ABRIGO ATEMPORAL

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ABRIGO ATEMPORAL
CASA REVESTIDA DE AÇO NO MEIO DA MATA ATLÂNTICA DESAFIA TRADIÇÕES AO REFORÇAR IMAGEM PURAMENTE
ARTIFICIAL EM MEIO AO DOMÍNIO DO NATURAL
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POR SIMONE SAYEGH FOTOS EDUARDO AIGNER
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O
refúgio escondido na mata é
tema recorrente na arquitetura.
Remonta à idéia do abrigo
seguro em meio à natureza selvagem, à velha casa da árvore.
A vontade de estar perto do que é natural, puro e
forte nos leva a incrustar casas no meio de árvores nativas, cipós, mato e terra. Mas pouca gente
deseja se expor a bichos que voam e picam, ou a
animais que rastejam e mordem. Em geral, esses
refúgios são perfeitamente estanques, fechados e
abertos na medida certa e, ao contrário do que
poderíamos imaginar, não necessariamente
miméticos. Simplesmente estão lá, como uma
nave pousada em um mundo alienígena.
É o caso da Casa Varanda, erguida na mata
Atlântica com projeto de Carla Juaçaba (AU
166), ou daquela em Pouso Alto, dos arquitetos
Newton Massafumi e Tânia Regina Parma, da
Gesto Arquitetura, (AU 162), e também dos
módulos residenciais criados pelos arquitetos
Ana Vidal e Silvio Sant'Anna (AU 130),construídos no meio das árvores em Parati,bem perto da
natureza e mais ainda da tecnologia. A todos
O programa formado por sala, cozinha e duas suítes foi organizado em um corpo retangular apoiado
sobre uma laje elevada de concreto. Simples, mas não minimalista, a construção se conforma em duas
caixas retangulares de diferentes texturas – madeira e aço galvanizado – que se interceptam
implantação
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esses exemplos agora podemos somar a experiência do escritório gaúcho Studio Paralelo.
Foi bastante reveladora a conversa com
Luciano Andrades, um dos responsáveis pelo
projeto da casa no meio da mata próxima à
cidade serrana de São Francisco de Paula, a
100 km de Porto Alegre. O objetivo dos arquitetos era justamente evitar qualquer referência
campestre e mostrar que uma casa industrializada serve a todos os sítios naturais, como
módulos de morar. O arquiteto bebeu na fonte
da arquitetura moderna e de sua imparcialidade e clareza estética. Assim, o projeto é extremamente simples, ortogonal e planar.
O terreno de cerca de 1,6 mil m2 é totalmente tomado de mata atlântica e araucárias.
Localizado em um condomínio fechado, apresenta uma série de restrições de construção. O
cliente também queria evitar ao máximo a retirada de vegetação, mas rejeitou a idéia de seguir
O espaço central da construção acomoda o living e a cozinha. É marcado por movimentos que
quebram a linearidade, como o revestimento de pínus autoclavado e o avanço das janelas em
direção à mata. Na outra página, vista da suíte aberta para o deck
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o modelo tradicional das residências da região,
construídas com madeira escura e vermelha
(pinho), com telhados de águas inclinadas. "O
cliente desejava uma casa mais clara e transparente", conta o arquiteto Luciano Andrades.
Optaram pela estrutura de madeira, mas os
problemas relativos à umidade, somados à falta
de mão-de-obra especializada, eram preocupantes. Desistiram da idéia e optaram por uma
casa realmente industrializada, com garantia
de qualidade técnica desde a fábrica. O aço
leve, ou light steel frame, foi o escolhido para
estruturar a construção de somente 82 m2.
Desconsiderado o tempo necessário para a
cura da laje de concreto, a obra do refúgio foi
executada em pouco mais de dois meses
O refúgio térreo organiza-se de maneira
longitudinal, desdobrado em três volumes
que englobam duas áreas básicas: privada e
social. O espaço central, mais defasado, funciona como centro aglutinador das atividades sociais e abriga estar e cozinha. É marcado por movimentos que quebram a linearidade proposta, como o revestimento total de
pínus autoclavado, por dentro e por fora,
(madeira usada inclusive no mobiliário) e o
avanço das janelas de vidro laminado duplo
em direção à mata. Em cada extremidade da
planta são dispostos os blocos dos dormitórios, somente dois, inteiramente revestidos
com telhas metálicas, em uma clara alusão à
idéia de vagão ou contêiner.
O contato dos quartos com a paisagem
externa é feito por fita transparente e um
pequeno terraço que quase toca os troncos das
árvores. O conjunto retangular da construção
eleva-se tímido em meio às árvores, mas o fato
de não se camuflar destaca-o como somente
um corpo estranho poderia. A casa coexiste
com o denso verde, mas dele não tira partido, e
vice-versa. A característica de bunker hermético é finalmente quebrada pelo ar: uma estratégica varanda entre a sala e um dos quartos, que
projeta um deck de madeira em balanço sob o
solo.A luz é filtrada por uma cobertura de acrílico alveolar translúcido, e o espaço configurase como o meio caminho, a transição possível
entre a casa de aço e a mata fechada lá fora.
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corte longitudinal
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2
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subsolo
1
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6
7
8
9
10
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térreo
0
3
12
1 capeamento em chapa
galvanizada
2 telha ondulada galvalume
3 gárgula em tubo metálico
4 chapa de gesso
acortonado
5 lambri de madeira
autoclavada 90 x 30 mm
6 isolante térmico – lã de
rocha 60 mm
7 esquadria em madeira
maxiar com vidro duplo
8 montante em aço “C”
90 x 0,85 mm
9 assoalho de madeira
autoclavada 90 x 25 mm
10 guia em aço “U”
92 x 0,85 mm
11 laje em concreto
armado
12 telha ondulada
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corte transversal
A casa foi pensada a partir de uma lógica estrutural rígida, com módulos de 1,20 x 1,20 m
estruturados por perfis metálicos de aço galvanizado. Para o crítico Carlos Comas, o Studio
Paralelo revive o velho vínculo entre a arquitetura moderna e a casa mínima para lazer
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PASSO A PASSO DA OBRA
fotos divulgação Studio Paralelo
A construção casa seguiu os procedimentos básicos do sistema light steel frame, e foi modulada em 1,20 m x 1,20 m.
A primeira etapa consistiu na execução da base para receber as estruturas de steel frame.
1a ETAPA
A fundação poderia ser feita com sapatas, radier ou embasamento. Foi escolhido o embasamento,
executado com pedra grés e blocos de concreto, por permitir a elevação do volume do solo e evitar
contato com a umidade, insetos e pequenos animais. Depois se iniciaram os trabalhos de execução
da laje de concreto armado, procedimento que levou cinco dias para ser concluído. Após um
período de 20 dias o concreto estava pronto para receber os painéis.
SEMANAS 1 E 2
Preparados na fábrica com
estrutura de perfis de aço
galvanizado e placas de OSB,
os painéis são transportados
até o local para serem
montados sobre a laje de
concreto. Cada painel recebe
uma fita de neoprene (banda
acústica) na soleira inferior, de
modo a evitar o contato direto
da estrutura com a laje e
compensar imperfeições do
concreto, além de conferir
estanqueidade às paredes.
SEMANA 3
Os módulos são
posicionados sobre a
laje e fixados a pólvora
com pinos. A união
entre cada painel
é feita por parafusos
autobrocantes que conferem rigidez
e resistência à estrutura. Por fim,
chumbadores e cantoneiras de aço
complementam a ancoragem das paredes.
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SEMANA 4
Após a finalização das paredes, a equipe
iniciou a montagem das vigas de bordo
e colocação das tesouras. As vigas de
15 m x 0,55 m foram fixadas sobre as
paredes, de uma lateral à outra, unindo o
corpo principal da casa com a suíte. Além
da função estrutural, as vigas formam a
platibanda que irá ocultar a cobertura.
As tesouras são, então, fixadas em intervalos
de 1,20 m seguindo a modulação do
projeto. Com a colocação dos painéis de
OSB completa, já se tinha a idéia
aproximada da volumetria final da casa.
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SEMANA 5
SEMANA 6
A membrana impermeabilizante assegura a estanqueidade da estrutura, além de
permitir a passagem do vapor gerado dentro da casa para fora, evitando umidade
nas paredes internas. Junto com a colocação da membrana foram executadas as
instalações hidráulicas e elétricas.
A cobertura, também feita de
estrutura metálica, foi recoberta
com telhas trapezoidais do tipo
sanduíche com miolo de EPS.
SEMANA 7
SEMANA 9
Com a casa toda envelopada, inicia-se
a colocação dos lambris de pinus
autoclavado e da telha ondulada nas
fachadas. Para arremate da telha
junto à cobertura instalou-se em todo
perímetro um capeamento em chapa
Galvalume dobrada. O mesmo tipo de
acabamento foi aplicado sobre o
volume de madeira permitindo o
escoamento da chuva (pingadeira).
Após os serviços
de montagem
de estrutura e
revestimentos
externos, partiu-se
para a finalização
das paredes
internas com a
instalação da lã
de rocha e placas
de drywall.
SEMANA 8
No encontro da telha e nas arestas
do volume, fixaram-se cantoneiras
em chapa dobrada para vedação
e melhor acabamento. Foram
instaladas as esquadrias das janelas
e montada a estrutura metálica
de sustentação do deck de madeira.
Por fim, foram executados os revestimentos internos,
acabamentos e colocado o mobiliário.
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UM REFÚGIO
PRA SÃO CHICO
POR CARLOS EDUARDO COMAS
DADOS TECNICOS
Obra: Refúgio São Chico
Localização: São Francisco de Paula, RS
Ano do projeto: 2006
Ano da conclusão: 2007
Área do terreno: 1.610 m²
Área construída: 82 m²
FICHA TÉCNICA
Arquitetura: Studio Paralelo – Luciano Andrades
Cálculo das fundações e laje: Multiprojetos –
Norberto e Camila Bedin
Cálculo do steel frame: Formac Brasil –
Mônica Montané
Instalações sanitárias: JC Hidro – Julio Cesar Troleis
Instalações elétricas: Eficientysul – Marcelo Alves
Execução das fundações e laje: PP Construções
e Reformas
Execução: Sull Frame Engenharia – Luciano Zardo
FORNECEDORES
Steel frame: Formac Brasil; gesso acartonado e
lã de rocha: Placo Center; OSB: Masisa; telha
ondulada: Eurotelhas; pínus autoclavado:
Durapine; esquadrias de alumínio: Kadesc;
vidros: Lapividros; estrutura metálica: Safra;
calefator: Amesti; mobiliário: Cometa Design;
móvel e bancada da cozinha: Móveis São Chico
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TIMELESS SHELTER
The hidden in the woods refuge is a
recurring theme in architecture. It goes
back to the safe shelter idea amidst the
wild nature, to the old tree house.
Located in the middle of a wooded area
near the hilly city of São Francisco de Paula,
100 km from Porto Alegre, the small house
designed by the young gaucho office,
Studio Paralelo, avoids any "country"
reference. It sits just like an alien craft in
the 1.6 thousand m2 lot, totally covered
by the Atlantic forest and araucarias
(Brazilian pine trees).
The architects drank from the modern
architecture fountain and from its impartiality
and aesthetic clarity. The project is, thus,
extremely simple, orthogonal and planar.
The industrialized constructive system, with
a factory technical quality guarantee, was
the architects' option to execute the
project. The light steel frame presented
itself as the best solution to structure the
barely 82 m2 construction. Apart from the
time needed to cure the concrete slab, the
building was accomplished in a little over
two months.
*Veja endereços no final da revista
A 112 km de Porto Alegre, São Francisco
de Paula é o município mais meridional da
região da Serra Geral no Rio Grande do
Sul, com 907 m de altitude medidos na
sede da prefeitura e uma população bruta
de 20 mil habitantes. Os verões são
brandos e úmidos e os invernos
relativamente úmidos e frios, com
eventuais nevadas. Carinhosamente
conhecido por São Chico, o município
integra dois circuitos turísticos
importantes. É um dos 13 municípios de
colonização alemã no começo do século 19
que constituem a Rota Romântica. Junto
com Nova Petrópolis, Gramado e Canela.
Integra a chamada Região das Hortênsias,
popular no País inteiro em função do clima
e paisagem de conotações européias,
incluindo uma arquitetura pitoresca de
estilo bávaro modernoso que é
simplesmente "bavorosa".
O "refúgio" de fim de semana projetado
pelo Studio Paralelo para um publicitário
jovem e solteiro se ergue dentro de
condomínio de pequenos sítios em reserva
de Mata Atlântica, no começo da floresta
de araucárias, na periferia da sede do
município. O programa previa salão,
cozinha e duas suítes, uma das quais com
acesso autônomo. Implantada no centro
do lote de 1.610 m2 com um mínimo de
árvores cortadas, a casa de 82 m2 vence
suave declive sem modificar seu perfil
natural. Apóia-se sobre a laje de concreto
armado que se eleva do solo e, assim, se
livra de umidade ascendente. Uma caixa
retangular em blocos de concreto, semienterrada, recuada em relação à laje,
conforma as fundações e abriga um
depósito no maior desnível.
A casa foi pensada a partir de uma lógica
estrutural rígida, com módulos de 1,20 m x
1,20 m estruturados por perfis metálicos
de aço galvanizado, fornecidos por uma
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empresa chilena. A estrutura externa é
complementada por painéis de madeira
(OSB) forrados por membrana permeável
que repele a umidade e permite
transpiração do material. No interior, placas
de drywall cobrem as paredes e forro,
seguidas pela lã de rocha que ocupa o vazio
entre as superfícies para isolamento térmico.
Nas paredes exteriores, placas de lascas de
madeira prensada se alternam com chapas
onduladas de aço galvanizado. As mesmas
chapas foram usadas no telhado de uma
água, com calha embutida. A construção a
seco se efetuou em prazo bastante curto.
A composição arquitetônica é relativamente
simples, mas não minimalista. As duas suítes
praticamente iguais se dividem em três
faixas transversais, com as extremas
comportando banheiro a sul, para os fundos
do lote, e sacada mais armário a norte,
grosso modo paralelamente à rua. Dispostas
com recuo mínimo nas pontas da caixa de
blocos de concreto, as suítes flanqueiam dois
elementos de maior profundidade, diferente
largura e balanços desiguais, o salão e
cozinha conjugados e uma galeria
transversal aberta que serve de vestíbulo e
varanda. O primeiro elemento se dispõe
simétrico em relação ao eixo transversal das
suítes e ao eixo longitudinal da composição.
Mais curta ao sul, a galeria aí se articula com
a rampa de entrada. Avançando ao norte,
constitui plataforma suspensa sem guardacorpo, tão bela quanto perigosa.
O tratamento volumétrico ajuda a subverter a
simetria de base. Desde fora, o efeito desejado
é o de duas caixas retangulares de diferentes
texturas que se interceptam. A maior e mais
estreita se reveste com telha ondulada metálica
e inclui o vazio correspondente da galeria,
tanto quanto a cobertura translúcida que o
protege. A segunda, em madeira, mais
transparente e baixa, é na verdade virtual,
constituída pelas faixas avançadas
correspondentes à bancada extrema da cozinha
e um banco corrido no salão. A ortogonalidade
não exclui a ambigüidade.
A rejeição do sentimentalismo do chalé
alpino ou similar prevalente na região é
mais que óbvia. Em contrapartida, o Studio
Paralelo revive o velho vínculo entre a
arquitetura moderna e a casa mínima para
o lazer. A linhagem invocada é ilustre. Dos
mestres europeus da primeira geração
inclui a casa em La Celle Saint-Cloud (1933)
de Le Corbusier e a cabana do arquiteto
em Cap Saint Martin (1951-52), assim como
a casa Farnsworth (1946-51) de Mies van
der Rohe em terra americana. De
brasileiros, não se poderiam esquecer nem
a casa Oswald de Andrade (1939) de
Niemeyer e a casa de fim de semana do
ar-quiteto em Mendes (1949), nem a casa
de fim de semana em Nova Friburgo de
Carlos Frederico Ferreira (1949) ou aquela
que Reidy projetou para si e Carmen
Portinho em Itaipava (1959). Mais recentes,
mas também notáveis, são a casa Bonham
(1961) de Charles Moore e a sua residência
em Orinda (1961), e mesmo a cabana de
esqui em Vail (1975) e a casa de praia em
Block Island (1979) de Venturi, já
comprometidas com uma figuração em sua
hora dita pós-moderna.
Em geral, esses exemplos são térreos, têm
planta retangular compacta, cobertura
inclinada e/ou abobadada. As exceções são
a casa de La Celle Saint Cloud, de planta
escalonada, a casa Farnsworth, de teto
plano, além das casas Reidy, Bonham e as
de Venturi, todas de dois andares. No
refúgio de São Chico, a cornija plana
abstrata e a elevação do solo remetem à
casa Farnsworth, e mesmo às casas da
escola paulista, ainda que a estrutura
gaúcha esteja mais para "balloon frame"
que para estrutura independente.
A planta movimentada tendendo ao
pitoresco resgata algo da exuberância e da
porosidade cariocas em antecedentes que
não são domésticos, a interpenetração de
bloco alto e baixo ou o acesso por vazio
central com portas de entrada laterais no
Ministério da Educação, a seqüência
restaurante-salão-varanda-sala de jogos que
Lucio Costa articula no Park Hotel de
Friburgo. O nexo com Friburgo se estende ao
encaminhamento feliz de chegada, quando a
fachada norte transparente se mostra plena
e depois desaparece no giro que leva à
Comente e veja o passo a passo da construção em www.revistaau.com.br
entrada na fachada oposta opaca, mas animada
por rasgos que enquadram dentro, na altura do
olhar, o bosque circundante.
De outro lado, a chapa ondulada galvanizada e
as placas de madeira prensada cooperam para
assinalar a contemporaneidade sem deixar de
evocar o uso de materiais similares nas velhas
casas de imigrantes da região, como os
arquitetos bem registram. Do ponto de vista
dos cheios e vazios, a caixa de planos
perfurados coexiste com a caixa-sanduíche,
composição de planos verticais entre os planos
horizontais de piso e forro, ora membrana e
outras vezes armário, cubículo, alcova, galeria
equipada, dispositivo que empresta espessura
às fachadas maiores como em muito projeto de
Louis Kahn.
O resultado não persegue a elegância, ao
contrário do caso similar e relativamente
recente da Casa D'Alessandro em Carapicuíba,
dos paulistas Andrade e Morettin (1997). Como
nos melhores momentos de Lucio Costa, o
desajeitado é uma parte do pacote. Se a
hibridização nem sempre convence visualmente
e parece excessiva a diversidade de soluções
formais para um mesmo problema de detalhe
ou, ao contrário, não suficientemente
diferenciada a madeira da cobertura
translúcida da madeira da parede, pode-se
retrucar que a perfeição não é coisa deste
mundo. A obra não provoca menos que a
congênere paulistana. Contribui da mesma
forma para o enriquecimento de uma tradição
disciplinar demonstrando a vitalidade de outro
filão. E repropõe questões incômodas mas
pertinentes e prementes, entre as quais as da
responsabilidade da própria classe na
reprodução de uma paisagem onde a cafonice
impera. Afinal, arquitetura de autor tem mais é
que fazer pensar, venha vestida de gala ou de
roupa esporte.
Carlos Eduardo Comas é arquiteto pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
mestre pela University of Pennsylvania e doutor
pela Universite de Paris VIII. Leciona na UFRGS.
Tem publicado extensamente sobre a
arquitetura e o urbanismo modernos brasileiros
e elaborado um número significativo de
projetos de arquitetura e urbanismo.
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