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Transcrição

POESIA
OU
PICUÁ DE LAZARENTO
1966 – 1976
EURO S.R.
EM FAMÍLIA
2
EURO
(Sextilha que dediquei ao meu primeiro netinho, em seu lindo
álbum, cujo nome serve de epígrafe)
Ao traçar, com alegria,
Neste livro que extasia,
O meu nome de avôzinho,
Eu almejo, humildemente,
Com meu ósculo fervente,
Boas vindas ao netinho.
Monte Azul do Turvo / 22 de junho de 1947.
Leonardo Severino (Avô).
3
(...) Filho, não imaginas as saudades que tenho curtido de você, que
não vejo há tanto tempo.
És capaz de calcular esta saudade, acompanhada de mil cuidados,
que às vezes me deixa quase louca.
Você sozinho, nesse turbilhão de gente, nessa vida moderna tão
trepidante e artificial, que não compensa o sacrifício de nosso ideal
religioso, político e patriótico.
Aqui, nada de novo.
A mesma vida vegetativa de sempre, só alegre para os cachaceiros...
Muito juízo, querido, você que tem uma carreira bonita pela frente e
que tem custado muito caro a teu pai.
Ele esteve aqui. Está bem, forte, gordo, trabalhando e fumando demais.
Teu avô vai bem. Viajando.
Eu, cada vez mais velha, adoentada, me doem as pernas, já não posso
fazer muita coisa como antes, vou tocando como Deus quer e me
ajuda.
Peço que ouça os meus conselhos e os ponha em prática.
Não quero saber que sejas herege.
Deus te abençoe prodigiosamente. Amém.
Um abração da
Vovó Iracema
Monte Azul Paulista / 28 de julho de 1971.
Iracema Bastos Severino (Avó).
4
Pássaro Cego
Sinto clamar em mim, vozes tristes, chorando
Sinto gritar em mim, longos martírios
Que não sofri
Sinto que sou a forma, o lamento, a expressão
De mil tormentos mudos, abafados
De mil tormentos sem voz
Mil tormentos sem voz
Minha poesia é um pouco da queixa de homens errantes
De homens sem lar e sem repouso
De homens que foram meus avós
Deles herdei a angústia infinita
Deles herdei o tédio de todas as paisagens
A inquietação de todos os momentos.
P.S.:
Junto segue cheque relativo à mesada de setembro.
Um forte abraço deste preocupadíssimo pai, que muito o quer.
Prudencio
Monte Azul Paulista / agosto de 1969.
Prudencio Alonso Rodrigues (Pai).
5
Meu sempre querido filho Euro,
Deus lhe abençoe hoje e sempre.
Senti não ter recebido sua penúltima carta, onde me contava tantas
coisas de sua vida e que eu gosto tanto de saber.Mas estou felicíssima
com esta que acabo de receber, tão repleta de você mesmo, da sua
alegria contagiante, do seu entusiasmo de viver para um futuro
brilhante que aí está à frente de vocês jovens.
Fiquei maravilhada com a sua excursão, tão interessante, onde
conheceu coisas tão lindas. Sempre que puder faça assim, meu filho,
não permita que somente as ocupações absorvam o seu tempo,
destruindo os momentos bons que podemos usufruir da vida. Precisamos
estar em contato com a natureza e amar plenamente o “Belo”. Porque
onde está o belo está Deus. Nós, os brasileiros, somos herdeiros de uma
herança fabulosa que é este Brasil maravilhoso que Deus nos legou, e
que quanto mais o conhecemos, mais o admiramos. A sua saída do Rio
me tranqüilizou por causa dessas greves estudantis. Suas notas para um
1º ano de Faculdade estão ótimas.
Foi uma notícia tão agradável o seu emprego com essa bolsa da
Prefeitura. Não só pela remuneração que já dá para um par de sapatos
ou outra coisa qualquer, como pelo valor na prática e no aprendizado
adquirido enquanto estiver aí. Procure aprender o máximo durante a
sua vida, meu filho. Nada é inútil e desnecessário, quando sabemos
extrair a essência das coisas com a nossa experiência.
Que seja o vosso evangelho: O amor a Deus e ao próximo. A firmeza de
caráter e a brandura para com os humildes. Não se deixe abater pelos
fracassos e siga sempre em frente. Esse é o lema dos jovens.
Porque após uma noite de tempestade, surge radiosa a manhã e
podemos lançar o olhar deslumbrado pela vida.
Você já não me preocupa mais, meu filho. Porque eu os criei e sei qual
a formação moral que lhes dei.
Portanto confio plenamente em vocês, só lhe peço que auxilie seu
irmão a entrar para a Faculdade.
Porque depois do Evandro estar lá, sei que é homem bastante para
saber se conduzir pela vida afora.
6
Graças a Deus, fui premiada com filhos bons, carinhosos e dignos, que
sempre me deram incontáveis alegrias e o apoio de sua amizade
preciosa.
Todo esse carinho que tenho recebido, quero que vocês continuem
dividindo com seu pai, que já está velho, cansado e impaciente e que
necessita de muito mais atenção do que eu que sou mais
compreensiva.
Onde quer que vocês estejam, meus filhos, não se esqueçam, o meu
amor atravessará fronteiras e o mundo será pequeno demais para
conter todo o meu amor.
Mil beijos de sua mãe afetuosa
Irajá
P.S.: Estou passando uns dias aqui em Severínia, onde vim para tomar
umas injeções. Agora estou imitando o vovô, me transformei em
viajante. Tia Nenê e Tio Emidinho estão querendo tirar diploma de
enfermeiros e por isso me tratam com o maior carinho e desvelo só para
ver se serão aprovados. Mas já estão.
Diza e os meninos são uns amores. Tenho recebido muitas visitas, o povo
daqui é muito agradável.
Vovó manda perguntar se você recebeu a carta dela.
Todos enviam abraços e eu muitas saudades
Sua mãezinha
Severínia / 1 de novembro de 1968.
Irajá Severino Rodrigues (Mãe).
7
Ah, os senhores insistem em dizer que eu não creio!
Mas a verdade é que eu creio e crio, como é possível alguém crer e
criar.
Eu creio, crio, e me transformo nessa obra, e retorno, e desenvolvo, julgo
e me condeno, faço e me desfaço.
Eu e mais eu é quem se entende, e eu, só eu, é que creio no que faço e
crio.
Por isso eu crio e creio assim, pouco me importa que vocês creiam e
criem de outro modo. Eu não crio mesmo para ser modo ou módulo
universal.
Me satisfaz, isto me basta, é meu modo de criar e ser.
Pois eu sou como nunca fui, pois mais que nunca eu mudei e sou
diferente.
É, eu sou como são as coisas, assim como elas vieram eu vim, assim
como elas crescem e modificam eu estou transformando e evoluindo,
produzindo meu produto híbrido, de pouca aceitação comum.
Mas na verdade, não me importa que me aceitem ou não, eu não
pretendo ser
adotado simplesmente, como um cão, feroz, mas obediente.
Eu sou mais lobo e minha vontade maior é morde-los todos,
balançando seus pedaços nos meus dentes.
E vocês ficarão cada vez mais mordidos com os ímpetos juvenis, até
dizer:
- Afinal, vocês não são tão jovens para sair mordendo por aí.
Aí então seremos adultos e nos morderemos lado a lado.
Mas, se os senhores são mesmo tão adultos, por favor, não adulterem a
minha criação.
Porque eu creio no que crio e crio o que creio, porque se eu fosse tão
descrédulo e tão adulto eu não criaria tanto.
Para o Euro, grande arquiteto e criador.
Leblon, Rio / 15 de maio de 1969.
Evandro Severino Rodrigues (Irmão).
8
ENTRE AMIGOS
9
SENHORA DOS NAVEGANTES
Ah, viagens de Elsie Lessa!
Água na boca à beça.
Quisera eu ser menino-roseiral,
ser filho deste casal:
Elsie Lessa e Marco Pólo.
E no materno e augusto colo,
viajar de pólo a pólo.
Pois eu dia e noite me amolo,
triste, solitário no meu pólo.
(Pólo ou polígono?
Oh, interrogar maligno!)
Mas eu sonho,
e no sonho me consolo:
Fernando Lessa Pólo!
Para Euro Rodrigues, no Ano das 200
milhas do mar territorial brasileiro.
Flamengo, Rio / 1970.
Fernando Araújo (“Fernandinho Guinle”).
10
(...) Sabe, Tatu, Arquitetura já era.
Prefiro ganhar o que ganho. Pelo menos, prefiro isto, que a bomba da
Faculdade.
Sabe quando eu volto à Escola? : Never.
Aqui eu estou na minha: boa comida, boa bebida, praia, drinks, boa
cama, boas mulheres e boas pescarias.
Pois é, Tatu, pode vir a hora que quiser.O apartamento é grande, tem
lugar de sobra.
Tem um barzinho aqui no apartamento com todas as bebidas:
cachaça, cerveja, whisky (nacional e scotch), champanhe, vinho, etc.
Em um minuto, você já entra na sua.
Em matéria de som, aqui é de “Lennon” pra cima.
Estou com carro à disposição.
Agora estou enturmado, para quando vir, você conhecer as mais belas
capichabas, mil e uma vezes mais simpáticas, gostosas e femininas, que
as babacas das arquitetas.
Não faça cerimônia. Traga também o Rato e o Xingu.
Um abração e um 72 feliz de girls.
Vitória / 21 de fevereiro de 1972.
Paulo Armando “Barbudinho” Fernandes Soares.
11
(...) Me escreva dizendo como está tudo por aí, as suas virações, o
Fernandinho Telex, o Rato, o Barbudinho, etc.
Ô Euro, eu não sei se você está com tempo, mas havendo
oportunidade apareça por aqui.
Ponha o Rato debaixo do braço e traga-o também, já que ele não
conhece Brasília, e aproveita para sair da toca.
Vocês aproveitam para conhecer o ranchinho que eu e um colega
estamos fazendo numa invasão de terras do Governo do D.F.
Construímos uma casinha, estamos cercando um pedaço dessa terra
com arame farpado, e o bom é que tem até um pequeno bosque de
árvores altas, e também nascente de água, sendo que vamos fazer
também represas para formar piscinas naturais.
Vamos criar porcos, galinhas, e plantar.
Se for possível veremos mais tarde para registrar no INCRA e tentar
passar documentação da terra.
Já montei o laboratório de fotografia num dos banheiros do
apartamento, só que o tempo até agora tem sido pequeno, e por isso
só tem dado para fazer fotografias comuns que batemos aqui entre nós.
Dê os parabéns ao Rato pela façanha de ter saído da Faculdade e os
pêsames por ter resolvido casar com um computador.
Um grande abraço do Xingu amigo.
Brasília / 9 de abril de 1975.
Antonio “Xingu” Esteca.
12
Estudo uma lição e para aprendê-la de cor, eu a leio primeiro,
escandindo cada verso; repito-a em seguida, um certo número de
vezes. A cada nova leitura um progresso se realiza, as palavras se unem
cada vez melhor, acabam por se organizar num todo.
Neste momento sei minha lição de cor; ela se tornou recordação,
gravou-se em minha memória.
A lembrança de uma leitura determinada é uma representação e
apenas uma representação; prende-se numa intuição do espírito que
eu posso, à vontade, alongar ou encurtar; dou-lhe uma duração
arbitrária; nada me impede de aprendê-la num só golpe, como num
quadro.
De fato, a lição, uma vez aprendida, não traz consigo nenhuma marca
que traia suas origens e sua classe no passado; ela faz parte do meu
presente, do mesmo modo que o meu hábito de andar, escrever,
sonhar e acordar...
Flamengo, Rio / 10 de novembro de 1976.
Jairo “Rato” de Medeiros.
13
PREFÁCIO
14
Todo livro tem seu prefácio.
Este, está claro, não poderia deixar de ter. Fugir à regra.
Quem não tem padrinho, morre pagão.
Por isso eu mesmo faço o meu prefácio.
Como o Vinícius, fiz uma ação entre amigos (& parentes).
Apenas os meus amigos não são tão ilustres como os do “Poetinha”.
Acontece que além de amigos (& parentes), pouparam-me a chatice
de um prefácio.
Pois eles já o fizeram.
Restou-me somente acrescentar que o livro é o resultado, a raiz, da
equação de vivência (e sobrevivência) de uma década, de um jovem
de classe média brasileira.
Extraída sob a ótica da poesia.
Daí o título.
E o sub-título: “Picuá de Lazarento”.
Velha expressão do interior paulista.
No picuá do lazarento estão os seus guardados, os seus bens, os seus
haveres, os seus achados.
Amontoados. Desordenados.
Como numa bolsa de mulher.
Onde se pode encontrar as coisas mais incríveis e/ou as mais banais.
Picuá: embornal de guardados.
De lazarento: porque como os lazarentos, os textos deste livro foram
estigmatizados.
Pelo estigma da poesia.
Copacabana, Rio / 1976.
E.S.R.
15
É ISSO AÍ:
16
CANTO JOVEM
MAIS QUE NUNCA
É PRECISO FALAR
MAIS QUE NUNCA
É PRECISO GRITAR
MAIS QUE NUNCA
É PRECISO CANTAR
NÃO MAIS IMPORTA
QUE AS PALAVRAS
SEJAM ERRADAS
OU INCOERENTES
NÃO TEMOS MAIS TEMPO
PARA PURISMOS
OU COERÊNCIAS
VIVEMOS NUM TEMPO DE DESCONEXÃO
A NOSSA HORA É TOTAL
É PRECISO QUE BRADEMOS
NÃO IMPORTA A VOZ
IMPOTENTE E ROUCA
NÃO IMPORTA
QUE NINGUÉM NOS OUÇA
NÃO IMPORTA
REALMENTE
NÃO BRADAMOS
PARA QUE ALGUÉM NOS OUÇA
BASTA
QUE NÓS MESMOS
NOS OUÇAMOS
QUE CADA UM DE NÓS
SE OUÇA A SI PRÓPRIO
ISSO É O QUE IMPORTA
A SENSAÇÃO DE ESTARMOS VIVOS
GRITAMOS
MAS NÃO PREGAMOS
DETESTAMOS A PREGAÇÃO
POR ISSO A NOSSA VOZ É JOVEM
17
JOVEM E PURA
DISSONANTE
SEM PRECONCEITOS
E SEM PRETENSÕES
CONTRADITÓRIA MESMO
ÀS VEZES
MAS SINCERA
SINCERA E ESPONTÂNEA
SÃO CARLOS, SP / 1966.
18
MULA MANCA
AÍ ESTÁ A VIDA!
VIVA MAIS QUE NUNCA
MAIS QUE NUNCA VIVA
AMARGA QUE NEM JILÓ
DOCE QUE NEM MELADO
SUTIL COMO UMA LOCOMOTIVA
E QUEM NUNCA COMEU MELADO
QUANDO COME SE LAMBUZA
A VIDA É ILÓGICA
ABSURDAMENTE ILÓGICA
MAS REAL
E CONVIDATIVA
COMO UMA AMANTE
NUA
CRUA
SEM TEMPERO
A VIDA É PLENA
TOTAL
NÃO SE JUSTIFICA
NÃO DÁ SATISFAÇÃO A NINGUÉM
NÃO QUER PAPO
DÁ PANO PRA MANGA
AS RAZÕES DA EXISTÊNCIA
ESTÃO NELA MESMA
ELA VALE A PENA POR SI
ELA MESMA SE COMPLETA
ELA MESMA SE COMPENSA
ELA MESMA SE DÁ UM SIGNIFICADO
NÃO A PEDI
NÃO PEDI A VIDA
NÃO A RENEGO TAMBÉM
(QUÍMPORTA QUE A MULA É MANCA
O QUE EU QUERO É ROSETAR...)
ACEITO-A TODA
COMO A UMA MULHER
19
QUE A GENTE ENCONTRA
AMA
E PERDE
POR ISSO
QUANDO ELA FUGIR
NÃO A LAMENTAREI
POIS MAIS QUE NINGUÉM
A AMEI
E A TENHO AMADO
INTENSAMENTE
São Carlos, SP / 1966.
20
HÁ
HÁ...
HÁ UMA GRANDE INTERROGAÇÃO
E UMA GRANDE AFIRMAÇÃO
HÁ UMA GRANDE NEGAÇÃO
E UMA GRANDE CERTEZA
HÁ UMA GRANDE PROCURA
E UM INEFÁVEL ENCONTRO
HÁ UMA GRANDE ESPERANÇA
E UMA GRANDE SAUDADE
AH...
SÃO PAULO / 1967.
21
À VOCÊ QUE PASSA
AH, VOCÊ QUE PASSA
SE SOUBESSE
QUANTO AMOR EU TENHO
(SE SOUBESSE!)
PRA LHE DAR
QUERIA AMÁ-LA AGORA
NESTE INSTANTE
NESTA HORA
PORQUE O AMOR É MUITO
PRA LHE DAR
VOCÊ QUE PASSA
E NÃO ME OUVE
VOCÊ QUE PASSA
E NÃO ME VÊ
NÃO ME IMPORTA
QUEM VOCÊ SEJA
OU O QUE SEJA
VOCÊ É MULHER
E ISSO ME BASTA
QUERIA AMÁ-LA TODA
NO SEU ANONIMATO
NO MEU
SEM COMPENSAÇÕES
OU COMPROMISSOS
SEM PROMESSAS
SEM AMANHÃ
QUÍMPORTA ISSO AGORA?
QUERIA TÊ-LA
PORQUE O AMOR
EM MIM TRANSBORDA
SÃO PAULO / 1967.
22
NOITE VAZIA
COMO QUEREM VOCÊS
QUE EU ME AFASTE DO BEM E DA MALDADE
SE POR AQUI
JÁ NÃO HÁ NADA
NEM AO MENOS A SOLIDÃO
VAGAR INCERTO E NULO
DE DIAS VÃOS
ORA PORRA!
E NÃO SERIA MAIOR
O DESESPERO
A DESVENTURA
MAIOR É A DÚVIDA DO QUE A CERTEZA
A ESPERA É TRISTE E INFINDA
É GADO
É GENTE
TODOS SE CONSOMEM NUM GRANDE PASTO
O REPASTO E O ALMOÇO
JÁ NÃO SERVEM PRA NADA
NOITE VAZIA – SACO CHEIO
ÂNSIA
ESPERA
PROCURA
NECESSIDADE DE NEIDE
CARAMBA, NEM TUDO ESTÁ PERDIDO
MAS QUE A ESPERA É MORRINHA
LÁ ISSO É INDISCUTÍVEL
ALOJAMENTO, ILHA DO FUNDÃO, RIO / FINS DE 1968.
23
CONCRETINHA
ROCKEFELLER
ROCK
ROLL
ROLA
LÁ
LATINA
TINA
INA
NA
NADA
DÁ
DANO
CANO
ANO
NO
NOCHE
CHE
ILHA DO FUNDÃO, RIO / 16 DE JUNHO DE 1969.
24
TELMA GIL
TELMA GIL
ERA MAIOR QUE EU
ALTA E MAGRA
LINDA LINDA
CABELOS NEGROS
GRANDES
OLHOS VERDES
MACIOS
PELE CLARA
ALVACLARA
TELMA GIL
ERA MAIOR QUE EU
BEM MAIOR O MEU AMOR
PRIMEIRO AMOR
AMOR PRIMEIRO
QUE NÃO ME QUIS
TELMA GIL
TELMA TETÉIA
TELMA GIL
ERA MAIOR QUE EU
ERA ENORME
MUITO GRANDE
BEM MAIOR O MEU AMOR
TELMA GIL
NÃO ME QUERIA
SE RIA
SERIA?
TELMA GIL
JÁ ERA GRANDE
EU AINDA ERA CRIANÇA
BECO DAS GARRAFAS, COPACABANA, RIO / 1969.
25
CONTO-UM
OU
DO VIGÁRIO
ELE
ELA
TELENOVELA
TELENOVERSO
TELENOVEL
!?....................?!
ENO
ENO
SSSSHHHHHH
GLUB
GLUB
GLUB
MORAL:
NINGUÉM PODE SONHAR IMPUNEMENTE.
FLAMENGO, RIO / 1969.
26
LOVE – AMOR
α70
O POSTE TELEFÔNICO
FLORIU
É A VOZ
DA MINHA AMADA
GIRL-MENINA
MULHER
GATA
O FONE
É UM ALTO-FALANTE
ONDE GRITA
SILENCIOSA
A MINHA PAIXÃO
NO DIAL
ME MASTURBO
OUVINDO ELA
PENSANDO NELA
GOZANDO ELA
NO TELEFONE
ME ENCONTRO
NO TELEFONE
ME PERCO
NA LINHA
NO FIO
PERCO O FIO DA MEADA
FIM DA LINHA
FIO
MEADA
FIM E COMEÇO / MEIO
INÍCIO
PRÉ-GOZO
PRÉ-PRAZER
SINTO
PRESSINTO
PRÉ-SINTO
SATANÁS!
SACANÁS!
27
AH, QUANDO A TIVER EM MEUS BRAÇOS
EM QUE ESTADO
(DE CHOQUE?)
A POREI
COM MINHA
TESÃO ELETRÔNICA
ILHA DO GOVERNADOR, RIO / ABRIL DE 1970.
28
MEGANHA
PÔ! PÁ! PACA!
DOLCE VITA
DOLCE FAR NIENTE
MOLE MOLEZA
MOLEMOLENTE
DOCE PREGUIÇA
INTERMITENTE
PÔ! PÁ! PACA!
SHAZAN!
BUUUM!
POW! CRASH!
ARGH! ZIIIP!
GRASSSS
WUNG!
E ENTÃO
ELE SENTOU PRAÇA
AH, A DOCE ILUSÃO DO MANDO...
29
RESOLUÇÃO
NÃO SE PODE
SER CRIANÇA
NÃO SE PODE
É FATAL
SER CRIANÇA
É CRUEL
É FATAL
FATAL DEMAIS
É PRECISO
FAZER ALGUMA COISA
NÃO SE PODE
SÓ SENTIR
NÃO SE PODE
SENTIR
SENTIR
NÃO
É FATAL
É O FINAL
É O SINAL
MAU SINAL
NÃO SE PODE
SER CRIANÇA
AOS 40 ANOS
É PRECISO
FAZER ALGUMA COISA
É PRECISO
SOBRETUDO
TOMAR UM SORVETE
30
FECUNDAÇÃO
EVA
ADÃO
AVE EVA!
AVE ADÃO!
A MAÇÃ
E O UMBIGO
O FEIJÃO
E A FARINHA
O DESASTRE
O INCÊNDIO
A SIRENE
E O DESEJO
AFRODISÍACO
REPRODUÇÃO DA ESPÉCIE
CRESCEI E MULTIPLICAI-VOS
O NONO MANDAMENTO
A AUDÁCIA
O MEDO
O MERGULHO
O FUNDO
O GOZO
E O TEMPO
AFIRMAÇÃO
PRESERVAÇÃO
ADÃO-NOÉ
CAIM-ABEL
HOMEM MACHO
MULHER FÊMEA
MACHO-FÊMEA
FÊMEA-MACHO
A POMBA
POMBAS!
O ESPÍRITO SANTO ERA PAPAGAIO
A CRUZ E/OU A ESPADA
EVA ME LEVA
PRO PARAÍSO, AGORA
31
SE EU TENHO MUITA ROUPA
EU JOGO A ROUPA FORA
A ROUPA FORA
ESTAR POR FORA
O NEGÓCIO É ESTAR POR DENTRO
POR DENTRO
POR DENTRO
PÔR DENTRO É A QUESTÃO
COLOCAR DENTRO
DENTRO
FECUNDAÇÃO
32
COM CUSPE E JEITO
PRA FRENTE
É A SENHA
É A PALAVRA
DE ORDEM
DESORDEM
PRA FRENTE
SEM OLHAR
PRA TRÁS
HOJE
VOU-ME EMBORA
NÃO FUJO
DO PASSADO
MAS PARA
O PRESENTE (FUTURO?)
ANSEIOS
ANELOS
ESPERANÇAS
VÃS OU NÃO
NÃO ME INTERESSAM
EU QUERO MAIS
É SABER DE MIM
PRA FRENTE
O PRA TRÁS
JÁ FICOU
POEIRA DA ESTRADA
EM NOSSO CORPO
(AS ESTRADAS QUASE JÁ NÃO TÊM MAIS POEIRA...)
NÃO MAIS
O PRA TRÁS
MAS O SABER DELE
A LIÇÃO
A CONSCIÊNCIA
A HISTÓRIA
SEM RECEIO
O SOL SÓ EXISTE
PORQUE EU EXISTO
33
O CÉU SÓ EXISTE
PORQUE EU EXISTO
DEUS SÓ EXISTE
PORQUE EU EXISTO
PENSO
LOGO EXISTO
SINTO
LOGO EXISTO
SOU
LOGO EXISTO
SINTO E PENSO
EXISTO
PENSO E SINTO
EXISTO
HOMO SÁPIENS
HOMO LUDENS
SEI LÁ
I´M A MAN
EU PECADOR
JÁ FICOU
PRA TRÁS
PRA FRENTE!
COM CUSPE E JEITO
34
ODE À UMA GAROTA DE SEIOS PEQUENOS
πR²
É A ÁREA
A ÁREA DE SEU SEIO
É A ÁREA
NÃO TEM VOLUME
QUASE
É UMA TÁBUA
RETA
MAS OS BIQUINHOS
SÃO TÃO LINDOS
PONTUDOS E ROSADOS
ROSADOS
E A AURÉOLA QUE OS CIRCUNDA É ROXA
COR DE SANGUE PISADO
DE SANGUE
DE SANGUE É O SEU CONTORNO
SUAVE
QUASE IMPERCEPTÍVEL
MAS A CIRCUNFERÊNCIA VIBRA
É VIBRÁTIL
TANGÍVEL
RESPONDE A CADA CHAMADO
RETESA A CADA TOQUE
COMO UM ARCO
COMO UM ARCO
ONDE A FLECHA
SE ENCAIXA
E O ESTICA COM FORÇA
UMA CÁPSULA ESPACIAL
É O SEU SEIO
ACOPLADA
À NAVE MÃE
DE SEU CORPO SADIO
EU ASTRONAUTA
NÃO ME VEJO
NÃO ME ACHO
35
NÃO ME SINTO
SÓ SINTO
ME CONFUNDO
NAS VOLTAS ELÍPTICAS
DE SEU SEIO
SEUS PELINHOS ME EXCITAM
ME EXCITAM
ME ENVOLVEM
ME EXTASIAM
MINHA BOCA
É SEU FOGUETE PROPULSOR
A FLECHA QUE RETESA O SEU ARCO
MINHA BOCA
ENTROU NA ÓRBITA
DE SEU SEIO
36
A PRIMEIRA VEZ
OU
JÁ TEMOS UM PASSADO, MEU AMOR
O SEXO NA CABEÇA
NAS DUAS
ESPINHA NO ROSTO
A DOENÇA
O MEDO
CAMISINHA NO BOLSO
O MEDO NA MÃO
A DOENÇA
O PODER
A POSSE EM MENTE
O SEXO
A LASCÍVIA
O TEMOR
A DÚVIDA
O MANGUE
A ZONA
A PALHADA
AS PRIMAS
OTÁRIO
FARISEU
AMANTE
AMADO
FELIZ
FELIZARDO
(NEM TANTO)
PAGO
O DINHEIRO
A CAMA
O CUSPE
O NOJO
A NÁUSEA
E O JATO
O GATO
EVACUAÇÃO
37
EJACULAÇÃO
NA MÃO
NO CHÃO
BÃO BALALÃO
SENHOR CAPITÃO
ESPADA NA CINTA
O MEMBRO NA MÃO
ESPINHA NO ROSTO
A CARA NO CHÃO
A CARA
A CABEÇA
O CABELO CORTADO À ESCOVINHA
38
REMETENTE: FORÇA VIVA; ENDEREÇO: TEMPO
ENERGIA
ENERGIA FECHA A QUESTÃO
ENERGIA NÃO PEDE FAVORES
ENERGIA NÃO ESPERA
(MAIS DO QUE O NECESSÁRIO)
A ENERGIA EXPLODE
A ENERGIA TRANSFORMA
E = mc²
CONTINUAMENTE
TUDO ESTÁ EM CONSTRUÇÃO
OU EM DECADÊNCIA
TUDO ESTÁ EM TRANSFORMAÇÃO
OU EM DECADÊNCIA
O MOVIMENTO
O ÓDIO
O AMOR
A VIOLÊNCIA
A CONSCIÊNCIA
A PERCEPÇÃO
O SENTIMENTO
A RAZÃO
A VOLTA DA CHAVE
A REVIRAVOLTA
O GIRO DO ROTOR
A PRESSÃO NO GATILHO
A MIRA
O GRITO
O SANGUE
O ROMPIMENTO DO HÍMEN
O ROMPIMENTO
O ROMPIMENTO
A MANCHA
A NÓDOA
O RASGO
O FERIMENTO
A DOR
39
E A RESPOSTA
AINDA QUE A OUTRA FACE
A RESPOSTA
A RESPOSTA
A RÊS POSTA
SOBRE A MESA
O PITÉU
O PRATO
A FACA
E O QUEIJO
O CAVALHEIRO
E A DESPESA
A RÊS POSTA
SOBRE A MESA
ABATIDA
INERTE
A INÉRCIA É A MORTE
A DECADÊNCIA
O M.R.U. (*)
O APODRECIMENTO
A INÉRCIA ESTÁ POR FORA
A INÉRCIA É PARADONA
A INÉRCIA ESTÁ EM OUTRA
ILHA DO GOVERNADOR, RIO / MAIO DE 1970.
(*) M.R.U. = MOVIMENTO RETILÍNEO E UNIFORME.
40
VIVA SATÃ!
O FOGO
A BELEZA
A DIVINDADE
A IGNORÂNCIA
A ADOLESCÊNCIA
O VENENO
O ROJÃO
O BUSCA-PÉ
A DINAMITE
E A BOMBA ATÔMICA
HÁ SEREIAS NO FUNDO DAS PUPILAS
COMO NO FUNDO DO MAR
SÓ O DESEJO É A VIDA
O FÍSICO
E O MENTAL
SÓ O DESEJO É A VIDA
O QUE IMPORTA
NÃO É A VIDA ETERNA
MAS A VITALIDADE ETERNA
DO CORPO
E DO ESPÍRITO
DEUS MORREU
DEUS FICOU IMPOTENTE
DEUS NÃO CRIA MAIS
O DIABO ESTÁ VIVO AINDA
O DIABO CRIA AINDA
O DIABO É POTENTE AINDA
SÓ A POTÊNCIA É A VIDA
A FÍSICA
E A MENTAL
LÚCIFER É A REBELIÃO
A REVOLTA
A DESOBEDIÊNCIA
O PODER DA VONTADE
A FORÇA DO DESEJO
A AFIRMAÇÃO DA INDIVIDUALIDADE
41
A SENSUALIDADE
A CONCUPISCÊNCIA
A AÇÃO
E O NÃO
DEUS MORREU
O DIABO ESTÁ SOLTO
AINDA
EM CADA UM DE NÓS
42
ALMANAQUE D´ “A FLORA MEDICINAL”
AZUL
DE ANILINA E CREPOM
VERMELHO
DE BOCA ESCORRENDO SALIVA
AMARELO
DE SOL QUENTE E ANEMIA
VERDE
DE ESPERANÇA
MAR
AMAR
MARAVILHAR
FACA
GILETE
NAVALHA
CORTANDO O ESPAÇO
O PRAZER DE FENDER O AR
SUPERSÔNICOS
E AEROMODELOS
NO ATERRO DO FLAMENGO
A FORÇA
A FRAQUEZA
A FEBRE
O SUOR
O FEDOR
A TRISTE ALEGRIA
E A ALEGRE TRISTEZA
REFLEXÃO
IMITAÇÃO
OU EXPERIÊNCIA?
A BIZARRIA
A LOUCURA
A MORDIDA
A ÁGUA
E O SAL
O FOGO
E O BATISMO
43
O PERDÃO
A PALAVRA
O CARÁTER
E A VAIA
BRANCO
DE LINHO 120
BRANCO
DE NEVE E AS 7 ANÃS
VERMELHO
DE VERGONHA
A FLORA
A FAUNA
O CARNAVAL
A PAISAGEM
A COR
A DOR
A ALEGRIA
E A TRISTEZA
O RÁDIO
A VIOLA
E O ESCARRO
A VITRINE
E O SUPERMERCADO
O CAUIM
A MACONHA
A PINGA
E O CIGARRO
DE PALHA
O TRABALHO
O PODER
A PREGUIÇA
E A SAUDADE
A FÉ
E A SAÚDE
A FOME
E A VONTADE
O GIBÃO
E AS PANTALONAS
44
O CRISTO CRUCIFICADO
E A NOITE DE SÃO JOÃO
O MÁRMORE
E A LAMA
O ÔNIBUS
E A ENXADA
45
PASTORAL
OS OLHOS LIMPOS
DESERTOS
SEM ARGUEIRO
SEM EMBARGO
PASTOREIO MEUS INSTINTOS
APASCENTO MEU REBANHO
DOU DE BEBER AOS FAMINTOS
E DE COMER AOS SEDENTOS
EM ÁGUAS TURVAS ME BANHO
46
COMO TE ENGANAS, TRAIDORA
CORPO FECHADO
CAMINHO ABERTO
A FACÃO
POVO
EQUILIBRIO
INSTÁVEL
DE TODOS OS DESEQUILIBRIOS
A VOZ DO POVO
É A VOZ DE DEUS
A MÃO QUE APLAUDE
É A MESMA QUE APEDREJA
O POVO NÃO FALA
SE LAMENTA E CHORA
CANTA E RI
ILÓGICO
RIDÍCULO
TOLO
DIVINO
COMO A VIDA
COMO A MORTE
PORQUE É CHEIO DE VIDA
PORQUE É CHEIO DE MORTE
A ALEGRIA DISPERSA
A DOR CONCENTRA
DOR E ALEGRIA
SADO-MASOQUISMO
POVO
OS SANTOS SERÃO QUEIMADOS
OS LÍDERES CRUCIFICADOS
OS MESTRES ESCARNECIDOS
AO SOM DA BATUCADA
MUITA CANA
E MUITA ANCA
MALEMOLENTE
CASTA
OU SEVICIADA
47
OS PROFETAS SERÃO BENVINDOS
DE TODO O CORAÇÃO
A CASTIDADE
A CARIDADE
É UM REQUINTE DE EGOÍSMO
ALEGRIA DE POBRE
DURA POUCO
ORA POR NÓS
PECADORA
TRAIDORA
NOSSOS PECADOS SÃO OS TEUS
NÃO SÃO OS TEUS OS NOSSOS AIS
COMO TE ENGANAS, TRAIDORA
A POLÍTICA SÓ EXISTE PORQUE O POVO EXISTE
A RELIGIÃO SÓ EXISTE PORQUE O POVO EXISTE
O POVO NÃO É UM, SÃO TODOS
O POVO NÃO SÃO TODOS, É UM
ENTE MITOLÓGICO
COMO A SAUDADE
UMA SARAIVADA DE BALAS
MARCA O FIM
E O INÍCIO
OS MORTOS RENASCERÃO EM FLORES
OU ABÓBORAS
OU NÃO RENASCERÃO
OS SORRISOS MARCARÃO O ENTERRO
DA SABEDORIA
DO ROSÁRIO
DA LIÇÃO
DO DISCURSO
DA MORAL
E DO EXEMPLO
SALVE RAINHA
TEU TRONO DE LATA
TEU TRONO DE LAMA
OS PUROS PISAM A LAMA
E A ACHAM LINDA
CRIANÇA GOSTA DE BRINCAR NA LAMA
48
DE LAMA FOMOS FEITOS
BENDITO É O FRUTO
DE TODOS OS VENTRES
ABAIXO A ELEIÇÃO
ABAIXO OS ELEITOS
VOTE NULO
FLAMENGO, RIO / JUNHO DE 1970.
49
VALSA FALSA
QUERO
ME ENVOLVER
NO TURBILHÃO DAS PAIXÕES FREMENTES
OU ME DISSOLVER
TRANQÜILO
NA CALMA DE UM AMOR SERENO
O QUE EU NÃO QUERO
SÃO OS SENTIMENTOS MEDÍOCRES
AS PAIXÕES PEQUENAS
E OS AMORES BUROCRÁTICOS
QUERO ME QUEIMAR
INTENSAMENTE
NA MULHER DE TRINTA
E NA MENINA ADOLESCENTE
QUERO
A TIMIDEZ
E A OUSADIA
NA MESMA PROPORÇÃO
E NOS MOMENTOS INESPERADOS
QUERO QUE O AMOR
SEJA UMA CONSTANTE DESCOBERTA
UM CONSTANTE SUSTO
UMA CAIXA DE SURPRESAS
E UM RENOVAR-SE DE ESPERANÇAS
O QUE EU NÃO QUERO
SÃO OS AMORES BONZINHOS
(FALSA VALSA)
DE SALA DE JANTAR
TELEVISÃO
CAFÉ E BOLINHO
O QUE EU NÃO QUERO
É DESSA CORAGEM
QUE NADA MAIS É
QUE UMA FUGA PARA FRENTE
MONTE AZUL PAULISTA, SP / 16 DE JULHO DE 1970.
50
O UMBIGO DA RUA TTE OTÁVIO GOMES
O UMBIGO DA RUA TENENTE OTÁVIO GOMES
NÃO ERA AZUL
NEM AMARELO
ERA BRANCO
E MACIO
COMO GABIROBA MADURA
GABIROBA MADURA
DA BEIRA DO RIO
NUNCA CONSEGUIU
SE PERDER
SE DESINDIVIDUALIZAR
NA MULTIDÃO – SÃO PAULO
AQUELE UMBIGO DE TREZE ANOS
DOIDINHO POR SE AFIRMAR
NÃO CONSIGO ME LEMBRAR DO ROSTO DELA
NÃO CONSIGO ME ESQUECER DO UMBIGO DELA
FOI NAMORADA DE UM AMIGO MEU
JÁ OUTRO AFIRMAVA
QUE NÃO VALIA TANTO
FRIA E VAZIA
DIZIA
COMO A GAROA QUE CAÍA
MAS EU NÃO ME IMPORTAVA
QUERIA MESMO
ERA O SEU UMBIGO
BEIJÁ-LO COM A LÍNGUA
RUDEMENTE
MAS EU NÃO ME IMPORTAVA
POR ELE
EU IA ATÉ SÃO CARLOS
ONDE ELA TINHA UMAS PRIMAS
AS DORES DO MUNDO
BAH!
EU QUERIA MESMO
ERA O UMBIGO DA RUA TENENTE OTÁVIO GOMES
51
O SEU VENTRE BRANCO
O SEU BAÇO PÁLIDO
O SEU UMBIGO
CARNUDO
ROSADO
DOLORIDO
DOS MEUS CHUPÕES
UMBIGO SENSUAL
ERÓTICO
NEURÓTICO
DE GAROTA
PRESA E VIGIADA
DIZEM QUE FOI PRO CONVENTO
(OU PRO COLÉGIO?)
A SACANINHA
FLAMENGO, RIO / JULHO DE 1970.
52
NÓS E O MUNDO
A MÚSICA
ENTRANDO PELOS POROS
COM GOSTO DE ENTARDECER
O ANSEIO DE REALIZAR-SE
AQUELA PAZ
QUE NOS EXCITA
ENTORPECE
ENTERNECE
LIGAR-SE ÀS GRANDES CAUSAS
A PREGUIÇA
O ÓDIO
O CORPO DELA
DOURADO
FUMEGANDO
A RESPONSABILIDADE
A RESPEITABILIDADE
A PERSONALIDADE
E A MÁSCARA
O SOM DOS TAMBORES
ERIÇANDO A PENUGEM
FERRUGEM
DA NUCA DELA
CADELA
A GUERRA
A GUERRILHA
O AMOR
ARMADO
AMADO
DADO
TIRADO
TARADO
O SOM DOS TAMBORES
PONDO-LHE ÀCIDO NAS MÃOS
E DESPUDOR NA BOCA
A POLÍTICA DO SONHO
O SONHO DA POLÍTICA
53
A LUZ
CAINDO EM JATOS
COMO ESTRELAS
O RITUAL
A LIBERDADE
O PRECONCEITO
O CAPITAL
ELETRICIDADE À FLOR DA PELE
O INFINITO EM NOSSOS CORPOS
ESTÉTICA
TICA
TITICA
TITICA DE GALINHA
A POLÍTICA
A RELIGIÃO
MORAIS
DUALISTAS
O SEIO DELA
ONDULANTE
FOSFORESCENTE
GRITANDO
O AMOR
AMORAL
MAIORAL
A PULSAÇÃO
O DILATAR DAS NARINAS
A CICATRIZ
ÁTOMO-SEXO
MEDIDA
UNIDADE
MENDIGOS
LÁ FORA
EXPLODEM EM CAOS
O SOL
A CHUVA
IMPASSÍVEIS
DEUS
A NATUREZA
54
BOMBAS
ESTOURAM NA PRAÇA
(COMO ERA DOCE MORRER DE TUBERCULOSE...)
CACHORROS
LADRANDO
DE FOME E CIO
O EXCESSO CONDUZ À SABEDORIA
À LOUCURA
À INOCÊNCIA
À SANTIDADE
SANGUE
ESCORRENDO PELAS PAREDES
A PRUDÊNCIA
A IMPOTÊNCIA
A CASPA
A SARNA
A COCEIRA
PELO AR
A PRÁTICA
E A GRAMÁTICA
A SEMEADURA
E A COLHEITA
O ANSEIO DE REALIZAR-SE
LIGAR-SE ÀS GRANDES CAUSAS
O TERRÍVEL COMPROMETIMENTO COM A VIDA
E A INOCÊNCIA PURA DOS INSTINTOS
FLAMENGO, RIO / AGOSTO DE 1970.
55
FLAMENGO – SETEMBRO
INDEPENDÊNCIA – INTENDÊNCIA
SCHOPENHAUER NO LARGO DO MACHADO
RÁDIO MUNDIAL – COISA E TAL
A PRIMA VERA
E MAIS AQUELA
A PRIMAVERA
NÃO É MAIS AQUELA
MEU PÉ DOENTE
MINHA MENTE
TRABALHAR
ATUAR
ESQUECIMENTO – LINIMENTO
O PÉ DOENTE – DEMENTE
SEM PARAR
APESAR DO AR
APESAR DO MAR
APESAR
MEU INTENTO – SOFRIMENTO
MINHA VIDA
MEU SUSTENTO
MINHA SORTE
MEU LAMENTO
SOL – SOUL
NEVE – NEVER
POMBOS – ZONZOS
A VOAR – COROAR
O AR SALUTAR
O POLUÍDO AR
A ALMA CHORA
56
A ALMA RI
MEU CORAÇÃO
MEU PÉ DOENTE
A VIDA A CORRER
SOCORRER
SÓ CORRER
A VIDA A MORRER
A VIDA A SOFRER
AQUELE PAPO
AQUELE FATO
AQUELE NACO
AQUELE SACO
MEU PÉ DOENTE
MINHA MENTE
A PENSAR
SEM PARAR
MEU PÉ
MEU CORPO
IMÓVEL
AUTOMÓVEL
DEVAGAR
A SENSIBILIDADE
DESATA
A IMOBILIDADE
ME MATA
FLAMENGO, RIO / SETEMBRO DE 1970.
57
ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU
A VERDADE DESANDA
A VERDADE DEBANDA
A VERDADE É O INTERESSE
A NECESSIDADE
E A PAIXÃO
A VIOLÊNCIA
O ORGASMO
A VIVÊNCIA
E A SOBREVIVÊNCIA
VIVER
INTENÇÃO
TENTAÇÃO
VOCAÇÃO
OPRESSÃO
A VERDADE E A MENTIRA
O BEM E O MAL
O VÍCIO E A VIRTUDE
VERDADE
OFÍCIO
ATUANTE
AMBULANTE
A MORTE SÓ TIRA A VIDA
AS POMPAS
AS GALAS
AS HONRARIAS
O PODER
A GLÓRIA
A RIQUEZA
A DESONRA
A VERGONHA
A MISÉRIA
O DESENCANTO
A VERDADE ESTÁ NO JARDIM DA INFÂNCIA
A FOME
A CIBERNÉTICA
58
O MEDO
EU NÃO QUERO LAURÉIS
QUERO AS ROSAS DA INFÂNCIA
AS ROSAS
O COGUMELO
ATÔMICO
A VERDADE E A MENTIRA
A FOME E A IRA
A VERDADE USA CALÇAS CURTAS
A MENTIRA TEM PERNAS CURTAS
A GUERRA ATÔMICA
JÁ NÃO PÕE MAIS MEDO EM NINGUÉM
O PAPO É O BARATO
A SOLIDÃO INDIVIDUAL
A SOLIDÃO
A CORAGEM
A COVARDIA
O INFERNO É A MENTIRA
A VERDADE É O AGORA
A VERDADE ESPERA SENTADA
SEM GUIA
SEM NORTE
SEM LUZ
PARADA
PASMADA
ACORRENTADA
DEBAIXO DA MESMA ASA
A MENTIRA É A VERDADE
DOS OUTROS
O ABSOLUTO É A MENTIRA
A VERDADE É O ABSOLUTO
O ABSOLUTO É A MENTIRA
A VERDADE É A MENTIRA
DE ONTEM
A VERDADE COLHE OS FRUTOS
DA MENTIRA
A VERDADE É UM VALOR
59
SEM VALOR
ABSOLUTO
TUDO TEM SEU PREÇO
A VERDADE CUSTA CARO
A MENTIRA É O BARATO
A GÊNESE
O DILÚVIO
A RESSURREIÇÃO
O APOCALIPSE
O RELATIVO
O RELATIVO É A VERDADE
O HOMEM É A MEDIDA
DE TUDO
A MEDIDA
A ESCALA
A ESCALA É A VERDADE
FLAMENGO, RIO / OUTUBRO DE 1970.
60
CARTA AO MEU IRMÃO
A IMOBILIDADE E A SAUDADE
UM DIA (N)OS MATARÁ A TODOS
UM DIA
UM DIA-AGONIA
A HESITAÇÃO
OU MORRERÃOEMOS DE QUALQUER OUTRA COISA
MORTE LENTA DE CADA DIA
OU TIRO
A INQUIETAÇÃO
QUEM SABE
DE CRIME
OU DE AMOR
OU DE ÓDIO
ROUBO
OU FOME
QUE CHANCE TERIAM OS FEIOS
OS ABJETOS
OS ANORMAIS?
O QUE VALE
O QUE CONTA
É O DINHEIRO
É O DINHEIRO
É O DINHEIRO
É O DINHEIRO
NINGUÉM FOGE DE SEUS PROBLEMAS
FUGINDO DE LUGAR
O PROBLEMA
ESTÁ EM NÓS
O PROBLEMA
ESTÁ NOS OUTROS
O MEU LUGAR SÓ EU SEI
ÀS VEZES
NEM SEMPRE
O RIO É O LUGAR
WIGHT É O LUGAR
O MUNDO É O LUGAR
61
TERRA É SEMPRE TERRA
O ESPAÇO CÓSMICO
O BARRO DE MONTE AZUL
A ILHA DO GOVERNADOR
EU SOU O LUGAR
O MEU LUGAR SÓ EU SEI
ÀS VEZES
NEM SEMPRE
MAS NÃO TEM MAL
O QUE IMPORTA É A VIDA
A NOSSA
E/OU A DOS OUTROS
TUDO LEGAL
TUDO EM ORDEM
E PROGRESSO
A REVOLUÇÃO É IRREVERSÍVEL
MAS ESTÁ POR FORA
MAS ESTÁ DESFORRA
MAS ESTÁ DA TRADIÇÃO
MAS ESTÁ DA FAMÍLIA
MAS ESTÁ DA PROPRIEDADE
O NEGÓCIO É BOTAR PRA QUEBRAR
SEJA LÁ O QUE FOR
VEJA BEM O QUE FOR
A CADA AÇÃO CORRESPONDE UMA REAÇÃO
QUEM TEM CU, TEM MEDO
É A LEI
AS MULHERES SÃO ASSIM MESMO
E A VIDA CONTINUA
A CERTEZA É QUE MATA
A CERTEZA É QUE DESTRÓI
A CERTEZA É QUE ESTRAÇALHA
A CERTEZA É QUE ATRAPALHA
A DÚVIDA É IMENSA
A DÚVIDA
A DÚVIDA É GRANDE
A DÚVIDA É GRANDE DEMAIS
DO TAMANHO DO MEU AMOR
62
A CERTEZA É MENOR
DO TAMANHO DO MEU ÓDIO
DO TAMANHO DO MEU NOJO
DO TAMANHO DO MEU ASCO
A CLASSE MÉDIA
ANDA À MEIA LUZ
AO SOM DO TANGO
OU DO IÊ-IÊ-IÊ
NÃO IMPORTA
A CLASSE MÉDIA
QUE SE DANE
QUE SE ABANE
A AMÉLIA E A HONÓRIA
ESTÃO EM OUTRA
ELAS NOS AMARÃO
AOS DOIS AO MESMO TEMPO
QUANDO FORMOS PRA CASA
VOCÊ PRECISA CONHECER MELHOR
A ESTRADA DE FERRO CENTRAL DO BRASIL
DE DIA É O POVÃO
À NOITE SÓ DÁ PIRANHA & ANGU À BAIANA
A CLASSE MÉDIA
QUE SE DANE
QUE SE ABANE
A AMÉRICA DO NORTE
ENTROU NA MENOPAUSA
A AMÉRICA LATINA
A AMÉRICA LATRINA UNIVERSAL
ESTÁ NA PUBERDADE TARDIA-REPRIMIDA
MANEQUIM ÍNDIA-NEGRA-LOIRA
ÚBERE MEGERA DOMADA
O SOUL E A GUERRILHA
A ALMA / O CORAÇÃO / O CÉREBRO
A CLASSE MÉDIA JÁ ERA
A CLASSE MÉDIA NUNCA FOI
O MEU OLHAR TEM SEMPRE
UM POUCO DE MALDADE
O MEU OLHAR TEM SEMPRE
63
UM POUCO DE INOCÊNCIA
A CLASSE MÉDIA
QUE SE DANE
QUE SE ABANE
PINHAL, SP / 22 DE OUTUBRO DE 1970.
64
CRIS – MORENA
CRIS – MORENA
MORENA – CRIS
MORENA CRISE
O TEMPO É TÃO CURTO
E A GENTE ESTÁ TÃO LONGE
CHORAR NÃO É PECADO
QUEM É HOMEM NÃO CHORA
SE AFOGA NO PRANTO
NO COPO
NO TRANCO
NO RISCO
NA RISADA
MEU OLHAR
CANSADO – ALEGRE – E – TRISTE
TRISTEVAGA PELO CÉU
DOS TEUS OLHOS
(TEU RETRATO)
NEGROS OLHOS
COMO A NOITE
SOLIDÃO
COMO A NOITESOLIDÃO
CHORAR NÃO É PECADO
PECADO
É NÃO TE AMAR
PASSAR O TEMPO
PASSAR A VIDA
SEM POSSUIR O TEU CORPO MORENO
MORENA
PECADO
É NÃO SUGAR O SUOR
DO TEU DORSO NOTURNO
CANSADO
PECADO
É NÃO ROÇAR LEVEMENTE
OS DEDOS
PELAS TUAS AXILAS RASPADAS
65
PECADO
É NÃO BEIJAR
TEU NEGRO VÉU
RENDILHADO DE ESTRELAS
O TEMPO É TÃO CURTO
E A GENTE ESTÁ TÃO LONGE
MORENA
NA FOTOGRAFIA QUE ME DEU
VOCÊ ESTAVA TÃO LONGE
FORA DE CAMPO / FORA DE FOCO
ATÉ EM FOTOGRAFIA
VOCÊ ESTÁ LONGE
NÃO GOSTO
NÃO SEI ESPERAR
FLAMENGO, RIO / DEZEMBRO DE 1970.
66
É NATAL
A PORTA FEZ BLAM
O SINO FEZ BLÉM
O RELÓGIO FEZ TIC
O GUARDA FEZ PSIU
O CORAÇÃO FEZ TUM
PAPAI NOEL SAIU POR AÍ
O PARQUE DE DIVERSÕES
A MENTIRA QUOTIDIANA
DEUS SE MANDOU DO SEU LATIFÚNDIO
FOI CURTIR NO PRESEPE
O CARRO FEZ FOM
A CAMPAINHA FEZ TRIM
A TELEVISÃO FEZ CLIC
O MOÇO FEZ FIU
O CÉREBRO FEZ GULP
A GRANDE FEIRA ESTÁ ABERTA
O DIABO VAI SAIR POR AÍ
TRAVESTIDO DE DEUS
A TORNEIRA FEZ CHUÁ
A GARRAFA FEZ BLIM
O ISQUEIRO FEZ SSSHH
A MOÇA FEZ NÃO
O CORPO FEZ TRÉC
A FELICIDADE ESTÁ À VENDA
A PAZ SE COMPRA
EM BELÍSSIMOS EMBRULHOS
DE CELOFANE
TODOS SE ENCONTRAM
TODOS SE OLHAM
TODOS SE VÊEM
TODOS SE BEIJAM
TODOS SE ABRAÇAM
TODOS SE MATAM
TODOS SE AMAM
TODOS SE PERDEM
TODOS SE ACHAM
67
TODOS SE ODEIAM
TODOS SE CONSOMEM
TODOS SE CONFUNDEM
TODOS SE VENDEM
TODOS SE COMPRAM
TODOS SE SORRIEM
TODOS SE MORDEM
NA CEIA REUNEM
A SUA SOLIDÃO
SEVERÍNIA, SP
MONTE AZUL PAULISTA, SP/ JANEIRO DE 1971.
68
∫
FUTURO
∞ dx
PASSADO
A MEGALÓPOLE
JERUSALÉM! JERUSALÉM!
A VIRGEM-PUTA DE SETE CABEÇAS
A VIRGEM-PUTA DE SETE CABAÇAS
A VIRGEM-PUTA DE SETE CABAÇOS
A VIRGEM-PUTA DE SETE CABRESTOS
A VIRGEM-PUTA DE SETE PRETEXTOS
OS DIAS FUNESTOS QUE VIRÃO
OS DIAS FELIZES QUE VIRÃO
AI, AI, AI
QUÁ, QUÁ, QUÁ
QUEM DIRIA DO PORVIR
QUEM DIRIA DO BERÇO ETERNO
ESPLÊNDIDO / FÉTIDO / RICO / IMUNDO / LINDO
POR QUEM CHORAM
AS VELHAS SENHORAS
POR QUEM CHORAM
OS ANCIÕES DO TEMPLO
DAS CASAS DE DIVERSÕES
PEITO ABERTO
DESFRALDADO AO TEMPO
MORRER DE RIR
ACRE-DOCE
AH, QUE DOCE
É A VIDA
PARIDA A CADA INSTANTE
NO MOMENTO DA ECLOSÃO
NO FUNDO
NO FUNDO
OS PÉS BEM FIRMES
OS BRAÇOS FORTES
A CABEÇA ERGUIDA
69
NA ESPERANÇA – DESESPERO
ESPERA-ÂNCORA
PREVALECER
SOBREPUJAR
A GRAVIDEZ
AS DORES DO PARTO
DO OUTRO DIA
DO NOVO DIA
DA AURORA
DOLORIDA
COM TUDO
COM TANTO
PRA SE FAZER
FLAMENGO, RIO / MARÇO DE 1971.
70
CECÍLIA
OS VENCEDORES
SÃO UNS MISERÁVEIS, CECÍLIA
CECÍLIA-DONZELA
MENTALIDADE NÔMADE
QUE NA BANDA DE LÁ
DESTE RIBEIRO NASCEU
TEUS PÉS ESTÃO ATADOS
DEPENDURADOS
NAQUELA ÁRVORE DE ANÚNCIOS
A ÁRVORE DOS FRUTOS PROIBIDOS
QUE COMESTE
TU ESTÁS DEPENDURADA
NESSA ÁRVORE
DE PONTA-CABEÇA
A CABEÇA VERMELHA DO SANGUE
TEUS CABELOS COLORIDOS – DOLORIDOS
ESPALHADOS PELO CHÃO
QUERENDO LANÇAR RAÍZES
NO TEU SEXO
ASSENTOU UMA BORBOLETA AZUL
BORBOLETA-BORBOCETA
SUAS ANTENAS NÃO ENTENDEM
A TUA FLOR
A TUA DOR
CECÍLIA
NOS TEUS SEIOS EMPINADOS
QUE ROÇAM UM POUCO
O TEU PESCOÇO
POR CAUSA DA TUA DESCÔMODA POSIÇÃO
ESPETARAM-SE DUAS ROSAS NEGRAS
TEUS BRAÇOS CANSADOS
PENDEM PARA O CHÃO
NOUTRA TERRA NASCESTE
NOUTROS SONHOS TE CRIASTE
CECÍLIA
71
XPTO! OK! PÔ! QUE SAUDADE...
O IMPORTANTE É A GRAVATA
OS ÓCULOS
A LUNETA
O MICROSCÓPIO
PRA SE OLHAR
PRA SE FALAR
DA SAUDADE
A GRAVATA
E O TERNO PRETO
DE ENTERRO
DE VELÓRIO
DO TERROR
E DA PIEDADE
PRA SE OLHAR
PRA SE FALAR
DA SAUDADE
72
TIC-TAC, TIC-TAC, TIC-TAC
QUANDO ME ENCONTRO SOZINHO
ME ENCONTRO
SOZINHO
LONGE DA MULTIDÃO
NO CENTRO
NO INFINITO
ME ENCONTRO
O DIA-A-DIA
A LINGUAGEM
O TRABALHO
AS MÃOS VAZIAS
AS MÃOS
O CORPO CHEIO
CHEIO
CHEIO DE MIM
BOMBA-RELÓGIO
À ESPERA
DA EXPLOSÃO
COLETIVIZAR
SOCIALIZAR
A MINHA INDIVIDUALIDADE
...............................................
ENQUANTO ISSO
SILENCIOSAMENTE
ESTÃO SE DANDO EM BANQUETE
AOS ABUTRES
AOS CHACAIS
ÀS MOSCAS EM REVOADAS
FLAMENGO, RIO / ABRIL DE 1971.
73
MAMÃE, MAMÃE
MAMÃE, MAMÃE
VOCÊ SE FOI
SEM ME AVISAR
MAMÃE, MAMÃE
O NOSSO AMOR
NÃO SE ACABOU
SE TRANSFORMOU
EU VIM-ME EMBORA
VOCÊ SE FOI
SIMPLESMENTE
CALMAMENTE
MAMÃE, MAMÃE
EU JÁ SOU HOMEM
QUERO MAIS
É O MUNDO
MAMÃE, MAMÃE
VOCÊ SE FOI
SEM ME AVISAR
DA MESMA MANEIRA
EU FIQUEI HOMEM
SEM TE AVISAR
FLAMENGO, RIO / MAIO DE 1971.
74
PSIU!
PSIU, BABY!
SAIA DESSA
SAIA DA SUA
E VENHA PRA VIDA
PRA LUTA
PRA LIDA
SUJAR AS MÃOS / LIMPAR AS MÃOS
DE GRAXA
DE BARRO
DE VÔMITO
DE LÁGRIMAS
DE SANGUE
VENHA PRA CHUVA
PRA SE MOLHAR
VENHA PRO MEIO
DO REDEMOINHO
AFASTE OS ESPECTROS
OS MORTOS / OS DEUSES
ESTÃO MORTOS
O PLÁCIDO REPOUSO
PARA SEMPRE
ADORMECEU
LEMBRE-SE, BABY
LEMBRE-ME, BABY
QUEM NÃO ARRISCA, NÃO PETISCA
QUEM NÃO APOSTA, COME BOSTA
O LIXO / O LUXO
SERÁ O ADUBO
DA TERRA
ONDE SEMEAREMOS
FARTOS FRUTOS
LEMBRE-SE, BABY
LEMBRE-ME, BABY
NINGUÉM PODE
NINGUÉM FICA
A SALVO
75
AO LARGO
INCÓLUME
IMPUNE
VIRGINDADE DÁ CÂNCER
VIRGINDADE-CANCRO
DO CORPO
E DO ESPÍRITO
ABRA AS PERNAS, CORAÇÃO
ABRA A CUCA, CORAÇÃO
LEMBRE-SE, BABY
LEMBRE-ME, BABY
A PODRIDÃO NÃO DÓI
CORRÓI
CORRÓI, BABY
CORRÓI, BABY
76
PRAÇA DO LIDO, 3 ANOS DEPOIS (*)
LINDO MAR
O LIDO
ÁGUA CLARA
AURORA BOREAL
ACIDENTAL
CUIDADA
CUIDADO!
ESTILIZADA
CIVILIZADA
POR MIL PASSOS
POR MIL BRAÇOS
MIL ESTRELAS E PAINÉIS
DORALICE, LICE
CLARALICE, LICE
FEITO GOMA DE MASCAR
ACABAVA DE NASCER
IRRADIANDO
JOVENS KILOWATTS
LÚCIDOS
ALEGRES
NUS
MUNDANOS
PORQUE
POR QUEM NASCEU DORALICE
CLARALICE, DORACLARA
POR QUEM MORREU MINHA ALMA
MINHA ALMA NASCE AGORA
CRAVO FERIDO
ROSA DESPETALADA
ROSA LINDA
ROSALINDA
LÁBIOS VERMELHOS
PROSTITUTA
NO CENÁRIO TROPICAL
TURÍSTICO
MUNDIAL
77
MORAL
NORMAL
POSTER-PUTA
PROSTITUTA
ROSA LINDA
LINDO MAR
SISUDO
TORÁXICO
FERIDO
POR MIL CORTES
POR MIL CACOS
POR MIL CASCOS DE NAVIOS
LINDO MAR
LIDO
LEI DO AMOR
POR SOLANGE
POR MARIA
POR MIL LÁBIOS E MILAGRES
POR MIL HORAS FEITO DIAS
O DIA DE MIL ESTRELAS
E HOLOFOTES REPARTINDO A NOITE
DE MIL LUZES E FARÓIS
A NOITE É GRANDE E CABE TODOS NÓS
E A HORA QUE FICOU
É HORA DE SE ACABAR
SE ACABOU ..............
...... TRÊS ANOS DEPOIS
POR ESPUMAS
PLUMAS
PELO MAR
MAR LINDO
LIDO
ROMBO-CÔNICO
LINDO MAR
UIVANDO VIVAS
VIVA MARIA
LINDA MARIA
CHICOTEANDO ZAROLHOS
78
XINGANDO
LINDO
LINDO
AI DOS QUE SÓ VÊEM POR UM OLHO!
AI DOS QUE VÊEM EM OUTRAS DIREÇÕES!
AI DOS QUE NÃO VÊEM!
LEBLON, RIO / 1969; FLAMENGO, RIO / JUNHO DE 1971.
PINHAL, SP / JUNHO DE 1971.
(*) À QUATRO MÃOS COM EVANDRO SEVERINO RODRIGUES.
79
AR / COISAS
COISAS
AS COISAS
ACONTECEM
QUANDO MENOS SE ESPERA
E A GENTE
SE VÊ NELAS
TEMPORARIAMENTE
PRECOCEMENTE
TARDIAMENTE
PAGANDO PRA VER
REMANDO CONTRA A CORRENTE
FAZENDO AS COISAS ACONTECEREM
(QUANDO MENOS SE ESPERA)
INCAPAZ DE IR
TENTANDO VOLTAR
SE JOGANDO PRA FRENTE
SE DEIXANDO LEVAR
JOGO ABERTO
BLEFANDO
CORRENDO
DE OU PARA
LÁ
LÁ-NADA
LÁ-TUDO
ENGOLIDO
ENVOLVIDO
PARTE DO TODO
CONJUNTO
FRAGMENTO
MASSA
CIFRÃO OU BRAÇO
CABEÇA OU CORPO
PALMA OU VAIA
ESTANDARTE OU MORTALHA
80
A POBREZA
A IGNORÂNCIA
O ANONIMATO
O MEDO
A INCOMPREENSÃO
A INVEJA
O FUTEBOL
E O CARNAVAL
A MORTE
A VIDA
A GENTE
SE VÊ NELAS
SEM SABER PORQUE
SEM SABER PORQUE
AR
AR
O INDIVIDUALISMO É AR
AR INDIVIDUAL
FÁTUO / FATAL
AR
O NOSSO INDIVIDUALISMO É AR
É UMA BOLHA
VAGA
VADIA
BOLHA
À TOA
ESTOURANDO
NA SUPERFÍCIE DO MAR
NA SUPERFÍCIE DO MAR
SOCIAL
81
PRIMEIRA COMUNHÃO
ACONTECEU
TINHA DE SER
O CANTO CÍTRICO
O CANTO CÍCLICO
O CANTO
O PIO
O CIO
ACONTECEU
TINHA DE SER
SEM CAPELA
SEM PROCELA
RAIO NÃO CAI EM PAU DEITADO
ACONTECEU
TINHA DE SER
A PRIMEIRA VEZ
A PRIMEIRA
A PRIMEIRA COMUNHÃO
LÁ ESTÁ ELA
ROSTO DE VIDRO
OLHOS DE FOGO
MÃOS DE TERRA
BOCA DE SAL
LÁ ESTÁ ELA
DEITADA
SENTADA
AJOELHADA
A BOCA DE SAL
OS LÁBIOS DE ÁGUA
A LINGUA DE VINHO
OS DENTES DE PÃO
BEIJANDO
LAMBENDO
MORDISCANDO
LAMBISCANDO
RECEBENDO
A HÓSTIA SANTA
82
DA PURIFICAÇÃO
DA SANTIFICAÇÃO
DAQUELE AMOR
DE FLORES E ESPINHOS
LIXA E ARMINHO
SEDA E ARAME
FARPADO
FARPAS DÁLMA
FARPAS CASTAS
NEFASTAS
DAQUELE AMOR
CONQUISTADO A CADA INSTANTE
A TODO INSTANTE
TOMADO
DA VIDA
DOS OUTROS
DOS DEMAIS
AMOR DEMAIS
DE PELE E CÉREBRO
POROS E ALMA
BEM ACIMA DA FUMAÇA
BEM ACIMA DA POEIRA
BEM ACIMA DA DESGRAÇA
DO CALOR
DA CHUVA
DO FRIO
DO AR
DA LUZ
DA BURRICE ORGANIZADA
BEM ACIMA DA DOR
E DA POESIA
BEM ACIMA
POR ALGUNS INSTANTES
ETERNIDADE
83
CHIT, CHIT, URUBU
UM URUBU
POUSOU NA MINHA SORTE
URUBU / URU-OBUS
URUBU / ARIBABU
EU NÃO QUERO MAIS
A SORTE / A MORTE
EU NÃO QUERO MAIS
O ARQUIVO: VIVO OU MORTO
O VIVO-MORTO
O VIVO – TORTO
CHIT, CHIT, URUBU
CHIT, CHIT, ARIBABU
VÁ PRA CASA
VÁ TOMAR
UM SORVETE DE CAJU
EU NÃO QUERO MAIS
O BONDE / A BOMBA
O CORETO / O SONETO
A ESTAÇÃO / A CATEDRAL
EU NÃO QUERO MAIS
A VIDRAÇA / A DESGRAÇA
A TOALHA / A MIGALHA
EU NÃO QUERO MAIS
O BOLOR / O ESTUPOR
A EDUCAÇÃO / A CONFORMAÇÃO
EU NÃO QUERO MAIS
DAR SONEIRA / MARCAR BOBEIRA
EU NÃO QUERO MAIS
AS VELHAS ESTRUTURAS / AS VELHAS IMPOSTURAS
EU NÃO QUERO MAIS
A FECHADURA / A ABOTOADURA
A TRAMELA / A CANCELA
EU NÃO QUERO MAIS
É CAIR NA ESPARRELA
CHIT, CHIT, URUBU
VÁ PRA CASA
VÁ DE TREM
DE AVIÃO
NÃO LEVE
84
MEU CORAÇÃO
EU NÃO QUERO MAIS
O LADO DE LÁ
OPOSTO PELO VÉRTICE
OPOSTO PELO VÓRTICE
EU QUERO MAIS
É O VÉRTICE / O VÓRTICE
EU NÃO QUERO MAIS
O PASTO / O ABOIO
O TRIGO / O JOIO
EU QUERO MAIS
É O ESTOURO DA BOIADA
NUM DIA CLARO
DOS DE MONTE AZUL
COLORIDO / CINEMASCOPE
EU NÃO QUERO MAIS
OS BOIS-VACAS DA OBEDIÊNCIA
OS CACHORROS DA ADULAÇÃO
EU AGORA QUERO
OS GATOS DA PREGUIÇA
E OS MACAQUINHOS DO SÓTÃO
EU AGORA QUERO
OS SAPOS DA SENSUALIDADE
E OS ANJOS DA IRA
EU AGORA QUERO
O BELOFEIO
O ÓDIOAMOR
O PUROSUJO
E O SUBLIMEMACULADO
EU AGORA QUERO
É RASGAR MAPAS
QUEIMAR BANDEIRAS
E NA HORA H
COMER BACON COM OVOS
DE URUBU
85
MADRUGADA
O PANO DA MANHÃ
ENVOLTO EM SANGUE
E UNGÜENTOS FLAMEJANTES
O AMOR
TODOAMOR
SEM VÉUS
E SEM DISFARCES
O AMOR / O DESEJO
QUE CONHECE
A SUA FORÇA
ÚNICA COISA
(TALVEZ)
AINDA VIVA
O CHEIRO DA TERRA
ROXA
REVOLTA
E IR AO FUNDO
AO VENTRE
DA NOITE
MADRUGADA
86
“Nasce de cima a corrupção dos povos”.
Gonçalves de Magalhães
SUADO
ESPOLIADO
ÀS VEZES
DEUS VOLTA
MAIS VELHO
E MAIS CANSADO
87
CONVERSA DE DOMINGO
FALAVA A ESPOSA
(EM FRENTE À TELEVISÃO)
— O AUTOMÓVEL É TAMBÉM
UM (OUTRO) ÓRGÃO SEXUAL
— O AMOR É UMA QUESTÃO
ECONÔMICA!
ROSNOU O MARIDO
(CERZINDO MEIAS)
ENQUANTO ISSO
A FÊMEA EFÊMERA
PORTÁTIL
ADVENTÍCIA
ENIGMÁTICA
TROTAVA
(LÁ FORA)
88
GERMINAÇÃO
AS SOMBRAS NOS QUINTAIS
AS COISAS INERTES QUE SE MOVEM
AS ESTÁTUAS QUE SAEM À NOITE
O SILÊNCIO QUE GRITA INSULTOS
AS MÃOS QUE SE ABAIXAM ÀS PEDRAS
A MORTE DENTRO DA VIDA
A MORTE DENTRO NA ESPREITA
A MORTE DENTRO DA MORTE
A MORTE DENTRO NA ESPERA
89
SER POETA
TRISTE SORTE
TRISTE SINA
SER POETA
DE LATRINA
TRISTE SORTE
TRISTE FAINA
SER POETA
DE POLAINA
TRISTE SORTE
TRISTE FADO
SER POETA
DO ENFADO
TRISTE SORTE
TRISTE DANO
SER POETA
DESENGANO...
EU NÃO
EU SOU UM POETA
DE HUMOR
ÀS VEZES
DE BOM HUMOR
ÀS VEZES
DE MAU HUMOR
FLAMENGO, RIO / NOVEMBRO DE 1971.
90
QUANDO CHEGUEI AO RIO
ERA TUDO TÃO TRISTE
TÃO MARAVILHOSO
DENTRO DE MIM
O BOLSO VAZIO
A CIDADE MARAVILHOSA
AS PESSOAS ALEGRES
ME DEIXAVAM
MAIS TRISTE
AS PESSOAS TRISTES
NÃO ME DEIXAVAM
MAIS ALEGRE
A PRAIA
O SOL
NÃO ESTAVAM EM MIM
ESTAVAM FORA DE MIM
EU VIA A CIDADE
MAS ELA NÃO ME VIA
E EU FAZIA TUDO
PRA CHAMAR A SUA ATENÇÃO
E ELA CEGA
COMO UMA TOUPEIRA
SURDA
COMO UMA PORTA
INABALÁVEL
FIRME QUE NEM MINGAU
A ALEGRIA DA CIDADE
AGREDIA
A MINHA TRISTEZA
A TRISTEZA DA CIDADE
AGREDIA
A MINHA ALEGRIA
A MULTIDÃO SOLTA
PERDIDA
SEMPRE NOS MESMOS PASSOS
NOS MESMOS PAÇOS
91
POÇOS E VIELAS
AS PESSOAS RIAM
MAS NÃO ERA DE MIM
AS PESSOAS SORRIAM
MAS NÃO ERA PRA MIM
AS PESSOAS CHORAVAM
MAS NÃO ERA POR MIM
92
SUB-URBANA
OLHOS
OUVIDOS
NARIZ
E GARGANTA
OFTALMOTORRINOLARINGOLOGIA
TEUS OLHINHOS
TRÊS OLHINHOS
NEGA!
TEUS OUVIDOS DE GAZELA
TUA GARGANTA
ESTÉREO
TEU NARIZ DE BURRA NOVA
TEU CORPO, NEGA
DISSECADO
RESSECADO
OLHOU-ME COMO UMA ONÇA
DEPOIS COMO UMA OVELHA
MINHA SANTINHA
MINHA GATINHA
MINHA PUTINHA
PUDICA
MINHA EMPREGADINHA
MINHA PATROA
NÃO CHORE, AMOR
NÃO ME ENTENDA
NÃO SE CANSE
COMPREENDA
SENTA
SINTA
POBRE NÃO GOZA
SENTE AFLIÇÃO
FLAMENGO, RIO / DEZEMBRO DE 1971.
93
MONTE AZUL
MONTE AZUL
OLHOS QUE ESTÃO A VERTER
VIDA QUE ESTÁ A FLUIR
AMOR QUE ESTÁ A ESCORRER
NINGUÉM É PROFETA NA SUA TERRA
SÓ OS PROFETAS ENXERGAM O ÓBVIO
A OLHO NU
MONTE AZUL
BALANÇA O MEU CORETO / O MEU CARETO / O MEU LADO CARETA
MONTE AZUL
REENCONTRO
DESENCONTRO
EM MONTE AZUL
ENCONTRO
A MINHA FAMÍLIA
OS MEUS AMIGOS DE INFÂNCIA
A MINHA AURORA QUERIDA
(AH, SE VOCÊ FOSSE SINCERA...)
EM MONTE AZUL
EU ENCONTRO
A BAIXADA DO RIBEIRO
E O MESMO VELHO QUINTAL
EM MONTE AZUL
ME ENCONTRO
PASMADO
PASSADO
NEM ALEGRE
NEM TRISTE
EM MONTE AZUL
EU LEIO GUILHERME DE ALMEIDA
EM MONTE AZUL
EU ATÉ FAÇO
UM POEMA DE AMOR
EM MONTE AZUL
EU PERCEBO
94
QUE ATÉ HOJE
SÓ FIZ POEMAS DE AMOR
SANTO DE CASA
NÃO FAZ MILAGRE
EU QUERO
É A GALINHA DO VIZINHO
E AS COISAS DO ARCO-DA-VELHA
MONTE AZUL PAULISTA, SP / DEZEMBRO DE 1971.
95
INTERGALÁCTICA
A ESPAÇONAVE
ATERRIZOU
ASSUSTANDO OS PORCOS
E OS CAVALOS
E DESCERAM
ESTRANHOS SERES
QUE SACARAM
DA NECESSIDADE
DE RASGAR JANELAS
PARA O NOVO
PARA O IMPERFEITO
DESCERAM
E INDAGARAM
COM SUAS LUZES
E JATOS INSTANTÂNEOS
O GALO CANTOU
OS GATOS MIARAM
UM SAPO COAXOU RESSABIADO
O ÚLTIMO BÊBADO
VOMITOU AINDA
NA ESQUINA
E O GUARDA NOTURNO
APITOU SERENO
A RESPOSTA MONÓTONA
O ABSURDO QUOTIDIANO
A VERDADE
A TERRA NOVA
ENTÃO ELES CAPTARAM A MENSAGEM
E DEPOIS
DE INFINITÉSIMOS DE SEGUNDO
DE CÁLCULOS
E DISCUSSÕES
DECIFRARAM
A ROTA MÁGICA
MUDARAM O RUMO DA NAVE
E AINDA CHEGARAM A TEMPO
96
DO CARNAVAL
E DO DESFILE NA AVENIDA
SANTOS, SP / JANEIRO DE 1972.
97
UMA FÁBULA
NAS MÃOS
ASSUSTADA
SEGURAVA UM SOL
UMA ROSA
PENDIA NO CÉU
NEM ME LEMBRO
NEM É BOM FALAR
ASSIM
BRANCA
NEGRA
PURA
IMUNDA
EU A CONHECI
NEM ME LEMBRO
NEM É BOM FALAR
E AGORA?
E DAÍ?
POIS É
ASSIM FOI
QUE A CONHECI
E A CONHECI
O SEU VESTIDO ABERTO
QUERIA
SUBIR AO CÉU
EM ASCENSÃO
UM ASTRO
(BAIXO ASTRAL)
CAIA EM QUEDA LIVRE
P = MG
POR INCRÍVEL QUE PAREÇA
E A GENTE SE AMOU
POR INCRÍVEL QUE PAREÇA
PURA FICÇÃO
BÍBLICO – CIENTÍFICA
PURA VERDADE
PURA FICÇÃO
FLAMENGO, RIO / FEVEREIRO DE 1972.
98
VADE RETRO SATANÁS!
O AMOR
O ÓDIO
O ÓBVIO
A LAMBIDA
A MORDIDA
A AMBIÇÃO
A TERNURA
A CARÍCIA
A PANCADA
A ESPERANÇA
A SAUDADE
O ESCARRO
O CATARRO
OS SONHOS
AS ILUSÕES
A LOUCURA
ESTA ÂNSIA
ESTE ANSEIO
O SUOR
O SUMO
O SUCO
A POLPA
O SARRO
O VENENO
O QUE HÁ DENTRO DE NÓS
É PRECISO QUE SAIA!
FLAMENGO, RIO / FEVEREIRO DE 1972.
99
A TERRA É AZUL
− O AMOR
É A RAZÃO
DE TODA MINHA VIDA
GRITOU
(VERMELHA DE PÂNICO)
A ESTRELINHA
DA FOTONOVELA
− O AMOR É UMA CAGADA
RESPONDEU
A EMPREGADINHA
(TRANSLÚCIDA
DE FOME E FRIO)
AO REPÓRTER POLICIAL
− É DE AMOR
A GRANDE FOME
CONCLUIU
O HOMEM DA LIMPEZA URBANA
100
CAVACOS
– AQUELE
– QUE COMPREENDE
– A RAZÃO DA BELEZA
– TEM JÁ
– UMA RAZÃO
– PARA VIVER
DISCURSOU O ESTETA
(TIMIDAMENTE)
– UM INSTANTE
– DE BELEZA
– POR SI SÓ
– MERECE
– TODA UMA EXISTÊNCIA
– A PENA
– DE TER NASCIDO
– E APENAS ISSO
– E TUDO ISSO
– NÃO VALE
– AS GLÓRIAS
– E AS HONRARIAS
– QUE OS TOLOS PROCURAM
PRAGUEJOU O JOVEM
(DE DEZESSETE ANOS)
– A BELEZA
– É UM PRECONCEITO
RESMUNGOU O TATU
(ENTRANDO NA SUA TOCA)
101
CONSTIPAÇÃO
NÃO VÁ TOMAR SERENO
QUE FAZ MUITO MAL
À SAÚDE
DOS MALES
O MENOR
OU O MAIOR?
TUDO CALMO
SERENO
E ALEGRE
COMO GORDO EM CAMISETA
TUDO POR GANHAR
NADA A PERDER
A NÃO SER OS OLHOS
A NÃO SER AS MÃOS
A NÃO SER A CABEÇA
QUE FAZ MAL
À SAÚDE
QUE NOS PERIGOS GRANDES
O TEMOR
É MAIOR
MUITAS VEZES
QUE O PERIGO
O ÚTERO
A REDE
O ACALANTO
ENTORPECIMENTO
O SERENO É PERIGOSO
E O RESTO É SILÊNCIO
NUNCA O SERENO
FEZ TÃO MAL
COMO AGORA
À SAÚDE
À SAUDADE
CUIDADO COM O SERENO
VOCÊ PODE SER ATROPELADO
A QUALQUER MOMENTO
NÃO VÁ MORRER DE AMOR
102
NÃO VÁ MORRER EM PRAÇA PÚBLICA
O TIRO VEM DE CIMA
COMO UM RAIO
OS ANJOS DA ESPADA DE FOGO
GUARDAM O PARAÍSO
DE SEUS SENHORES
QUEBROU-SE A INOCÊNCIA
MAS FICOU O CONHECIMENTO
NÃO VÁ TOMAR JUÍZO
NÃO VÁ TOMAR VENENO
NÃO VÁ MORRER CONSTIPADO
É PRECISO CONTINUAR VIVO
ILHA DO FUNDÃO, RIO / ABRIL DE 1972.
103
POMBAS NEGRAS
A SANIDADE
A SAÚDE
A MORBIDEZ
A SANDICE
ESTAMOS LADO A LADO
POR ISSO AS POMBAS VOAM
A VIRTUDE
ESTÁ NO MEIO
DA RUA
NO VISCO
NO MUSGO
NO MEDÍOCRE
A VIRTUDE
É PROPRIEDADE DAS RUAS
OS ÚLTIMOS
SERÃO OS PRIMEIROS
OS ÚLTIMOS
SÃO OS PRIMEIROS
A ENTRAR EM CANA
A ENTRAR NA CANA
(DEVE SER A POSIÇÃO)
OS ÚLTIMOS HÃO DE SER
OS PRIMEIROS
NA REALIDADE
NA FANTASIA
NA REALIDADE DE UNS
NA FANTASIA DE OUTROS
OS HUMILHADOS: POMBAS NEGRAS
SEU HORROR
SEU ESPANTO
O ESPANTO
QUE NÃO É
UMA ATITUDE
CIENTÍFICA
REALIDADE
FANTASIA
PRANTO CHOROSO
VAIDADES VÃS
OS HUMILHADOS:
104
A REALIDADE DE UNS
É A FANTASIA DE OUTROS
105
TAL E QUAL
NO NOSSO PRIMEIRO BANHO DE LUA
ATRÁS DO CORETO
A GENTE COMEU O TEMPO TODO
QUIBE COM SONHO
DE VALSA
E MASTIGOU
DESCOBERTA E CUMPLICIDADE
DEPOIS
ELA TÍMIDA E ÚMIDA
ME DEU UM CARTÃO
E UM BEIJO
E UMA FOTOGRAFIA
DE QUANDO TINHA CINCO ANOS NA ESCADA
ENTÃO
JÁ PENSÁVAMOS PELOS POROS
NOSSO CORPO ERA NOSSA ALMA
MEU PAI
O PAI DELA
PAI NOSSO QUE ESTAIS NO CÉU
MEU PAI
E O PAI DELA
QUE ERA DENTISTA
NOS VIGIAVAM
COMO ANJOS DA GUARDA
NACIONAL
O DONO DA OFICINA DE BICICLETAS
QUE ERA CRENTE
E (DIZIAM) COMIA GAROTOS
NOS OLHAVA
COM OLHOS IMPUROS DE REPRIMENDA
POR CAUSA DA MÃE DELA
QUE TINHA UM AMANTE
EX-TUBERCULOSO
TAL MÃE, TAL FILHA
106
POBRE MENINA RICA
EU TE QUERO
COM CHAMPANHE E CAVIAR
TEU DINHEIRO
E TUA FALA DESBOCADA
MINHA MENINA
RICA
MINHA PANTERA
COR DE ROSA
MINHA LEOA
DE PELÚCIA
MEUS OLHOS
ESTÃO OFUSCADOS
PELAS PEDRARIAS
DO TEU CABELO
E PELA TUA BUNDINHA ARREBITADA
TEUS PEZINHOS LINDOS
HÃO DE SER MEUS
ASSIM COMO A TUA GRANA
QUANDO NOS CASARMOS
E EU VOU SER ENTÃO
O GALO DOS OVOS DE OURO
EU QUERO O TEU AMOR, BABY
MAS NÃO DISPENSO
O TEU DINHEIRO
QUE NÃO TRAZ FELICIDADE
POIS SE EU NÃO FOR RICO
NINGUÉM VAI ME ACHAR
BONITO E INTELIGENTE
EU TE QUERO
(MESMO ASSIM)
COM CHAMPANHE E CAVIAR
E AQUELE CARRÃO COM CHOFER
PRA ENTÃO PASSEARMOS
FELIZES E TRISTES
ALI PELAS BANDAS DO MANGUE
E SUBÚRBIOS DA LEOPOLDINA
MINHA GATINHA
MINHA LEOA
MINHA RICA MENINA
POBRE
107
BRANCAS NUVENS
HÁ QUE TER TANTA BELEZA
E TANTO AMOR
PARA TÃO POUCOS
COMO SE A BELEZA
E O AMOR
TAMBÉM FOSSEM PRIVILÉGIO
NÃO APENAS PRECONCEITO
MAS, POR QUE
NÃO SE CONSPURCAM
ESSAS MÃOS
(BRANCAS NUVENS)
QUE NÃO SABEM
DA FEIÚRA
DA FOME
E DA DOR
DO AMOR DESESPERADO
E ESCONSO
CARREGADO
COMO UM ESTUPRO
SEM PODER SABER
E A ETÉREA DESENVOLTURA
DE PASSAR PELA VIDA
SEM VIVER
DO CANTO TORTURADO
PELO MAL QUE SE DEIXOU DE FAZER
E DA TRISTEZA GUARDADA
QUAL ESPANTO
POR FALTA DE TEMPO
PRA CHORAR?
108
DA INEVITABILIDADE DO ÓBVIO
É INEVITÁVEL
SE FALAR DE AMOR
INEVITÁVEL
SE FALAR DE ÓDIO
O DESENGANO
A DESAVENÇA
A DESVENTURA
O SEGREDO
A CHAVE
O COFRE
O DESENGANO
NÃO É UM PRODUTO
DO CONHECIMENTO
MAS DA IGNORÂNCIA
DOS VÁRIOS NÍVEIS
DE IGNORÂNCIA
FLAMENGO, RIO/ ABRIL DE 1972.
109
VIDA EM FAMÍLIA
À NOITE, QUANDO CHEGUEI
CANSADO
DO ESCRITÓRIO
ENCONTREI A MULHER
COM O OUTRO MARIDO
NO QUARTO AO LADO
EU SEI PERFEITAMENTE
QUE CINCO CABEÇAS PENSAM MAIS QUE UMA
CANSAM MENOS QUE UMA
E QUE TRÊS BOLSAS
AJUDAM MAIS QUE UMA
NA COMPRA DE SAPONÁCEOS
DESPESAS REPARTIDAS
DORES DE CABEÇA REPARTIDAS
TUDO ISSO É BASTANTE RAZOÁVEL
MAS ELA BEM QUE PODERIA
(MAZELA)
TER SIDO MAIS ORGANIZADA
(DESMAZELADA)
NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
FICASSE COM ELE À TARDE
ENQUANTO EU NÃO ESTIVESSE
E DEIXASSE A NOITE PARA MIM
ASSIM VOU ACABAR ME DESQUITANDO
POR INCOMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS
110
MATÉRIA PLÁSTICA - I
CORES VIVAS, BERRANTES, UIVANTES
MATÉRIA PLÁSTICA
ROSTOS DEFORMADOS, PLASMADOS, PASSADOS
MATÉRIA PLÁSTICA
ÁRVORES SECAS, PRETAS, RECURVAS
MATÉRIA PLÁSTICA
FOME, SUOR E CERVEJA
MATÉRIA PLÁSTICA
SOLIDÃO, ANGÚSTIA, ANIQUILAMENTO
MATÉRIA PLÁSTICA
TRABALHO, FÉ, ALEGRIA
MATÉRIA PLÁSTICA
(ALEGRIA, ALEGORIA)
CANSAÇO, SOFRIMENTO, DESEJO
MATÉRIA PLÁSTICA
REALIDADE, ARDOR, FANTASIA
MATÉRIA PLÁSTICA
DO IDEAL ÀS ILUSÕES
MATÉRIA PLÁSTICA
PVC / CLORETO DE POLIVINILA
ESTÃO QUERENDO
TRANSFORMAR TUDO
EM MATÉRIA PLÁSTICA
A ORDEM
O PROGRESSO
A VONTADE
A BELEZA
O CARÁTER
A CONSCIÊNCIA
A SAÚDE
A SAUDADE
ESTÃO QUERENDO
TRANSFORMAR O FUTURO
O ANDAR, O VESTIR, O COMER
O MORAR, O AGIR, O PENSAR
O MORAR NA JOGADA
A MORAL DA HISTÓRIA
MATÉRIA PLÁSTICA
111
ARTIFICIAL
SOB DOMÍNIO
ESTÃO QUERENDO
TRANSFORMAR TUDO
ESTÃO QUERENDO
UM FUTURO
DE MATÉRIA PLÁSTICA
À LA BISMARCK
À LA ORWELL
À LA GORDAÇA
E OS BOBOCAS / OS BABACAS
OUVINDO DIZER
QUE O FUTURO JÁ CHEGOU
FICAM TRANSANDO TUDO
112
MATÉRIA PLÁSTICA - II
CONFORMAÇÃO GERAL
ANIMAL / RACIONAL
LABORIOSA, PACÍFICA E ORDEIRA
PASSIVIDADE
CONFORMISMO
ROTINA
TODOS NOS PROSTITUIMOS
UNS
VENDEM O CORPO
OUTROS
O PENSAMENTO E A AÇÃO
UNS E OUTROS: MATÉRIA PLÁSTICA
RECONSTITUIÇÃO ARTIFICIAL
OPERAÇÃO PLÁSTICA
NA PARTE TRAUMATIZADA
DO CORPO SOCIAL
TRAUMATISMO CRANIANO
CABEÇA FEITA
INSOLVÊNCIA
SOBREVIVÊNCIA
RESISTÊNCIA
BORRALHO
FOGO SOB AS CINZAS
PUS SOB AS FERIDAS
REJEIÇÃO AO SILICONE
ARTIFICIAL
ESTRANHO
MODELADOR
DIFICULDADE DE CICATRIZAÇÃO
INFLAMAÇÃO
CONVULSÕES E FEBRE
A VONTADE
TRANSFORMANDO TUDO
A VONTADE
O DESEJO
A POESIA
A POESIA
QUE OUVIU O GALO CANTAR
E (AINDA) NÃO SABE ONDE
113
A POESIA MATÉRIA
A POESIA PLÁSTICA
A POESIA ELÁSTICA
MATÉRIA PLÁSTICA
COMO A VIDA
PLÁSTICA É A VIDA
MATÉRIA PLÁSTICA
NATURAL
114
MATÉRIA PLÁSTICA - III
MATERIAL
MATÉRIA
QUALQUER COISA
MATÉRIA É QUALQUER COISA
COISA / SUBSTÂNCIA
MATÉRIA É QUALQUER COISA
SÓLIDA, LÍQUIDA OU GASOSA
QUE OCUPA LUGAR NO ESPAÇO
LUGAR NO ESPAÇO
LUGAR AO SOL
O SOL NASCEU PRA TODOS
O ESPAÇO É PARA TODOS
MATÉRIA – SUBSTÂNCIA
ESPAÇO – VIDA
ESPAÇO – MATÉRIA
MATÉRIA VIDA
MATÉRIA FUTURO
MATÉRIA PLÁSTICA
ESPAÇO
VIDA
FUTURO
OUVIR DIZER E NÃO SABER ONDE
SENTIMENTO DO PORVIR
CONSCIÊNCIA DO POR-VIR
FUTURO
MODELADO COM OS DEDOS
MODELADO COM AS MÃOS
MODELADO À SENTIMENTO
MODELADO COM A CABEÇA
FUTURO
DE CORAÇÃO E CABEÇA
TATO E CÓRTEX
INTUITIVO E LÓGICO
SEMEAR VENTOS
E ESPERAR A COLHEITA
FUTURO PLASMÁVEL
PASSÍVEL DE RECEBER NOVAS FORMAS
FUTURO POSSÍVEL
FUTURO PASSÍVEL
115
FUTURO DE SANGUE E SOL
TEMPESTADES E LUZ
LUZ
FUTURO
MATÉRIA PLÁSTICA
116
TRAVESSIA
FUI LEMBRADO PELOS QUE NÃO ME QUERIAM
E ESQUECIDO PELOS QUE ME HAVIAM AMADO
AS COISAS ESTÃO MUDANDO
COMO AS ANDORINHAS
SOBRE AS NOSSAS CABEÇAS
SOBRE AS NOSSAS CABEÇAS
AS ESPADAS / A HISTÓRIA
POR UM FIO
ILHA DO FUNDÃO, RIO / MAIO DE 1972.
117
CHOVE LÁ FORA
A VIDA ESTÁ LÁ FORA
EXPLODINDO
EXPLODINDO
AMOR / SUOR
SAMBA / SANGUE
SEIO / SENHA
LÁ FORA
O BICHO-PAPÃO
E OS CONTOS DA CAROCHINHA
LÁ FORA
A REALIDADE / O SONHO
EXPLODINDO
EXPLODINDO
COMO A LUZ
A REALIDADE
LÁ FORA
LÚCIDA
E FOGOSA
CANDENTE
E CANTANTE
QUAL SEREIA
TERRIVELMENTE LINDA
MARAVILHOSAMENTE ASSUSTADORA
LÁ FORA
A SENHA
118
BAROMÉTRICA
VOCÊ QUE AINDA SE LEMBRA
DA MINHA HUMILDADE
NA DERROTA
ESTÁ AGORA
MEIO ESPANTADO
COM A MINHA ARROGÂNCIA
NA VITÓRIA
SAIBA ENTÃO
QUE EU APENAS SOUBE
BEM PERDER E GANHAR
EU QUERO APENAS
É CONHECER
É EXPERIMENTAR TODOS OS SENTIMENTOS
E ISTO, ESTOU LHE DIZENDO
APENAS PORQUE NOS CONHECEMOS
HÁ MUITO TEMPO
PORQUE VOCÊ CONHECEU O MEU OUTRO
COMPORTAMENTO
AOS OUTROS
AOS QUE SÓ ME CONHECEM (?) DE AGORA
EU NÃO DEVO ABSOLUTAMENTE
NENHUMA EXPLICAÇÃO
ELES NÃO SABEM NADA
DO MOVIMENTO DA TERRA
119
ANJOS E DEMÔNIOS
POR QUE VOCÊ NÃO ME ACEITA
COMO EU SOU, MEU ANJO?
EU TE ACEITO
SEM QUERER TE CORTAR
TE SUPRIMIR
E VOCÊ VIVE QUERENDO
ME PÔR FREIOS
ME DESPIR E ME VESTIR
ME LAPIDAR COMO UM MINERAL
EU SOU ASSIM
NÃO QUEIRA ME DOMINAR
ME DESTRUIR
A CLASSE MÉDIA, QUERIDA
TEM A NOSTALGIA DA ORGIA
MEU ANJO / MEU DIABINHO
OLHE QUE EU ME ENFEZO
E DESAPARAFUSO O TEU UMBIGO
E A TUA LINDA BUNDINHA
ENTÃO
VAI CAIR NO MEIO DA RUA
E AÍ VOCÊ VAI PERDER
TODA ESSA TUA DIGNIDADE
...
120
DANAÇÃO
EU DIVERGENTE
ELA CONVERGENTE
NOS ENCONTRAMOS
POR AÍ
A SONHAR
A PECAR
PELOS CANTOS
E RECANTOS
DA NAÇÃO
DANAÇÃO
121
GEOMÉTRICA DISCRETINHA
E A AMPLITUDE
E A PROFUNDIDADE
E O CASTIGO
E A RECOMPENSA
E O CÍRCULO
E O PONTO
E A RAIZ
E A EQUAÇÃO
122
E A SAUDOSISMO
A ADOLESCÊNCIA EM NÓS
PURGAVA
RUGIA
EU PRECOCEMENTE HOMEM
ELA PRECOCEMENTE MULHER
AI, QUE SAUDADE QUE EU TENHO
DA AURORA DA MINHA VIDA
: AMOR DE PICA, FICA
EA
123
AQUELA CRIOULA
ONTEM NO ÔNIBUS
AQUELA CRIOULA
HOJE NA CAMA
AQUELA CRIOULA
HOJE NA CAMA
AQUELA CRIOULA
DE ONTEM NO ÔNIBUS
AQUELA CRIOULA
DE PINTA NA TESTA
AQUELA CRIOULA
E SARDA NO ROSTO
AQUELA CRIOULA
DE ONTEM NO ÔNIBUS
AQUELA CRIOULA
DE HOJE NA CAMA
AQUELA CRIOULA
ME APERTA E ME AGITA
AQUELA CRIOULA
ME OLHA E ME FITA
AQUELA CRIOULA
ME ASSANHA E ME ACALMA
AQUELA CRIOULA
ME RI E ME ZANGA
AQUELA CRIOULA
DE ONTEM NO ÔNIBUS
AQUELA CRIOULA
DE HOJE NA CAMA
EA
124
O VIANDANTE
– TODOS OS HOMENS SERÃO ESTERILIZADOS!
GRITOU O POLÍTICO
(ENTRE DENTES)
– TODAS AS MULHERES TAMBÉM
CONFABULOU UM OUTRO, DA ALA FEMINISTA
– TODAS AS PESSOAS SERÃO FILHOS DE TUBOS DE ENSAIO
RETRUCOU O CIENTISTA
(LOGICAMENTE)
– E NÃO HAVERÁ MAIS FILHOS DA PUTA
ACUDIU O MORALISTA
(ENGASGANDO-SE COM O VÔMITO)
AS MULHERES CHORAVAM
ARRANCANDO OS CABELOS
OS HOMENS GRUNHIAM
SOCANDO-SE NO PEITO
OS JOVENS TENTAVAM
(INUTILMENTE)
FUGIR PARA O CAMPO
SÓ O TEMPO
O VIANDANTE
O QUE PROCURA
O QUE ACHOU SEU DESTINO
PASSOU
OLHOU POR TUDO
SORRIU
E CONTINUOU SEU CAMINHO
CONFIANTE
BANCO IRMÃOS GUIMARÃES
AV. RIO BRANCO – RIO / JUNHO DE 1972.
EA
125
TROPICANA
OU
NEM TUDO QUE RELUZ
É UM PÁSSARO!
É UM RAIO!
É UM COMETA!
É UM DISCO VOADOR!
É O SUPER-HOMEM!
NÃO, EUNUCOS
APASCENTAI-VOS
OS PECADOS VÊM DA SAIA
POIS NÃO PODEM
VIR DA CALÇA
É A BAGAGEM
O ETERNO FEMININO
A ESPERANÇA
DOS MOÇOS POBRES E SOLITÁRIOS
A SALVAÇÃO DOS OTÁRIOS
DOS PÉS-DE-CHINELO
DOS CORAÇÕES ONANISTAS
A GLÓRIA
DA MÉDIA AFLITA
A GRANDE MÃE
A GRANDE PUTA DA BABILÔNIA
ABRINDO AS ASAS
E A BOLSA
SOBRE NÓS
BOCETAMANHA
VOANDO NO CÉU DE CRISTAL
.................................................
É UM PÁSSARO!
É UM COMETA!
É UM DISCO VOADOR!
É O SUPER-HOMEM!
É UM RAIO!
RAIO QUE OS PARTA!
É UM SONHO
É A DERRAMA / O DERRAME
O OURO
O GARIMPO
126
A BAMBURRA
É O VÍCIO / O JOGO
O ELDORADO
A SORTE GRANDE
É A SORTE / O DESTINO
O DESATINO
O OURO
É O SONHO / O MEL
O PÁLIO
O DOSSEL
É A MÁXIMA / A RECEITA
A DIVISA
A RESPOSTA
É O JEITINHO
(BEM BRASILEIRO)
É UM SONHO
SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO
AH, ESTE SOL
O CALOR NOS APRONTA CADA UMA!
NEM TUDO QUE RELUZ
É OURO
MAS COMO TUDO RELUZ, MEU DEUS
NOS TRÓPICOS
EA
127
NEWTONIANA
A CADA AÇÃO
CORRESPONDE UMA REAÇÃO
IGUAL E CONTRÁRIA
TERNURA E VIOLÊNCIA
CADA UM DÁ O QUE TEM
NAMORADO VAI LUTAR
E GUERREIRO VAI AMAR
NA HORA DO VAMOS VER
A QUEM VIRAR O ROSTO?
A QUEM DAR A OUTRA FACE?
A QUEM DAR O BEIJO DA MORTE?
PÓLOS OPOSTOS SE ATRAEM
E SE ANULAM
DIALÉTICA DA NATUREZA
TENSÃO = CONTRADIÇÃO
CHEGAR À TERNURA
ATRAVÉS DA VIOLÊNCIA
E NÃO CHEGAR À VIOLÊNCIA
ATRAVÉS DA TERNURA
ENCONTRAR O AMOR NA VIDA / NA PULSAÇÃO
E NÃO NA MORTE / NO ANIQUILAMENTO
NO PRAZER
E NÃO NA POSSE
ILHA DO FUNDÃO, RIO / JUNHO DE 1972.
EA
128
CRIANÇAS E BORRACHOS
BRINCAR COM FOGO
MEXER EM CAIXA DE MARIMBONDO
QUEM BRINCA COM FOGO
MIJA NA CAMA
A ALEGRIA DE VER O LEÃO RUGIR
O MEDO DE VER O LEÃO RUGIR
O DESTINO DO TEMPO É PASSAR
A VOCAÇÃO DO HOMEM É VIVER
DESPERTAR A CRIANÇA QUE HÁ EM NÓS
E ESPETAR O DRAGÃO
A CRIANÇA E O BORRACHO
O DIABO PÕE A MÃO POR BAIXO
MAS JÁ NÃO SOMOS MAIS CRIANÇAS
TEMOS 1972 ANOS DE IDADE
TEMOS MILHÕES DE ANOS DE IDADE
AINDA ESTAMOS COMEÇANDO
EA
129
VAMOS PASSEAR NA FLORESTA
VAMOS PASSEAR NA FLORESTA
ENQUANTO SEU LOBO NÃO VEM
O ÚTERO PARA OS PORCOS!
LUZ! MAIS LUZ!
CHEGA DE ESCURIDÃO
OS PORCOS / OS OTÁRIOS
QUEREM VOLTAR AO OVO
(COMO SE ISSO FOSSE POSSÍVEL)
PASSIVIDADE / PAX-SIVIDADE / PAX-CIVILIDADE
ELES QUEREM O ACONCHEGO
O ACALANTO
O NIRVANA
O ANIQUILAMENTO
ELES AINDA NÃO ROMPERAM
O CORDÃO UMBILICAL
ESTÃO A VER SOMBRAS DENTRO DA GRUTA
PENSANDO QUE É A REALIDADE LÁ FORA
DENTRO DA GRUTA / DENTRO DO ÚTERO
A VOLTA AO ÚTERO
O CASULO / O ENCASULAMENTO / O ENCLAUSTRAMENTO
TROCARAM APENAS A TORRE DE MARFIM PELA GRUTA
CORNOS!
A VIDA LHES PÕE CHIFRES
PORQUE SÃO IMPOTENTES
ELA OS ASSUSTA
PORQUE AINDA NÃO NASCERAM
(OU JÁ MORRERAM)
AINDA ESTÃO À MEIA-LUZ / À MEIOS-TONS
ESTÃO NO LIMBO
AINDA NÃO VIERAM À LUZ
NÃO VIRAM QUE A PLACENTA
JÁ FOI COMIDA PELOS URUBUS
EA
130
BALADA DA LAURA DO SEU BEIRÓ
LAURA DOS ALHOS
E DOS BUGALHOS
DOS BAGULHOS
E DOS BORRALHOS
DOS BARALHOS
E DOS CARALHOS
LAURA DOS HOMENS
BENDITA SOIS VÓS
ESCOLHE – ESCOLHIDA
ESCOLHE – ENCOLHIDA
ENCOLHE – ESCOLHIDA
GROSSOS E RUBROS
COMO O COBRE
SÃO OS SEUS LÁBIOS
LAURA QUE ERA
NORMALISTA
E ACABOU CAPOEIRISTA
FAZENDO VIDA
FAZENDO MORTE
CANGACEIRA – CIGANA
NAVALHA ENTRE OS SEIOS
NAVALHA ENTRE OS SEUS
FORTE COMO AS NOSSAS FRAQUEZAS
LAURA, A ROSA MATUTINA
GARDÊNIA NOTURNA
O BARATO BARATO
LAURA: UM SEXO DESCOBERTO
A PREÇOS MÓDICOS
EA
131
CORAÇÃO DE PEDRA
CORAÇÃO DE PEDRA
O TEU PALPITAR
É LÂMINA
É CORTE
É DOCE FUNGAR
CORAÇÃO DE PEDRA
O TEU PALPITAR
É SUL
É NORTE
É TRISTE OCULTAR
CORAÇÃO DE PEDRA
POR QUE FUNGAS?
POR QUE FOGES?
NÃO TE DEIXAS OBSERVAR
CORAÇÃO DE PEDRA
TUA SINA
TEUS MARTÍRIOS
NÃO DEIXAS
TRANS-PARECER
TE OFERECES
TE RECUSAS
TE AMANSAS
TE ABRAVIAS
TE AMARRAS
TE LIBERTAS
NÃO TE DEIXAS DOMINAR
POR QUE VIVES?
POR QUE MORRES?
POR QUE AMAS?
POR QUE SOFRES?
TUA FUGA
TEU PASSADO
TUA CARNE
TUA PEDRA
TUA VIDA
TUA MORTE
CORAÇÃO DE PEDRA
PRA NÃO NASCER
132
JÁ É TARDE
E PRA MORRER
AINDA É CEDO
EA
133
PERFEITO: TEMPO DE VERBO
FIM
A PERFEIÇÃO É O FIM
FIM – FIRIRIM – FIM – FIM
DA PICADA
DA MORDIDA
O PERFEITO
AMOR MAIS QUE
NUNCA É BELO
É PERFEITO
AMOR
DESFEITO
AMOR-PERFEITO
TEMPO DE VERBO
TEMPO DO VERBO
DO ONÇA
ESTÁTICO
ANTIDINÂMICO
ANTIDIALÉTICO
ANELÁSTICO
SÓ O VERBO É PERFEITO
NOMENCLATURA
GRAMATICAL
SÓ O VERBO É PERFEITO
FECHADO
EMBUTIDO
ACABADO
INTACTO
INTOCÁVEL
VERBO
TEMPO
DEUS
SE DEUS ESTIVESSE VIVO
E SE FOSSE UM ARTISTA
O SERIA MEDÍOCRE
PERFEITO
A PERFEIÇÃO É A MORTE
O FIM NO COMEÇO
COMEÇO, MEIO E FIM
FIM
EA
134
STOP
SEM MAIS AQUELA
SEM OS FATOS
SEM OS FADOS
O SOFRIMENTO
A ALEGRIA
O CORAÇÃO PÁRA
APESAR DOS POÇOS
APESAR DAS VALAS
DOS ENCHARCADOS CHARCOS
UMA PAREDE
UMA PARADA
FORÇADA
PRA DESCANSO
PRA BALANÇO
PRA BEBER ÁGUA
A ÁGUA SUJA DOS RIOS
UMA PARADA
PRA ENXUGAR A TESTA
E MOLHAR OS OLHOS
É PROIBIDO ESTACIONAR
SÃO PAULO NÃO PODE PARAR
EA
135
POEMA DOS BRAÇOS, OLHOS, SEIOS E BOCA DA AMADA, POR
DESCONHECIMENTO DE OUTRAS PARTES
EU QUERO
É OS BRAÇOS DE ISABEL
LINDA PRINCESA
MINHA PRINCESA
ENCANTADA
NOS BRAÇOS DE ISABEL EU FUI MAIS HOMEM
NOS BRAÇOS DE ISABEL EU FUI UM REI
EU QUERO
OS BRAÇOS
OS OLHOS
OS SEIOS
O BEIJO DE ISABEL
ÚLTIMO
SEMPRE COM GOSTO
DE PRIMEIRO
EU QUERO
NOS BRAÇOS DE ISABEL EU FUI MAIS HOMEM
NAQUELE TEMPO DE GRANDES DESCOBERTAS
DOBRAR O CABO DA BOA ESPERANÇA
DESCOBRIR O CAMINHO DAS ÍNDIAS
QUEM ME DERA...
EU QUERO
DOCE-AMADA-PRIMAVERA
EU QUERO
OS BRAÇOS
OS OLHOS
OS SEIOS
A BOCA
JÁ QUE ELA
ME NEGAVA O RESTO
QUEM NÃO TEM CÃO
RIMA COM GATO
136
METAPHYSICA
ABSOLUTO
OBSOLETO
EA
137
HORÓSCOPO
ACREDITE EM HORÓSCOPO
E DEIXE VIR
A COLHEITA
E DEIXE VIR
O TRIGO
O JOIO
O MATO
(DESACATO)
AS ERVAS DANINHAS
A ERVA
A LARVA
DEIXE VIR
OS FILHOS
E OS NETOS
E SE DEIXE LEVAR
AO SABOR
AO LABOR
DO VENTO
DA CHUVA
DO TEMPO
ACREDITE
ACREDITE
ACREDITE E DEIXE
DEIXE ANDAR
DEIXE ROLAR
DEIXE CORRER O MARFIM
MAS ANTES
TOME O CUIDADO
TENHA A CAUTELA
DE ESQUECER
(INUTILMENTE)
(INFANTILMENTE)
QUE A QUESTÃO
NÃO É CRER
MAS SABER
MAS SABER
MAS SABER
LARGO DO MACHADO, RIO / OUTUBRO DE 1974.
EA
138
PORQUE NADA SERÁ COMO ANTES
AH, OS VELHOS AMIGOS
OS VELHOS COLEGAS
DE INFÂNCIA
DE ONTEM
DA VAGA VIDINHA DO INTERIOR
DA TRISTE VIDINHA DO INTERIOR
QUANTOS MORTOS TRAGICAMENTE
QUANTOS INVÁLIDOS
QUANTOS DESAPARECIDOS
MISTERIOSAMENTE
TÃO JOVENS
TÃO VIVOS
TÃO CHEIOS
DA VIL ESPERANÇA
DA VIVA ESPERANÇA
LARGO DO MACHADO, RIO / OUTUBRO DE 1974.
EA
139
AQUI & AGORA
EU SOU TEIMOSO
EU SOU TINHOSO
AQUI
E AGORA
EU VOU FICAR
EU VOU LUTAR
AQUI E AGORA
ALÉM DO HORIZONTE
O PARAÍSO
A TARDE CABOCLA
NÃO ME TENTAM
AQUI E AGORA
O DEPOIS
A MARÉ-CHEIA
O AMANHÃ
EU OS QUERO
A SEU TEMPO
FRUTA MADURA
NÃO AGORA
AINDA VERDE
ESPERANÇA
AGORA
AQUI
EU QUERO
O AGORA
SEM DISFARCES
SEM REBUÇOS
SEM REALCE
SEM RECHEIO
SEM RECEIO
MEU MAL
NÃO TEM MUDANÇA
ONTEM, SAUDADE
HOJE, ESPERANÇA
O PARAÍSO
A TARDE CABOCLA
NÃO ME TENTAM AGORA
AQUI EU VOU FICAR
EU VOU LUTAR
AQUI E AGORA
COPACABANA, RIO / JULHO DE 1976.
EA
140
KUNG-FUTURISMO
MADEIRA DE DAR EM DOIDO
É PAU PRA TODA OBRA
E FÓRCEPS DA HISTÓRIA
COPACABANA, RIO / AGOSTO DE 1976.
141
MEU POETA
MEU POETA AGOSTINHO
OS POETAS GOVERNAM O MUNDO
OU GOVERNARÃO UM DIA
O SONHO
APENAS O SONHO ABRE CAMINHOS
O SONHO-REALIDADE
DIALÉTICA DA VIDA / DO VIVER
DIALÉTICA DA HISTÓRIA / DA VITÓRIA
MEU POETA AGOSTINHO
O NOSSO SONHO NÃO ACABOU
QUEM FALOU
QUE A POESIA NÃO É NECESSÁRIA?
A JUSTIÇA DO ESCRAVO ESTÁ NA FORÇA
E QUEM TEM UM PUNHAL NADA CARECE
MEU POETA AGOSTINHO
VOZES D´ÁFRICA
CASTRO ALVES EM NEGATIVO
POSITIVO
NÃO MAIS
O BOI
O BOI
O BOI DA CARA PRETA
MAS O GRANDE
O BRAVO
O VITORIOSO
LEÃO AFRICANO
VITÓRIA, ES / SETEMBRO DE 1976.
EA
142
A ESFINGE
O ENTENDIMENTO
A COMPREENSÃO
FALAR DIFÍCIL
E O NÃO FALAR
COMUNICAR-SE
MAS TER O QUE DIZER
O CONTEÚDO
LARANJA DE MUITO SUCO
NÃO PODE APODRECER
SEM SER CHUPADA
É PRECISO QUE A APANHEM
A COMPREENSÃO
É COMO UM COFRE
SEM SEGREDOS
VITÓRIA, ES / SETEMBRO DE 1976.
EA
143
VERDES ANOS
OS ANOS BRAVOS
OS SETENTA
SE TENTA
OS ANOS BRAVOS
BRAVA LUTA
BRAVA GENTE
NEGRA SANHA
PORCA MISÉRIA
OS CACHORROS
SOLTOS
A GRITA, SURDA
MUDA
SURDA-MUDA
PRONTIDÃO
DUREZA
VAGAS BRUMAS
E O OBJETIVO
OBJETIDO
NÍTIDO
ÀS VEZES
E A COMPREENSÃO
URGENTE
NASCENTE
DE QUE É FRAQUEZA
ENTRE OVELHAS
SER LEÃO
E O SENTIMENTO
ABSURDO
DA NECESSIDADE
DO ACASO
DO ALVO
NA BOCA DE ESPERA
DA NOITE
DO TEMPO
COPACABANA, RIO / SETEMBRO DE 1976.
EA
144
VIDA PROVISÓRIA
VIVER
PROVISORIAMENTE
VIVER
UMA OUTRA VIDA
QUE NÃO A QUERIDA
QUE NÃO A DESEJADA
QUE NÃO A PROCURADA
VIVER
NA ESPERA
ASSUMIDA
CONSUMIDA
DILUIDA
VIDA PROVISÓRIA
PROMISSÓRIA A RESGATAR
SALDO NEGATIVO
SINAL FECHADO
TEMPORARIAMENTE
VIDA PROVISÓRIA
NULA, ANULADA
SEM SENTIDO
VIDA PROVISÓRIA
DÍVIDA DE SANGUE
DÚVIDA QUE TANGE
DÁDIVA DE MANGUE
VIDA PROVISÓRIA
DÍVIDA HAVIDA, TEMIDA
QUEM NÃO DEVE, NÃO TEME
(NEM SEMPRE)
O TEMOR E A DÍVIDA
O TUMOR E A DÚVIDA
O PENDOR E A DÁDIVA
SENHORA DÍVIDA, DIVINA DÍVIDA
DAI-NOS A DÚVIDA
DE CADA DIA
VENHA A NÓS
O VOSSO REINO
A VOSSA DÁDIVA
VOSSO VENENO
VOSSOS CASTELOS
145
DE AREIA
VOSSOS ENCANTOS
E VOSSOS CANTOS
DE SEREIA
VIVER
É RESGATAR DÚVIDAS
TRISTEZAS
NÃO PAGAM DÍVIDAS
VIVER
PROVISORIAMENTE
VIVER
É SEMPRE PROVISÓRIO
TOMAR WHISKY OU TOMAR VERGONHA
TOMAR NO RABO OU NA CABEÇA
VIVER
À ESPERA
DO FIM DE SEMANA
DO FIM DO MÊS
DO FIM
E DO INÍCIO
COMEÇO
DE UMA NOVA VIDA
COMEÇO-RETORNO
COMEÇO-VOLTA
INÍCIO, CONTINUAÇÃO, RETOMADA
TRAJETÓRIA INTERROMPIDA
TRAGETÓRIA ACIDENTADA
DESVIO
TRECHO EM OBRAS
VIDA PROVISÓRIA
SEM SENTIDO
APARENTE
ALÇAPÃO
GATILHO
CATAPULTA ARMADA
PROVISÓRIA
SEM SENTIDO
APARENTE
COM SENTIDO
FUTURO
VIDA PROVISÓRIA
146
PROMISSÓRIA A RESGATAR
CHEQUE VOADOR
VIDA PROVISÓRIA
VIDA PROMISSÓRIA
COPACABANA, RIO / OUTUBRO DE 1976.
EA
147
ALMA NOTURNA
EU SOU UMA ALMA NOTURNA
MAIS DA NOITE
QUE DO DIA
COM RITMO VITAL DIFERENTE
NOITE / DIA
DIA / NOITE
AMBIVALENTE
INCONGRUENTE
INCONSEQUENTE
ALMA NOTURNA DE DIA
TERNO E GRAVATA
FERRO E BRAVATA
FADADA
AO TOTAL DESATINO
ALMA NOTURNA CANSADA
À NOITE REVIGORADA
148
O VELHO E O NOVO
O VELHO E O NOVO
CONTRAÇÃO / DISTENSÃO
ATRAÇÃO / REPULSÃO
O VELHO E O NOVO
FRENTE A FRENTE
CARA A CARA
SE OPONDO EM DUELO
O VELHO E O NOVO
MOTO-CONTÍNUO
MOTO-PERPÉTUO
CICLO
PÓLOS OPOSTOS
EM PARALELO
A SE ENCONTRAR NO INFINITO
O VELHO SABE
E JÁ NÃO PODE
O NOVO PODE
E AINDA NÃO SABE
MUTAÇÃO
TRANSFORMAÇÃO
CONTIDA
REPRIMIDA
CONFUNDIDA
AINDA E SEMPRE
INEXORÁVEL
O NOVO É A CONTRA-FACÇÃO DO VELHO
O VELHO É O GERME E O ADUBO DO NOVO
MESMO CONTRA A SUA VONTADE
(GERME, ADUBO, NÃO TEM VONTADE...)
O VELHO, ÀS VEZES, VESTE AS ROUPAS DO NOVO
NA INÚTIL TENTATIVA DE PERPETUAR-SE
O NOVO, ÀS VEZES, VESTE AS ROUPAS DO VELHO
NO ANTIGO E SEMPRE NOVO APRENDIZADO DO VIVER
DO DEVIR
IRRECONHECÍVEIS
DECIDIDOS
DECISIVOS
E SAEM POR AÍ
A CONFUNDIR
149
E A BRINCAR O CARNAVAL
(E A BRINDAR O ARREBOL)
............................................
O JOVEM DIA
É SEMPRE
NO ATO, AINDA, DA PENUMBRA
AINDA
UM POUCO
A NOITE ANCIÃ
150
SURUBA E SONETO
SURUBA
PROVA DOS NOVES
DA VIRTUDE
DA VONTADE
INTEGRAÇÃO
ONDE O INDIVIDUALISMO SE DILUI
DILACERAÇÃO – COLETIVISMO
APRENDER REAPRENDENDO
O JÁ TIDO E HAVIDO
MORTIFICADO
CRISTALIZADO
ESTRATIFICADO
SURUBA
PROVA DOS NOVES
DAS VIVIDAS POSTURAS
E SEMIMORTAS IMPOSTURAS
PARTICIPAÇÃO DE TODOS
RECONSTRUÇÃO
ESFORÇO COMUM
AO MESMO FIM-PRAZER
EXPLOSÃO
SURUBA
PROVA DOS NOVES
DA SENECTUDE
DO SONETO
ROMPIMENTO
PROVIMENTO DA AÇÃO
PROVIMENTO DA LIÇÃO
ILAÇÃO
TIÇÃO
BRASA DORMIDA
SONETO-SURUBA
NEGRA
GEOMÉTRICA
DELIRANTE
IMPURA
ÁCIDA TENSÃO
TENSÃO E ELASTICIDADE
DUAS FORÇAS QUE FAZEM A VIDA ATUAR
SURUBA
PROVA DOS NOVES
151
DOS PRIVILÉGIOS
DOS DE CLASSE
DOS DE COR
DOS DE SANGUE
VIOLAÇÃO
SOLIDÁRIA, CONIVENTE, ABRANGENTE
CAMADAS, ESFERAS, CLASSES
CÍRCULOS, ELIPSES, PIRÂMIDES
SURUBA-ESPIRAL
VENDAVAL
TEMPORAL
O VENTO HÁ DE LEVAR NOSSAS TRISTEZAS
A CHUVA HÁ DE LAVAR NOSSAS DESGRAÇAS
A VIDA
A HISTÓRIA
O SONETO
A EMENDA É SEMPRE PIOR QUE O SONETO
CHUVA NÃO QUEBRA OSSO
TOPADA NÃO QUEBRA DEDO
A VIDA / A HISTÓRIA CONTINUA
PROVA DOS NOVES
DA SURUBA
DO SONETO
FECUNDAÇÃO
INTENÇÃO
EXPLOSÃO
RETAS RETAS
PONTOS TONTOS
PRIVILÉGIOS
ATITUDES
LATITUDES
INTEGRAR-SE À VIDA
ENTREGAR-SE AO VIVER
ATO CONTÍNUO
NA REPARTIÇÃO PÚBLICA
DA VIDA
FECHO DE OURO DO SONETO
REVOLUÇÃO
SURUBA SOCIAL
152
PORTUGAL, MEU AVÔZINHO
DESDE OS TEMPOS DA ESCOLA
PRIMÁRIA
PRIMÁRIO
MALANDRECO SAFADO
ESCONDENDO SEMPRE
A AVÓZINHA AFRICANA
E O TIO TUPI
O SANGUE NEGRO
E O ÍNDIO
EM NOSSAS VEIAS
E ENTRANHAS
PRECONCEITO
APARTHEID ÀS AVESSAS
INTEGRAÇÃO PELO SEXO
A MORAL
O NOJO
E A VERGONHA
O DESEJO FALANDO MAIS ALTO
NO VELHO PORTUGUÊS
EUROPEU PENINSULAR
LATINO
LADINO
LATINDO AMERICANO
ALMA NEGRA
O BRASIL
TEM O CORPO NA AMÉRICA
E A ALMA NA ÁFRICA
O BRASILEIRO
AINDA TEM COMPLEXO
DE SUAS ORIGENS
ALMA NEGRA
INFLUÊNCIA DO COLONIALISMO
DEPENDÊNCIA ECONÔMICA = SUBSERVIÊNCIA CULTURAL
O BRASIL DE HOJE
QUASE NORTE-AMERICANO
EM CONFLITO
COM O BRASIL DE ONTEM
153
QUASE PORTUGUÊS
CONFLITO DE BRANCOS
O BRANCO NA SALA
O NEGRO NA COZINHA
O ÍNDIO NO QUINTAL
SOMOS UM POVO
NÃO UMA RAÇA
AINDA
SOMOS UM POVO
NASCIDO
SOB O SIGNO DO ATRASO MENTAL
A PEDRA FUNDAMENTAL
DA VIDA (INTELECTUAL) BRASILEIRA
NÃO FOI A LIBERDADE
DE PENSAMENTO
MAS A CENSURA INQUISITORIAL
QUE ATÉ HOJE
PROJETA SUA SOMBRA SOBRE NÓS
E NO ENTANTO
É PRECISO
ASSUMIR A NOSSA NEGRITUDE
A ALMA NEGRA
NO BOM E NO MAU SENTIDO
OS BACHARÉIS
OS CORONÉIS
OS DEGREDADOS
OS NEGROS ESCRAVOS
O ÍNDIO NATIVO
O IMIGRANTE INCULTO
O ESTRANGEIRO AVENTUREIRO
VIGARISTA
OPORTUNISTA
FUGITIVO
ALMA NEGRA
ASSUMIR A BRASILIDADE: ALMA NEGRA
LATINIDADE
NEGRITUDE
INDIANISMO
RAÇAS VÁRIAS IMIGRANTES
AINDA
NÃO SOMOS UMA RAÇA
154
DAÍ A NOSSA VITALIDADE
NOSSA UNIVERSALIDADE / PROVINCIANISMO
ESTÁ
NÃO EM TEORIAS
MAS EM NOSSA PRÓPRIA HISTÓRIA
O EXCESSO
O EXCESSO DE MÁS QUALIDADES
(ALMA NEGRA)
DOS COLONIZADORES / INVASORES
UNIDAS
AO PRIMITIVISMO NEGRO-ÍNDIO
ÁCIDO
BASE
QUÍMICA SOCIAL
MISCIGENAÇÃO
IRRESPONSÁVEL
MORALISTA
OPORTUNISTA
PRECONCEITO MAU-CARÁTER E EUROPEU
O PRECONCEITO
É MAIS UM LEGADO EUROPEU
ALÉM DO COLONIALISMO
DOS MONUMENTOS
DO SUBDESENVOLVIMENTO
E DAS DOENÇAS VENÉREAS
PRECISAMOS LIBERAR AS AMARRAS DA BRASILIDADE
O QUE INTERESSA
É A NACIONALIDADE
NÃO O “NACIONALISMO”
COLONIALISMO REVISITADO
NACIONALISMO MADE IN
OCIDENTAL
CRISTÃO
VELHO MUNDO
PRECISAMOS LIBERAR AS AMARRAS DA BRASILIDADE
A ALMA NEGRA – PRISIONEIRA, ESCRAVA
O CORAÇÃO ÍNDIO – DESPREZADO, RELEGADO
O CÉREBRO BRANCO – COLONIZADO, SUBSERVIENTE, DEPENDENTE,
O CÉREBRO BRANCO – COLONIZADO, SUBSERVIENTE, SUBVENCIONADO
155
A ALMA / O CORAÇÃO / O CÉREBRO: DESINTEGRADOS
LIBERAR AS AMARRAS
E INTEGRAR
O NOVO SER BRASÍLICO:
ANTROPÓFAGO
UNIVERSAL
SINCRETISTA
NACIONAL
EA
156
AMIGO VELHO DE GUERRA, INIMIGO NOVO DE PAZ
NOITES QUENTES
FRIAS MADRUGADAS
TARDES SENIS
DIAS CLAROS
JOVIAIS
JUVENIS
CARPI-CAIPIRAS
CAAPORAS
PEDAÇOS
DE NOSSA JUVENTUDE
CACOS
TRAÇOS
TRAÇAS
DE NOSSA ADOLESCÊNCIA
QUERIDA
AGUERRIDA
LINDA ROSA JUVENIL
JUVENIL
JUVENIL
O SINEIRO DA MATRIZ
FELIZ
POR UM TRIZ
MAIS SACERDOTES QUE BUFÕES
MAIS POLICIAIS QUE ARTISTAS
VERDES CAMPOS
E AQUELE AR
NATURAL
CORDIAL
SERVIÇAL
O PROFESSOR E A NAMORADA
CAPANGAS E BUROCRATAS
A MESMA MESMICE
DOS DIAS
O RAMERRÃO COTIDIANO
E A NOSSA JUVENTUDE
APRESSADA
APRESADA
APRESA
NOS LIMITES DA CIDADE
NOS LIMITES DA CIDADE
157
O ERRAR
UMA CONTINGÊNCIA DO FAZER
A VIDA VADIA
MORNA
VAGA
NORMAL
O COTIDIANO
O DIA A DIA
HERÓIS
COM MEDO
E COM VERGONHA
HERÓIS COMUNS
PIEDOSOS E COMPASSIVOS
TEMENDO SEM DEVER
O ESBELTO INFANTE
O ESTADO
A FAMÍLIA
EM ESTADO INTERESSANTE
A FAMÍLIA
UMA TRANSAÇÃO
DE OLHOS E DE RETRATOS
A COVARDIA
A TRAIÇÃO
A FORÇA DA FRAQUEZA
A SABEDORIA DOS INCULTOS
O PASSADO
A REPRIMIR O PRESENTE
PRESENTE DE GREGO
PARA O FUTURO
OS MORTOS
A GOVERNAR OS VIVOS
E NO ESCURO SE JUNTANDO
O QUE NO CLARO
VAI APARECER
AMIGO, INIMIGO
COPACABANA, RIO / NOVEMBRO DE 1976.
158
GENEALÓGICA
DESDE PEQUENO
PEQUENININHO
EU VI TORCER O PEPINO
É DE PEQUENO
PEQUENININHO
QUE SE TORCE O PEPINO
DESDE PEQUENO
ME ACOSTUMEI
A VER TORCIDO O PEPINO
DESDE PEQUENO
ME ACOSTUMEI
A ENFRENTAR
AS DIVINDADES
CONTRARIÁ-LAS
ESPICAÇÁ-LAS
DESDE PEQUENO
ME ACOSTUMEI
A FAZER-LHES OPOSIÇÃO
DESDE PEQUENO
PEQUENININHO
COPACABANA, RIO / NOVEMBRO DE 1976.
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