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Caso Clínico
Tratamento da Obstrução das Vias
Lacrimais em Cães por Meio da
Dacriocistorinostomia
Treatment of the Lacrimal Excretory System
Obstruction in Dogs Using Dacryocystorhinostomy
Antônio Felipe Paulino de Figueiredo WOUK*
João Alfredo KLEINER**
WOUK, A.F.P. de F.; KLEINER, J.A. Tratamento da obstrução das vias lacrimais em cães por meio da dacriocistorinostomia. Rev Bras
Med Vet – Pequenos Anim Anim Estim, Curitiba, v.1, n.1, p.19-22, jan./mar. 2003.
A epífora é uma ocorrência muito comum na clínica de animais de companhia e pode ser caracterizada por um
extravasamento da lágrima pela região subocular, causando conjuntivites recorrentes, blefarites, dermatites,
fístulas e pigmentação do pêlo. Ela pode ser causada por anomalias congênitas ou adquiridas que provoquem,
em algum nível, um estreitamento ou obstrução do sistema excretor lacrimal. O presente trabalho tem como
objetivo relatar uma técnica de dacriocistorinostomia em cães e os resultados obtidos com ela no tratamento
de doze cães com obstrução das vias excretoras da lágrima.
PALAVRAS-CHAVE: Doenças do aparelho lacrimal/veterinária; Cães; Dacriocistorinostomia.
*Mestre e Doutor em Medicina Veterinária; Certificado de Estudos Superiores em Oftalmologia Veterinária pela Escola de Veterinária de Toulouse-França; Pós-doutorado em Oftalmologia Veterinária pela Escola de Veterinária de Alfort-França; Professor Titular de Cirurgia e Oftalmologia Veterinária – UFPR e PUCPR; Av. Sete de Setembro, 5415/901 – CEP 80240-000, Curitiba, PR; e-mail: [email protected]
**Mestrando em Ciências Veterinárias – UFPR; Aperfeiçoamento em Oftalmologia na Universidade de Madison – Wisconsin, EUA; e-mail: [email protected]
MedveP - Revista Brasileira de Medicina Veterinária - Pequenos Animais
e Animais de Estimação, Curitiba, v.1, n.1, p.19-22, 2003
Tratamento da Obstrução das Vias Lacrimais em Cães por Meio da Dacriocistorinostomia
INTRODUÇÃO
As afecções do sistema nasolacrimal em animais
de companhia podem ser classificadas como congênitas
(defeito de desenvolvimento) e adquiridas (inflamação,
infecção ou trauma), mais comumente causando obstrução (WILLIAMS et al., 1998). Dentre as congênitas,
destacam-se a aplasia do ponto (puncta) lacrimal e
ponto ectópico (RAMSEY, 2000), a micropuncta, a
atresia canalicular, a dilatação cística do saco lacrimal e
dos canalículos lacrimais, a tortuosidade dos canalículos
em cães e gatos braquicefálicos e o entrópio de canto
medial em raças miniaturas de cães com presença de
pêlos na região da carúncula (WYMAN, 1986; GELLAT,
1991). Entre as causas adquiridas, salientam-se: traumas
(lacerações), oclusões causadas por corpo estranho ou
neoplasias e infecções que resultam em dacriocistocaniculites e simbléfaro (BARNETT, 1984).
As manifestações clínicas associadas com doenças
do sistema lacrimal incluem epífora, secreção conjuntival mucopurulenta, fístulas nasofaciais e oronasais,
edema com hiperemia da região do canto ventro-medial, manchas pronunciadas suboculares causadas pelas
lactoferrinas do filme lacrimal e tumorações da face e
região nasal (GELATT, 1998).
A epífora pode ser definida como o extravasamento da lágrima para fora do olho devido a um
estreitamento ou obstrução em algum nível do sistema
excretor; já o lacrimejamento é a produção excessiva
de lágrima desencadeada por um estímulo psicológico
(apenas no homem) ou irritativo dos olhos, como nos
casos de inflamação, conjuntivites, anomalias palpebrais (entrópio, ectrópio, triquíases), glaucoma e irites
(NEWTON, 2000).
A conjuntivorinostomia tem por objetivo uma
comunicação do fundo de saco conjuntival, ou ainda
dos canalículos lacrimais se eles existirem, com as fossas
nasais. A conjuntivoralostomia (conjuntivobucostomia)
consiste em colocar em comunicação a cavidade bucal
com o fundo de saco conjuntival inferior, permitindo
assim que a lágrima drene para a boca (LESCURE, 1984;
LAFORGE, 1996).
As referências sobre cirurgia do sistema lacrimal em Medicina Veterinária são escassas, sobretudo
aquelas que visam à construção de um novo canal
lacrimal.
O presente trabalho tem como objetivo descrever uma técnica de dacriocistorinostomia em cães e os
resultados obtidos com ela no tratamento de 12 animais
com obstrução do sistema excretor da lágrima.
pirrolidona tópico. Realiza-se a incisão da pele e tecido
celular subcutâneo com 2,5 a 3cm de comprimento a
aproximadamente 1,5cm do canto nasal e obliquamente
a ele (Figura 2). Após dissecção romba da musculatura
e hemostasia por angiotripsia, tem-se acesso ao osso
nasal, cujo periósteo é rebatido utilizando-se elevador
periostal (Figura 3). Com uma broca de 2 a 3mm, faz-se
um orifício no osso nasal para acesso à fossa nasal (Figura
4). Hemorragias neste momento podem ser controladas
com o auxílio de epinefrina diluída em solução fisiológica.
A puncta inferior ipsilateral é canulada com o emprego
de um dilatador de ponto lacrimal que é introduzido
sob as fibras musculares até a perfuração no osso nasal
(Figura 5). A sonda utilizada deve estar adequada ao
porte do paciente, pode ser a sonda lacrimal de silicone
comercialmente disponível para uso em seres humanos
ou pode ser confeccionada; no caso desta última, deve
ser previamente preparada e submetida à esterilização
em formol. Com esta finalidade, para um cão de porte
médio, empregou-se uma sonda uretral no 6 ou 8, com
um comprimento de aproximadamente 8cm. Após
aquecimento em uma chama, uma das extremidades
é moldada de forma evertida (em “aba de chapéu”),
para aumentar sua superfície de contacto com vistas a
uma melhor captação da lágrima e para tornar a cânula
auto-contensiva no fundo de saco conjuntival ventral.
Após a medição da cânula e remoção do excesso de
comprimento, ela é passada através do túnel, que neste
instante, caso necessário, pode ser ampliado em seu
diâmetro com uma tesoura de Vanas em direção ao
orifício no osso nasal por onde penetra o interior da
cavidade por apenas 2 a 2,5cm, para evitar uma irritação
da mucosa nasal (Figura 6). Para a síntese, utiliza-se fio
de poliglactona ou seda 5-0 em pontos interrompidos
simples envolvendo pele, tecido celular subcutâneo e
parte da musculatura (Figura 7). No pós-operatório,
usa-se colírio antibiótico de amplo espectro e colírio
corticóide por 10 dias. A região operada fica protegida
pelo uso de colar elisabetano durante este mesmo
período. A sonda implantada permanece por 30 a 35
dias, permitindo que se forme em torno dela um tecido
cicatricial, constituindo-se assim um novo trajeto permanente de drenagem da lágrima para a cavidade nasal.
A patência deste canal é, então, avaliada por meio da
aplicação de fluoresceína e sua posterior visualização
no assoalho da narina ipsilateral.
A técnica realizada de dacriocistorinostomia em
cães
Após anestesia inalatória, o paciente com obstrução lacrimal (Figura 1) é posicionado em decúbito lateral
com elevação da cabeça e a região periocular, assim
como os fundos de saco conjuntivais são preparados
para intervenção cirúrgica asséptica com iodo polivinil
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FIGURA 1:
Secreção ocular
mucosa em um
cão portador de
epífora crônica.
Tratamento da Obstrução das Vias Lacrimais em Cães por Meio da Dacriocistorinostomia
FIGURA 2:
Incisão de pele
e tecido celular
subcutâneo.
FIGURA 3:
Dissecção
romba das fibras
musculares.
Nota-se osso
nasal exposto.
FIGURA 4:
Perfuração
do osso nasal
utilizando-se
uma broca no3.
FIGURA 5:
Tunelização
através da
puncta inferior,
utilizando-se
um dilatador de
ponto lacrimal.
FIGURA 6:
Aspecto final
da cânula
implantada no
fundo de saco
conjuntival
ventral, seu
trajeto e
penetração na
cavidade nasal.
FIGURA 7:
Aspecto final do
procedimento,
após a síntese
com sutura de
poliglactona.
Resultados preliminares
Doze cães com diagnóstico de obstrução de vias
lacrimais foram operados: sete da raça Poodle, três sem
raça definida, um Basset Hound e um Fox Terrier. Todos
os procedimentos transcorreram sem complicações
per-operatórias ou pós-operatórias. Ao final de 35 dias,
após a retirada da sonda de demora, verificou-se em
todos os animais uma comunicação permanente entre
o fundo de saco conjuntival ventral e a fossa nasal,
por onde a lágrima era drenada adequadamente, com
ausência de epífora ou lacrimejamento.
DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS
A técnica descrita seguiu os princípios anteriormente estabelecidos por LESCURE (1984) e LAFORGE
(1996) para a conjuntivorinostomia e, da forma como
aqui foi apresentada com as modificações introduzidas
e a seqüência de imagens, constitui material original
que poderá servir de guia para a sua realização em
casos selecionados de obstrução do sistema lacrimal,
como bem explicitam diferentes autores (BARNETT,
1984; WYMAN, 1986; GELATT, 1991; GELATT, 1998;
NEWTON, 2000; TAMSEY, 200).
A construção da sonda lacrimal a partir de uma
sonda uretral de polipropileno possui, em relação à sonda
lacrimal comercial de silicone, a vantagem do baixo custo
e fácil obtenção; como desvantagem a sua rigidez inferior,
que pode dificultar a passagem através do orifício ósseo
para posterior introdução na fossa nasal.
O procedimento é simples, porém exige o emprego de material cirúrgico especializado. Em relação à
técnica de conjuntivoralostomia (conjuntivobucostomia),
realizada por um de nós (KLEINER), a dacriocistorinostomia mostrou-se superior, pois evitou complicações
daquela técnica, como a obliteração da sonda por
alimento e infecção ascendente a partir da boca.
O procedimento de dacriocistorinostomia como
aqui descrito deve ser considerado como uma alternativa eficaz de tratamento cirúrgico das obstruções do
sistema excretor da lágrima em cães.
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WOUK, A.F.P. de F.; KLEINER, J.A. Treatment of lacrimal excretory system obstruction in dogs using dacryocystorhinostomy. Rev Bras Med Vet
– Pequenos Anim Anim Estim, Curitiba, v.1, n.1, p.19-22, jan./mar. 2003.
Epiphora is a very common occurrence on the companion animals’ veterinary practice and can be characterized by an
overflow of tears on the medial cantus of the eye causing recurrent conjunctivitis, blepharitis, dermatitis, fistulae and hair
staining. It can be caused by congenital or acquired anomalies, which promote a stricture or obstruction in any level of
the lacrimal excretor apparatus. The present article has the objective of describing a technique of dacryocystorhinostomy
in dogs and the results on treating twelve animals with obstruction of the excretory lacrimal system.
KEYWORDS: Lacrimal apparatus diseases/veterinary; Dogs; Dacryocystorhinostomy.
REFERÊNCIAS
BARNETT, K.C. The wet eye. The veterinary annual. 24.ed. Bristol: Scientechnica,
1984.
GELATT, K.N. Veterinary ophthalmology. 3.ed. Lippincott: Willians & Wilkins, 1998.
HELPER, L.C. Diseases and surgery of the lids and lacrimal apparatus. Magrane’s
Canine Ophthalmology. 4.ed. [S.l.]: Lea & Febiger, 1989. p.86-88.
Magrane Basic Science Course in Ophthalmology. University of Wisconsin – Madison. Course Notes, 1998.
LAFORGE, H. Affections du système lacrymal excréteur. Encyclopédie Vétérinaire.
Paris: Elsevier, Ophtalmologie, 2100. 1996.
LESCURE, F. Certificat d’Etudes Supérireures en Ophtalmologie Vétérinaire. École
Vétérinaire de Toulouse-France, Notes des Cours de Chirurgie Lacrimale, 1984.
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NEWTON, K.J. et al. Atualidades em oftalmologia . [S.l.]: Roca, 2000. v.2.
RAMSEY, D.T. et al. Veterinary ophthalmology (lecture notes). 5.ed. Michigan:
State University, 2000.
SLATTER, D. The lacrimal system. Textbook of Small Animal Surgery. 2.ed. [S.l.]:
W.B. Saunders, v.2 ,1985 e p.1184-1194, 1996.
WYMAN, M. The lacrimal apparatus. Manual of Small Animal Ophthalmology. New
York: Churchill Livingstone, 1986.
Recebido para publicação em: 30/08/02
Enviado para análise em: 09/09/02
Aceito para publicação em: 25/09/02
MedveP - Revista Brasileira de Medicina Veterinária - Pequenos Animais
e Animais de Estimação, Curitiba, v.1, n.1, p.19-22, 2003

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