos se o homem é machista ou não W.R.D. respondeu que “nem todos.
Mas, alguns são. E não é pouco não. Tem muito. Tanto o homem quanto a mulher. A mulher é
machista também. Ela é muito feminista também. Mas é um erro do ser humano, né? É um erro
do ser humano que sempre incomoda muito” (W.R.D., entrevista / 2012).
Depreende-se da fala deste entrevistado o reconhecimento dele de o machismo ser um
traço presente no comportamento masculino, mas ele reconhece também a existência de muitas
mulheres machistas. Trata-se de um machismo às avessas. De acordo com Torres (1996, p. 53),
A dominação nas relações de gênero não assume só o aspecto masculino.
Existe a dominação da mulher sobre a mulher, à medida que esta, sem
perceber os labirintos das ideias absorvidas no processo cultural, acaba
determinando a masculinização do espaço social da própria mulher,
tornando-se verdadeiro homem no comando desse espaço, estabelecendo
relações de reprodução da ideologia do macho sob o viés da assimetria
entre os sexos e, também, entre o mesmo sexo.
73
Quando perguntamos de que forma as mulheres devem se comportar colhemos o seguinte
dado:
Eu creio que tem uma responsabilidade muito grande ainda em cima da
mulher, porque ela sendo uma mulher, eu creio que ela tem que se prezar
mais um pouco do que o homem, né? Porque há um ditado que diz: o
homem pode cair quantas vezes ele quiser. Quando ele se levanta é o
mesmo homem. E a mulher não. Se ela cair, quando ela se levantar a
cama dela tá feita. E onde ela passar, onde conhecem ela, já fica aquela
difamação (W.R.D., entrevista / 2012).
Note-se que o discurso desse informante retrata a moral da sociedade em relação às
mulheres. Para Almeida (1997), as relações de poder entre os gêneros são desmascaradas e a
diferenciação de papéis vem calcar-se em critérios sociais. Masculino e feminino contém
significados culturais que implicam o cumprimento de funções sociais. Vemos que existe um alto
grau de preconceito e machismo no discurso desse informante no tocante à mulher, fruto de uma
moral burguesa e patriarcal. Não é um sujeito isolado. É isto mesmo que a sociedade patriarcal
constrói e pensa a respeito do comportamento das mulheres. Há na fala desse entrevistado uma
concepção que reitera o conjunto de modelos convencionais relativos à conduta das mulheres.
Esta outra fala completa o quadro da suposta conduta feminina, a saber: “ah! Tem que se
comportar, né? Ainda mais quando tem marido. Acho que tem que se comportar. Não tem que tá
assim, por exemplo, ali com os colegas, que nem fazia quando era solteira. Tem que ficar
distante um pouco, né?” (K.P.D.A., entrevista / 2012).
Almeida (1997, p. 10) considera que “há uma contribuição feminina para a implantação e
a manutenção da ideologia patriarcal”. Veja que a nossa entrevistada, apesar de não demonstrar
conotação machista em sua fala, apresenta uma sucessão de condutas ou elementos de uma
conduta supostamente feminina, embasados no que viu e aprendeu na sua família nuclear
composta por seu pai e sua mãe. Sua educação doméstica dá conta de que a mulher deve ser
comportada, principalmente quando possui marido, situação que impõe fidelidade. Essa
fidelidade é vista por ela como cárcere. E não é assim, a fidelidade é uma relação vivida no livre
arbítrio de cada um dos cônjuges.
Há muito tempo algumas produções culturais como a linguagem vêm formando um
campo masculino onde o feminino é deixado de lado ou é desvalorizado. A dominação dos
homens sobre as mulheres ocorre ainda por meio da fala presente na linguagem.
74
2.2 – Os falares presentes na oralidade de adolescentes e jovens moradores do
Igarapé do Quarenta
A língua e a linguagem estão sempre presentes no cotidiano dos sujeitos que fazem uso
desse recurso de forma oral e que dispõem de um organismo naturalmente saudável que
possibilite esse uso. Os seres humanos, enquanto indivíduos pertencentes à mesma espécie e
compondo a mesma sociedade de usuários falantes da língua nativa, possuem falares diferentes,
de acordo com suas faixas etárias, gênero, grau de escolaridade dentre outros fatores sociais.
Aprender a falar uma língua não requer anos de estudos em uma escola ou em um curso
específico. Esse é um tipo de aprendizado desenvolvido naturalmente pelo ser humano desde o
nascimento até a fase adulta. A própria língua compõe a história desse indivíduo. O ser humano
edita a sua história por meio da língua e com a língua. É como salienta Calvet (2007, p. 12), “as
línguas não existem sem as pessoas que as falam, e a história de uma língua é a história de seus
falantes”. Isto é, a língua está relacionada com o indivíduo que a fala, assim como esse indivíduo
está presente nessa língua falada.
Apresentamos aqui dados de nossa pesquisa realizada junto aos adolescentes e jovens
moradores (Tabela 1) do Igarapé do Quarenta, considerando que eles são sujeitos representantes
de uma categoria social com características próprias de suas idades no falar.
Tabela 1 – Jovens Moradores do Quarenta
Parque Residencial
Rapazes
Moças
Fr.
Fi (%)
Gilberto Mestrinho
02
02
04
66,66%
Jefferson Péres
01
01
02
33,34%
TOTAL
03
03
06
100%
Fonte: Pesquisa de Campo / 2012
____________________________
22
Em todas as tabelas apresentadas nesta pesquisa, onde aparecem as informações Fr. e Fi (%) entenda-se
frequência relativa e frequência absoluta.
75
Foi de certo modo fácil encontrar adolescentes e jovens presentes nas áreas pesquisadas
do Quarenta por se tratar de um espaço comunitário totalmente compartilhado e usufruído por
esses sujeitos nos dois Parques Residenciais pesquisados. Eles estavam sempre presentes nesses
lugares compondo o cenário desses espaços e interagindo de várias formas: conversando,
brincando, jogando bola, correndo, pulando corda.
Ouvimos nesta pesquisa 02 rapazes no Parque Residencial Professor Gilberto Mestrinho
e 01 rapaz no Parque Residencial Professor José Jefferson Carpinteiro Péres. Quanto às moças,
ouvimos 02 no Parque Residencial Professor Gilberto Mestrinho e 01 no Parque Residencial
Professor José Jefferson Carpinteiro Péres.
Para Sarti (2011, p. 130), “o espaço físico da cidade materializa as hierarquias do mundo
social”. Mesmo dentro do mesmo espaço físico compartilhado por uma comunidade, há uma
demarcação de fronteira invisível e imaginária que aponta os espaços onde certos moradores, e
somente eles, poderão dividir uma espécie de identidade espacial, que só faz sentido com aqueles
que compartilham esse espaço geográfico e social.
Figura 15 - Área Interna no Parque Residencial Gilberto Mestrinho
Fonte: Pesquisa de Campo / 2012
76
Em relação ao grau de escolaridade dos informantes do Grupo de Jovens pesquisado, 02
rapazes e 03 moças possuem o Ensino Médio Incompleto, mas estão todos cursando as séries
correspondentes às suas idades em Escolas Estaduais, apenas 01 rapaz desse Grupo está cursando
o último ano do Ensino Médio, também em Escola Estadual.
Com relação à faixa etária dos sujeitos de nossa pesquisa dentro do Grupo 01 (Grupo de
Jovens – rapazes e moças com faixas etárias de 13 anos a 19 anos), a pesquisa constatou os
seguintes dados: 01 informante possui 13 anos; 01 possui 14 anos; outros 02 estão com 16 anos;
e 01 está com 18 anos, e mais 01 apresenta a idade de 19 anos, conforme explicitado na Tabela 2.
Tabela 2 – Faixa Etária dos Jovens
Faixa Etária
Rapazes
Moças
Fr.
Fi (%)
13 anos
00
01
01
16,67%
14 anos
01
00
01
16,67%
16 anos
01
01
02
33,32%
18 anos
00
01
01
16,67%
19 anos
01
00
01
16,67%
TOTAL
03
03
06
100%
Fonte: Pesquisa de Campo / 2012
Dentre os possíveis fatores sociais influenciadores do modo como certo grupo de falantes
faz uso da Língua Portuguesa, está o fator da faixa etária. Bagno (2007, p. 43) elucida que “os
adolescentes não falam do mesmo modo como seus pais, nem estes pais falam do mesmo modo
como as pessoas das gerações anteriores”. Ou seja, os adolescentes e os jovens apresentam um
modo de falar próprio das suas faixas etárias. E isso é condicionante de um dado jeito de falar e
de usar a língua.
Verifica-se, de acordo com os dados apresentados, que há uma média variável de idade
dos nossos informantes jovens bem significativa, o que contribui para a compreensão da
ocorrência dos fenômenos estudados nas áreas pesquisadas.
77
No concernente à ocupação e profissão desempenhada por esses adolescentes e jovens
moradores do Igarapé do Quarenta, a pesquisa delineia o seguinte quadro: do total de 06
indivíduos, sendo 03 de cada gênero, constatamos que todos os informantes encontram-se
matriculados e frequentando a escola, porém, 02 desses jovens desenvolvem atividades paralelas
às de estudantes. Uma dessas jovens desenvolve a função de babá em sua própria área de
moradia e outra atua como vendedora numa atípica taberna localizada na sala de sua residência,
conforme podemos comprovar na Tabela 3:
Tabela 3 – Profissão / Ocupação dos Jovens
Profissão / Ocupacão
Rapazes
Moças
Fr.
Fi (%)
Estudante
03
03
06
16,67%
Babá
01
00
01
16,67%
Vendedor(a)
00
01
01
33,32%
TOTAL
03
03
06
100%
Fonte: Pesquisa de Campo / 2012
De acordo com Draibe (2011, p. 120),
As crianças e os adolescentes pobres trabalham ou trabalham e estudam,
mas nem sempre logram conciliar estas atividades, tendendo a
permanecer pouco ou quase nada qualificados e recebendo, em geral, 1/3
do salário dos adultos em situações afins. O trabalho dos menores vem
de há muito, no país.
A autora vem confirmar essa triste realidade presente há longas datas em nosso país,
devido à injusta distribuição da renda entre a população e baixa qualificação profissional dos pais
desses jovens, dentre outros fatores.
Em relação à estrutura familiar dos moradores pertencentes ao Grupo de Jovens
identificamos famílias de grande e médio porte, em que o grupo familiar de 01 moça possui 04
78
pessoas na residência; os 03 grupos familiares de rapazes possuem 05 membros; um segundo
grupo familiar de 01 moça possui 08 pessoas morando na mesma residência e 01 terceiro grupo
familiar de 01 moça possui dez membros de uma mesma família morando na mesma casa
(Gráfico 3).
Gráfico 3 - Quantidade de Pessoas Por Moradia em Relação
aos Jovens
4 pessoas
5 pessoas
8 pessoas
10 pessoas
Fonte: Pesquisa de campo / 2012
Para Ribeiro et. al (2011, p. 146), “o tamanho da família também está associado à sua
situação socioeconômica. De modo geral, tem-se verificado que as famílias de menor poder
aquisitivo são tradicionalmente mais numerosas do que aquelas que possuem melhor padrão
socioeconômico”.
A chamada família extensa, nas quais predomina o tipo de família composta não só por
pai, mãe e filhos, mas também por outros membros parentais, encontra-se em ascensão no Brasil.
Constatou-se em nossa pesquisa, a existência de dois grupos familiares compostos pelo tio, tia,
filhos e sobrinho (a) morando na mesma casa.
O grupo de família com muitos membros residindo na mesma casa é uma das novas
características do tempo contemporâneo. É o que afirma Vitale (2010, p. 75):
A partir da segunda metade do século XX, a família, progressivamente,
conheceu profundas transformações: a maior inserção da mulher no
mercado de trabalho [...] a diversidade dos arranjos familiares como o
caso da família com muitos membros em coabitação e tantos outros
79
exemplos que marcam as relações familiares atuais, entre gêneros e
gerações, nos diferentes segmentos sociais.
Essas pessoas que dividem a mesma habitação são parentes próximos do casal dono da
casa, como irmãos, tios, primos, sobrinhos e netos. Procuram abrigo nas residências dos parentes
porque não possuem casa, haja vista o grande déficit habitacional existente em Manaus.
A renda mensal familiar desse grupo de jovens inquiridos é demasiada baixa, até mesmo
pelo fato de essas famílias exercerem profissões que lhes possibilitam uma situação econômica
módica. Às vezes, há casos em que algumas dessas famílias realizam atividades paralelas como
vender produtos diversos dentro de suas casas, nas salas dessas casas, como forma de
complementar a renda. Esse local é denominado pelos moradores de mercadinho, venda ou
taberna23.
Os dados sobre a renda mensal auferida pelas famílias dos jovens do Igarapé do Quarenta
podem ser observados na exposição da Tabela 4.
Tabela 4 – Renda Familiar dos Jovens
Renda Mensal Familiar
Rapazes
Moças
Fr.
Fi (%)
Menos de1 Salário Mínimo
00
00
00
00,00%
1 Salário Mínimo
02
01
03
50,00%
2 a 3 Salários Mínimos
01
02
03
50,00%
3 a 5 Salários Mínimos
00
00
00
00,00%
Mais de 5 Salários
Mínimos
00
00
00
00,00%
TOTAL
03
03
06
100%
Fonte: Pesquisa de Campo / 2012
De acordo com Pochmann (2012, p. 20), “durante a primeira década de 2000 a parcela
_________________________________
23
Em Portugal, as tabernas (muitas vezes designadas pejorativamente como tascas) referiam-se a bares ou a lugares
para se comer algo. Essa denominação perdurou até os anos 1980 do século XX, tanto nas áreas rurais, como nas
urbanas.
80
dos ocupados com até 1,5 salário mínimo voltou a crescer, aproximando-se de quase 59% de
todos os postos de trabalho”. Isso equivale ao identificado na pesquisa com relação à renda
mensal das famílias desses jovens pesquisados.
Os baixos salários auferidos pelas famílias desse Grupo de Jovens podem estar
associados ao baixo nível de escolaridade dos chefes dessas famílias. Com relação ao grau de
escolaridade dos pais de cada jovem ouvido, a pesquisa revela que 33,33% dos sujeitos
pesquisados, tanto o pai quanto a mãe, possuem o Ensino Fundamental incompleto; 16,67%
afirmaram que os pais possuem o Ensino Médio completo; com relação às moças, 16,67% tanto
o pai quanto a mãe delas possuem o Ensino Fundamental incompleto; 33,33% tanto o pai quanto
a mãe são alfabetizados. Veja-se a Tabela 5.
Tabela 5 – Grau de Escolaridade dos Pais dos Jovens
Grau de Escolaridade dos
Pais dos Jovens
Pais dos
Rapazes
Pais das
Moças
Fr.
Fi (%)
Ensino Médio Completo
01
00
01
16,67%
Ensino Fundamental
Incompleto
02
01
03
50,00%
Alfabetizados
00
02
02
33,33%
03
03
06
100%
TOTAL
Fonte: Pesquisa de Campo / 2012
A maioria dessas pessoas são oriundas de zonas interioranas, e nessas localidades, a
educação em tempos passados não estava ao acesso de todos e todas como preceitua a
Constituição de 1988 e, ainda hoje, há muitas lacunas de escola na área rural da Amazônia.
O baixo grau de escolaridade dos pais desses jovens moradores do Igarapé do Quarenta
os coloca sem muitas condições de inserção no mercado de trabalho, determinando condições de
vida precárias e degradantes. De acordo com Bourdieu (1979, p. 56) “quanto mais cedo se deixa
de frequentar a escola, mais restrita é a variedade de escolhas. A cada um dos graus de instrução
corresponde um grau determinado de liberdade”. De acordo com os dados de nossa pesquisa, só
um sujeito revelou que seus pais concluíram o Ensino Médio.
Esse baixo nível de escolaridade dos pais desses jovens moradores do Igarapé do
81
Quarenta, como vimos anteriormente, pode estar relacionado à exclusão dos trabalhadores rurais
dos bancos escolares, pois entre trabalhar e estudar, o pai de família tem que trabalhar. Na
prática, não resta escolha para esses trabalhadores. É como observa Bourdieu (2009, p. 221)
sobre a escola: “ela não cumpre apenas a função de consagrar a ‘distinção’ das classes
cultivadas. A cultura que ela transmite separa os que a recebem do restante da sociedade
mediante um conjunto de diferenças sistemáticas”.
Com relação à proveniência dos pais desses jovens pesquisados, a pesquisa revela que
58,5% são provenientes do interior do Estado; 16% vêm das regiões Norte e Nordeste (Pará e
Maranhão), e outros 25,5% são de Manaus. Vejamos:
Gráfico 4 - Local de Nascimento dos Pais dos Jovens
Manaus
Interiores AM
Santarém
Maranhão
Fonte: Pesquisa de campo / 2012
De acordo com os dados apresentados constata-se a elevação dos índices de migração no
Igarapé do Quarenta. A presença de migrantes vindos de diferentes zonas interioranas do Estado
do Amazonas é visível tanto em relação aos jovens pesquisados quanto em relação aos seus pais.
A grande maioria desses informantes relatou que veio para Manaus em busca de melhores
condições de vida.
A cidade sempre desperta na população residente na zona interiorana o sonho de uma
vida melhor, de oportunidades de emprego, e isso impulsiona o fluxo migratório no sentido
campo / cidade. Para Oliveira (2010, p. 117), “a consequência da migração compulsória para
Manaus é o crescimento compulsório da cidade que ocorre sem planejamento, sem políticas
82
públicas de habitação e se acentua o problema da moradia que é um sintoma das desigualdades
sociais e econômicas tão presentes na capital”.
Essa leva constante de migrantes para Manaus traz grandes consequências para a cidade,
já que tal fenômeno acarreta sérios problemas como a falta de moradia, de água, de luz e
ausência das demais políticas públicas. Sobre a vinda do interior para a cidade uma das
entrevistadas revela o seguinte:
A gente morou lá na beira do Igarapé do Quarenta por 9 anos, e aqui no
Prosamim a gente mora há uns 3 anos. A vida lá no interior, lá em
Alvarães era calma. Mais calma que aqui, né? Lá dava pra brincar muito
melhor do que aqui porque lá é bem mais calmo, é cidade pequena e não
tem tanto carro como tem aqui. Lá era sítio, tinha igarapés pra tomar
banho, um monte de coisa legal. Lá no interior só era ruim porque não
tinha trabalho, por isso que a gente veio pra cá. A gente veio pra Manaus
em busca de trabalho pro meu pai e pra minha mãe (E.P.D.S., 18 anos,
entrevista / 2012).
De acordo com Araújo (2003, p. 201), “a distância é o afastamento entre pessoas de uma
sociedade. Essa distância pode ser psicológica, social ou física. Uma distância geográfica é quase
igual a uma distância econômica. Qualquer delas reflete sempre sobre o social”. Esse
distanciamento da terra natal reflete-se no comportamento introspectivo, seletivo e carregado de
simbologia em relação a pessoas bem próximas dessa informante que acrescenta: “olha, eu tenho
poucos amigos. Não tenho muitos não. São amigos pra todas as horas, digamos assim. Os que eu
tenho são poucos, e sempre que eu preciso eles estão do meu lado” (Entrevista / 2012).
Para Diehl (2002, p. 105) “a narrativa de fragmentos, instantes da vida, pode ocasionar a
representação da capacidade de criação e de ressignificação das experiências”. O ser humano
apresenta distintos momentos na vida em que as lembranças de experiências vividas surgem
constantemente no todo ou em fragmentos.
T.T.N. (16 anos) revela o que pensa sobre as mulheres nos seguintes termos: “mulher fala
demais. Fala que nem uma matraca24. É o jeito próprio, né? de falar” (Moça, entrevista / 2012).
Almeida (1997, p. 14), revela que “numa reedição das mazelas, culturalmente associadas
à mulher, tem-se a da mulher que fala demais”. Apesar de não ser da personalidade da mulher
_________________________________
24
Esse termo refere-se a uma pessoa que fala muito, e denota a presença de gírias usadas pelos adolescentes.
83
falar muito, esta informante acredita no contrário.
J.H.O.S.D.L. (13 anos) também revela o seguinte: “mulher fala muito, porque a mamãe
fala. Ela é muito briguenta. Ela só quer brigar com o meu pai, comigo e com os meus irmãos”
(Entrevista / 2012).
Nesse caso, Almeida (1997, p. 24) considera que “são ressaltadas as facetas negativas das
construções simbólico-culturais da figura feminina”. Essas facetas negativas estão relacionadas
ao comportamento divergente daquele apresentado por uma mulher, como o suscitado pela
jovem informante.
Uma outra jovem ao ser inquirida sobre como classifica uma pessoa que ouve uma coisa
e diz outra delineou o seguinte quadro: “ é aquela pessoa que tu fala uma coisa pra ela, e tipo, ela
já vai exagerando, já vai aumentando cada vez mais o que tu disse” (E.P.D.S., 18 anos, entrevista
/ 2012). Para Possenti (2009, p. 20) “nem todos falam da mesma maneira”. Essa jovem moradora
do Quarenta revelou ser esse o tipo de fala algo presente em seu dia-a-dia com familiares,
amigos e colegas.
Uma informante adolescente, falando sobre o tema do namoro, revelou o seguinte: “os
meninos ficam pegando uma e outra, e as mulheres não. Ficam só na delas” (J.H.O.S.D.L.,
entrevista / 2012). De acordo com Louro (2010, p. 67), “a linguagem institui e demarca os
lugares dos gêneros”. O homem pode fazer uso de sua sexualidade livremente, “pega uma e
outra” e isto é sinônimo de virilidade e galardia. A mulher não pode fazer a mesma coisa. Tratase de lugares “especificados” para cada gênero.
E.P.D.S. (18 anos), falando sobre situações do dia-a-dia com os colegas, revelou o
seguinte: “quando eles não entendem, eles não gostam muito não que a gente fale, porque a gente
é nerd, é não sei o quê. Mas quando a gente fala bobagem que eles sabem, aí já é outra coisa,
entendeu?” (Entrevista / 2012). Para Scott (1991, p. 10) “a linguagem é a chave de acesso da
criança e do jovem à ordem simbólica”. Por meio dessa linguagem usada entre os adolescentes,
eles também revelam pensamentos e um imaginário sobre o outro.
O termo ‘nerd’, utilizado pela adolescente, refere-se a uma pessoa estudiosa e que
entende bem de um assunto. Essa gíria é bem recorrente entre os adolescentes de nossa pesquisa.
Para E.P.D.S. (18 anos) utilizar as palavras e expressões do modo como ela as usa
diariamente em situações e contextos diversos foi assimilado “na convivência com as pessoas, na
escola. Mas, foi principalmente no Cursinho e com os colegas” (Entrevista / 2012). C.D.C.M.J.
84
(14 anos) revelou que “aprendi a falar assim desse jeito com os colegas” (Entrevista / 2012). Por
fim, uma outra informante, seguindo na mesma linha que os demais, apresentou o seguinte
relato: “eu falo desse jeito porque é do jeito que eu aprendi com o pessoal, na rua, com os
amigos. Na convivência com eles, né?” (Moça, T.T.N., 16 anos, entrevista / 2012). A esse
respeito Scherre (2005, p. 09) esclarece que,
Falar é como andar. Acontece naturalmente, da mesma forma, nas
mesmas faixas etárias, em qualquer parte do planeta Terra,
independentemente de raça, de cultura, de cor, de gênero e de ensino
formal. Basta que sejamos seres humanos. É mesmo fato que os homens
se distinguem dos outros animais por andar sobre os dois pés, por
dominar um sistema de comunicação duplamente articulado (com
unidades sonoras e unidades significativas), denominado língua natural
ou língua humana, e por manifestar inteligência diferenciada que os
habilita a criar extensões tecnológicas de todas as partes de seu corpo, até
de seu cérebro, como a criação do computador. É fato também que não
temos escolha: somos humanos, então falamos. Falamos porque
internalizamos ou especializamos uma língua natural específica a partir
do ambiente social em que nascemos e vivemos.
O modo de falar dos indivíduos sejam eles homens ou mulheres sempre vai mudar de
acordo com a situação e o local onde eles se encontram. Eles e elas fazem uso de mecanismos
diferenciados para marcar uma fala específica e um gênero específico. Assim, a linguagem
verbal será utilizada como um instrumento de distintos comportamentos linguísticos, usada
também como fator de transmissão dos mais variados valores.
85
2.3 – A oralidade como fator de transmissão da linguagem
A linguagem é o mais eficiente instrumento de ação e interação social de que o homem
dispõe. Ela é transversal. Ou seja, nada é linear ou igual dentro dela. E é justamente por meio
dela que o homem se constitui como sujeito.
A vida social é um conjunto de atos de compreensão, e é devido a isso, que ela constitui
uma atividade linguística. A língua é uma necessidade social e é também o laço que une os
indivíduos como integrantes do mesmo universo. Para Bagno (2007, p. 36),
A língua é um processo, um fazer-se permanente e nunca concluído. A
língua é uma atividade social, um trabalho coletivo, empreendido por
todos os seus falantes, cada vez que eles se põem a interagir por meio da
fala ou da escrita [...]. O real estado da língua é o das águas de um rio,
que nunca param de correr e de se agitar, que sobem e descem conforme
o regime das chuvas, sujeitas a se precipitar por cachoeiras, a se estreitar
entre as montanhas e a se alargar pelas planícies.
De forma poética, o autor assinala que a língua está sempre num processo de evolução. E
de evolução incessante. Nunca está fechada ou estagnada numa sociedade, pois a própria
sociedade faz essa língua mudar, mesmo que não se dê conta disso.
O homem está constantemente usando a língua em suas várias formas, seja ela verbal ou
não verbal, e ele vincula-se aos demais indivíduos por meio de normas de comportamento
comuns. Esses comportamentos instigam a sociologia da linguagem para que examine a
interação dada entre esses dois aspectos do comportamento humano: o uso da língua e a
organização social do comportamento.
A sociologia da linguagem enfoca toda a gama de tópicos relacionados com a
organização social do comportamento linguístico, incluindo o uso da língua, as atitudes
linguísticas e os comportamentos manifestos em relação ao código e aos seus usuários. Para
Jakobson (1970) o falar implica na seleção de certas entidades linguísticas e sua combinação em
unidades linguísticas de mais alto grau de complexidade. E isto é evidenciado imediatamente no
nível lexical.
Perguntamos a uma de nossas entrevistadas se ela já tinha ouvido falar numa frase
dizendo que lugar de mulher é na cozinha, obtivemos a seguinte resposta: “não concordo com a
86
frase, porque a mulher também tem que ter uma liberdadezinha. Não tem que ficar toda hora na
cozinha, né? Ela também tem que se cuidar, né?” (M.L.P., 77 anos, entrevista / 2012).
Para Perrot (2008, p. 154) há muito tempo que as mulheres “se pronunciam e lutam pela
igualdade dos sexos”. A nossa informante, no entanto, parece ter recebido uma educação
patriarcal e acha ser suficiente à mulher um pouco de liberdade. Todos têm liberdade e podem
fazer uso dela. Resta à algumas mulheres romperem com esses laços que ainda as mantêm
aprisionadas.
Em toda língua existem certos grupos de palavras codificadas denominadas palavrasfrases. Grupos de palavras representam um caso comum, mas não marginal. A língua possui
elementos como os sons, que são instrumentos de comunicação usados por nós indivíduos da
espécie humana.
Todo conteúdo significativo é passado de um indivíduo a outro por meio de algum
elemento, material ou não, e isso se dá porque esses elementos estão dentro de um processo. É o
processo de comunicação. Algumas dessas situações são formadas por fenômenos naturais cuja
transmissão de alguma informação é somente devido a nossa experiência colateral adquirida.
Continuando a indagação sobre a frase “lugar de mulher é na cozinha”, obtivemos o
seguinte relato:
Já ouvi muito essa frase, mas não concordo porque o trabalho é muito
cansativo e se a mulher for se dedicar só a viver na cozinha não vai ter
tempo para cuidar dos filhos. Não vai ter tempo de sentar com seus
filhos, aconselhar, ajudar nas tarefas escolares [...]. Então se a mulher for
se dedicar só a trabalho na cozinha ela tá frita. (Mulher, L.G.F.,, 54 anos,
entrevista / 2012).
Conforme Scott (1991, p. 10), “as sociedades representam o gênero e o utilizam para
articular regras de relações sociais”. Para a sociedade, a frase “lugar de mulher é na cozinha” é
protótipo de mulher. Ela opera como meio de comunicação para designar o papel feminino. E, tal
frase, é vista como constituinte de signo, o qual possui suas propriedades básicas.
Os signos são elementos usados sempre na comunicação dos seres humanos, os quais
fazem uso deles para estabelecer conexões com seus semelhantes a fim de transmitir uma
mensagem. Neste caso, a mensagem transmitida foi aquela contida na frase sexista apresentada
aqui por nossa informante.
87
Há uma crença de que existem só algumas formas de conhecimento, de saber e de
interpretação do mundo manifestados pela língua, dita como linguagem verbal oral ou escrita.
Esse posicionamento foi conduzido a uma legitimação consensual afirmando ser esse um saber
de primeira ordem, relegando todos os outros saberes a uma segunda ordem denominada
linguagem não verbal.
Desde os primórdios, o homem e a mulher vêm fazendo uso de diferentes maneiras de
expressão, variando na manifestação de sentido e, principalmente, no modo de se comunicar
socialmente com os outros indivíduos de forma evolutiva e constante, utilizando-se de
linguagens não verbais também.
Podemos apresentar como diferentes exemplos de linguagem não verbal os incontáveis
desenhos nas grutas de povos ancestrais, os diferentes rituais de tribos primitivas, danças,
músicas, diferentes objetos e outros. E podemos apontar também diversos tipos de linguagem
verbal escrita, tais como o alfabeto, os hieróglifos, ideogramas dentre outros.
Pode-se dizer que existe uma linguagem verbal, e paralelamente a isso, existe também,
uma enorme gama de outras linguagens que fazem parte também de sistemas sociais e históricos
de representação do mundo. Quando fala-se em linguagem, fala-se de uma enorme teia, de uma
enorme rede intrincada de diversas formas sociais de comunicação e de significação, incluindo a
linguagem verbal articulada e muitos outros sistemas codificados de produção de sentido.
Santaella (2007, p. 13) esclarece que,
O termo linguagem se estende aos sistemas aparentemente mais
inumanos como as linguagens binárias de que as máquinas se utilizam
para se comunicar entre si e com o homem (a linguagem do computador,
por exemplo), até tudo aquilo que, na natureza, fala ao homem e é
sentido como linguagem. Haverá, assim, a linguagem das flores, dos
ventos, dos ruídos, dos sinais de energia vital emitidos pelo corpo e, até
mesmo, a linguagem do silêncio. Isso tudo, sem falar do sonho que,
desde Freud, já sabemos que também se estrutura como linguagem.
A linguagem utilizada pelos sujeitos da nossa pesquisa não é só a linguagem verbal. É também a
linguagem corporal e a ‘linguagem do coração’25, já que o tempo todo enquanto faziam os seus relatos
lançavam olhares para as pessoas que estavam presentes durante toda a conversa.
_________________________________
25
Fluidez de nossa essência como seres humanos, libertando nossa verdadeira identidade espiritual.
88
A linguagem está presente em tudo o que cerca o ser humano. Ou seja, a linguagem está em nós,
e nós estamos na linguagem. Ela está sempre presente em nossas vidas, em nós enquanto seres humanos,
ao nosso redor. Então, percebemos que todas as linguagens estão presentes no mundo e que o ser humano
está presente na linguagem, seja ela verbal ou não verbal.
A Semiótica26 enquanto ciência que visa investigar todas as linguagens possíveis busca examinar
os modos de constituição de qualquer fenômeno que possa produzir um significado e um sentido. Para os
estoicos, existem três entidades interligadas a uma função sígnica: o significado27, o símbolo28 e o
referente externo29. Onde o significado aparecer como pensamento ou referência, o símbolo aparecerá
como a palavra, e o referente, como o objeto. É o elemento que consta no significado, mas podendo variar
de acordo com a apreensão subjetiva. A relação existente entre o símbolo e o referente se dá geralmente
nas línguas naturais. Essa relação é direta nos signos analógicos ou icônicos.
A noção de rede social surgiu inicialmente entre alguns sociólogos como consequência de
trabalhos da Escola de Chicago. E toda rede social passa por uma ou várias línguas. Os pontos
que são ligados por linhas representam um discurso. Os discursos não têm sempre a mesma
forma e essas redes vão se equivaler a socioletos ou línguas diferentes. A coesão de uma rede de
comunicação assegura a coesão de um socioleto.
Sobre essa rede de comunicação uma informante esboçou o seguinte quadro acerca do
que seria um dedo-duro: “é o X-9. Aquele que fala demais” (E.P.D.S., 18 anos).
A comunicação, de acordo com Miller (1970, p. 07), “ocorre quando os eventos num
dado lugar ou num dado momento estão intimamente relacionados com eventos num outro lugar
ou num outro momento.” O autor elucida a realização ou estabelecimento da comunicação
sempre quando há uma conexão, uma ligação com uma
outra situação. O foco aqui é a
comunicação estabelecida entre os seres humanos e esse autor esclarece a ocorrência da
comunicação até mesmo em situações em que estejam envolvidos outros elementos não
humanos.
O ser humano se comunica por meio da leitura e/ou produção de formas, volumes,
massas, movimentos. Também estabelecemos uma comunicação por meio de imagens, gráficos,
sinais, setas dentre outros. E todo fenômeno de cultura só acontece culturalmente porque também
é um fenômeno de comunicação, e tal fenômeno também só se comunica, porque é estruturado
_________________________________
26
Consultar sobre essa temática a obra História concisa da Semiótica, de Anne Hénault (Parábola Editorial, 2006).
O significado de um signo é determinado no interior do sistema semiótico.
28
O símbolo é um signo que remte a um objeto, pessoa, acontecimento.
29
Ele está associado ao contexto ao qual se refere a mensagem.
27
89
como linguagem.
C.D.C.M.J., (14 anos) descreve sobre o signo do dedo-duro revelando que “o dedo-duro é
o cagu-êta. É aquele que fica entregando os outro” (Diário de Campo / 2012). Para Possenti
(2009, p. 15), “costuma-se associar formas marcadas de falar a certos valores”. Por exemplo,
como o apresentado na fala do rapaz, o jeito dele falar está associado ao fato de ser jovem e por
se tratar de um sujeito do sexo masculino. A gíria utilizada pelos jovens tem a função de
estabelecer diferença entre eles e os adultos. É também uma forma de protesto.
Comunicar é transmitir uma informação. E para se conseguir tal feito, usam-se
mensagens, cujos elementos são tirados de um sistema ou código. Para um outro informante de
nossa pesquisa indagado a dar um exemplo de uma atitude mal vista no comportamento do
homem, disse o seguinte: “quando o homem é presença, tá na mídia aí a mulher tá a fim dele e
ele dá uma de mole, né?” (R.M.D.S., 23 anos, entrevista / 2012).
Bourdieu (2004, p. 101) lança um olhar sobre esse fenômeno afirmando que “a
codificação minimiza o equívoco e o fluido, em particular nas interações”. Para a comunicação
ser efetiva, é preciso que haja principalmente uma dualidade: de um lado o emissor, e de outro, o
receptor da mensagem em que ambos utilizam uma linguagem compreensível. Havendo esses
elementos, a mensagem será transmitida pelo emissor e decodificada pelo receptor.
A comunicação ocorre por meio simbólico em que a ‘coisa’, a mensagem, se transforma
em um símbolo para ser entendido e compreendido. E para se fazer uma leitura de mundo,
semioticamente falando, deve-se levar em consideração dois fatores: olhar as coisas como
linguagem e compreender a existência de uma comunicação entre essas coisas.
Do mesmo modo como o homem produz tecnologia, também produz a linguagem e, ao
produzi-la, cria possibilidades de abstrair o mundo exterior. As atividades sociais e históricas
geram linguagem que se renova e se altera, ganhando, no espaço social, existência e significação
na medida em que veiculam valores, ideologias e diferentes visões de mundo.
A linguagem é um instrumento de ação e interação social visto que ela é compartilhada
entre os indivíduos. O estudo da linguagem comporta duas partes, quais sejam: a língua, como
seu objeto essencial e a fala, que tem por objeto a parte individual da linguagem. Os elementos
da linguagem só adquirem valor quando se opõem a outros, ou seja, enquanto não se confundem
com outros. Não é sua qualidade própria que os caracteriza, mas sim, sua qualidade opositiva e
seu valor diferencial. O funcionamento da linguagem é um processo no qual alguma coisa está
90
sendo computada, analisada, resolvida.
Quando as pessoas se comunicam ou tentam se comunicar, elas procuram fazê-lo com
outras pessoas. Às vezes, consigo mesmas. Mas, em geral, quando a linguagem verbal é
utilizada, as pessoas estão fazendo uso da comunicação. Assim, a comunicação se dá como uma
rede social entre os indivíduos usuários da linguagem.
Um informante indagado sobre a existência de homem que faz fofoca esclareceu que
“tem, é o mariquinha que fica falando o que não deve, né?” (C.D.C.M.J., 14 anos).
Para Moreno (1999, p. 14), “a nossa forma de pensar está fortemente condicionada pela
sociedade à qual pertencemos, por sua cultura e por sua história”. O sujeito de nossa pesquisa faz
uso desse vocabulário vulgar ‘mariquinha’ para dizer que fofoca é coisa de mulher, não de
homem. Trata-se de um termo pejorativo para desqualificar o homem que fofoca “rebaixando-o”
ao nível da mulher.
Ademais, o termo ‘mariquinha’ está associado também à orientação homossexual, ao
rapaz com jeito efeminado, com jeito delicado de se comportar e falar.
A língua passa a ser entendida como uma forma de realização da linguagem. Linguagem
essa que se produz como um sistema linguístico necessário na comunicação humana ou em sua
interlocução. A fala, por sua vez, apresenta-se como um fenômeno físico (e assim o é) entendido
como um efeito fonético para os ouvintes (os receptores).
Uma informante de nossa pesquisa, inquirida a falar sobre seus planos para o futuro,
revelou o seguinte: “eu falo assim, que eu quero mais é ter, assim, terminar os meus estudos, ser
alguma coisa na minha vida. Penso mais em ser professora ou doutora” (T.T.N., 16 anos,
entrevista / 2012).
De acordo com Moreno (1999, p. 14), “a partir do momento em que nascemos,
começamos a receber influência social que condicionará nossa maneira de ver e de estar no
mundo”. Para essa jovem informante os anseios voltados para o seu futuro estão interligados
com toda a gama de informações recebidas ao longo de sua vida, seja de sua família, seja de seus
colegas, seja de sua Escola. Tudo está relacionado com o seu meio social.
Dentre todos os avanços alcançados pela civilização humana, talvez o maior de todos eles
tenha sido o da comunicação, ou a possibilidade de se estabelecer e receber uma comunicação
entre membros de uma mesma sociedade por meio da fala. Essa capacidade de se comunicar, de
registrar o conhecimento por meio da fala, enquanto algo resultante da oralidade, é algo realmen-
91
te espantoso e maravilhoso para a espécie humana.
O ser humano precisa sempre estar se comunicando, estabelecendo comunicação por
meio da fala para transmitir conhecimentos e linguagem. Além do que, esse fator é primordial
para que haja progressão na vida humana. E quanto mais avançada for essa comunicação entre
indivíduos, mais rápida será inclusive sua ascensão. Nesse campo, a linguagem surge como uma
ferramenta capaz de demonstrar o estágio de desenvolvimento da humanidade.
Ao ser inquirida sobre a possibilidade de a mulher trabalhar fora de casa, uma jovem
entrevistada disse que “a mulher tem liberdade pra trabalhar fora, basta ela querer” (E.P.D.S., 18
anos, entrevista / 2012). De acordo com Perrot (2008, p. 47), “a mulher casada é, ao mesmo
tempo, dependente e dona-de-casa. Cabe a ela usar dos poderes que lhe são conferidos ou
relegados”. A mulher tem liberdade de escolha para fazer o que quiser, mas ainda há casos
presentes e constantes na sociedade em que ela é tolhida em suas vontades e ações.
Na medida em que a nossa sociedade passa a ser mais dependente do conhecimento, é
preciso nos questionarmos também sobre os pressupostos que fundamentam essa questão. A
aprendizagem é uma prática contínua iniciada desde os nossos primeiros minutos de nascidos e
se estende por toda a nossa vida, independentemente do caminho trilhado por cada um. Esse
conhecimento vai se tecendo junto com outras elaborações. Ocorre uma tessitura de saberes na
qual cada novo conceito, cada novo saber nos remete a um outro conceito e a um outro saber.
São diferentes e incessantes conexões e inter-conexões com outros saberes e outros sentidos.
Morin (2007, p. 17), salienta que há uma “integração reflexiva dos diversos saberes relativos ao
ser humano. Não se trata de somá-los, mas de ligá-los, articulá-los e interpretá-los”.
Outro ponto de vista apresentado por uma jovem informante de nossa pesquisa, dá conta
do fato de que “tem mulher que trabalha fora. Mas tem o caso em que a mulher gosta de
trabalhar fora, mas o marido não deixa. Mas a mulher vai e trabalha” (J.H.S.D.L., 13 anos,
entrevista / 2012).
Para Torres (2005, p. 206), “entre calar e aceitar passivamente a opressão e a exploração
as mulheres preferiam enfrentar as sanções em favor da liberdade”. Na atualidade, as mulheres
desfrutam de mais liberdade do que aquelas de épocas pretéritas. No entanto, parece haver ainda
casos em que o homem tenta controlar a liberdade da mulher, como é o caso suscitado pela
jovem informante.
Indagado sobre o que observa de uma mulher que conversa com outra mulher, o informan
92
te J.A.B. (65 anos) respondeu que “às vezes, a mulher tá conversando ali. Aí, a gente daqui tá,
né? só de olho. E diz: olha ali, meu nome já tá rodando no pedaço. É assim, né? É assim quando
uma mulher tá com outra mulher” (Entrevista / 2012).
De acordo com Perrot (2008, p. 22) “das mulheres, muito se fala sem parar, de maneira
obsessiva. Para dizer o que elas são ou o que elas deveriam fazer”. Dependendo de como se fala
e de quem está falando, é gerado preconceito e discriminação. Na fala de nosso informante,
parece haver certa discriminação com relação às mulheres. Ele confirma o fato de o homem
querer sempre aparecer na conversa, ser destaque e percebido numa fala. O homem tenta
dominar até na fala.
C.D.C.M.J. (14 anos) inquirido sobre se homem chora revelou o seguinte: “concordo que
homem que é homem não chora, porque isso daí é mais pra mulher e pra criancinha também. Só
quem chora é mulher e criancinha. Homem não chora” (Entrevista / 2012). Conforme lembra
Scott (1991, p. 06) “há uma produção e uma reprodução da identidade de gênero do sujeito”. O
que esse jovem informante apresenta em sua fala é uma reprodução de um comportamento
machista ancorado no patriarcalismo do tipo a mulher pode chorar porque é fraca, frívola, e o
homem não pode chorar porque é forte e racional.
Uma outra informante sobre a mesma temática apresentou o seguinte relato: “tá certo, né?
Porque o homem ele aguenta mais as coisas do que a mulher” (T.T.N., 16 anos, entrevista /
2012). De acordo com Scott (1991, p. 06) “a reprodução da identidade de gênero era (e ainda é) a
chave do patriarcado”. Ressalte-se, apesar de essa informante ser uma jovem moça, ela traz
internalizado e reproduz um padrão de ideia tipicamente patriarcalista, em que o homem, como o
ser dito ‘superior’, deve reprimir qualquer emoção em sinal de demonstração de sua
racionalidade e fortaleza.
A língua na modalidade falada, verbalizada, articulada, reflete de alguma forma a
organização ou o modo de organização de uma sociedade. Isso se deve pelo fato de a língua
estabelecer algumas relações com diferentes formações sociais, apresentando distintas
representações sociais. E nessa linha de raciocínio, a fala refletirá as formas como a mente se
organiza, ou seja, a fala refletirá as representações mentais do ser humano, independentemente
de quais sejam essas representações. Em alguns momentos a pessoa vai representar por meio da
fala, fazendo uso da oralidade.
A fala é, para certas sociedades, um elemento de menor prestígio se levarmos em consi-
93
deração a escrita. Mas, ainda assim, a fala não pode perder seu caráter magnânimo para a nossa
sociedade, para a nossa espécie, pois, é através dela que as pessoas, fazendo uso da linguagem,
repassam a outras seus conhecimentos, suas histórias, suas vivências.
Sobre suas histórias e vivências J.D.S.P., uma informante de 39 anos, revelou o seguinte:
Olha, as mulheres aqui faz reunião assim, por exemplo, sobre a água.
Porque a água vem muito cara, a luz vem muito cara, é sobre isso.
Porque tem gente de baixa renda, que não tem condição de pagar. Então,
aí fazem isso, uma reunião. Elas se juntam. Aí, é sobre isso a reunião.
Vai de casa em casa, pra vir os moradores, pra poder acontecer a reunião
(Entrevista / 2012).
Para Cameron (1998, p. 131) “o comportamento de homens e mulheres [...] é
invariavelmente percebido por meio de um discurso mais generalizado”. Homens e mulheres
apresentam diferenças de comportamento inerentes a seus gêneros, e o fato de optarem por certas
atitudes, deve ser encarado como algo positivo e salutar.
A fala de nossa entrevistada revela a preocupação das mulheres com a materialidade da
vida, com suas condições socioeconômicas, seus engajamentos, seus comprometimentos, seus
anseios e propósitos, seus envolvimentos com as questões práticas da vida, como é o assunto da
água. Isso tudo fazendo uso da oralidade através de reuniões com os moradores, por meio da
linguagem.
A presença da oralidade na vida das pessoas apresenta-se de forma primordial e essencial
para todos os indivíduos, sujeitos da mesma espécie, para estabelecer uma interação entre uma
cultura herdada, na fusão entre o tradicional e o moderno. Também, entre o que é novo e o que já
está ultrapassado e obsoleto.
Afinal, numa comunidade o veículo de transmissão de sua cultura, de suas histórias, de
suas vivências, se dará pela via oral. O que pretende-se nesses casos é manter viva a memória e a
cultura de um povo através da transmissão oral dos mais velhos aos mais novos. Geralmente, são
os indivíduos de mais idade numa sociedade os transmissores de seus conhecimentos para os
seus descendentes.
Para M.L.P. (77 anos) “morar lá na beira do Quarenta não era muito ruim não, porque o
pessoal era bom. Tudo era pobre, mas era tudo civilizado. Era bom demais lá. Eu nunca vi
ninguém matar lá. Não enquanto eu morava lá. Tinha briga, mas eles resolvia” (Entrevista / 2012
94
De acordo com Le Goff (2000, p. 09) a “memória, como capacidade de conservar certas
informações, recorre, em primeiro lugar, a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o
indivíduo pode atualizar impressões ou informações passadas, que ele representa como
passadas”. Na maioria das sociedades ou comunidades existe sempre – e sempre há de existir –
uma preocupação em manter uma lembrança viva da história deles ou de seus antepassados. Há a
preocupação de manter vivas as suas identidades. São preocupações comuns e caracterizadoras
de certas sociedades.
A fala e a oralidade são questões tão prementes na vida do ser humano, enquanto espécie,
que tem sido tema de vários acontecimentos em diferentes períodos de sua história. As
necessidades humanas de se expressar e de comunicar estão intensamente imbricadas que se
notam há longos períodos.
Para entender a natureza da linguagem, faz-se necessário partir da apreciação da
linguagem oral, da oralidade, valorizando a fala como se deve. E, deve-se lembrar que a fala não
serve apenas de instrumento de transmissão de mensagens, de estilos de vida, de histórias e
vivências, mas também para desenvolver e promover o aspecto comunicativo inerente a todo ser
humano.
A oralidade deve ser valorizada como uma forma de aproximação entre o estudo da
língua e da linguagem como um aspecto concorrente para desenvolver o potencial da pessoa
enquanto cidadão e cidadã. Diferentes práticas sociais e culturais têm origem na prática oral
diária, logo podemos reconhecer a natureza essencial da linguagem como fator de fundamental
importância para a transmissão de ideias.
Toda forma de linguagem é uma comunicação. E para que haja comunicação é preciso
que haja uma interação – o diálogo entre os sujeitos. A linguagem humana é dialógica,
especialmente na oralidade, quando apresenta certas marcas como as hesitações, as repetições, as
paráfrases, entre outros.
A comunicação passa a ser a transmissão de uma mensagem com o fito de receber uma
resposta da pessoa para quem a mensagem foi enviada. Notamos, então, que a comunicação só
pode ser estabelecida se houver um conjunto de elementos propiciadores da concretização da
comunicação.
Evidente notar que havendo um emissor, um receptor e uma mensagem apresentada por
meio de um código comum a ambos, faz-se necessário um meio pelo qual a mensagem deve ser
95
transmitida, colocando em contato o emissor com o receptor. Esse meio necessário é o canal, que
na comunicação pode ser a linguagem verbal.
Deve haver além do emissor, do receptor, da mensagem, do código utilizado na
mensagem, um contexto real para que haja uma integração de todos esses elementos dentro desse
processo, fazendo com que a comunicação se dê de modo efetivo para ambas as pessoas
envolvidas nessa comunicação.
Se esses dois agentes presentes na comunicação não estiverem integrados no mesmo
contexto, utilizando-se dos mesmos elementos, de certo que essa comunicação ficará frustrada.
Ela não ocorrerá de modo eficiente dentro dessa realidade, dentro desse contexto, com esses
elementos citados.
96
CAPÍTULO 3
VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS ENTRE HOMENS E MULHERES
A língua vive como uma grande árvore cujas
raízes atingem o mais fundo da vida social e
cerebral, cuja copa resplandece no céu das
ideias ou dos mitos, cujas folhas farfalham
em miríades de conversas.
(Edgar Morin)
3.1 – Os termos regionais presentes nas variações linguísticas
Todos nós vivemos em comunidades diversas e distintas entre si, onde as palavras se
diferenciam e se modificam, adaptando-se e amalgamando-se de acordo com a região, a classe
social, a faixa etária e, também pela formação cultural, intelectual e profissional que o indivíduo
possui. Buscamos utilizar palavras associadas às nossas crenças e convicções.
De acordo com Araújo (2003, p. 453), “a linguagem é o elemento fundamental para os
contatos sociais [...], é das mais importantes manifestações culturais dos grupos humanos”. Sem
uma linguagem dividida e partilhada entre os membros de uma mesma comunidade, não haveria
interação social e cultural entre eles. Não haveria sequer troca linguística. Não se poderia trocar
nada.
Sabemos que uma língua nunca é falada de forma idêntica, de forma una por seus
falantes. A língua é heterogênea, principalmente no Brasil, onde há diversos modos de falar o
mesmo idioma. O Brasil comporta uma gama enorme de variação linguística em face dos
processos de formação social heterogêneo de sua gente, às vezes a língua é incompreensível até
mesmo para brasileiros falantes do português.
Em se tratando de Amazônia, Benchimol (2009, p. 21) assinala que, ”com a etnodiversi-
97
dade amazônica de grupos indígenas e ibéricos herdamos muitos valores culturais diferenciados
e contraditórios de crenças, falares, mitos, lendas, labores”. Existe na Amazônia uma enorme
variedade de modos de falar a mesma língua, o que varia de acordo com as zonas interioranas,
com as etnias indígenas e as circunstâncias da formação social das populações amazônicas.
No Amazonas, há várias palavras e expressões com forte veio regionalístico, tais como
“bocó” e “leso”. Uma das adolescentes ouvidas neste estudo afirma que “um bocó é uma pessoa
que não sabe de nada. Eu conheço um pessoal que é tudo sem juízo. São um bando de leso, né?”
(T.T.N., 16 anos, entrevista / 2012). Para Araújo (2003, p. 455), “a língua é uma consequência da
mentalidade de um povo num determinado ambiente geográfico. A estrutura de uma linguagem
representa uma forma mental de cultura de um povo, de uma comunidade”. A linguagem
representa o povo e sua cultura.
O povo brasileiro traz na sua composição as marcas da mistura de raças. Herdamos a
Língua Portuguesa dos colonizadores. Na Amazônia colonial a mistura foi principalmente entre
o sangue indígena e o português. Depois chegaram aqui outras raças.
Para um outro sujeito entrevistado, ele considera que “tem muita gente sem juízo,
abestado, sem noção” (J.A.P.R., 23 anos, entrevista / 2012). De acordo com Benchimol (2009, p.
19) a sociedade “que aqui se formou traz, ainda, a marca e os insumos sociais, biológicos e
étnicos de muitos povos, tradições e costumes. [...]. O processo cultural do povoamento e
ocupação humana da Amazônia teve como característica principal a multidiversidade de povos e
nações”.
Quando se ouve algo diferente do que se está habitualmente acostumado, imediatamente,
o sujeito tenta compreender ou decodificar o que foi dito, não importa se esse dito foi empregado
no português padrão ou não padrão. Ao perceber usos diferentes da Língua Portuguesa, devemos
entender que se trata de variações de uso da mesma língua e não acreditar que um uso é inferior a
outro. Mas sim que existem usos diferentes.
As palavras, assim como a vida são mutantes, variáveis. Jamais estáticas e homogêneas.
Devido a esse fato não se deve acreditar em apenas um modo correto de se expressar na Língua
Portuguesa, usada no Brasil, denominada ‘norma padrão’. Sabemos que a forma monitorada
desse uso, na verdade, não é amplamente utilizada pela nossa população composta não apenas de
letrados ou intelectuais, mas de iletrados e pessoas em processo de formação escolar também.
Uma outra informante aponta na mesma perspectiva regionalista dizendo que “existe
98
muita gente abestada que fala muita besteira. Não sabe o que tá falando. Só fala leseira” (E.P.D.S
18 anos, entrevista / 2012).
Podemos aqui relacionar essa fala com o que diz Votre (2010, p. 51), no sentido de que
“as formas socialmente prestigiadas são semente e fruto da literatura oficial que as transforma
em língua padrão. Estão reguladas e codificadas nas gramáticas normativas, em que adquirem o
estatuto de formas corretas a serem ensinadas, aprendidas e internalizadas”.
Não podemos de forma alguma achar ou ter a pretensão de considerar ser a nossa fala
melhor que a de outros sujeitos constitutivos da mesma sociedade. Não existe esse ‘melhor’ ou
‘pior’. O que há, de fato, é um falar diferenciado existente entre as pessoas pertencentes ou não a
mesma comunidade de falantes.
Sobre o preconceito linguístico podemos fazer uma breve e pertinente discussão sobre a
comédia musical norte-americana ‘My fair lady’, de 1964, cuja abordagem refere-se a questões
de linguagem e às variedades linguísticas do Inglês. A personagem principal Eliza Doolittle
(Audrey Hepburn) é uma rude florista que trabalha nas ruas de Londres. Em uma certa noite,
Eliza conhece um professor de fonética chamado Henry Higgins (Rex Harrison) que, ao ouvir a
moça utilizando a língua não padrão constantemente com uma voz fina e irritante, aposta com
um amigo de nome Hugh Pickering (Hyde-White) que é capaz de transformar aquela simples
mulher em uma dama da alta sociedade, mudando sua fala estigmatizada para a fala culta em seis
meses, além de mudar sua postura e conduta.
Fica evidente no filme a diferença existente entre o uso da língua padrão e da não padrão,
em que aqueles que não detêm ou não sabem usar com habilidade a segunda forma da língua não
gozam de respeito da sociedade, ao contrário, recebem doses altíssimas de preconceito,
exatamente pelo modo como falam, como é o caso da personagem principal. Como salienta
Lakoff (1973, p. 16), “se ela se recusa a falar como uma dama, é ridicularizada e sujeita à crítica
de não ser feminina; se ela aprende, é ridicularizada por não conseguir pensar claramente, por
não conseguir tomar parte em uma discussão séria”.
Uma questão a refletir é sobre o caso do tempo mensurado pelo professor para ensinar a
língua padrão àquela moça – seis meses. Ora, é pertinente lembrar que a capacidade de
raciocínio do ser humano varia de indivíduo para indivíduo e, mensurar esse tempo em seis
meses, é algo fantástico para acontecer numa fábula (que é o tom que o diretor cinematográfico
99
Figura 16
Cartaz do Filme My Fair Lady
Fonte: Filmes de cinema / 2012
quis dar a esse filme).
Afinal, levam-se anos escolares para se internalizar as variadas normas gramaticais.
Como alguém poderia dominar todo esse vasto conteúdo em apenas seis meses? Essa
aprendizagem dinâmica parece fantasiosa, mas como se trata de um filme, tudo pode acontecer.
É pertinente, pois, lembrar, que ali é usada uma linguagem simbólica.
A questão central desse filme é que a jovem florista sofre a todo momento preconceito
social porque sua fala é considerada errada. Aliás, essa é a mola propulsora de seu desejo em
aceitar as aulas do professor de fonética: adquirir uma nova forma de usar a língua, propiciandolhe uma nova imagem social.
My fair lady é um filme lindo, divertido e encantador, e o ponto em comum de crítica
entre a ideia apresentada no filme e aquela debatida por diferentes estudiosos da língua, é que
todos reconhecem a variação linguística presente no seio da sociedade. O filme, pelo contrário,
trata aquela variação linguística como uma maneira ‘errada’ e ‘feia’ de falar. Autores como
100
Bagno (2003), Scherre (2005), Stubbs (2002) e Gagné (2002), concordam que trata-se de uma
forma diferente de falar.
Como pudemos depreender do filme em discussão, a variante de prestígio está associada
à questões econômicas e políticas e a variante estigmatizada, por sua vez, está associada à
condição social do indivíduo que a utiliza na sociedade.
J.A.F.P. (63 anos), relembrando o tempo quando morava no Igarapé do Quarenta revelou
o seguinte: “quando eu morava na beira do Igarapé eu tinha era medo quando dava aqueles toró,
por causa da casa da gente, né? Que lá as casa não era boa igual daqui” (Entrevista / 2012).
Toró, é outra expressão regionalizada e a pessoa usuária desse termo fora desse espaço
pode ser estigmatizada como “nortista”, “baiano” ou “paraíba”, dependendo do lugar onde é
empregado, tais como, São Paulo e Rio de Janeiro.
Sobre isso, Bagno (2003, p. 16) elucida dizendo que “há uma discriminação com base no
modo de falar da pessoa”. Isto é, são as ideologias dominantes impondo o que pode ser
considerado ‘certo’ e o que pode ser considerado ‘errado’ no modo de falar.
Se a pessoa que faz uso de uma fala regionalizada não tiver prestígio econômico e social,
seu modo de falar é considerado ‘errado’. Essa é uma faceta do preconceito entremeada às
relações de poder.
O fator regional é um dos que mais podem exercer influências sobre os indivíduos
membros da mesma sociedade linguística, em face da diversidade social e cultural presente
nesses falares. É fácil notar com clareza e sem estranhamento a diferença de falares e o modo de
falar existentes dentro da mesma comunidade de pertença.
O informante E.N.D.C. (19 anos) revelou o seguinte: “rapaz, lá em casa quem sujar, tem
que lavar. Tem que fazer as coisa” (Entrevista / 2012). Como salienta Fishman (1970, p. 283), “o
homem está constantemente usando a língua – língua falada, língua escrita, língua impressa – e o
homem está constantemente vinculado aos demais através de normas de comportamento
comuns”. De outra forma, em um mesmo grupo de falantes, pessoas de comportamentos comuns
falam do mesmo modo dos seus semelhantes, dado o fato de pertencer ao mesmo grupo.
E.N.D.C. utilizou o termo “rapaz” para estabelecer interlocução com esta pesquisadora
que é mulher. Tudo indica o uso dessa expressão no Amazonas para estabelecer diálogo tanto
com homem quanto com mulher.
Por trás das pessoas, tem a língua, um termômetro social que passa pelo processo de
101
mudança dentro da sociedade. Mas, a mudança é gradual porque não ocorre no sistema todo, não
ocorre de modo total. Essa mudança tanto ocorre na forma (as que serão prestigiadas ou não),
quanto na função (discursiva). A fala regionalizada parece encaixar-se tanto na forma como na
função.
Para que ocorra a mudança na língua, primeiro deve acontecer o caos linguístico gerador
da variação linguística com a modificação de algumas palavras, para que, então, aconteça a
mudança na língua propriamente dita.
Os jovens são os indivíduos inovadores da língua e os idosos são os conservadores. A
mulher é mais conservadora na linguagem em relação ao homem. É o léxico que vai refletir as
particularidades e a variabilidade de uma cultura. É através do léxico que é possível estudar e
retratar uma sociedade. Falar do léxico é falar das identidades de um povo, pois está carregado
de ideologia. Afinal, ele é de cunho social e é construído socialmente.
Um dos aspectos mais conhecidos da variação linguística é a diferenciação que
caracteriza os chamados dialetos ou variedades regionais.
Observa-se que há uma variação diversificada na oralidade brasileira, fator de
enriquecimento linguístico, incluindo a variação regional. Dentro de cada região brasileira é
possível notar uma vasta amplitude de vocábulos, expressões e termos típicos de cada uma
dessas regiões. Todos eles com usos e significados próprios e diferenciados de região para
região. O fator regional é um dos mais enfáticos nesse sentido.
A língua é um código de comunicação que ocorre entre homens e mulheres. Trata-se de
um fato com repercussões sociais. A variação de uma língua é a forma pela qual ela difere de
outras
formas
da
linguagem
sistemática
e
coerentemente.
E isso
ocorre sempre
independentemente de o indivíduo dar-se conta dessa ocorrência ou não.
A relação entre a língua, a sociedade e a cultura está sempre imbricada e interrelacionada, um com o outro. Um depende do outro de forma direta e sistemática. A língua é o
elo, é o ponto de ligação entre os outros dois aspectos.
As diversidades linguísticas existem e já chegaram a estigmatizar ou privilegiar certas
falas regionais em nosso país. Na Amazônia há um enorme vocabulário enriquecido por
diferentes etnias falantes do português e pelos povos tradicionais não indígenas habitantes da
região. Cada povo possui o seu traço distintivo, o seu modo de falar peculiar.
O informante J.A.B. (65 anos), ao discorrer sobre a memória de suas experiências vividas
102
revelou o seguinte: “eu fui criado no tempo antigo. Lá em casa era assim: mereceu a corda
comeu. Mas foi muito gostoso. Tanto é que hoje eu sou o que sou” (Entrevista / 2012). Para
Morin (2008, p. 19),
A cultura, que caracteriza as sociedades humanas é organizada /
organizadora via o veículo cognitivo da linguagem, a partir do capital
cognitivo coletivo dos conhecimentos adquiridos, das competências
aprendidas, das experiências vividas, da memória histórica, das crenças
míticas de uma sociedade. Assim se manifestam ‘representações
coletivas’, ‘consciência coletiva’,’ imaginário coletivo’.
Como já dissemos ao longo deste estudo, a linguagem está presente na cultura humana,
assim como a cultura aparece na linguagem. Este informante, por meio da linguagem verbal a ele
inerente, fez representações daquilo considerado como verdadeiro e valoral em sua vivência.
A língua é um meio de expressão presente na sociedade e é usado em diferentes
contextos da vida social. Por ser heterogênea, ela apresenta variedades manifestas em contextos
diferenciados. Há distintas variantes regionais faladas no Brasil e presentes na Língua
Portuguesa, como aquelas bem delimitadas geograficamente como a gaúcha, a mineira, a
nordestina e a do interior de São Paulo.
As variações linguísticas ocorrem diferentemente de região para região, de Estado para
Estado, de profissão para profissão. Ressaltamos aqui o fato de que a prática diária e o vínculo de
um sujeito com a ocupação ou a profissão que desempenha incidirão no seu recurso linguístico.
De modo que um/a enfermeiro/a não falará da mesma forma que um/a engenheiro/a ou um/a
eletricista.
Há também a variação linguística ligada ao gênero do falante, relacionada aos papéis
sociais exercidos pelo homem e pela mulher. Já as variações linguísticas associadas às diferentes
faixas etárias, caracterizam grupos distintos como crianças, jovens, adultos e idosos.
Uma de nossas informantes nos disse que “uma pessoa atrapalhada é um abestalhado. Ele
não tem assunto. Tem uma conversa assim sem graça, né? Às vezes, tira uma brincadeira sem
graça também” (L.G.F., 54 anos, entrevista / 2012). Para Campos (2011, p. 38), “do ponto de
vista do espaço geográfico, as alternâncias linguísticas que se instituem regionalmente revelam
nuances das comunidades geográficas como marcadores regionais que identificam cada uma
delas”. A autora esclarece que esses sinais são frutos de um trabalho articulado linguisticamente
103
identificador dos sujeitos que compõem uma sociedade, como é o caso da informante
apresentada anteriormente.
Uma outra informante (77 anos), natural de Itacoatiara, que viveu a maior parte de sua
vida em seu local de origem, foi criada por sua tia porque seus pais morreram quando ela era
ainda uma criança. Essa informante nos disse o seguinte: “quando a minha mãe MUREU eu
tinha nove anos. E quando o papai MUREU eu tinha cinco anos. Quase não conheci meu pai. Foi
pouco [...]. A minha filha amigou-se com um rapaz, aí. Ele não trabalha, é mulecão. Só é ela que
trabalha pra sustentar ele. Eu acho isso ERADU. Isso é ERADU, né?!”(M.L.P., entrevista /
2012).
Para Corrêa (1980, p. 139) “o caboco amazonense pela sua maneira de ser e viver, é
representante de uma cultura que faz com que se mantenha unido com os demais pela sua
maneira de falar”. É exatamente pelo fato de o caboco amazonense ter suas particularidades na
língua falada, que percebe essa distinção como um fator de pertença a seu grupo de fala e isso os
mantêm unidos.
A sociedade e sua cultura podem ser representados por sua língua porque tanto a
sociedade como a cultura condicionam as diferentes variações presentes na linguagem. E a
língua é um sistema de signos ou conjunto de sinais organizados, por meio dos quais os
indivíduos se comunicam entre si. E a linguagem é a capacidade que o indivíduo tem para se
comunicar por meio de signos.
Ao falar sobre uma atitude banal no comportamento do homem, um outro sujeito de
nossa pesquisa se expressou da seguinte forma: “o homem é assim quando ele é muito leso,
quando ele deixa os outros bater nele” (C.D.C.M.J., 14 anos, entrevista / 2012). De acordo com
Campos (2011, p. 39), “a língua, da mesma sorte que apresenta diversificados aspectos em
função da condição geográfica dos seus falantes, está condicionada a fatores de natureza social”.
O sujeito falante articula seu discurso baseado em aspectos distintos, como o local em que se
encontra geograficamente, sua condição social, dentre outros fatores.
De um lugar para outro do Brasil, de uma região para outra em nosso país é possível
compreendermos os distintos e variados falares. O brasileiro, como um falante nativo, está apto a
compreender um outro sujeito da mesma nacionalidade, mas não necessariamente com a mesma
naturalidade que a sua, ainda que haja falha na comunicação.
O que poderia causar essa possível falha na comunicação é exatamente o fato de que
104
palavras variadas ou variantes da mesma palavra existem aos milhares no Brasil. O que, por
exemplo, em Manaus se denomina ‘jerimum’, em São Paulo é denominado ‘abóbora’. O que
aqui é dado o nome de ‘dindim’, encontra a denominação de ‘sacolé’ em outras regiões; o que os
amazonenses nomeiam de ‘mangarataia’, as pessoas da região Sudeste denominam ‘gengibre’. E
essa lista seria interminável se não a interrompêssemos agora.
É nessas situações que percebemos o uso da língua na prática da discriminação e da
exclusão social. O preconceito linguístico está presente em nossa sociedade em diferentes
esferas. Essa estigmatização é lançada com maior frequência e com mais intensidade contra os
sujeitos advindos dos espaços rurais ou meios pouco escolarizados. O que existe de fato não é o
preconceito linguístico30, mas o preconceito social, pois a depender de quem está falando, com
quem, quando, em que circunstâncias e com que propósito tudo vai mudar de figura.
Com efeito, até mesmo na mídia31 impressa e televisionada pode-se encontrar diariamente
uma leva de preconceitos e de discriminação contra falantes da nossa língua. Em alguns casos,
utilizam-se chavões ‘rançosos’ contra os falantes com traços diferenciados daqueles apresentados
pela Gramática Normativa da Língua Portuguesa.
As pessoas que ridicularizam outras por seu modo de falar, seja ele regional ou não,
desconhecem o fato de que não existe ‘erro’ na língua, o que há é uma variação nesse modo de
falar. Todo modo de falar deve ser respeitado. Isso se deve ao fato de que a pessoa envolvida no
processo de comunicação é um indivíduo da mesma espécie, por isso deve haver o respeito e a
compreensão com o outro.
_______________________________
30
Ver a esse respeito a obra Não é errado falar assim! Em defesa do português brasileiro (Parábola Editorial, 2009),
de Marcos Bagno, em que o autor discorre com maior profundidade sobre o tema suscitado.
31
Na obra Doa-se lindos filhotes de poodle: variação linguística, mídia e preconceito (Parábola Editorial, 2005), de
Maria Marta Pereira Scherre a autora apresenta e analisa diferentes tipos de preconceitos linguísticos e agressões
feitas pela mídia impressa.
105
3.2 – Os falares dos homens moradores do Quarenta
Os falares dos informantes homens do Igarapé do Quarenta estão divididos em dois
Grupos a saber: Grupo Dois – Grupo de Adultos e o Grupo Três – Grupo de Idosos. Dentro das
localidades pesquisadas, no Grupo de Adultos do sexo masculino há um grupo composto por
quatro homens com idades que variam de 23 a 56 anos, sendo que um desses homens é um
representante comunitário. E no Grupo de Idosos, há um grupo composto por três homens com
idades que variam de 60 a 65 anos.
Ouvimos em entrevista 02 sujeitos no Parque Residencial Professor José Jefferson
Carpinteiro Péres e um número de 05 sujeitos no Parque Residencial Professor Gilberto
Mestrinho.
Em relação ao grau de escolaridade dos informantes do Grupo de Adultos a pesquisa
revela que 02 deles possuem o Ensino Médio Completo; outros 02 possuem o Ensino Médio
Incompleto; 01 possui o Ensino Fundamental Completo; e 02 possuem o Ensino Fundamental
Incompleto. “Estudos sociológicos apontam que existe uma relação muito estreita entre
escolaridade e ascensão social, os melhores empregos e os postos de comando da sociedade estão
reservados predominantemente aos cidadãos mais escolarizados” (BAGNO, 2007, p. 44).
Esse autor chama a atenção para o fato de que essa relação tênue existente entre a
escolaridade e a ascensão social de um indivíduo é sem dúvida um fato real, especialmente em
nosso país que comporta alto índice de desigualdade social.
Com relação à faixa etária dos sujeitos ouvidos dentro do Grupo 02 (Grupo de Adultos
homens com faixas etárias de 20 a 59 anos) e do Grupo 03 (Grupo de Idosos – homens com
faixas etárias a partir de 60 anos) a pesquisa revela que os seguintes dados: 02 dos informantes
possuem 23 anos; 01 informante possui 55 anos e um outro está com 56 anos de idade; outro 01
informante possui 60 anos; outro está com 63 anos e mais 01 possui 65 anos de idade, conforme
explicitado na Tabela 06.
Note-se que há uma pequena variação de faixa etária presente entre todos os sujeitos que
compõem o Grupo Dois e o Grupo Três de nossa pesquisa. Não encontramos sujeitos nas faixas
etárias dos 30 a 40 anos de idade que se encaixassem em todos os pré-requisitos de inclusão dos
informantes, o que em nada afeta ou altera os resultados da pesquisa.
106
Tabela 6 – Faixa Etária dos Homens
Faixa Etária
Adultos
Idosos
Fr.
Fi (%)
23 anos
02
00
02
28,60%
55 anos
01
00
01
14,28%
56 anos
01
00
01
14,28%
60 anos
00
01
01
14,28%
63 anos
00
01
01
14,28%
65 anos
00
01
01
14,28%
TOTAL
04
03
07
100%
Fonte: Pesquisa de Campo / 2012
No concernente a ocupação e profissão desempenhada pelos homens moradores do
Igarapé do Quarenta a pesquisa constata o seguinte quadro: do total de 07 indivíduos, sendo 04
do Grupo Dois e 03 do Grupo Três, 02 desses informantes (sendo 01 pertencente a cada Grupo)
exercem a atividade de vigilante (segurança); 01 informante do Grupo Dois exerce a atividade de
lavador de janela; 01 outro pertencente ao Grupo Dois desenvolve o trabalho de auxiliar de
Controle de Qualidade; mais 01 pertencente a esse Grupo é vendedor autônomo de confecções; e
01 informante do Grupo Três exerce a atividade de músico e o outro é feirante.
Conforme destaca Pochmann (2012, p. 57), “de maneira geral, os trabalhadores ocupados
pertencem ao segmento de baixa remuneração. Em média, recebem mensalmente 1,7 salário
mínimo”. Com a reestruturação produtiva desencadeada a partir dos anos 1990 nos países em
desenvolvimento, estabeleceu-se uma instabilidade flutuante no mercado de trabalho. Esse
processo desencadeou situações em que os sujeitos subalternizados têm que se forjarem como
trabalhadores para auferir renda e assim suprir as necessidades de suas famílias.
Em relação à estrutura familiar dos moradores pertencentes ao Grupo de Adultos e ao
Grupo de Idosos a pesquisa identifica famílias de médio porte e a maioria de pequeno porte.
Dentre os homens inquiridos 01 informou que moram 02 pessoas na residência; 03 afirmaram
haver 03 pessoas na residência de cada um; 01 disse ter 04 membros na casa; e outros 02
afirmaram haver 05 pessoas residindo na mesma residência.
107
Nos grupos familiares pesquisados, predomina o tipo de família composta por pai, mãe e
filhos, além de outros membros parentais, como é o caso de irmãos dos chefes de família.
Constatamos a existência de um grupo familiar composto pelo pai e seus dois filhos. Esse pai
relatou que a esposa abandonou-os quando esses eram ainda pequenos. Hoje, esses filhos são
adolescentes e moram com ele. Trata-se da ocorrência de família monoparental masculina,
chefiada por um dos cônjuges que no caso é o homem.
Losacco (2010, p. 64) relembra que “vemos hoje a configuração familiar modificar-se
profundamente [...]. Hoje, diversifica-se e abrange as unidades familiares formadas por grupos
formados por qualquer um dos pais e seus filhos”. Não é comum a ocorrência do tipo de família
monoparental masculina. São raros os casos em que é o homem que fica com os filhos, posto que
a Lei brasileira dá total amparo à mãe no tocante à guarda dos filhos, quando ocorre a separação
do casal. Este caso na pesquisa é sui generis: trata-se da mãe que abandona os filhos.
A renda mensal familiar desse grupo de homens inquiridos é superior àquelas rendas
auferidas pelas famílias dos adolescentes e jovens apresentadas anteriormente. Apesar de esses
salários serem maiores em relação àqueles dos adolescentes e jovens, ainda são baixos os
salários percebidos por esses homens (desses Grupos Dois e Três) e suas famílias.
Para Vitale (2010, p. 77), “a ausência ou a fragilidade de um trabalho estável atinge as
famílias vulneráveis e tem sido fonte de exclusão entre os grupos familiares dos segmentos
populares”. Nesse cenário das mudanças ocorridas no mundo do trabalho, o mercado informal
como o de feirantes, vendedores ambulantes de confecções e de lanches, de balas, de
refrigerantes, de garrafas de água mineral, de sucos, lavadores de janelas, entre outros, cresceu
consideravelmente como ocupação na época contemporânea. Dificilmente, encontrarão emprego
aquelas pessoas pouco escolarizadas e sem qualificação profissional.
Com relação ao grau de escolaridade do pai e da mãe de cada homem ouvido, a pesquisa
revela que 42,86% dos entrevistados, tanto o pai quanto a mãe deles são alfabetizados; 28,58%
têm pais analfabetos; 14,28% desse universo tanto o pai como a mãe dos entrevistados possuem
o Ensino Médio Completo; e 14,28% desses homens o pai possui o Ensino Médio Incompleto, e
a mãe possui o Ensino Médio Completo. É o que mostra a Tabela 7:
O baixo nível de escolaridade dos pais desses homens moradores do Igarapé do Quarenta
pode ter relação também com o fato de aqueles pais terem que optar entre estudar e trabalhar,
ficando na maioria das vezes, com a segunda opção como meio de subsistência.
108
Tabela 7 – Grau de Escolaridade dos Pais dos Homens
Grau de Escolaridade dos
Pais dos Homens
Pais dos
Adultos
Pais dos
Idosos
Fr.
Fi (%)
Ensino Médio Completo
01
00
01
14,28%
Ensino Médio Incompleto
01
00
01
14,28%
Alfabetizados
02
01
03
42,84%
Analfabetos
00
02
02
28,60%
TOTAL
04
03
07
100%
Fonte: Pesquisa de Campo / 2012
Para Draibe (2011, p. 121), “deixar a escola para trabalhar, permanecer mas repetir o ano
escolar, este é o ciclo repetitivo da relação trabalho/escola de pessoas pobres”. Parece ser esse o
maior drama vivido pelos pais desses informantes sem qualificação profissional.
Com uma baixa capacitação profissional e uma base escolar precária os pais dessas
pessoas se veem obrigados a permanecer sem emprego ou com uma precariedade de trabalho
sem Carteira de Trabalho assinada. Nesses casos, buscam por qualquer ocupação e os que lhes
são possíveis, como salienta Carvalho (2011, p. 100), “trabalham em ocupações manuais,
rotineiras, porque em geral não possuem qualificação profissional”.
Esses trabalhos rotineiros são os mais variados e, quando essas pessoas são oriundas de
zonas rurais, geralmente desenvolvem ocupações agrícolas, já que nessas áreas não há muitas
opções de emprego e de trabalho para eles. De acordo com essa autora, “sem dúvida, o Estado
brasileiro precisa investir com urgência numa política social de qualidade e com objetivos de
erradicação da miséria. A descentralização e a municipalização também são condições
fundamentais”. (Ibidem, 2011, p. 102). As desigualdades sociais são, sem dúvida, um escândalo
em nosso país e urge que se elaborem políticas de Estado consistentes para que as pessoas
possam viver de forma mais digna.
A grande maioria dos pais desses homens com os quais conversamos é oriunda da zona
interiorana do Amazonas, sendo 71,45% proveniente do interior do Estado e o restante de
Manaus. Há outras procedências também conforme podemos verificar no Gráfico 5 a seguir.
109
Gráfico 5 - Local de Nascimento dos Pais dos Homens
Manaus
Maués
Autazes
Tonantins
Urucurituba
Pará
Fonte: Pesquisa de campo / 2012
De acordo com os dados da pesquisa constatamos que os índices de migração são
elevados no Igarapé do Quarenta. Trata-se de um fenômeno latente tanto em relação aos homens
pesquisados quanto em relação aos seus pais. Para Oliveira (2010, p. 114), “a migração para
Manaus continua acentuada porque ainda paira no imaginário dos povos da Amazônia que a
Zona Franca continua sendo o ‘El dorado’ e representa ainda a grande salvação para os
problemas econômicos desta região”. Os moradores afirmaram que a vinda para a cidade se deu
em razão da busca por melhores condições de vida.
A cidade sempre desperta na população que reside na zona interiorana o sonho de uma
vida melhor, com mais qualidade de vida, com mais oferta de emprego, a possibilidade de
conquistar a sua casa própria e isso impulsiona o fluxo migratório no sentido campo / cidade.
Indagado sobre distintos aspectos que envolvem a participação de homens e de mulheres
na família um dos entrevistados respondeu o seguinte: “acho que o papel do homem é dar bom
exemplo. Acredito que o homem tem que dar bom exemplo pra nossos filhos copiar” (Homem,
A.F.L., 56 anos, entrevista / 2012).
De acordo com Sarti (2011, p. 63), “para constituir a ‘boa’ autoridade, digna da
obediência que lhe corresponde, não basta ao homem e a mulher pegar e botar comida dentro de
casa e falar que manda. Para mandar, tem que ter caráter, moral”. É por isso que ambos pai e
110
mãe têm que dar bons exemplos de comportamento e moral para que adquiram o respeito de seus
filhos.
A fala deste sujeito é clara quanto ao fato de que para ele o papel do homem na família é
ter que dar bons exemplos para que os filhos do casal possam assimilá-los e reproduzi-los em
suas vidas. Nessa fala não percebemos nenhum teor ou característica de preconceito ou
discriminação por parte deste informante. Um outro entrevistado revelou o seguinte:
Olha, o homem é o chefe. Então, ele tem que assumir o papel de tal. Não
é ser aquele moralista, aquele machista, não. Mas eu acho que tem que
chamar, sentar e conversar, seja com os filhos ou com a esposa. E o
papel da mulher não é ser uma mulher submissa, mas uma mulher [...]
Pôxa, ela é muito importante, é ela que é a rainha do lar, digamos assim
(Homem, J.A.B., de 65 anos, entrevista / 2012).
Conforme Sarti (2011, p. 63), “em consonância com a precedência da família sobre a
casa, o homem é considerado o chefe da família e a mulher a chefe da casa”. Essa divisão sexual
do espaço doméstico e a função de cada um dentro da casa fica imaginariamente bem
estabelecida e acordada entre as famílias. As palavras utilizadas pelo nosso informante ‘o homem
é o chefe’, denotam forte herança do patriarcado em sua formação. Esta situação é comum em
nossa sociedade salvaguardadas as exceções.
As sociedades patriarcais estabelecem e definem os papéis a serem desempenhados pelos
indivíduos de acordo com os gêneros. Cada gênero tem o seu papel, e assim, todos os membros
da sociedade têm que se comportar conforme o instituído. Paira no imaginário social, a divisão
sexual patriarcal em que a mulher é a responsável pelos afazeres da casa e o homem o provedor
da família. Os tempos são outros. Muitas mulheres assumem, atualmente, a chefia familiar.
Dados do Programa Nacional de Amostragem por Domicílios, do IBGE/2010, revelam
que as mulheres já estão à frente de quase 22 milhões de residências, como chefes de família em
19 dos 27 Estados brasileiros.
Os Estados que apresentaram maior aumento desses índices estão localizados no Norte e
no Centro-Oeste do País. Tocantins (24,7%) encabeça a classificação, seguido do Amapá (20%)
e Mato Grosso (17%). Os menores índices foram registrados no Distrito Federal (1,6%), Piauí
(3,1%) e Rio Grande do Sul (3,3%). Completam a lista, Paraíba (3,5%), Amazonas (3,6%),
Sergipe (4,4%), Paraná (5%), Ceará (5,7%), Minas Gerais (7%), Alagoas (11,5%), Rondônia
111
(12,7%), Espírito Santo (14%), Pará (15%) e São Paulo (16%).
Um outro informante de nossa pesquisa inquirido sobre do que ele costuma falar com
outros homens afirmou que “a gente fala sobre muitas coisas, né? Sobre negócios, sobre
mulheres, também. Depende. Se eles forem solteiros é mais sobre mulher, entendeu? A mesma
coisa é a mulher também. Quando você vê uma menininha ali também, uma garotinha ali, já é
outra coisa que tá rolando” (J.A.B., de 65 anos, entrevista / 2012).
De acordo com Torres (2005, p. 70), está explícito que “os processos sociais de
construção das relações de gênero fazem parte do próprio poder. Dependendo de cada sociedade,
essas relações são mais ou menos assimétricas”. Ressalte-se que a fala desse informante
encontra-se carregada de preconceito e discriminação contra a pessoa da mulher.
Outro informante indagado sobre a mesma temática afirmou que “se a gente for comparar
futebol com relacionamento podia dizer que todo mundo fala sempre das mesmas coisas, porque
a mulherada fala sempre dos maridos, dos namorados, né? Sobre as sacanagens que eles fazem”
(J.A.P.R., de 23 anos, entrevista / 2012). Samara et. al (1997, p. 25) esclarece que “as mulheres
como seres sociais que integram sistemas de poder, redes de dominação e laços de vizinhança”
aparecem sempre na fala dos homens, como o fez o nosso informante.
Um outro sujeito de nossa pesquisa ao falar sobre o comportamento social da mulher,
disse: “isso aí depende. Se ela for solteira, desde que ela respeite a dignidade dela. Seja digna. Tá
tudo legal. Tudo bem” (J.A.B., 65 anos, entrevista / 2012).
Stearns (2007, p. 32) destaca que, “nas sociedades patriarcais, os homens eram
considerados criaturas superiores”. Da fala desse informante, depreende-se que ele carrega
internalizado consigo uma herança do sistema patriarcal, em que a mulher deveria seguir um
padrão de comportamento estipulado pelo seu marido considerado o seu senhor, o seu dono.
Ao ser inquirido se o homem fala igual a mulher, um morador do Grupo Dois –Grupo de
Adultos revelou o seguinte:
Eu acho que não. Olha, esse modo de falar [...]. Olha, eu não tenho
problema. Nunca fiz a minha unha, por exemplo. É a primeira vez que eu
tenho uma mulher que cuida de mim, mas muito bem. Faz minhas unhas,
pinta. Eu nunca tive problema com isso não. Mas eu acho que homem
fala diferente da mulher (A.F.L., 56 anos, entrevista / 2012).
112
De acordo com Kerbrat-Orecchioni (2006, p. 08) “para que haja troca comunicativa, não
basta que dois falantes falem alternadamente é ainda preciso que eles se falem, ou seja, que
estejam, ambos, ‘engajados’ na troca e que dêem sinais desse engajamento mútuo”.
Constatamos que o senhor A.F.L. percebe a diferença na fala de homens e mulheres. Um outro
sujeito de nossa pesquisa afirmou que “o homem tem um jeito de falar que é de homem, porque
o homem é machista, né? As próprias brincadeiras de homem são machistas, mas é diversão, isso
não chega a ser regra (J.A.P.R., 23 anos, entrevista / 2012).
De acordo com Torres (2005, p. 185), “a dominação machista não faz parte da ordem
natural das coisas [...]. Ela deve ser vista como um aspecto da ordem social construído ao longo
da história”. O informante percebe as diferenças na fala de homens e assume que o homem tem
um comportamento machista na fala, referindo-se às brincadeiras masculinas, que são caricatas e
estereotipadas.
Para J.A.B. (65 anos) “homem não, ele não tem um jeito de falar que é próprio de homem
não” (Entrevista / 2012). De acordo com Almeida (1997, p. 101), “o campo das questões
relativas à linguagem permite situar algumas especificidades do feminino e do masculino no
tocante às suas falas”. Talvez este sujeito de nossa pesquisa não tenha percebido que os homens
e as mulheres falam de forma diferente.
Um outro informante delineou o seguinte quadro:
Bom, agora eu faço igual ao outro, e as bichinha ficam onde? (Risos)
Não, é sério. Homem fala de um jeito e as mulheres falam de outro. Mas
e as bichinha ficam como? Mas de que jeito fala o homem? Eu acho que
eu tô falando como homem, né? É desse jeito. Eu tô falando como
homem, é desse jeito que homem fala (E.C.D.S., 60 anos, entrevista /
2012).
Possenti (2009, p. 77) considera que “a distância entre uma guerra e uma piada racista,
sexista ou homofóbica é grande, certamente, mas ambas pertencem à mesma linhagem: são
formas de agredir o outro, de expressar a certeza de que o outro não é como nós”. É notório que
na fala desse morador está presente e latente o preconceito e a discriminação. São atitudes como
essa que podem desencadear o apartheid entre diversos grupos sociais.
Esse informante apesar de ter respondido nossa questão e de ter percebido que há
diferença nas falas de homem e de mulher, desliza no momento em que seu preconceito contra os
113
homossexuais fica explícito.
Inquirido a falar sobre como era a realidade em sua época, E.C.D.S. (60 anos) revelou o
seguinte:
No meu tempo era diferente, graças a Deus. No meu tempo existia era
dignidade, trabalho, respeito pela família que hoje tá se acabando. Eu era
daquele tempo que o mais velho chegava em casa, eu tomava a bênça.
Não queria nem saber. Era bênça fulano, bênça titio. Eu tomava a bênça
como forma de respeito (Entrevista / 2012).
Bourdieu (2009, p. 79), salienta o fato de haver “relação entre as intenções dos agentes e
o sentido histórico de suas ações”. Esse nosso informante estabelece um vínculo com o seu
passado ao lembrar e agir respeitosamente com as pessoas de mais idade, parentes próximos.
Outro informante falando sobre o tempo em que morava no Igarapé do Quarenta disse:
“eu morava atrás do Igarapé do Quarenta. Mas lá não foi muito bom, porque lá era um pouco
perigoso. Lá, o pessoal tem o tráfico atrás, né? De vez em quando tinha briga, mas tirando isso”
(J.A.P.R., 23 anos, entrevista / 2012).
De acordo com Bourdieu (2009, p. 15), “todos esses traços pertencem à ordem
simbólica”. Sem dúvida, todos os traços e aspectos revelados por esse sujeito de nossa pesquisa
denotam uma relação de satisfação / insatisfação relacionada com o ocorrido em tempos
pretéritos em sua vida.
Ao ser indagado sobre se homem não chora J.A.P.R., (23 anos) revelou o seguinte: “não
concordo com isso não. Porque homem chora, né? É da pessoa chorar e ele continua sendo
homem. Só que ele não demonstra que chora, né? (Entrevista / 2012).
Para Louro (2010, p. 22), “é no campo do social que se constroem e se reproduzem as
relações (desiguais) entre os sujeitos”. Esse sujeito de nossa pesquisa do Grupo Dois acredita que
mesmo a sociedade patriarcal tendo educado o menino para não chorar, o homem chora sim, não
o fazendo em público para não denotar fraqueza.
Um outro informante ao ser indagado sobre a mesma temática reafirmou o fato de que
homem chora sim. Vejamos: “isso aí é ilusão. Eu sou um ser humano e nós sêmo frágil. Tanto o
homem quanto a mulher chora” (A.F.L., de 56 anos, entrevista / 2012). Para Almeida (2000, p.
73) há longas datas que “as grandes mudanças que se verificaram com a sociedade moderna no
campo da sexualidade e dos gêneros foram igualmente mudanças na interpretação do corpo, do
114
sexo, da reprodução, da identidade individual e das emoções”. Note-se que o nosso informante
reconhece ser o homem um ser frágil, este já é um sinal de que as mudanças estão em processo.
J.A.B. (65 anos) disse o seguinte “olha, homem que é homem tem que ter caráter. Não
interessa se ele chora ou não” (Entrevista / 2012). Como salienta Samara et. al (1997, p. 24)
ainda há “espaços e papéis prescritos por normas reguladoras de comportamento” que
condicionam as relações em sociedade e especificam que se o homem chorar, é visto como um
sujeito fraco. Por isso, o nosso informante reluta em admitir que o homem também chora.
J.A.F.P. (63 anos) põe-se na contramão do informante anterior dizendo o seguinte: “acho
que isso aí não existe não. O homem também chora porque ele é um ser humano igual a mulher”
(Entrevista / 2012). Samara et. al (1997, pp. 15-16) chama a atenção para o fato de que “o
feminino era antes tomado apenas como o campo reverso do masculino”. Como vimos
anteriormente, o informante reconhece o homem como um ser igual a mulher.
Por fim, um outro informante que compõe esse Grupo Dois ao ser indagado sobre a
mesma temática respondeu que “não concordo, porque homem também chora. Tem coração, né?
Não é gay não, se ele chorar” (R.M.D.S., 23 anos, entrevista / 2012). De acordo com Almeida
(1997, p. 96), “características vistas como ‘naturalmente’ masculinas ou femininas desvelam, em
seus meandros, atribuições e expectativas sociais”. Note-se que o nosso informante é cuidadoso
ao dizer e salientar o fato de que o homem também chora e pode chorar sem ser homossexual.
Há certamente, por parte de alguns sujeitos amostrados nesta pesquisa, uma postura
discriminatória e hostil em relação aos homossexuais. Essa homofobia é um fenômeno
desastroso percebido de formas diversas como em piadas vulgares que ridicularizam o outro, até
formas mais graves.
Essas práticas socioculturais de exclusão e humilhação são constitutivas de uma
ideologia homofóbica que ainda permeia o universo de muitas pessoas em nossa sociedade. Esse
tipo de postura deve ser combatida por se tratar de uma posição violenta e agressiva, além de
desrespeitosa, para com pessoas semelhantes. De acordo com Borrillo (2010, p. 17), “invisível,
cotidiana, compartilhada, a homofobia participa do senso comum, embora venha culminar, igualmente, em uma
verdadeira alienação dos heterossexuais. Por essas razões é que se torna indispensável questioná-la no que diz
respeito tanto às atitudes e aos comportamentos quanto a suas construções ideológicas”.
No tocante à fala de homens, esta pesquisa mostra que existe sim uma fala específica de
homem. Isto foi revelado tanto pelos adultos quanto pelos idosos ouvidos.
115
3.3 – Os falares das mulheres moradoras do Igarapé do Quarenta
Dentro das localidades pesquisadas, no Grupo de Adultos do sexo feminino há um grupo
composto por 04 mulheres, sendo 01 dessas representante comunitária, com idades que variam
de 22 a 54 anos. E no Grupo de Idosas, há um grupo composto por 03 mulheres com idades que
variam de 64 a 82 anos de idade.
Em relação aos limites físico-geográficos do fenômeno pesquisado há um número de 06
sujeitos pertencente ao quadro de moradores do Parque Residencial Professor José Jefferson
Carpinteiro Péres e apenas 01 moradora do Parque Residencial Professor Gilberto Mestrinho.
Em relação ao grau de escolaridade das informantes do Grupo de Adultos 03 possuem o
Ensino Médio Incompleto (duas dessas informantes estão cursando séries no nível
correspondente de ensino, ambas em Escolas Estaduais); 01 possui o Ensino Médio Completo;
01 possui o Ensino Fundamental Incompleto e 02 são analfabetas.
Com relação à faixa etária dos sujeitos de nossa pesquisa dentro dos Grupos Dois e Três
os dados constatados são os seguintes: 01 informante tem 22 anos de idade; 01 tem 33 anos; 01
tem 39 anos; 01 encontra-se com 54 anos; 01 está com 64 anos; 01 tem 77 anos e o último tem
82 anos de idade. Veja exposição na Tabela 8.
Tabela 8 – Faixa Etária das Mulheres
Faixa Etária
Adultas
Idosas
Fr.
Fi (%)
22 anos
01
00
01
14,28%
33 anos
01
00
01
14,28%
39 anos
01
00
01
14,28%
54 anos
01
00
01
14,28%
64 anos
00
01
01
14,29%
77 anos
00
01
01
14,29%
82 anos
00
01
01
14,30%
TOTAL
04
03
07
100%
Fonte: Pesquisa de Campo / 2012
116
No concernente a ocupação e profissão desempenhada por essas mulheres moradoras do
Igarapé do Quarenta, a pesquisa revela o seguinte quadro: do total de 07 indivíduos (04 do Grupo
Dois e 03 do Grupo Três) 02 informantes do Grupo Dois exercem paralelamente duas atividades.
A primeira delas cuida dos afazeres de sua casa durante o dia e a partir das 17h00 vende lanches
na frente de sua residência. A segunda também cuida de sua casa pela manhã e à tarde trabalha
na sala de estar da própria residência como cabeleireira. Uma outra desenvolve somente a
profissão de cabeleireira, e ainda outra atua como serviços gerais em uma empresa. As
informantes do Grupo Três são aposentadas.
Em relação à estrutura familiar das moradoras pertencentes ao Grupo de Adultos e ao
Grupo de Idosos, foram identificadas 02 famílias extensas e a maioria de característica nuclear.
A pesquisa constata que 02 possuem 03 pessoas na residência; outras 02 possuem 04 membros;
01 possui 05 membros em coabitação; e 02 possuem 06 membros residindo na mesma casa. Isto
pode ser explicado pelo fato de “o grupo familiar extenso, o agregado de parentes, criar vínculos
e sistemas próprios que garantem os padrões de reprodução social. A vida do grupo familiar
maximiza as chances de garantir a sobrevivência dos membros que têm pequenos rendimentos”
(CARVALHO, 2011, p. 97).
A pesquisa constata que predomina nesses locais o tipo de família nuclear composta por
pai, mãe e filhos. Em um desses casos há a presença da mãe, da filha adulta e de uma sobrinha na
mesma casa. Trata-se de uma família monoparental feminina. E em outros dois casos há a
presença de outros membros parentais como netos (as), tios e tias. De acordo com Ribeiro et. al
(2011, p. 146), “o elevado número de separações conjugais ocorrido nessa última década também
contribuiu para a redução do tamanho das famílias, ao aumentar, em muito, a proporção das
monoparentais”. São vários os fatores concorrentes para o destaque das famílias monoparentais
na sociedade.
A renda mensal familiar desse grupo de mulheres é, em média, 02 salários mínimos.
Deve-se levar em consideração a realização por essas mulheres de atividades paralelas como
forma de complementar a renda. De acordo com Bagno (2003, p. 38) “todos os milhões de
cidadãos pobres que, hoje, não têm acesso pleno à cultura letrada e às formas linguísticas
prestigiadas continuarão sendo estigmatizados e mantidos bem distantes das vias de acesso à
mobilidade social para o alto”. Ou seja, será difícil melhorar de vida ou elevar o padrão de vida
se isso não estiver acompanhado pelo acesso e permanência nas escolas.
117
Com relação ao grau de escolaridade do pai e da mãe de cada mulher ouvida, a pesquisa
revela que 42,85% tanto o pai quanto a mãe são analfabetos; 28,58% disseram que os pais são
alfabetizados; 14,28% dos amostrados afirmaram que tanto o pai como a mãe possuem o Ensino
Médio Completo; 14,28% revelaram que o pai possui o Ensino Médio Completo e a mãe é
alfabetizada. É o que mostra a Tabela 9:
Tabela 9 – Grau de Escolaridade dos Pais das Mulheres
Grau de Escolaridade dos
Pais das Mulheres
Pais das
Adultas
Pais das
Idosas
Fr.
Fi (%)
Ensino Médio Completo
01
00
01
14,28%
Alfabetizados
01
01
02
28,57%
Analfabetos
02
02
04
57,15%
TOTAL
04
03
07
100%
Fonte: Pesquisa de Campo / 2012
De acordo com Bagno (2003, p. 95) “o destino de muitas camadas sociais de brasileiros
se aproxima de um quase-fatalismo: é altíssima a probabilidade de pessoas nascidas em classes
sociais pobres ou miseráveis permanecerem por toda a existência dentro dessas camadas
desfavorecidas”.
O baixo grau de escolaridade dos pais dessas mulheres moradoras do Igarapé do
Quarenta as coloca sem condições de concorrer a um emprego no mercado de trabalho. Silva
(2010, p. 153) pontua que “a inserção dos migrantes no contexto da metrópole não é um processo
fácil e muito menos homogêneo para todos, pois, em geral, eles não dispõem de qualificação
adequada para atender as exigências do mercado de trabalho, as quais são cada vez maiores”.
A baixa escolaridade dos pais dessas mulheres moradoras do Igarapé do Quarenta pode
também ocorrer em virtude de que nas áreas interioranas as políticas educacionais ainda não
alcançam a todos. Uma grande maioria dos pais dessas mulheres com as quais conversamos,
71,45%, é proveniente do interior do Estado do Amazonas e apenas 14,29% são oriundos da
118
capital Manaus como demonstra o Gráfico 6.
Gráfico 6 - Local de Nascimento dos Pais das Mulheres
Manaus
Tefé
Coari
Itacoatiara
Manicoré
S.P. de Olivença
Fonte: Pesquisa de campo / 2012
A presença de migrantes vindos de diferentes zonas interioranas do Amazonas é elevada
entre os moradores do Igarapé do quarenta. A busca pela melhoria de vida é a grande
justificativa apresentada pelos sujeitos da pesquisa.
Oliveira (2010, p. 114) assinala que “com relação à migração intrarregional, os dados
indicam que muitos migram para escapar dos conflitos socioambientais, étnicos e familiares, que
ocorrem em várias regiões da Amazônia”. A autora esclarece que esse fenômeno de migração
intrarregional é fato contínuo realizado pelos ribeirinhos por razões diversas, não somente devido
à busca de melhoria de vida.
Uma mulher de 64 anos, que faz parte do Grupo Três, quando solicitada a falar sobre a
palavra que ela usa para significar uma pessoa com fome disse o seguinte: “aqui em casa o
pessoal diz que fulano vem torado de fome. Essa minha filha aqui quando chega da escola só fala
assim: mãe cadê a broca? Eu tô torada de fome” (Diário de campo / 2012).
De acordo com Campos (2011, p. 38), “além dos diferentes espaços físico-geográficos
119
onde a língua se concretiza, ocasionando as variedades de falares regionais ou variação dialetal,
as línguas também apresentam variantes decorrentes dos diferentes grupos sociais a que
pertencem os seus falantes”. E esse fato social é percebido também por essa informante que
identifica falares característicos dos adolescentes.
Uma informante inquirida a falar como era a vida quando morava no interior da cidade
revelou o seguinte:
Eu nasci de uma família pobre e aí você sabe que no interior as coisas
não são muito boas não. Eu fui crescendo pelo interior, por aí. Mas todo
tempo assim, com a vida aperreada, né? Com o tempo foi melhorando
mais um pouco, mas era sempre assim daquele jeito que eu te falei.
Minha mãe era uma mulher trabalhadeira. Trabalhava muito em roça, né?
(D.G.F., 82 anos, entrevista / 2012).
Sobre isso Morin (2007, p. 57) esclarece que “ricos e pobres, dominantes e dominados,
privilegiados e proletários, têm ideias, concepções, comportamentos que os tornam estranhos uns
aos outros, como se não pertencessem à mesma espécie”.
A linguagem com suas múltiplas diversidades é um construto sociocultural e linguístico
perpassando por diferentes sociedades humanas ao longo dos tempos e faz parte dessas mesmas
sociedades, com o intuito de fazer comunicar ou estabelecer uma comunicação entre os
indivíduos.
Uma outra informante revela: “eu fiquei sem pai cedo. Sem mãe também. E aí eu fui
criada pela minha tia. Ela era boa comigo, mas na época eu trabalhava. Era empregada na casa de
família, né?” (M.L.P.., 77 anos, entrevista / 2012). A esse respeito Sena (2001, p. 17), afirma
que “a palavra repassa, de forma velada ou ostensiva, todas as minúcias que caracterizam uma
formação social que, por sua vez, é o verdadeiro espelho das condições e das relações que
marcam a vida de uma comunidade”. O que parece ter marcado mais a vida dessa informante foi
o fato de ela ter que trabalhar ainda jovem.
Outra informante inquirida sobre a mesma temática revelou o seguinte:
Eu morava no interior, com meus pais que moravam no interior. Digo,
minha família é de Tefé. As coisas no interior são muito difíceis, que no
interior as coisas não são muito boas. Era difícil porque assim na época o
meu pai não tinha condição. Nós éramos em número de nove, né? E pra
sustentar nove crianças no interior sem ter assim recursos, né? É difícil.
120
Meu pai era agricultor, mas não tinha terreno próprio e a gente vivia
como podia. Na várzea, né? Era enchente, vazante, e depois a gente veio
pra cá, pra cidade, né? assim com 17 anos. Desde os 11 anos eu
trabalhava como doméstica. Eu vim pra cá com 17 anos” (L.G.F., 54
anos, entrevista / 2012).
A esse respeito Bourdieu (2010, p.145) salienta que “as relações de força objetivas
tendem a reproduzir-se nas relações de força simbólicas, nas visões do mundo social que
contribuem para garantir a permanência dessas relações de força”. Essa nossa informante teve
uma infância dura, de extrema pobreza, e isto parece ter marcado a sua vida como uma “força
simbólica” em seu imaginário.
Uma outra informante afirmou: “eu sempre vivi no interior. Olha, desde que eu me
entendi por gente eu fui criada pela minha avó. Pelos meus avós, né? Meus tios também. Que
minha mãe faleceu muito cedo, né? Eu era bem pequenininha, mas foi minha avó que me criou,
né? Eu me lembro bem. Mais tarde a gente veio pra cá pra cidade?” (D.M.S., 64 anos, entrevista
/ 2012).
Conforme Samara et. al (1997, p. 41), “por meio das representações e no domínio
ideológico é possível resgatar uma parte da nossa história, do que restou das tradições e das
construções culturais”. Parece ser isto que a nossa informante tenta fazer ao reportar-se ao seu
passado vivido em seu local de origem e sobre a formação recebida de sua avó.
No tocante a esses sistemas de parentesco, em sua obra Antropologia Estrutural (2003),
Claude Lévi-Strauss propõe um paralelo entre a organização social, mas principalmente das
regras do casamento e sistemas de parentesco e a linguagem apresentados em seu artigo
intitulado ‘Linguagem e sociedade’, em que tenta estabelecer uma equiparação entre os sistemas
de parentesco como uma espécie de linguagem.
Como antropólogo social, Lévi-Strauss considera traços fundamentais entre essas
diferentes regras de parentesco (como modalidades de comunicação) de forma genérica e a
linguagem. Sabendo, portanto, da existência de uma ligação entre cultura e língua, e que essa
pode ser vista como um sistema de distintos hábitos sociais e diferentes modelos de conduta,
estabelece-se uma correlação entre os conceitos de parentesco estudados por Lévi-Strauss. E
enquanto sistema, pode-se associá-los às línguas como sendo sistemas com um grau de
parentesco entre si.
Como toda análise científica da cultura e da vida em sociedade é ainda uma análise da
121
linguagem humana, pode-se entender que os modelos sociais e também culturais se encontram
nas estruturas das línguas.
Uma outra informante segue dizendo sobre sua relação com seu companheiro nos
seguintes termos: “ele não dá dinheiro pra mim não, mana. Dá não. Quer saber de tudo o que a
gente vai comprar, o que a gente vai fazer. Até a gente falar, nem quer mais o dinheiro. A gente
tem que ter nosso dinheiro, né? fora à parte” (J.D.S.P., 39 anos, entrevista / 2012).
De acordo com Sena (2001, p. 17), “a palavra, além de simbolizar uma referência,
oculta, por trás dessa associação, emoções, atitudes, humores e índole. Oculta ou não, interesses
às vezes carregados de escrúpulos, outras vezes exageradamente sórdidos, ou estados de espírito
em que as referências ocorrem”. É interessante perceber o nível de consciência de nossa
informante, afirmando ser necessário e pertinente se libertar dos grilhões do companheiro, ter sua
autonomia.
De acordo com Azerêdo (2011, p. 24), “a saída das mulheres para o mercado de trabalho,
está transformando a mãe/dona de casa, que antes era proibida de trabalhar, em provedora, o que
lhe dá maior autonomia”. É o que acontece com essa nossa informante que trabalha fora de casa
para ganhar o seu próprio dinheiro.
Uma outra informante revelou o que repassa como algo de grande importância para seus
filhos: “que a única maneira de ganhar dinheiro é trabalhando”. (D.G.F., 82 anos, entrevista /
2012). De acordo com Perrot (2008, p. 69), “como a função materna é um pilar da sociedade e da
força dos Estados, torna-se um fato social”. Como mãe e como mulher a nossa informante traz
em sua fala um conhecimento de mundo valioso que repassa a seus filhos como legado.
Também K.P.D.A. (33 anos) aponta na mesma direção:
A educação ela tem que vir de casa, porque muitas famílias pensam que
quem vai dar a educação é o professor na Escola, é alguém na Igreja, mas
não é não. A educação tem que vir de casa. A Escola e a Igreja é uma
base. A educação mesmo tem que vir de casa. Muitos querem empurrar
as crianças pras Escolas, pras Igrejas, pra ver se tem uma solução, mas
não é assim não. Ali é uma base, uma ajuda (Entrevista / 2012).
De acordo com Louro (2010, p. 97), “espera-se que os próprios indivíduos aprendam a se
autogovernar, e, para que tal aconteça, é preciso todo um investimento em seus processos de
formação”. Como a nossa informante revelou em sua fala, o legado maior para que o sujeito
122
aprenda a direcionar seu próprio caminho na vida vem da educação recebida em casa desde cedo.
Ao ser inquirida sobre que tipo de atividades realizam em conjunto na comunidade uma
mulher entrevistada revelou: “a dona Rosa até queria fazer um grupo aqui na comunidade, mas
não deu certo. Não sei o quê que houve. Fez uma reunião aí pra nós, mas não sei porque não foi
pra frente, não. Só sei que não deu certo. Quer dizer, eu sei o que houve, foi falta de união”
(M.L.P., 77 anos, entrevista / 2012).
Para Louro (2010, p. 98), “representações são formas culturais de referir, mostrar ou
nomear um grupo ou um sujeito”. Essa nossa informante, como sugere a autora, busca se referir
às pessoas mais próximas de sua comunidade como sujeitos que não trabalham em conjunto por
falta de união do próprio grupo.
Outra informante indagada sobre como é o jeito de falar da mulher respondeu o seguinte:
“ela fala: oi amiga; aquilo é lindo. É mais meigo o jeito de falar da mulher” (K.B.D.L., 22 anos,
entrevista / 2012). É pertinente a afirmação de Bagno (2003, p. 193), quando diz que “os papéis
sociais atribuídos aos gêneros masculino e feminino (ao homem cabe falar ‘grosso’ e
impositivamente; à mulher, ser ‘delicada’ e condescendente)”. Isso está relacionado com o fato
de os homens terem que falar mais grosso porque é homem e as mulheres têm que falar mais
fino, de modo delicado. Cada gênero desempenha papéis sexuados desenhados pela sociedade à
que pertencem.
Vejamos agora o que revela uma informante do Grupo Dois (Grupo de Adultos) ao ser
indagada sobre se a mulher fala muito, a saber: “mulher fala muito, porque ela vê mais o dia-adia de casa, entendeu? Ela é que sabe o que faz e o que deixa de fazer numa casa, entendeu?”
(L.G.F., 54 anos, entrevista / 2012).
Azerêdo (2011, p. 77) chama atenção para o fato de que é preciso: “atravessar as
fronteiras e sair do lugar em que se procuram fixar as mulheres”. Em algumas situações são as
próprias mulheres que contribuem para reforçar preconceitos e uma rede de estereotipagem, por
isso, é necessário atravessar essas fronteiras do preconceito, para disseminá-lo.
A nossa informante afirma que ela como mulher fala muito sobre seu dia-a-dia no
ambiente doméstico porque é essa mulher que tudo acompanha e trabalha no espaço doméstico.
É ela que sabe exatamente o que precisa e quando é necessário. No entanto, essa visão denota um
tipo de comportamento específico, pois há pessoas que são mulheres e não tem o hábito de falar
muito.
123
O feminismo luta há longas datas por uma igualdade entre os gêneros, porque como
afirma Perrot (2008, p. 153), “tanto por sua natureza quanto por suas funções, as mulheres não
são reconhecidas como indivíduos”. Por terem sido há muito tempo relegadas a uma categoria de
inferioridade e carregar também o estigma de mulher ‘faladeira’ é que as mulheres precisam
mudar este panorama.
Ao ser inquirida sobre o mesmo assunto e seguindo na contramão da fala anterior, uma
mulher entrevistada afirmou: “a mulher fala menos do que o homem, porque ela fala pouco”
(D.M.S., 64 anos, entrevista / 2012).
Esse tipo de comportamento da mulher de falar pouco é ‘ignorado’ por alguns homens e
algumas mulheres, que reforçam esse estereótipo da mulher ‘faladeira’ como forma de
inferiorizar a mulher e desrespeitar seus direitos.
Conforme Perrot (2008, p. 158), “desde a década de 1970 as mulheres e o feminismo vêm
lutando eventualmente pela igualdade na diferença”. As mulheres há longas datas vêm lutando
para terem seus direitos respeitados e anseiam por uma igualdade entre os gêneros.
Uma outra informante indagada sobre a mesma situação disse o seguinte: “acho que
mulher fala muito. Tem umas que falam demais. Aqui tem uma bem pertinho que é a minha
filha, inclusive, que fala que só uma papagaia”. (D.G.F., 82 anos, entrevista / 2012). De acordo
com Bourdieu (2010, p. 98) “as diferenças nas atitudes, tal como as diferenças de posição estão
na origem de diferenças de percepção e de apreciação”. Isto é, a nossa informante percebe o fato
de a mulher falar muito e o reconhece presente em sua filha, à qual ela associa a uma ave
emblemática e simbólica que é o papagaio.
O ponto de referência é a filha a quem ela faz referência e descreve como uma pessoa
extremamente falante. E essa mesma filha é quem vive com ela e é também a pessoa que cuida
dela e da casa. Esta senhora se intitula uma pessoa tímida e de pouco falar. Ela fala bem manso,
bem calmo e devagar. Enquanto fazíamos essa abordagem, a filha estava presente na casa, dando
palpites nas indagações mesmo sem ser inquirida.
Uma informante revelou o seguinte: “tem uma vizinha do lado ali que ela é metida à
beça. Ela passa por aqui e não dá nem as horas pra ninguém. E vez ou outra tá precisando da
gente” (M.L.P., 77 anos, entrevista / 2012). Como salienta Scott (1991, p. 10), é “através da
linguagem que é construída a identidade de gênero”. É por meio dessa linguagem corporal que a
124
vizinha dessa informante constrói e exterioriza a sua relação com o outro e o faz da maneira
como foi ensinada, ignorando o outro.
Uma informante inquirida sobre com quem aprendeu a falar da forma como ela fala,
respondeu que foi “com a minha tia, né? Que foi a pessoa que me criou” (M.L.P., 77 anos,
entrevista / 2012). Já D.G.F. (82 anos) revelou que “aprendi a falar assim com a minha mãe lá no
interior” (Entrevista / 2012). Por fim, D.M.S., (64 anos) acrescentou: “aprendi a falar assim com
os antigos” (Diário de Campo / 2012).
Tarallo (2007, p. 63) destaca que “nem tudo o que varia sofre mudança; toda mudança
linguística, no entanto, pressupõe variação. Variação, portanto, não implica mudança; mudança,
sim, implica sempre variação. Mudança é variação”. Como as pessoas não falam sempre do
mesmo modo nem em circunstâncias semelhantes, nem em circunstâncias diferentes, a variação
linguística indicará a igualdade e a diferença dos sujeitos em certas ocasiões ou situações.
O sonho de que haja um mundo de relações amistosas e saudável entre os seres humanos
é patente entre os moradores e moradoras do Igarapé do Quarenta. Torna-se necessário que não
ocorram mais preconceitos com a fala das mulheres como há longos anos vêm acontecendo.
Precisamos ter consciência e atentarmos para o fato de que todos precisamos mudar de
comportamento e de atitudes uns em relação aos outros.
Toda mudança gera impactos positivos e negativos. Que as mudanças vindouras sejam
mais positivas. O futuro que todos aguardamos é a concretização de situações saudáveis nesse
espetáculo que é a vida. Na seara linguística, queremos que a mulher deixe de ser discriminada
por ser mulher, pelo que fala ou pelo modo como fala. Que haja um mundo de relações de gênero
mais harmonioso e em “pé” de igualdade.
125
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O novo brota sem parar. Não podemos
jamais prever como se apresentará, mas
deve-se esperar sua chegada, ou seja, esperar
o inesperado. E quando o inesperado se
manifesta, é preciso ser capaz de rever
nossas teorias e ideias.
(Edgar Morin)
Finalizar não é uma tarefa das mais fáceis, ainda mais quando não se conclui, na medida
em que este tema continua desafiador. Muitas leituras fizeram-se necessárias para
compreendermos o objeto que buscamos desvendar. Os caminhos eram desconhecidos por nós,
que nos esforçamos para desbravá-los. Aprendi muito com as leituras deste assunto, com a minha
orientadora e suas exigências, como também aprendi muito com os sujeitos da pesquisa. Valeu a
pena toda a labuta empreendida para a conclusão de mais este sonho.
Cumpre-nos aditar a confirmação das hipóteses suscitadas no início de nosso estudo.
Existe de fato uma estrutura diferenciada de linguagem para homens e outra para mulheres, com
faixas etárias e profissões diferenciadas, conforme constatado amplamente nesta pesquisa. No
Igarapé do Quarenta os informantes pesquisados falam de forma diferenciada com vocabulários
próprios compatíveis com o gênero homem ou mulher. Outra hipótese confirmada se estabeleceu
no sentido de que essa estrutura diferenciada de falares comporta preconceito em relação à fala
da mulher. E, por fim, a nossa terceira hipótese também foi confirmada na medida em que as
mulheres amazonenses enfrentam sim um triplo preconceito: o de gênero pelo fato de serem
mulheres, o de linguagem pela discriminação de sua fala e o étnico por possuírem ascendência
indígena. A ocorrência do preconceito étnico deu-se de forma velada.
Um dos aspectos fortemente verificados refere-se ao fato de que as mulheres, sejam elas
jovens ou adultas, sofrem discriminação e preconceito linguístico. A discriminação de gênero
está ancorada na estrutura das ideias patriarcais fortemente presente na sociedade
contemporânea.
A linguagem informa sobre os mecanismos e formas de dominação, bem como revela de
que forma se estabelece a fala no feminino e no masculino, a partir da formação social desses su-
126
jeitos homens e mulheres.
Verificamos a ocorrência permanente de uso não padrão da Língua Portuguesa entre
todos os rapazes, moças, homens e mulheres, estejam eles conversando entre seus amigos e
familiares ou com pessoas externas aos seus ambientes. Isso não surpreende porque é dessa
forma que se expressam todos aqueles que não estão monitorando suas falas, por não estarem
atentos ou por não estarem em locais que requeiram o uso padrão.
Em relação aos jovens masculinos, há uma grande ocorrência de uso de gírias e de
adjetivação marcante que são expressões comuns nessa faixa etária. Já as moças não
apresentaram uso marcado de gírias em suas falas. Apontaram-nas como próprias dos meninos e
dos rapazes. É mais frequente em relação às jovens pesquisadas a ocorrência de concordância
verbal e nominal em suas falas, a qual é de menor ocorrência nas falas dos rapazes. As moças
moradoras do Quarenta tendem a fazer mais esses tipos de concordância em suas falas do que os
rapazes.
Com relação às mulheres adultas e idosas, não foi percebido o uso marcado de gírias. No
caso de homens adultos essa ocorrência se deu de forma diminuta. Em relação às mulheres, ao
contrário, constatamos o uso mais conservador da língua.
O uso do pronome ‘tu’ sem concordância com o verbo é bem recorrente entre os jovens
rapazes e moças, para se referirem a outra pessoa em diálogo, desde que essa pessoa não seja de
idade muito mais avançada. Se esses jovens estiverem em contato com pessoa de mais idade eles
utilizam a forma ‘senhor’ e ‘senhora’. Em relação aos homens adultos e idosos eles fazem mais
uso do ‘você’, e poucos utilizam o ‘tu’ para se referir a uma pessoa de fora de seu convívio. Já as
mulheres adultas fazem mais uso do ‘você’, ‘senhor’, ‘senhora’, para se referirem a pessoas de
fora.
Já o uso de ‘a gente’ é muito recorrente entre quase todos os sujeitos pesquisados. É
muito utilizado pelos jovens, em quaisquer circunstâncias, quer estejam eles entre jovens, quer
estejam com pessoas externas a seus convívios. Eles praticamente não fazem uso do pronome
‘nós’. Para os homens e mulheres adultos essa não ocorrência também é bem intensa.
Para fazer distinção entre situações diversas os homens de todas as faixas etárias são mais
“curtos” e diretos. Em alguns momentos podem até ser mal interpretados. Mas é o seu modo de
falar sobre dada situação. As moças fazem mais descrições e detalhamentos em relação às
mesmas situações. E as mulheres, tanto adultas quanto idosas, são mais precisas e detalhistas. As
127
mulheres se apegam aos menores detalhes e informações para esclarecer situações e documentam
as situações variadas por meio de recursos que esperam do ouvinte uma resposta.
Homens adultos e idosos são mais arrojados na fala, porém, são mais desconfiados e
tendem a querer controlar a conversa. Os rapazes são mais tímidos e contidos ao falar e
geralmente usam respostas curtas ou minimizadas. Já as mulheres adultas e idosas falam mais
abertamente e mais fluidamente sobre os assuntos solicitados, mas, elas falam mais baixo, não
encaram a conversa como uma disputa e são menos desconfiadas do que os homens. E com
relação às moças, essas são mais expansivas e gostam de conversar muito.
De forma geral, os rapazes e os homens acham que as mulheres falam apenas de coisas
triviais e irrelevantes. Consideram-nas falantes demais e tamanha “tagarelice” não tem grande
importância para eles, são coisas que não lhes dizem respeito e nem causa interesse. Aqui reside
o substrato patriarcalista em grande proporção na mentalidade dos homens.
Vocabulários referentes à culinária, cuidados com a casa, economia doméstica e novela
estão bem presentes nas falas das mulheres jovens, adultas e idosas nas áreas estudadas. As
moças gostam de falar sobre amizade, namoro e namorado. Já os homens se referem e citam com
um grande teor de recorrência em suas conversas o futebol, esportes, mulher e trabalho.
Quanto ao uso de partículas marcadoras do discurso ou marcadores discursivos como o
caso do ‘né’, ‘aí’, ‘entendeu’, a pesquisa demonstra ser essa partícula muito presente nas falas de
homens e mulheres, rapazes e moças. Essas partículas podem ser entendidas nos contextos
apresentados como uma espécie de confirmação do que está sendo dito, numa tentativa de
manter uma interlocução na interação.
Em suma, pessoas diferentes em seus gêneros, faixa etária, classe social, grau de
escolaridade e com profissões diferentes articulam suas falas de modo também diferente. Por
diversas razões, pessoas que mesmo pertencendo à mesma comunidade de convívio social
articulam de forma diferenciada suas falas. Seus modos de falar são distintos levando-se em
consideração elementos variados, como a situação em que se encontram e com quem falam. É
assim que o gênero é produzido e reproduzido na linguagem e pela linguagem. Há estilos
diferenciados do masculino e do feminino no modo de falar presentes nas comunidades
pesquisadas nas áreas do Quarenta.
128
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Manaus (UGPI). PROSAMIM. Manaus, 2004.
137
ANEXOS
138
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – TCLE
Convidamos o (a) Sr. (a) para participar da pesquisa intitulada “Igarapé do Quarenta: gênero e
linguagem”, que será realizada pelas pesquisadoras: a Profª. Drª. Iraildes Caldas Torres e a mestranda em
Sociedade e Cultura na Amazônia, Karla Patrícia Palmeira Frota. O objetivo desta pesquisa é verificar os
fatores que contribuem para o modo de falar de homens e mulheres de forma distinta, e que sejam
residentes do Igarapé do Quarenta, na cidade de Manaus. Esta pesquisa apresenta uma importância de
natureza científica e social, podendo servir de apoio para que a sociedade compreenda ainda mais o modo
de falar das pessoas como algo que se dá de forma distinta, de acordo com o gênero em questão. É de
igual relevância para as instituições com programas voltados para a fala e o discurso, que poderão se
constituir como um instrumento para fundamentar novas estratégias na área e segmento especificados.
Sua participação é inteiramente voluntária e consiste apenas em responder perguntas de um
formulário que será aplicado, sendo que tais informações obtidas serão gravadas, além de haver registros
fotográficos de sua imagem e do lugar onde reside (com sua autorização), sendo estes utilizados para fins
do presente estudo, e se assim o desejar, será guardado sigilo sobre a sua pessoa na pesquisa.
Informamos ainda que o (a) Sr. (a) pode se negar a responder qualquer pergunta, sem que com
isso, sofra qualquer prejuízo. Para qualquer outra informação, o (a) Sr. (a) poderá entrar em contato com
as pesquisadoras pelo número de telefone (92) 3305-4581, junto à Secretaria do Programa de PósGraduação Sociedade e Cultura na Amazônia, da Universidade Federal do Amazonas, no endereço
situado na Av. Rodrigo Otávio Jordão Ramos, nº 3000, Campus Universitário, no bairro do Coroado, no
horário comercial.
Assim sendo, declaro que fui informado (a) sobre o que as pesquisadoras querem fazer e porque
precisam da minha colaboração, e também entendi toda a explicação dada. Deste modo, eu concordo em
participar do Projeto, sabendo que não vou receber nenhum valor material ou financeiro por isso, e que
posso sair quando assim o desejar.
Nome do Participante da Pesquisa: _________________________________________________
Assinatura ou Impressão Digital do Participante da Pesquisa: ____________________________
Pesquisadora responsável: _______________________________________
Data: ______ / ______ / 2011
Impressão Digital
139
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – TCLE
Convidamos você jovem (moça e rapaz) para participar da pesquisa intitulada “Igarapé do
Quarenta: gênero e linguagem”, que será realizada pelas pesquisadoras: a Profª. Drª. Iraildes Caldas
Torres e a mestranda em Sociedade e Cultura na Amazônia, Karla Patrícia Palmeira Frota. O objetivo
desta pesquisa é verificar os fatores que contribuem para o modo de falar de homens e mulheres de forma
distinta, e que sejam residentes do Igarapé do Quarenta, na cidade de Manaus. Esta pesquisa apresenta
uma importância de natureza científica e social, podendo servir de apoio para que a sociedade
compreenda ainda mais o modo de falar das pessoas como algo que se dá de forma distinta, de acordo
com o gênero em questão. É de igual relevância para as instituições com programas voltados para a fala e
o discurso, que poderão se constituir como um instrumento para fundamentar novas estratégias na área e
segmento especificados.
Sua participação é inteiramente voluntária e consiste apenas em responder perguntas de um
formulário que será aplicado, sendo que tais informações obtidas serão gravadas, além de haver registros
fotográficos de sua imagem e do lugar onde reside (com sua autorização), sendo estes utilizados para fins
do presente estudo, e se assim o desejar, será guardado sigilo sobre a sua pessoa na pesquisa.
Informamos ainda que o (a) Sr. (a) pode se negar a responder qualquer pergunta, sem que com
isso, sofra qualquer prejuízo. Para qualquer outra informação, o (a) Sr. (a) poderá entrar em contato com
as pesquisadoras pelo número de telefone (92) 3305-4581, junto à Secretaria do Programa de PósGraduação Sociedade e Cultura na Amazônia, da Universidade Federal do Amazonas, no endereço
situado na Av. Rodrigo Otávio Jordão Ramos, nº 3000, Campus Universitário, no bairro do Coroado, no
horário comercial.
Assim sendo, declaro que fui informado (a) sobre o que as pesquisadoras querem fazer e porque
precisam da minha colaboração, e também entendi toda a explicação dada. Deste modo, eu concordo em
participar do Projeto, sabendo que não vou receber nenhum valor material ou financeiro por isso, e que
posso sair quando assim o desejar.
Nome do Participante da Pesquisa: _________________________________________________
Assinatura ou Impressão Digital do Participante da Pesquisa: ____________________________
Pesquisadora responsável: _______________________________________
Data: ______ / ______ / 2011
Impressão Digital
140
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS – UFAM
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS – ICHL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO SOCIEDADE E CULTURA NA AMAZÔNIA –
PPGSCA
Formulário dirigido aos homens e mulheres moradores do Igarapé do Quarenta, para a
coleta de dados da pesquisa de mestrado intitulada “Igarapé do Quarenta: gênero e linguagem”,
vinculada ao Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia da UFAM.
I – IDENTIFICAÇÃO
1.1 - Nome completo:
1.2 - Sexo: Feminino (
) Masculino (
)
1.3 - Idade:
1.4 - Local de nascimento (Município / UF):
1.5 - Raça / Cor: Branca (
) Parda (
) Preta (
) Amarela (
)
Indígena (
)
1.6 - Zona habitacional:
II – CONDIÇÃO SOCIAL
2.1 - Estado Civil: Solteiro ( ) Casado (
) Separado ( ) Viúvo ( ) Outros ( )
2.1.1 - Se casado (a), qual o local de nascimento do marido (mulher): ______________
2.2 – Prestou Serviço Militar: _______ Onde: ______________ Tempo: __________
2.3 - Profissão: __________________________________________________________
2.4 - Grau de escolaridade: ________________________________________________
2.5 - Local de nascimento do pai: ___________________________________________
2.6 - Grau de escolaridade do pai: ___________________________________________
2.7 - Local de nascimento da mãe:___________________________________________
2.8 - Grau de escolaridade da mãe: __________________________________________
III – SITUAÇÃO SOCIOECONÔMICA
3.1 - Renda mensal familiar: - de 1 SM (
3.2 - Tem feito viagens: Sim (
) Não (
)1 SM (
) 2-3 (
) 3-5 (
) + de 5 (
)
) Para onde: _______________________
3.2.1 - Quanto tempo em média passa nas viagens: _____________________________
3.3 - Já passou mais de 1 ano fora de Manaus: Sim (
) Não (
)
141
IV – SONDAGEM SOBRE A SITUAÇÃO SOCIOECONÔMICA
4.1) Você morou por quanto tempo no Igarapé do Quarenta sem a reforma atual? E depois da
reforma, há quanto tempo está morando aqui?
4.2) Como era a sua vida social no Igarapé do Quarenta antes da reforma?
4.3) Qual a sua condição atual de moradia (casa própria, alugada, cedida)?
4.4) Você dispõe de serviços como abastecimento de água (a água é encanada?), acesso a
iluminação elétrica, esgoto sanitário, coleta de lixo, linha de telefonia fixa, serviço de promoção
social, serviço de segurança pública e serviço de saúde?
4.5) Quem são e quantas são as pessoas que moram com você?
4.6) Você trabalha? Qual é a sua profissão? Qual o seu turno (horário) de trabalho?
4.7) Você tem a Carteira de Trabalho assinada, contribui com o INSS?
4.8) Quem são as pessoas responsáveis pelo sustento da família na sua casa?
4.9) Você tem filhos? Quantos são?
4.10) Qual a idade dos seus filhos?
4.11) Na sua casa, alguém recebe algum benefício do Governo (ex: Bolsa Família, Bolsa
Universidade, ProUni, etc)?
4.12) A economia desta comunidade está baseada predominantemente em quê?
4.13) Nesta comunidade do Igarapé do Quarenta há representação comunitária? Em caso
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afirmativo, como ou em que situação eles representam a comunidade?
4.14) Nesta comunidade existe a “Sociedade Amigos dos Moradores”? Em caso afirmativo,
como eles atuam junto aos moradores?
4.15) Existe algum Órgão Municipal ou Estadual presente e atuante nesta comunidade?
4.16) A comunidade possui Escolas públicas estaduais ou municipais para atender a demanda?
V – SONDAGEM ESPECÍFICA
5.1) Fale um pouco da sua infância. Como foi a sua infância? Como você brincava?
5.2) Quais as brincadeiras que você escolhia para brincar? Por quê?
5.3) Que brinquedos você usava para brincar? Por quê?
5.4) Os meninos brincam das mesmas coisas que as meninas? Por quê?
5.5) Seu (sua) companheiro trabalha?
5.6) Quem deve ser o responsável pelos serviços domésticos numa família – o homem ou a
mulher? E na sua casa, quem faz essas tarefas (limpar, lavar, passar, cozinhar, etc)?
5.7) Qual é o papel do homem numa casa, numa família? E qual é o papel da mulher na casa?
5.8) Você acha que a mulher deve trabalhar fora de casa? Por quê?
5.9) Você acha que a mulher tem que cuidar da casa e dos filhos? E se ela trabalhar fora de casa?
Por quê?
143
5.10) Você acha que o homem tem um jeito de falar que é próprio de homem? Pode dar um
exemplo?
5.11) Você acha que a mulher tem um jeito de falar que é próprio de mulher? Pode dar um
exemplo?
5.12) Você acha que os homens falam do mesmo jeito que as mulheres?
5.13) Quando uma mulher fala sobre algum assunto, os homens acham que o quê ela falou é ou
pode ser importante?
5.14) Você acha que mulher fala muito?
5.15) Sobre o quê mais falam as mulheres em geral? E sobre o quê mais falam os homens em
geral?
5.16) Como é a fala de uma mulher? E como é a fala de um homem?
5.17) Sobre que assuntos as mulheres mais falam numa conversa com as amigas? E sobre que
assuntos os homens mais falam numa conversa com os amigos?
5.18) Os homens que moram aqui nesse Parque Residencial têm preconceito com relação às
mulheres daqui? E as mulheres daqui têm preconceito em relação aos homens que moram aqui?
5.19) Como deve se comportar uma mulher em sociedade? Por quê?
5.20) E como deve se comportar um homem em sociedade? Por quê?
5.21) Você acha que uma mulher deve se comportar do mesmo jeito que um homem? Por quê?
5.22) Você acha que mulher fala palavrão? E o homem? Existe um momento certo para falar
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palavrão?
5.23) Como é que o seu pai falava dentro de casa? Como era o jeito dele falar com a família?
5.24) Como é que a sua mãe falava dentro de casa? Como era o jeito dela falar com a família?
5.25) Como era o jeito que o seu pai falava com a sua mãe em casa?
5.26) Você acha que a mulher deve ser submissa ao homem? Por quê?
5.27) Você acha que a mulher tem que obedecer o companheiro?
5.28) Você acha que o homem é machista? E a mulher? Por quê?
5.29) Você já ouviu uma frase que diz que o lugar da mulher é na cozinha? Você concorda com
essa frase? Por quê?
5.30) Você acha que as mulheres têm que ter os mesmos direitos que os homens?
5.31) Quem deve sustentar a casa, o homem ou a mulher? Por quê?
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS – UFAM
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS – ICHL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO SOCIEDADE E CULTURA NA AMAZÔNIA –
PPGSCA
Formulário dirigido aos jovens moradores do Igarapé do Quarenta, para a coleta de dados
da pesquisa de mestrado intitulada “Igarapé do Quarenta: gênero e linguagem”, vinculada ao
Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia da UFAM.
I – IDENTIFICAÇÃO
1.1 - Nome completo:
1.2 - Sexo: Feminino (
) Masculino (
)
1.3 - Idade:
1.4 - Local de nascimento (Município / UF):
1.5 - Raça / Cor: Branca (
) Parda (
) Preta (
) Amarela (
)
Indígena (
)
1.6 - Zona habitacional:
II – CONDIÇÃO SOCIAL
2.1 - Estado Civil: Solteiro ( ) Casado (
) Separado ( ) Viúvo ( ) Outros ( )
2.1.1 - Se casado (a), qual o local de nascimento do marido (mulher): ______________
2.2 – Prestou Serviço Militar: _______ Onde: ______________ Tempo: __________
2.3 - Profissão: __________________________________________________________
2.4 - Grau de escolaridade: ________________________________________________
2.5 - Local de nascimento do pai: ___________________________________________
2.6 - Grau de escolaridade do pai: ___________________________________________
2.7 - Local de nascimento da mãe:___________________________________________
2.8 - Grau de escolaridade da mãe: __________________________________________
III – SITUAÇÃO SOCIOECONÔMICA
3.1 - Renda mensal familiar: - de 1 SM (
3.2 - Tem feito viagens: Sim (
) Não (
)1 SM (
) 2-3 (
) 3-5 (
) + de 5 (
)
) Para onde: _______________________
3.2.1 - Quanto tempo em média passa nas viagens: _____________________________
3.3 - Já passou mais de 1 ano fora de Manaus: Sim (
) Não (
)
146
IV – SONDAGEM ESPECÍFICA
4.1) Fale um pouco da sua infância. Como foi a sua infância? Como você brincava?
4.2) Quais as brincadeiras que você escolhia para brincar? Por quê?
4.3) Que brinquedos você usava para brincar? Por quê?
4.4) Os meninos brincam das mesmas coisas que as meninas? Por quê?
4.5) Seu pai trabalha? E a sua mãe?
4.6) Quem deve ser o responsável pelos serviços domésticos numa família – o homem ou a
mulher? E na sua casa, quem faz essas tarefas (limpar, lavar, passar, cozinhar, etc)?
4.7) Qual é o papel do homem numa casa, numa família? E qual é o papel da mulher na casa?
4.8) Você acha que a mulher deve trabalhar fora de casa? Por quê?
4.9) Você acha que a mulher tem que cuidar da casa e dos filhos? E se ela trabalhar fora de
casa? Por quê?
4.10) Você acha que o homem tem um jeito de falar que é próprio de homem? Pode dar um
exemplo?
4.11) Você acha que a mulher tem um jeito de falar que é próprio de mulher? Pode dar um
exemplo?
4.12) Você acha que os homens falam do mesmo jeito que as mulheres?
4.13) Quando uma moça fala sobre algum assunto, os rapazes acham que o quê ela falou é ou
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pode ser importante?
4.14) Você acha que mulher fala muito?
4.15) Sobre o quê mais falam as moças em geral? E sobre o quê mais falam os rapazes em geral?
4.16) Como é a fala de uma mulher? E como é a fala de um homem?
4.17) Sobre que assuntos as moças mais falam numa conversa com as amigas? E sobre que
assuntos os rapazes mais falam numa conversa com os amigos?
4.18) Os rapazes que moram aqui nesse Parque Residencial têm preconceito com relação às
moças daqui? E as moças daqui têm preconceito em relação aos rapazes que moram aqui?
4.19) Como deve se comportar uma moça em sociedade? Por quê?
4.20) E como deve se comportar um rapaz em sociedade? Por quê?
4.21) Você acha que uma moça deve se comportar do mesmo jeito que um rapaz? Por quê?
4.22) Você acha que mulher fala palavrão? E o homem? Existe um momento certo para falar
palavrão?
4.23) Como é que o seu pai fala dentro de casa? Como é o jeito dele falar com a família?
4.24) Como é que a sua mãe fala dentro de casa? Como é o jeito dela falar com a família?
4.25) Como é o jeito que o seu pai fala com a sua mãe dentro de casa?
4.26) Você acha que a mulher deve ser submissa ao homem? Por quê?
148
4.27) Você acha que a mulher tem que obedecer o companheiro?
4.28) Você acha que o homem é machista? E a mulher? Por quê?
4.29) Você já ouviu uma frase que diz que o lugar da mulher é na cozinha? Você concorda com
essa frase? Por quê?
4.30) Você acha que as mulheres têm que ter os mesmos direitos que os homens?
4.31) Quem deve sustentar a casa, o homem ou a mulher? Por quê?
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS – UFAM
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS – ICHL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO SOCIEDADE E CULTURA NA AMAZÔNIA –
PPGSCA
Formulário dirigido aos representantes comunitários dos moradores do Igarapé do
Quarenta, para a coleta de dados da pesquisa de mestrado intitulada “Igarapé do Quarenta:
gênero e linguagem”, vinculada ao Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na
Amazônia da UFAM.
1 – IDENTIFICAÇÃO
1.1) Nome completo:
1.2) Zona habitacional:
1.3) Idade:
1.4) Local de nascimento (Município / UF):
1.5) Estado civil:
1.5.1) Se casado (a), qual o local de nascimento do cônjuge (Município / UF):
1.6) Local de nascimento do pai (Município / UF):
1.7) Local de nascimento da mãe (Município / UF):
1.8) Escolaridade:
1.9) Profissão:
1.10) Há quanto tempo atua como representante comunitário?
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2 – SONDAGEM ESPECÍFICA
2.1) Você participa de algum grupo social? Sim ou não? Em caso afirmativo, qual é a sua função
(e/ou atividades) dentro do grupo?
2.2) Ao falar você sente algum preconceito por parte de outras pessoas? Por quê?
2.3) Quem fala mais no grupo, os homens ou as mulheres?
2.4) Quando as mulheres falam do que elas tratam?
2.5) Se você conversa com alguma amiga (amigo) que assunto é abordado geralmente?
2.6) As mulheres tratam de assuntos diferentes daqueles tratados pelos homens? Por quê? Que
tipo de assunto?
2.7) Em geral, sobre o que mais debatem as mulheres?
2.8) Quais são as pautas presentes nas reuniões do grupo?
2.9) Há tentativa de humilhação ou de chacota em relação à fala de mulheres? Em caso
afirmativo, em que momento e como isso ocorre?
2.10) As mulheres são isoladas no grupo ou excluídas na relação com os homens?
2.11) As mulheres são mais falantes do que os homens nas reuniões? Por quê?
2.12) Há diferenças entre as falas de homens e mulheres (em relação a termos e expressões
utilizados) ou ambos falam do mesmo modo?
2.13) Os meninos brincam das mesmas coisas que as meninas? Por quê?
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2.14) Seu (sua) companheiro trabalha?
2.15) Quem deve ser o responsável pelos serviços domésticos numa família – o homem ou a
mulher? E na sua casa, quem faz essas tarefas (limpar, lavar, passar, cozinhar, etc)?
2.16) Qual é o papel do homem numa casa, numa família? E qual é o papel da mulher na casa?
2.17) Você acha que a mulher deve trabalhar fora de casa? Por quê?
2.18) Você acha que a mulher tem que cuidar da casa e dos filhos? E se ela trabalhar fora de
casa? Por quê?
2.19) Você acha que o homem tem um jeito de falar que é próprio de homem? Pode dar um
exemplo?
2.20) Você acha que a mulher tem um jeito de falar que é próprio de mulher? Pode dar um
exemplo?
2.21) Você acha que os homens falam do mesmo jeito que as mulheres?
2.22) Quando uma mulher fala sobre algum assunto, os homens acham que o quê ela falou é ou
pode ser importante?
2.23) Você acha que mulher fala muito?
2.24) Sobre o quê mais falam as mulheres em geral? E sobre o quê mais falam os homens em
geral?
2.25) Como é a fala de uma mulher? E como é a fala de um homem?

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