ação civil pública - Ministério Público Federal
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ação civil pública - Ministério Público Federal
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CRICIÚMA-SC EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) FEDERAL DA ____.ª SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CRICIÚMA/SC VARA DA O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República signatário, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, vem à presença de Vossa Excelência, em defesa dos interesses sociais, com fundamento nos artigos 127 e 129, inciso III, ambos da Constituição Federal de 1988, nos artigos 5.º, inciso III, alínea “e” e 6.º, inciso VII, alínea “d”, ambos da Lei Complementar n. 75/93, bem como nos artigos 1.º, inciso IV, e 5.º, ambos da Lei n. 7.347/85, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedido de tutela antecipada em face de SOCIEDADE RÁDIO HULHA NEGRA DE CRICIÚMA LTDA., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ n. 79.258.000/0001-46, localizada na Av. Centenário, n. 6050, Bairro Próspera, município de Criciúma/SC, que tem como representantes contratuais Álvaro Roberto de Freitas Arns, brasileiro, casado, administrador de empresas, residente e domiciliado na Rua José Gaidzinski, 100, apto. 201, no município de Criciúma/SC, portador do CPF n. 533.054.699-00 e da Cédula de Identidade n. 1.521.144 – SSI/SC, e Daniela Borges de Freitas, brasileira, separada judicialmente, advogada, residente e domiciliada na Rua Santo Antônio, 374, apto. 1001, no município de Criciúma/SC, portadora do CPF n. 092.816.528-03 e Cédula de Identidade n. 10.622.121 – SSP/SP (contrato social de fls. 85 do PA); e AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES - ANATEL, entidade integrante da Administração Pública Federal indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério das Comunicações, com a função de órgão regulador das telecomunicações, com sede na SAUS, Quadra 06, Blocos E e H, Brasília-DF, CEP 70.070-940 Av. Centenário, n. 3773, Centro Executivo Iceberg , 7.º andar, CEP 88.801.000 - Criciúma/SC FONE/FAX: (0xx48) 433-8753/8165 – e-mail: [email protected] 1 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL para responderem pelos fatos e fundamentos a seguir relatados. 1. DO OBJETIVO DA AÇÃO Diante da constatação, pela Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, da existência de interferências eletromagnéticas provocadas pelo transmissor e sistema irradiante da empresa Sociedade Rádio Hulha Negra de Criciúma Ltda., que se encontram instalados no Bairro Ana Maria, no Município de Criciúma/SC, em aparelhos eletro-eletrônicos dos moradores do aludido bairro, inclusive obstando ao funcionamento de vários deles, o Ministério Público Federal ajuíza a presente Ação Civil Pública, visando à condenação da Rádio, na obrigação de fazer, consistente na mudança imediata, daquele local, dos seus aparelhos transmissores, a fim de que não causem mais prejuízos àquela comunidade, bem como a condenação da Autarquia Federal, determinado que, como órgão regulador e fiscalizador dos serviços de telecomunicações, tome as medidas cabíveis ao presente caso, coibindo a prestação dos serviços de radiodifusão sonora pela Rádio, enquanto continuarem causando prejuízos à população. 2. DOS FATOS Em novembro de 2002, moradores do bairro Ana Maria, no Município de Criciúma/SC, encaminharam “abaixo-assinado” à 11ª Promotoria de Justiça da Comarca de Criciúma/SC (fls. 06/14), reivindicando providências para a solução de problemas decorrentes da interferência eletromagnética causada pelo transmissor e sistema irradiante da empresa Sociedade Rádio Hulha Negra de Criciúma Ltda., instalados naquele bairro, em seus aparelhos eletro-eletrônicos. Determinada a realização de diligências pelo Parquet Estadual, constatou-se, realmente, a existência das interferências eletromagnéticas, que, segundo a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL (fls. 19/20), só iriam desaparecer com a “mudança de localização do transmissor e sistema irradiante do Bairro Ana Maria para uma região com afastamento maior da população nas proximidades”, tendo sido tais informação ratificadas pelo agente de fiscalização da ANATEL, André Cerqueira Fidalgo, quando prestou depoimento, na data de 25.08.2003, ao Parquet Estadual (fls. 64/65). Às fls. 25/31 dos autos, constam o Laudo de Avaliação de Parâmetros Técnicos n. 0012SC20030065, o Auto de Infração n. 0013SC20030016, o Laudo de Vistoria Técnica em Emissora de Radiodifusão em Ondas Médias e Tropicais 120 Metros n. 0013SC20030016, todos referentes às atividades desenvolvidas pela empresa Sociedade Rádio Hulha Negra de Criciúma Ltda. no Bairro Ana Maria em Criciúma/SC. Av. Centenário, n. 3773, Centro Executivo Iceberg , 7.º andar, CEP 88.801.000 - Criciúma/SC FONE/FAX: (0xx48) 433-8753/8165 – e-mail: [email protected] 2 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Em audiência preliminar, realizada em 29.07.2003, entre o Ministério Público Estadual, o advogado da Rádio Hulha Negra, os representantes da ANATEL e o representante da FATMA, foi concedido prazo ao advogado da emissora para se pronunciar sobre os fatos ocorridos. Foi, ainda, juntada declaração, datada de 19.03.2002, assinada pelo sócio-gerente da Sociedade Rádio Hulha Negra de Criciúma Ltda., comprometendo-se em interromper as transmissões, na ocorrência de interferências indesejáveis causadas pela emissora, caso não fossem sanadas no prazo estipulado pela ANATEL (fls. 59/61). Realizada, na data de 25.08.2003, audiência entre os representantes do Ministério Público Federal, da empresa Sociedade Rádio Hulha Negra de Criciúma Ltda., da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, da Fundação do Meio Ambiente – FATMA, da Comunidade do Bairro Ana Maria (fls. 63), a empresa informou inexistir, de sua parte, interesse em firmar qualquer acordo visando à resolução dessa situação. Através do ofício n. 240/2003 (fls. 69), obedecendo ao que preceitua o art. 109, I, da Constituição Federal de 1988, o Ministério Público Estadual declinou de sua atribuição ao Ministério Público Federal, considerado a responsabilidade, por omissão, da ANATEL (entidade autárquica). Do exposto, extrai-se que os problemas trazidos à tona vêm sendo causados diretamente pela empresa Rádio Hulha Negra de Criciúma Ltda., decorrente da má localização da instalação do seu transmissor e do seu sistema irradiante, sendo que o órgão responsável pela regularização e fiscalização da situação, a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, conforme se fará exposição adiante, nada fez (e nada tem feito), para resolver os problemas dos moradores do Bairro Ana Maria, no Município de Criciúma/SC. 3. DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL A Constituição Federal de 1988 dispõe, nesses termos: “Art. 21. Compete à União: (...) XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens;”. (...) “Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: Av. Centenário, n. 3773, Centro Executivo Iceberg , 7.º andar, CEP 88.801.000 - Criciúma/SC FONE/FAX: (0xx48) 433-8753/8165 – e-mail: [email protected] 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;”. A Lei n. 4.117, de 27 de agosto de 1962, que instituiu o Código Brasileiro de Telecomunicações, aplicável, ainda, no que diz respeito à matéria penal e aos preceitos relativos à radiodifusão, assevera em seu artigo 10, inciso II: “Art. 10 - Compete privativamente à União: (...) II – fiscalizar os Serviços de telecomunicações por ela concedidos, autorizados ou permitidos.”. A Lei n. 9.472, de 16 de julho de 1997, que “dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais”, por sua vez, diz que: “Art. 1.º Compete à União, por intermédio do órgão regulador e nos termos das políticas estabelecidas pelos Poderes Executivo e Legislativo, organizar a exploração dos serviços de telecomunicações. Parágrafo único. A organização inclui, entre outros aspectos, o disciplinamento e a fiscalização da execução, comercialização e uso dos serviços e da implantação e funcionamento de redes de telecomunicações, bem como da utilização dos recursos de órbita e espectro de radiofreqüências”. (...) “Art. 8.º Fica criada a Agência Nacional de Telecomunicações, entidade integrante da Administração Pública Federal indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério das Comunicações, com a função de órgão regulador das telecomunicações, com sede no Distrito Federal, podendo estabelecer unidades regionais.” O Superior Tribunal de Justiça, julgando o Conflito de Competência n. 39590, processo originário n. 200301286301/RJ, por seu relator o Ministro Castro Meira, assim decidiu: “CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CONCESSIONÁRIAS DE TELEFONIA. ANATEL. AUMENTO DE TARIFAS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. LEI 7.437/85. Av. Centenário, n. 3773, Centro Executivo Iceberg , 7.º andar, CEP 88.801.000 - Criciúma/SC FONE/FAX: (0xx48) 433-8753/8165 – e-mail: [email protected] 4 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 1. Recomendável a reunião das mais de vinte ações que combatiam o aumento de tarifas autorizado pela ANATEL às operadoras de telefonia a fim de que fosse preservada a segurança jurídica nas relações de consumo do setor, em face da conexão. 2. A competência para julgamento é da Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da Carta Magna, por cuidar-se de causa em que entidade autárquica, como é o caso, integra o pólo passivo da relação processual.”. (publicado no DJ de 15.09.2003, p. 229) (grifei) De outro lado, a competência para apreciar e julgar o presente feito pertence à Justiça Federal, em vista da presença, no pólo ativo, o Ministério Público Federal. Nesse sentido decidiu o Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Conflito de Competência n. 4927-0, relator o então Ministro Gomes de Barros: “PROCESSUAL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL-PARTECOMPETÊNCIA-JUSTIÇA FEDERAL Se o Ministério Público Federal é parte, a Justiça Federal é competente para conhecer do processo.” (DJ de 04.10.1993, p. 20.482). O Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, por sua vez, julgando a Apelação Cível n. 2001.04.01.065054-8/SC, relator o então Juiz Federal Carlos Eduardo T. F. Lenz, assim se pronunciou: "EMENTA: PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO MPF. Se a ação proposta pelo MPF está incluída dentro de suas atribuições, prevista na CF/88 e na LC n.º 75/93, como é o caso dos autos, basta esse fato para legitimar o Parquet Federal para a causa e, conseqüentemente, a Justiça Federal é a competente para o processo e julgamento do feito. Precedentes da jurisprudência. Apelação conhecida e provida.” (DJU de 25/04/02, p. 471). Destaque-se, pois, que, no caso de ações civis públicas, será competente a Justiça Federal se a ação for proposta pelo Ministério Público Federal, isso porque ele é um órgão independente da União Federal. Basta, portanto, que a defesa do bem jurídico objeto da ação civil pública esteja incluída dentro das atribuições do Parquet Federal, previstas na Constituição Federal e na Lei Complementar n. 75/93, para que o Ministério Público Federal possua legitimidade e, conseqüentemente, a Justiça Federal Av. Centenário, n. 3773, Centro Executivo Iceberg , 7.º andar, CEP 88.801.000 - Criciúma/SC FONE/FAX: (0xx48) 433-8753/8165 – e-mail: [email protected] 5 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL seja competente para a causa, ainda que o interesse seja apenas do Parquet Federal na condição de advogado da sociedade. Desse modo, ante às razões anteriormente expostas, principalmente no que diz respeito à existência, no pólo passivo da presente demanda, da ANATEL, autarquia federal, competente a Justiça Federal para o seu processo e julgamento. 4. FEDERAL DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MISTÉRIO PÚBLICO Dispõe a Lei n. 6.938/81, em seu artigo 3.º, inciso I, que “entende-se por meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;” (grifei). A autora Helita Barreira Custódio, dissertando acerca do tema “A questão constituicional: Propriedade, Ordem econômica e Dano Ambiental. Competência Legislativa Concorrente.”, contido na obra “Dano Ambiental: Prevenção, Reparação e Repressão”, coord. de Antonio Herman V. Benjamin, RT, 1993, p. 126, conceitua o “meio ambiente” da seguinte forma: “Para os fins protecionais, a noção de meio ambiente é muito ampla, abrangendo todos os bens naturais e culturais de valor juridicamente protegido, desde o solo, as águas, o ar, a flora, a fauna, as belezas naturais e artificiais, o ser humano ao patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico, monumental, arqueológico, além das variadas disciplinas urbanísticas contemporâneas. Considera-se o meio ambiente humano o conjunto das condições naturais, sociais e culturais em que vive a pessoa humana e que são suscetíveis de influenciar sua existência. O meio ambiente “é tudo aquilo que nos cerca”. O meio ambiente não é “uma expectativa utopística, mas um direito para cada pessoa humana”. “O meio ambiente é, assim, a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida humana” (grifei). O inciso III, alínea “a”, do artigo 3.º da Lei n. 6.938/81, conceitua poluição como sendo a “a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;” (grifei). A autora supra-referida, à página 125 daquela obra, caracteriza a poluição ambiental como sendo “os efetivos e iminentes Av. Centenário, n. 3773, Centro Executivo Iceberg , 7.º andar, CEP 88.801.000 - Criciúma/SC FONE/FAX: (0xx48) 433-8753/8165 – e-mail: [email protected] 6 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL impactos danosos contra a vida em geral e contra a saúde pública em particular, ao mal-estar e ao prejuízo de todos, com o conceito de propriedade contemporânea, constitucionalmente caracterizado pelo atendimento de sua função social em prol da vida em geral e da saúde pública em particular, ao indispensável bem-estar (presente e futuro) de todos, indistintamente.”. Por sua vez, o § 1.º do artigo 14 da Lei n. 6.938/81 diz que o “Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente” . Assim, todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. O meio ambiente é bem da natureza, de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. O Poder Público e a coletividade têm o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações. É o que expressamente consta no art. 225 da Constituição Federal. O Ministério Público, a partir da vigência da atual Constituição Federal, assumiu a missão de advogado da sociedade. Nesse sentido, é eloqüente a redação do art. 127 da Lei Fundamental, ao determinar que o “Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.” O exercício desse encargo público foi garantido pelo legislador constituinte na Carta Magna, artigo 129, e, de modo mais preciso, na Lei Complementar n. 75, de 20 de maio de 1993 – Lei Orgânica do Ministério Público da União, que estatui nos artigos 5º e 6º, in verbis: “Art. 5º São funções institucionais do Ministério Público da União: I – a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e dos interesses individuais indisponíveis, (...) Art. 6º Compete ao Ministério Público da União: (...) XIV – promover outras ações necessárias ao exercício de suas funções institucionais, em defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, (...)”. (grifei) Em conformidade com as mencionadas prescrições normativas, a Lei n. 7.347/85, nominada como Lei da Ação Civil Pública, em seu art. 5.º, também confere legitimidade ativa ao Ministério Público, tanto Av. Centenário, n. 3773, Centro Executivo Iceberg , 7.º andar, CEP 88.801.000 - Criciúma/SC FONE/FAX: (0xx48) 433-8753/8165 – e-mail: [email protected] 7 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL para propositura da ação principal, quanto para o pedido cautelar. Colaciona-se, ainda, da obra do autor Hugo Nigro Mazzillia, “Defesa dos Interesses Difusos em Juízo”, Ed. Saraiva, 13.ª ed., 2001, p. 143/144, o seguinte trecho: "A atuação do Ministério Público sempre é cabível em defesa de interesses difusos, em vista de sua larga abrangência. Já em defesa de interesses coletivos ou individuais homogêneos, atuará sempre que: a) haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou pelas características do dano, ainda que potencial; b) seja acentuada a relevância do bem jurídico a ser defendido; c) esteja em questão a estabilidade de um sistema social, jurídico ou econômico. (...) Assim, se a defesa de interesse coletivo ou individual homogêneo convier à coletividade como um todo, deve o Ministério Público assumir sua tutela.(...)". Desse modo, cristalina a legitimidade do órgão ministerial para a proposição da presente Ação Civil Pública, por haver a conduta dos réus malferido os interesses da sociedade. 5. DO DIREITO DE FORMA ESTRITA Os fatos narrados nestes autos indicam que houve interferência causada pelas ondas de rádio emanadas do equipamento transmissor da rádio Hulha Negra no sinal das redes de televisão e nos eletrodomésticos dos moradores do bairro Ana Maria, que chegaram inclusive a subscrever abaixo-assinado neste sentido. Já foi mencionado também que, seja através de laudos técnicos, seja através de vistorias in locu, efetivamente existe a interferência citada. O regulamento técnico para emissoras de radiodifusão sonora, que é anexo da Resolução n.º 116 da ANATEL, de 26 de março de 1999 (fls. 41/58 procedimento PRDC), responsável pela disciplina do tema no Brasil, dispõe o seguinte sobre o tema, in verbis: “ (...) 4.3 AUTORIZAÇÃO PARA INSTALAÇÃO DE EMISSORA (...) A entidade deverá apresentar, conforme o caso, aos Escritórios Regionais ou às Unidades Operacionais da ANATEL sob cuja jurisdição se encontram as instalações propostas, os seguintes documentos: (...) Av. Centenário, n. 3773, Centro Executivo Iceberg , 7.º andar, CEP 88.801.000 - Criciúma/SC FONE/FAX: (0xx48) 433-8753/8165 – e-mail: [email protected] 8 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL c) declaração do responsável legal pela entidade de que interromperá suas transmissões, em caso de interferência em estações de telecomunicações regularmente autorizadas e instaladas; (...) ” A declaração mencionada pela norma acima mencionada encontra-se à f. 61 do procedimento PRDC. As declarações do fiscal da ANATEL, prestadas perante a 11ª Promotoria de Justiça da Comarca de Criciúma, ilustram bem o tipo de interferência causada, in verbis: “(...) que fez o trabalho de fiscalização pessoalmente, e constatou originalmente interferências apenas nos telefones; após haver a ANATEL recebido correspondência desta Promotoria, também foram constatadas in loco interferências em outros aparelhos eletrônicos, como CDs, televisões, rádios, enfim, produzindo interferências gerais em faixa de freqüência de ondas médias; que tais interferências são muito fortes, inclusive com inúmeros aparelhos que simplesmente não funcionavam em razão da intensidade do sinal da rádio Hulha Negra para outro local, com menor intensidade populacional; (...) que entre os documentos exigidos pela ANATEL, encontra-se o do compromisso de interromper as emissões, acaso ocorram interferências indevidas, sendo este o documento apresentado às folhas 59 e 60 (fax e fotocópia); que mesmo tendo assumido o compromisso, a emissora Hulha Negra tem negado-se a interromper as transmissões ou a retirar a antena do local, impropriamente escolhido por ela mesma, sob a responsabilidade técnica de seus profissionais; que informa o declarante que não há qualquer outra solução técnica conhecida, que não a retirada da antena do local, para a solução do problema; que o problema é muito grave, pois parte considerável do bairro é afetada por estas interferências da rádio Hulha Negra.”. (grifei) A legitimidade passiva da empresa Sociedade Rádio Hulha Negra de Criciúma Ltda., por sua vez, decorre, obviamente, por ser ela a causadora direta dos danos aos moradores do Bairro Ana Maria em Criciúma/SC, o que restou devidamente comprovado através da documentação de fls. 19/20, 25/31 e 64/65. Av. Centenário, n. 3773, Centro Executivo Iceberg , 7.º andar, CEP 88.801.000 - Criciúma/SC FONE/FAX: (0xx48) 433-8753/8165 – e-mail: [email protected] 9 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Ora, se a empresa ré tem causado, já há alguns anos, através de suas transmissões, interferência em telefones e televisão, e mesmo assim continua em funcionamento, é evidente que está sendo desrespeitado o contido no regulamento técnico da ANATEL acima mencionado. Isto se dá porque se os sinais de telefone e de televisão chegam ruins aos moradores do bairro Ana Maria em razão do funcionamento da rádio nas proximidades (como já atestado pelos técnicos da ANATEL), é porque a rádio causa interferência em estações de telecomunicações já regularmente autorizadas e instaladas. Destarte, em não interrompendo suas atividades de transmissão a empresa ré descumpre o disposto no regulamento técnico da ANATEL e também o seu compromisso firmado por escrito (f. 61). Uma vez que a situação já perdura por vários meses desde que a ANATEL ficou ciente do problema, e apesar da empresa ré ter tomado algumas atitudes para minimizar os problemas de interferência (sem ter obtido êxito), a empresa não mostrou interesse em efetuar a mudança de seus equipamentos, não havendo também interesse em se fazer acordo com o Ministério Público, conforme consta à f. 63 do procedimento PRDC, restando a via judicial a este parquet. Cabe portanto ao poder judiciário apreciar e dar solução ao prejuízo à sociedade que vem sendo causado pela continuidade do funcionamento da rádio. A solução do problema aqui citado é uma só, conforme salientado pelo fiscal da ANATEL no termo de declarações de fls. 64/65, que é a retirada dos equipamentos transmissores da rádio do local em que se encontra e sua transferência para área de baixa densidade populacional, onde os prejuízos para a comunidade sejam os menores possíveis. No que diz respeito à Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL, na qualidade de entidade integrante da Administração Pública Federal indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério das Comunicações, com a função de órgão regulador das telecomunicações, não tomou as medidas cabíveis, após a constatação da interferência eletromagnética nos aparelhos eletroeletrônicos, para solucionar o incômodo criado pelas atividades desenvolvidas pela empresa Sociedade Rádio Hulha Negra de Criciúma Ltda. à comunidade próxima à antena. A Lei n. 9.472/97 (Lei Geral das Telecomunicações Brasileiras), disciplina, nesses termos, a competência da ANATEL: Av. Centenário, n. 3773, Centro Executivo Iceberg , 7.º andar, CEP 88.801.000 - Criciúma/SC FONE/FAX: (0xx48) 433-8753/8165 – e-mail: [email protected] 10 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL “Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente: (...) X - expedir normas sobre prestação de serviços de telecomunicações no regime privado; XI - expedir e extinguir autorização para prestação de serviço no regime privado, fiscalizando e aplicando sanções;” (grifei) Nessa linha de raciocínio, cumpre trazer à colação, passagem extraída do voto da Exma. Des. Federal Marga Inge Barth Tessles, em decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região nos autos da Apelação Cível n. 1999.71.03.001292-2/RS que, embora se refira às transmissões executadas pelas rádios comunitárias, cabe fielmente a qualquer outro tipo de transmissão por ondas eletromagnéticas, seja rádio ou televisão, in verbis: “Finalmente, quanto à alegação de que haveria risco nas comunicações de navegação aérea em razão das transmissões da rádio comunitária, assevero que não está impedida a União de proceder às medidas necessárias para evitar quaisquer interferências em outros sistemas de comunicação.” (DJU de 13.08.2003 pp.164/165 - Bol.468/2003) - (grifei) Tem-se, ainda, o voto proferido pela Exma. Juíza Ana Scartezzini nos autos do Agravo de Instrumento n. 97.03.029318-2/SP, em decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 3.ª Região, nesses termos: “Compete à União Federal o serviço de radiodifusão, podendo, sob determinadas condições delegá-lo aos particulares. Estes não podem sem qualquer controle ou fiscalização, sob o pretexto de liberdade de expressão, utilizar-se de equipamentos em desacordo com as normas disciplinadoras da matéria. Assim, o periculum in mora, se há, é para a comunidade em geral. Divulga-se, com ênfase, o problema da interferência de rádios nas telecomunicações, e, inclusive dos aviões. É um risco efetivo. (...) Acresce-se, ainda, que o uso indiscriminado de sistema de radiodifusão pode ensejar a ocorrência de distúrbios de monta, por interferência em serviços regulares de Av. Centenário, n. 3773, Centro Executivo Iceberg , 7.º andar, CEP 88.801.000 - Criciúma/SC FONE/FAX: (0xx48) 433-8753/8165 – e-mail: [email protected] 11 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL telefonia, televisão, rádios, além de situações envolvendo o espaço aéreo com prejuízo a aeronaves e embarcações fluviais ou marítimas.” (DJU de 28.01.1998). Desse modo, cabível a inclusão da Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL no pólo passivo da demanda, juntamente com a empresa Sociedade Rádio Hulha Negra de Criciúma Ltda., uma vez que, tendo constatado que esta empresa estava realmente causando prejuízos aos moradores do Bairro Ana Maria, limitou-se, conforme se verifica do seu ofício de fls. 17/18, em sugerir que houvesse a mudança de localização, pela empresa, do transmissor e do sistema irradiante daquele local, não tomando quaisquer medidas para que ela se concretizasse. As obrigações que pretende o MPF fique a ANATEL sujeita, em caso de eventual provimento jurisdicional favorável a seu pleito, são aquelas que a lei já determina, mas que em razão de sua omissão no caso, não exerceu. Tais obrigações dizem respeito ao levantamento da quantidade de residências afetadas, bem como atividade fiscalizatória para interromper a transmissão e lacrar os equipamentos transmissores da empresa ré acaso esta não mude seus equipamentos de local, além de fiscalizar o novo local de instalação dos transmissores da rádio. Ou seja, nada mais que suas atividades específicas, mas que em razão de sua omissão no caso devem ser determinadas por este juízo, sob pena de pagamento de multa diária. 6. DO DANO MORAL O Novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002) estabelece, nesses termos: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” “Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.” O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, editou a seguinte súmula: “Súmula 37 - São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.”. Acerca do tema dano moral, Sílvio de Salvo Venosa, em sua obra intitulada “Direito Civil: Responsabilidade Civil”, explica o seguinte: Av. Centenário, n. 3773, Centro Executivo Iceberg , 7.º andar, CEP 88.801.000 - Criciúma/SC FONE/FAX: (0xx48) 433-8753/8165 – e-mail: [email protected] 12 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL “Dano moral é o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima. Nesse campo, o prejuízo transita pelo imponderável, daí por que aumentam as dificuldades de se estabelecer a justa recompensa pelo dano. Em muitas situações, cuida-se de indenizar o inefável. (...) Será moral o dano que ocasiona um distúrbio anormal na vida do indivíduo; um inconveniência de comportamento ou, como definimos, um desconforto comportamental a ser examinado em cada caso. Ao se analisar o dano moral, o juiz se volta para a sintomatologia do sofrimento, a qual se não pode ser valorada por terceiro, deve, no caso, ser quantificada economicamente. (...) Do ponto de vista estrito, o dano imaterial, isto é, não patrimonial, é irreparável, insusceptível de avaliação pecuniária porque é incomensurável. A condenação em dinheiro é mero lenitivo para a dor, sendo mais uma satisfação do que uma reparação (Cavalieri Filho, 2000:75). Existe também cunho punitivo marcante nessa modalidade de indenização, mas que não constitui o aspecto mais importante da indenização, embora seja altamente relevante.” (vol. 4. 3.ª ed. – São Paulo: Atlas, 2003. pp. 33-35). Registre-se, também, a existência de diversos julgados afirmando ser plenamente cabível a indenização por danos morais decorrentes de perturbação sofrida, in verbis: “Dano moral. Protesto de títulos. Precedentes. 1. Como assentado na jurisprudência não é necessário provar o prejuízo em casos como o presente, mas, apenas, a existência do fato capaz de gerar constrangimento, sofrimento, perturbação psíquica. 2. O valor do dano moral pode ser fixado ao prudente arbítrio do Juiz. 3. Recurso especial conhecido e provido.” (STJ. Terceira Turma. Recurso Especial n. 233597. Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito. Processo n. 199900902785/MG. DJ de 30.10.2000. p. 151); (grifei) “DANO MORAL PURO. CARACTERIZAÇÃO. SOBREVINDO, EM RAZÃO DE ATO ILICITO, PERTURBAÇÃO NAS RELAÇÕES PSIQUICAS, NA TRANQUILIDADE, NOS Av. Centenário, n. 3773, Centro Executivo Iceberg , 7.º andar, CEP 88.801.000 - Criciúma/SC FONE/FAX: (0xx48) 433-8753/8165 – e-mail: [email protected] 13 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ENTENDIMENTOS E NOS AFETOS DE UMA PESSOA, CONFIGURA-SE O DANO MORAL, PASSIVEL DE INDENIZAÇÃO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.” (STJ. Quarta Turma. Recurso Especial n. 8768. Rel. Min. Barros Monteiro. Processo n. 199100037745/SP. DJ de 06.04.1992. p. 4.499); (grifei) “CIVIL. DANO MORAL. INSCRIÇÃO NO SERASA DO NOME DE MUTUÁRIO, APÓS O PAGAMENTO DE EMPRÉSTIMO MEDIANTE CONSIGNAÇÃO EM FOLHA. ATRASO INICIAL DEVIDO À INFORMAÇÃO EXTEMPORÂNEA AO SETOR DE PESSOAL DO ÓRGÃO EMPREGADOR. ÔNUS DO MUTUANTE. RENOVAÇÃO DE ATOS LESIVOS À IMAGEM DO MUTUÁRIO E CAUSADORES DE PERTURBAÇÃO E SOFRIMENTO, MESMO DEPOIS DA QUITAÇÃO TOTAL DO MÚTUO. APELAÇÃO IMPROVIDA.” (TRF5. Segunda Turma. Apelação Cível n. 281421. Rel. Des. Fed. Lázaro Guimarães. Processo n. 200182000013161/PB. DJ de 11.09.2003. p. 680). (grifei) A legislação e os julgados acima citados ressaltam no direito brasileiro a consolidação da possibilidade de indenização por danos morais, em caso de prejuízo ocorrido e que afete o cidadão, inclusive na forma de incômodos e perturbações. Para a possibilidade de configuração de prejuízo passível de ser indenizado a título de danos morais por parte de empresa privada, alguns requisitos devem estar presentes. Primeiramente, deve haver uma ação por parte daquele ao qual se imputa o dano, que no caso é uma rádio, sendo que tal ação é o próprio funcionamento da rádio, por meio de seus equipamentos transmissores, que na instrução destes autos não foi questionado. Em segundo lugar, a existência de dano, que no caso dos autos também não é questionado, já que o fato de os aparelhos de televisão e de telefone, bem como demais eletrodomésticos não operarem com a nitidez, sonoridade e eficiência necessários causa incômodos por demasia: a televisão é instrumento de lazer na vida moderna, no qual as pessoas relaxam após a rotina de trabalho a que se submetem diariamente; o telefone é um dos mais importantes instrumentos de comunicação da atualidade; os eletrodomésticos funcionam como instrumentos de maximização dos árduos trabalhos domésticos desenvolvidos no passado. Em terceiro lugar, a existência do nexo causal entre a ação daquele ao qual se imputa o dano e o dano em si, o que também se Av. Centenário, n. 3773, Centro Executivo Iceberg , 7.º andar, CEP 88.801.000 - Criciúma/SC FONE/FAX: (0xx48) 433-8753/8165 – e-mail: [email protected] 14 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL afigura presente nos autos, uma vez que os laudos técnicos e a declaração do fiscal da ANATEL, bem como depoimento de moradores são neste sentido, ou seja, de que os equipamentos transmissores da rádio causam a interferência em telefones, televisores e demais eletrodomésticos. Por fim, deve haver a existência de culpa daquele que causa o dano, o que também está comprovado nos autos, já que a empresa ré, desde o início das audiências narradas nestes autos, sabia que causava a interferência na comunidade, tanto que tentou minimizar tal interferência, mas não tomou a atitude pela qual estava obrigada pelo regulamento técnico da ANATEL e pela qual se obrigou por meio de declaração de seu sóciogerente, que seria a mudança de local dos equipamentos de transmissão, permitindo que o prejuízo dos moradores do bairro Ana Maria se perpetuasse. Destarte, presentes todos os requisitos que configuram o instituto do dano moral, deve a empresa ré ser instada a efetuar o pagamento de indenização a este título às famílias do bairro Ana Maria, a partir de levantamento a ser realizado pela ANATEL das residências afetadas. Quanto ao valor das indenizações, temos, seguindo o rastro jurisprudencial, que a indenização por dano moral não serve para enriquecer ou substituir os prejuízos morais sofridos, mas sim para amenizar os danos causados. Nesse sentido, cita-se passagem extraída do texto “Indenização do Dano Moral”, de Galeno Lacerda, publicado no vol. 728 da Revista dos Tribunais, p. 94/101, in verbis: “A doutrina nacional, baseada no direito estrangeiro, especialmente o francês, acentua que o sentido da indenização do dano moral não é reparatório, pois “a dor não tem preço”. O que se pretende, sob a perspectiva do ofendido, é proporcionar-lhe um status material diferenciado de conforto, minimizando a dor que sofreu. Dá-se à vítima, através do que o dinheiro pode comprar, uma alegria que contrabalance o sofrimento. Do ponto de vista do ofensor, o ato de pagar há de produzir a mesma eficácia de despojamento que, numa sociedade mais espiritualizada, sofreria o indivíduo ao pedir desculpas humildemente à vítima. (...) E há ainda o aspecto social: a agressão ilegítima ao patrimônio imaterial de um indivíduo fere o coletivo. E por aí a indenização tem o sentido restaurador desse arranhão que o ilícito produz no universo social que se insere. Av. Centenário, n. 3773, Centro Executivo Iceberg , 7.º andar, CEP 88.801.000 - Criciúma/SC FONE/FAX: (0xx48) 433-8753/8165 – e-mail: [email protected] 15 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Essas são, portanto, as três perspectivas a serem observadas segundo a doutrina.”. (RT, vol. 728, ano 85, junho de 1996) No presente caso, temos certeza de que, se os moradores do bairro Ana Maria pudessem escolher, prefeririam não ter passado pelos transtornos dos últimos anos a ganhar quantia em dinheiro como indenização. De qualquer forma, a quantia a ser paga não pode ser ínfima, para não menosprezar os incômodos causados aos moradores, e também para servir como medida educativa ao causador do dano. Desta forma, entendemos que o valor de R$ 1000,00 (mil reais), por residência afetada, é o adequado para a mensuração da indenização a ser paga a título de danos morais pela empresa ré. Quanto à ANATEL, também deve arcar com a responsabilidade pelos danos morais no caso em questão, uma vez que, de sua conduta também advieram os incômodos a que ficaram sujeitos os moradores do Bairro Ana Maria nos últimos anos. Toda a configuração do dano moral no presente caso já foi delimitada acima, restando apenas quanto á ANATEL a configuração de sua conduta e de seu nexo causal com os danos sofridos. Sua conduta no presente caso, como já ressaltado anteriormente, foi a omissão em seu dever de ofício, que seria fazer a empresa ré cumprir o regulamento técnico da ANATEL, bem como a declaração do sócio-gerente da rádio, e, não havendo tal cumprimento, interromper as atividades da rádio e lacrar seus transmissores até sua remoção para local apropriado. O nexo causal se faz presente na medida em que, se tivesse agido como deveria a partir do momento em ficou ciente do acontecido, os danos não teriam se perpetuado até a presente data. Quanto à existência de culpa, e sem entrar no mérito da responsabilidade objetiva da administração pública em caso de omissão, temos que é clara a existência de culpa da ANATEL neste caso, na medida em que sabia do acontecido desde meados de 2003 e permitiu que a rádio continuasse em funcionamento, mesmo em desrespeito ao regulamento técnico da ANATEL e da obrigação assumida pela rádio em interromper suas atividades em caso de interferência em outras estações transmissoras, como reconheceu o fiscal da ANATEL em suas declarações de fls. 64/65. Destarte, entendemos que a responsabilidade da ANATEL pelos prejuízos passíveis de indenização a título de danos morais existe, mas Av. Centenário, n. 3773, Centro Executivo Iceberg , 7.º andar, CEP 88.801.000 - Criciúma/SC FONE/FAX: (0xx48) 433-8753/8165 – e-mail: [email protected] 16 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em caráter subsidiário, acaso não se consiga executar os valores da empresa ré, uma vez que a atuação da ANATEL foi omissiva; ou, caso Vossa Excelência não entenda desta forma, que a ANATEL seja responsabilizada solidariamente com a empresa ré pelo pagamento de indenização a título de danos morais. É importante ressaltar que, independentemente de violação das normas técnicas da ANATEL a empresa ré causou prejuízo à comunidade, que poderia ter sido evitado pela não instalação da rádio no local ou por sua mudança, tão logo se descobriu que causava incômodos aos moradores do bairro Ana Maria. Apenas este fato, ante o disposto no art. 186 do Código Civil, já é suficiente para dar azo à indenização em prol da comunidade, ainda mais tendo-se em conta que as rádios são instrumentos para benefício da sociedade, não podendo se privilegiar, neste caso específico, atividade empresarial que visa ao lucro, em detrimento de toda uma comunidade que vem sofrendo com os incômodos causados pelo funcionamento da rádio no bairro Ana Maria. 7. DA TUTELA ANTECIPADA Por tudo o que envolve o direito de ação, indiscutível é a existência de um fator preponderante que motiva a busca da solução dos conflitos pela via judicial: esse fator se expressa na concretização do pedido apresentado, algo que, supõe-se de antemão, é requerido na esperança da tutela célere ao direito do autor. Preceitua Luiz Guilherme Marinoni, em sua obra "Tutela Cautelar e Tutela Antecipatória", São Paulo, Revista dos Tribunais, 1992, p. 15/16, in verbis: "Uma das questões que emerge quando tratamos do tema da efetividade do processo, o que é o ponto fundamental a inspirar a razão de ser deste trabalho, é a da equação do problema rapidez-segurança. É que 'se o tempo é a dimensão fundamental na vida humana, no processo desempenha ele idêntico papel; não somente porque, como diz Carnelutti, processo é vida, mas também porquanto, tendendo o processo a atingir seu fim moral com a máxima presteza, a demora na sua conclusão é sempre detrimental, máxime quando se cuida de evitar os empeços à sua própria eficácia na atuação do direito objetivo' " É pelas razões acima avultadas que foi criado o instituto da tutela antecipada, a qual visa o resguardo de um direito que se encontra em risco de ser afetado de forma letal, sendo impossível a sua reparação. Av. Centenário, n. 3773, Centro Executivo Iceberg , 7.º andar, CEP 88.801.000 - Criciúma/SC FONE/FAX: (0xx48) 433-8753/8165 – e-mail: [email protected] 17 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Antecipa-se a tutela no intuito de se assegurar a manutenção do objeto de petição do autor, zelando-se para que o curso do processo não seja lesivo ao que se pretende na ação. O eminente professor Cândido Rangel Dinamarco, em “A Reforma do Código de Processo Civil”, 2.ª. ed, rev. e ampl., São Paulo, Malheiros Editores, 1995, traduz a alma do instituto supracitado: "O novo art. 273 do Código de Processo Civil, ao instituir de modo explícito e generalizado a antecipação dos efeitos da tutela pretendida, veio com o objetivo de ser uma arma poderosíssima contra os males corrosivos do tempo no processo.". Dispõe o artigo 273 do Código de Processo Civil: "O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação;". Do texto legal se depreende que os requisitos para a concessão da tutela antecipada são: prova inequívoca dos fatos; verossimilhança da alegação e fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Demonstrar-se-á que, no presente caso, todos os requisitos necessários ao deferimento da medida pleiteada estão presentes. É conveniente que os requisitos prova inequívoca e verossimilhança da alegação sejam analisados conjuntamente, por guardarem estreita relação entre si. A expressão legal prova inequívoca dos fatos não deve ser interpretada literalmente, pois, se assim fosse feito, o valioso instituto da antecipação de tutela jamais seria aplicado, tendo-se em vista que o processo civil busca a verdade formal - aquela que se caracteriza pelo convencimento do juiz, advindo da verossimilhança das alegações (bem como da adequação do direito trazido aos autos ao caso concreto) de uma das partes. Não faria sentido, em sede de antecipação de tutela, exigir um grau de certeza ainda maior do que o propugnado pelos próprios princípios do direito processual civil, sabendo-se que sequer para a sentença que julga o mérito é necessária a demonstração da verdade real. Por tal, constata-se que a exigência de prova inequívoca se caracterizaria não só como obstáculo à tutela antecipada como também ao processo civil como um todo. Av. Centenário, n. 3773, Centro Executivo Iceberg , 7.º andar, CEP 88.801.000 - Criciúma/SC FONE/FAX: (0xx48) 433-8753/8165 – e-mail: [email protected] 18 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Nesse sentido, cumpre observar mais uma vez os ensinamentos de Cândido Rangel Dinamarco: “O art. 273 condiciona a antecipação da tutela à existência de prova inequívoca suficiente para que o juiz se convença da verossimilhança da alegação a dar peso ao sentimento literal do texto. Seria difícil interpretá-lo satisfatoriamente porque prova inequívoca é prova tão robusta que não permite equívocos ou dúvidas, infundindo no espírito do Juiz o sentimento de certeza e não mera verossimilhança. Convencer-se da verossimilhança, ao contrário, não poderia significar mais do que imbuir-se do sentimento de que a realidade fática pode ser como descreve o autor. Aproximadas as duas locuções formalmente contraditórias contidas no art. 273 do Código de Processo Civil (prova inequívoca e convencer-se da verossimilhança), chega-se ao conceito de probabilidade, portador de maior segurança do que a mera verossimilhança.”. Assim, para a concessão da tutela antecipada se exige o que seria um meio termo entre "prova inequívoca" e "verossimilhança": uma grande probabilidade de as alegações do Requerente serem verdadeiras, probabilidade esta que no presente caso afigura-se indiscutível, dada a manifesta lesão causada pela empresa Sociedade Rádio Hulha Negra de Criciúma Ltda. aos moradores do Bairro Ana Maria em Criciúma/SC, decorrente da interferência eletromagnética, provocada por seu transmissor e sistema irradiante, nos aparelhos eletro-eletrônicos daquela comunidade, com o respaldo da Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL ao assumir ela conduta omissiva, por não tomar medidas eficazes para a solução desse problema. Se não restam dúvidas, no âmbito da presente demanda, em relação ao preenchimento dos requisitos da prova inequívoca e da verossimilhança das alegações, de maneira nenhuma poder-se-á duvidar do atendimento ao requisito da existência de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, pois os fatos nesta peça narrados, bem como sua excepcionalidade e continuidade, são demonstrados pelo reconhecimento de que a permanência dos equipamentos da aludida rádio, naquele local, continuarão provocando, como bem salientado no Termo de Declarações de fls. 64/65, prestado pelo agente de fiscalização da ANATEL, interferências nos equipamentos eletro-eletrônicos, inclusive obstando ao funcionamento de vários deles. À vista do exposto, requer o Ministério Público Federal a concessão de TUTELA ANTECIPADA, para que: Av. Centenário, n. 3773, Centro Executivo Iceberg , 7.º andar, CEP 88.801.000 - Criciúma/SC FONE/FAX: (0xx48) 433-8753/8165 – e-mail: [email protected] 19 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL a) Seja a empresa Sociedade Rádio Hulha Negra de Criciúma Ltda. compelida na obrigação de fazer no sentido de que, no prazo de trinta (30) dias, efetue a mudança de localização de seu transmissor e de seu sistema irradiante, instalando-os em local previamente autorizado pela ANATEL, condicionando a referida instalação em local que não venha mais a causar danos a quaisquer pessoas, sob pena de multa cominatória, no valor de R$ 1000,00 (mil reais), por dia de atraso no atendimento. b) Seja a ANATEL compelida na obrigação de fazer no sentido de que, escoado o prazo mencionado no item anterior (acaso deferido) para a empresa ré efetuar a mudança de seu transmissor e sistema irradiante, interromper as transmissões da empresa e lacrar seu sistema transmissor até o cumprimento do determinado por este juízo, no prazo de cinco (05) dias, sob pena de multa cominatória, no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), por dia de atraso no atendimento. c) Seja a ANATEL compelida na obrigação de fazer no sentido de, no prazo de quinze (15) dias, efetue vistoria nas proximidades da atual sede irradiadora da rádio, afim de delimitar, antes da eventual mudança da mesma, as residências afetadas pela interferência mencionada nestes autos, indicando uma pessoa de cada residência, que representará a família para recebimento de indenização , com o fito de preservar nos autos a memória daquelas famílias afetadas para fins de execução de sentença, sob pena de multa cominatória, no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), por dia de atraso no atendimento, dando-se vista ao MPF após a realização da vistoria. 8. DO PEDIDO PRINCIPAL Por todo o exposto, requer o Ministério Público Federal: a) a citação das demandadas, na forma da lei, para, querendo, contestar a presente ação, com as advertências de praxe, inclusive quanto à confissão da matéria de fato, em caso de revelia, e para produzirem a prova que quiserem, e se verem processar até a condenação final, na forma do pedido abaixo especificado; b) o deferimento dos pedidos antecipatórios acima mencionados e sua posterior confirmação em sentença definitiva; c) a fixação de multa diária pelo eventual descumprimento da antecipação de tutela a partir de seu deferimento, nos termos postulados no pedido liminar; d) a condenação da ré Sociedade Rádio Hulha Negra de Criciúma Ltda ao pagamento de indenização a título de danos morais aos moradores das residências afetadas pela interferência causada pela rádio, que Av. Centenário, n. 3773, Centro Executivo Iceberg , 7.º andar, CEP 88.801.000 - Criciúma/SC FONE/FAX: (0xx48) 433-8753/8165 – e-mail: [email protected] 20 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL serão identificadas conforme o pedido liminar para fins de eventual execução de sentença, sendo que o valor deverá ser fixado em, no mínimo, R$ 1000,00 (mil reais) por residência; e) a condenação da Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL, tendo em vista a sua condição de órgão fiscalizador e regulador dos serviços de telecomunicações, bem assim sua omissão demonstrada nestes autos, na obrigação subsidiária de pagamento de indenização a título de danos morais às famílias afetadas pela interferência causada pela rádio, nos valores e nos termos acima mencionados, ou alternativamente, caso Vossa Excelência não entenda desta forma, a condenação solidária da ANATEL neste sentido; f) a condenação das demandadas ao pagamento das custas e honorários advocatícios, a serem revertidos para o fundo de reconstituição dos interesses supraindividuais lesados, criado pelo art. 13 da Lei n. 7.347/85. Requer-se, ainda, a juntada da documentação em anexo e a produção de todas as provas em direito admitidas, especialmente a testemunhal e a pericial. Dá-se à causa o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Termos em que pede e espera deferimento. Criciúma/SC, 14 de maio de 2004. RICARDO KLING DONINI Procurador da República Av. Centenário, n. 3773, Centro Executivo Iceberg , 7.º andar, CEP 88.801.000 - Criciúma/SC FONE/FAX: (0xx48) 433-8753/8165 – e-mail: [email protected] 21