greve Vale Canadá e protesto RJ
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greve Vale Canadá e protesto RJ
de 27 de agosto a 2 de setembro de 2009 5 brasil Imperialismo brasileiro: Vale explora trabalhadores no Canadá Leandro Uchoas ECONOMIA Mineradora exporta para América do Norte modelo brutal de exploração do trabalho; 3,3 mil estão em greve há cerca de um mês Leandro Uchoas do Rio de Janeiro (RJ) HÁ MUITO BRASILEIRO que se orgulha. A segunda maior empresa nacional é também, hoje, a segunda maior mineradora do mundo. Atua nos cinco continentes, do Gabão à China. Em todo o planeta, sua imagem é associada aos principais elementos simbólicos do Brasil, como Carnaval e futebol. No segundo país de maior padrão de riqueza das Américas, o Canadá, a Vale já é a segunda maior empresa privada. Entretanto, sua atuação em terras norte-americanas é um exemplo fabuloso de como a megacorporação brasileira incorpora o mesmo modelo histórico de atuação de seus pares. Após comprar 75,6% da mineradora de níquel Inco em 2006, a transnacional brasileira passou a agir cotidianamente pela redução de direitos trabalhistas canadenses. No dia 13 de julho, os trabalhadores de duas unidades da Vale-Inco entraram em greve. E, em agosto, a unidade da baía de Voisev juntou-se às de Sudbury e Port Calborne. Cerca de 3,3 mil trabalhadores estão parados em protesto contra a sequência de abusos da empresa. Estão ligados ao sindicato United Steel Workers (USW 6500). Pouco antes, a Vale havia anunciado o desejo de eliminar o sistema canadense de participação nos lucros e terceirizar parte da produção. Também havia demitido 250 funcionários e questionado o direito ao seniority – aumento de benefícios proporcionalmente ao tempo de trabalho. Desacostumados a esse tipo de tratamento, os trabalhadores canadenses paralisaram imediatamente todas as atividades. “Essa batalha é muito importante. Se ela conseguir derrotar os canadenses, estamos liquidados”, explica José Drummond Em 13 de agosto, dois representantes do USW 6500 vieram ao Brasil. Em frente à sede da companhia, no Centro do Rio de Janeiro, Myles Sullivan e Rick Bertrand organizaram um bem-humorado protesto. Um bolo em comemoração ao primeiro mês de greve foi servido aos funcionários da empresa que entravam e saíam do prédio. Talvez pela primeira vez em sua história, o Brasil recebia trabalhadores do chamado Primeiro Mundo em protesto contra a exploração praticada por uma empresa brasileira. Em seguida, foram a Sergipe e Minas Gerais conhecer outras unidades da Vale. Segundo Rick, vice-presidente da USW local, a participação dos lucros é uma conquista histórica dos canadenses. “Permite que os trabalhadores recebam parte dos benefícios advindos de épocas prósperas e que a empresa seja protegida em épocas difíceis”. Os sindicalistas denunciam que, nos últimos dois anos, a Vale aumentou em 121% a remuneração de seus seis principais executivos. Em 2008, receberam 33 milhões de dólares. A folha total de pagamento da empresa representaria menos de 10% dos custos no país do norte. Mylles conta que, ao entrar no país, a Vale “prometeu o mundo”. A empresa comprometeu-se com o governo canadense a não demitir em três anos, tendo quebrado a promessa há pouco tempo. O ministro da Indústria local, Tony Clement, veio a público na época defender a atitude da empresa. “A maioria das demissões ocorreu em cargos de gerência. Eles estão concentrando as decisões no Brasil. Fizeram uma oferta para 400 possíveis aposentados. Querem mudar o sistema inteiro de contratação”, denuncia Rick. A Vale já anunciou publicamente que pretende cortar 900 postos de trabalho no mundo, sendo 423 apenas no Canadá. O país é responsável por cerca de 75% do níquel da empresa. O corte em cargos de gerência não ocorre por acaso. A hierarquização da cadeia produtiva e a concentração das decisões no país de origem é uma estratégia de exploração clássica das megacorporações. A medida cria a relação de dependência. Disputa estratégica Advogado da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Guilherme Zagallo considera que a Vale quer reproduzir em outros países o modelo nocivo que pratica no Brasil. “Ela paga baixos salários, muitas vezes abaixo do mercado. Tem uma grande massa de trabalhadores com padrão de sobrevivência muito baixo, dá pouca atenção à saúde e à segurança do trabalhador e tem pouco respeito às comunidades atingidas”, resume. A companhia poderia manter as unidades paradas até meados de setembro, devido à baixa demanda, especialmente do mercado chinês. Ela também têm um caixa forte para enfrentar o período de produção escassa, com 22 bilhões de dólares em ativos de liquidez imediata. A disputa é vista como estratégica por ambos os lados. “Nós achamos que essa batalha é muito importante. Vai durar pelo menos um ano, porque, se ela conseguir derrotar os canadenses, estamos liquidados. Em várias regiões”, explica José Drummond, assessor de Relações Internacionais da CUT. Os trabalhadores canadenses têm tradição de luta. De dimensão nacional, o sindicato paga aos trabalhadores aproximadamente 25% dos seus salários enquanto estão em greve. Já houve greves de nove meses nas regiões, em períodos em que a exploração era bem menos agressiva. “Nós lideramos a indústria de minas no Canadá durante anos. Eles acham que, se conseguirem nos dominar, vai haver um efeito dominó com todos os outros sindicatos”, arma Rick. Mesmo com a atuação predatória nos países onde atua, a Vale nem sempre tem uma imagem negativa. A empresa trabalha com os elementos culturais brasileiros na venda de sua marca. “As campanhas publicitárias usam nomes conhecidos e queridos pela população. A Vale vende para a sociedade uma imagem falsa de empresa sustentável, como se fosse possível para uma mineradora de larga escala. É responsável por grandes danos ao meio ambiente”, denuncia Zagallo. Nos dois primeiros anos de atuação no Canadá, a Vale lucrou 4,2 bilhões de dólares. Os lucros são o dobro do que a Inco teve nos dez anos que antecederam sua venda (2,2 bilhões de dólares). Globalmente, a empresa lucrou, apenas em 2008, 13,2 bilhões de dólares, equivalente a mais de quatro vezes o valor pelo qual foi “vendida”, em 1997, no governo Fernando Henrique. Os canadenses Myles Sullivan e Rick Bertrand protestam em frente à sede da Vale, no Rio de Janeiro Caso canadense é símbolo de novo momento As notícias da greve no país norteamericano suscitam a necessidade de se reinterpretar a inserção do Brasil na economia mundial do Rio de Janeiro (RJ) A atuação da Vale no Canadá é emblemática. Sugere que a interpretação da inserção do Brasil na economia mundial precisa ser repensada. Representa uma sucessão de medidas tomadas há muito tempo, por governos das mais distintas origens partidárias, que em certa medida reproduzem um modelo conservador de internacionalização da produção. É um arquétipo segundo o qual as empresas se instalam, mas as regras e o controle permanecem no país de origem. A exportação do capital via empresas foi, no pós-guerra, a maneira como os EUA investiram nos mercados europeu e japonês. Foi uma forma de auxílio que consolidava a hegemonia econômica e política estadunidense. O conhecimento tecnológico não era transferido automaticamente, de maneira a preservar o domínio. Dessa forma, constrói-se um império informal. O Brasil começa a incorporar esse modelo de forma subordinada. Já no governo Juscelino Kubitschek (1956-1961), toma empréstimo para a construção de montadoras. Nos governos da ditadura civil-militar, passa a exportar capital via empresas. E, nos anos de 1970, Ruy Mauro Marini desenvolve o conceito de subimperialismo para denir uma forma subordinada de domínio regional. Privatização A sucessão de privatizações nos anos de 1990 sedimenta a política de internacionalização da economia brasileira. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) assume o estímulo da desestatização da economia brasileira. Dentre as empresas vendidas, a Vale é considerada a protagonista do mais escan- “Quando uma empresa se instala em um país, ela leva por trás um Estado forte que a financia, porque ela precisa de financiamento público para poder se expandir”, explica Ana Garcia, da Fundação Rosa Luxemburgo ridades que comprovam que a Vale foi subavaliada. Algumas minas foram desprezadas nos cálculos, outras subavaliadas. O setor orestal também foi subavaliado. Bens intangíveis de grande valor (tecnologia, patentes e bagagem técnica sobre geologia e engenharia de minas) foram desprezados. Participações acionárias da Vale na Açominas, CSN, Usiminas e Companhia Siderúrgica de Tubarão foram ignoradas. A lista de irregularidades é enorme. A empresa responsável pela avaliação, o Bradesco, passou a controlar a Vale um ano depois. Seu presidente, Roger Agnelli, é um ex-diretor executivo do banco. A decisão sobre o acórdão foi anulada por questões formais. Entendeu-se que as ações populares deveriam ser reunidas. O processo deverá voltar à primeira instância para julgamento unicado e, depois, seguirá ao TRF. A Vale mantém alguns dos melhores advogados do país no acompanhamento do processo. Ajuda estatal Hoje, atuando nos cinco continentes, a Vale obedece a um mesmo modelo de exploração clássico das corporações. “Nós estamos chamando de extraterritorialização do Estado brasileiro. Quando uma empresa se instala em um país, ela leva por trás um Estado forte que a nancia, porque ela precisa de nanciamento público para poder se expandir e precisa de política pública para se manter”, explica Ana Garcia, da Fundação Rosa Luxemburgo. No governo Lula, o BNDES teria assumido a função de exportação de crédito e teria um projeto de domínio regional. “Ele se impõe através de relações aparentemente amigáveis. Não se impõe por meio de exércitos. Esse é o papel de uma hegemonia regional que se fortalece através de uma empresa”, arma Ana. O governo federal já deu sinais de que pretende ter maior controle sobre a companhia, atualmente de capital misto. Uma aliança entre os acionistas Previ e BNDESpar poderia formar força para diminuir a inuência do Bradesco e indicar novo presidente. Lula estaria insatisfeito com a atuação da empresa. (LU) No Canadá e no Brasil O sindicato USW aponta algumas diferenças na relação da Vale com os trabalhadores brasileiros e canadenses. Se demitidos, os trabalhadores canadenses têm • layoff (em caso de admissão, são os primeiros a ser chamados). daloso episódio privatista da história nacional. A empresa foi “vendida” por apenas R$ 3,4 bilhões, em período de paridade cambial. Um acórdão submetido ao Tribunal Regional Federal (TRF) de Brasília, em 2004, explicitava uma série de irregula- também existe o seniority – aumen• toNodosCanadá benefícios proporcionalmente ao tempo de permanência na empresa. • No Canadá não se pode demitir sem justa causa. No Brasil não se tem direito a unidade sindical na • base de trabalho. • No Brasil não existe contratação coletiva.