Brasil - Design Facamp 2010

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Brasil - Design Facamp 2010
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Brasil
Ethel Leon - Marcello Montore
Este trabalho deve ser visto como uma contribuição à história do design brasileiro. Seu maior
objetivo é explicitar vínculos e aproximá-la da história social e econômica do país. Serão
apresentados alguns casos pouco conhecidos, ou mesmo ainda não reconhecidos, pela
historiografia do design brasileiro.
Cabe dizer que, na língua portuguesa, adotouse a palavra design –hoje incorporada ao léxico
brasileiro–, para a atividade, em detrimento da palavra ‘desenho’ que em português significa,
em sua acepção mais comum, simplesmente dibujo ou drawing.
Para melhor compreensão dos últimos 50 anos, foi adotada a seguinte periodização da história
econômica brasileira:
•
1950 a 1979, período de industrialização e urbanização aceleradas e grande
crescimento econômico;
•
1980 a 1990, a chamada ‘década perdida’ da economia brasileira, período de
estagnação e altos índices inflacionários;
•
1990 em diante, prevalência da política neoliberal, com a venda de grande parte do
patrimônio público, concentração de capital e baixos investimentos em obras públicas.
Em 1964 instaurou-se no Brasil uma ditadura militar que durou 21 anos, e que teve
conseqüências imediatas no plano do design, sobretudo nos movimentos de resistência aos
governos autoritários. Este tema será tratado de maneira especial.
Procura-se apresentar um amplo panorama desses períodos com menção a várias atividades
no campo do projeto –da indústria editorial e fonográfica à comunicação de massas–; da
indústria de eletrodomésticos e de móveis aos elementos urbanos. Obviamente omite-se um
conjunto muito grande de feitos e tampouco serão abordadas questões importantes para a
compreensão dos rumos do design brasileiro contemporâneo, entre as quais se encontra a
produção universitária recente, a questão ambiental e a própria criação em design por parte
das multinacionais aqui instaladas.
1950 a 1979. Industrialização acelerada, urbanização e crescimento econômico
O Brasil emergiu da II Guerra Mundial como país alinhado aos EUA. O Estado Novo, ditadura
implantada em 1937, chegou ao fim, com a renúncia do presidente Getúlio Vargas em 1945. O
governo seguinte, do Marechal Eurico Gaspar Dutra, reduziu o mandato presidencial de seis
para cinco anos e estabeleceu eleições diretas, vencidas, em 1950, pelo ex-presidente Vargas,
que promoveu a expansão industrial como projeto político do Estado.
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(Fotos 98 e 99)
Do ponto de vista do design os anos 50 foram auspiciosos. A indústria de bens de produção e
de consumo teve, a partir de então, fortes retaguardas. A implantação da Companhia
Siderúrgica Nacional (1946) e da Petrobras (companhia estatal de petróleo, 1953) acenava
com a possibilidade de autonomia na produção de insumos básicos de que necessitava nosso
parque industrial.
Em 1956, tomou posse (depois de tentativa de golpe) o presidente Juscelino Kubitschek que
propôs a mudança da capital do Brasil para o centro geográfico do território –Brasília– e
estabeleceu o Plano de Metas, fundado num programa nacional-desenvolvimentista1 que
expandiu enormemente a industrialização do país e alcançou resultados expressivos nas áreas
de energia, transportes, alimentação, indústrias de base e educação. Para realizar todas essas
metas, o governo, além de realizar investimentos próprios, abriu o país para indústrias
estrangeiras de bens de consumo duráveis, entre as quais as fábricas de automóveis2.
A crescente classe média urbana se espelhava nos EUA, onde a febre do consumo e a
obsolescência simbólica dos produtos não era incompatível com o chamado ‘bom desenho’ ou
good design. A ampliação do mercado consumidor, urbano e identificado com o modelo norteamericano, promovido, sobretudo pelo cinema e a existência de um grande número de
indústrias de bens de consumo faziam prever um crescente mercado de trabalho para os
designers.
A década de 50 foi um período de importantes inovações ligadas aos ares modernizantes que
transformavam economia e sociedade. Até aquele momento não havia educação formal para
os designers. Os profissionais, geralmente autodidatas, entravam na área por vias tão diversas
quanto a ilustração, a publicidade, as artes plásticas, a arquitetura ou a própria experiência
fabril.
Entre os anos 1947 e 1954, é preciso notar, São Paulo, capital industrial do Brasil, viveu
grande aggiornamento cultural. Dois museus foram criados, o Museu de Arte de São Paulo
(1947), fundado por Assis Chateaubriand, magnata das comunicações, proprietário dos Diários
Associados; e o Museu de Arte Moderna (1948), fundado pelo capitão da indústria Francisco
Matarazzo. Ambas as instituições apostavam no abstracionismo formal e geométrico.
Matarazzo instituiu, ainda, a I Bienal de São Paulo (1951), que tomou o partido da arte
moderna, trazendo ao Brasil artistas como Alexander Calder e Max Bill. Matarazzo também
presidiu o comitê das comemorações do IV Centenário da Cidade de São Paulo (1954), que
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marcou uma virada cultural da cidade. Seguindo a mesma tendência modernizadora, no Rio de
Janeiro, então capital da República, o Museu de Arte Moderna foi fundado em 1948.
Em São Paulo, as Bienais de Arte, o IV Centenário e outras manifestações culturais do período
significaram trabalho para designers gráficos comprometidos com o concretismo, movimento
que trouxe para o Brasil o construtivismo e que pregava o enfoque racional-sistemático como
procedimento artístico. Alguns desses personagens cursaram a primeira escola brasileira de
design, o Instituto de Arte Contemporânea (IAC), que funcionou de 1951 a 1953 no Museu de
Arte de São Paulo (MASP). Com essa escola, o crítico de arte italiano Pietro Maria Bardi, seu
diretor, esperava estabelecer relações entre as indústrias de bens de consumo paulistanas e
seus jovens estudantes, o que acabou não acontecendo. Alguns dos que se formaram nessa
escola –Emilie Chamie3, Alexandre Wollner4, Estella Aronis 5, Ludovico Martino6, Antonio Maluf7
e Maurício Nogueira Lima8– trabalharam constante ou esporadicamente no campo do design
gráfico.
No campo da comunicação de massas, além do rádio (existente desde os anos 20), poderoso
instrumento de alcance nacional de comunicação e publicidade num país de alta percentagem
de analfabetos, a televisão foi introduzida (1951) pela grande cadeia nacional de jornais e
revistas, os Diários Associados. Com isso, os canais para a promoção dos produtos aos novos
consumidores das cidades se ampliaram enormemente. Foi nesse período também que os
centros urbanos cresceram com grande rapidez, ao atrair populações do campo para os
empregos fabris. Em 1950 havia 10 milhões de habitantes nas cidades contra 41 milhões de
habitantes rurais. Durante essa década migraram para as cidades 8 milhões de pessoas.
Box: O design brasileiro dos fogões
Exemplo de design de eletrodoméstico brasileiro que se desenvolveu muito a partir da nova
infraestrutura e da urbanização é a fábrica Dako de fogões, fundada na década de 30. Nos
anos 50, quando a Petrobras passou a produzir o GLP (gás liquefeito de petróleo), a empresa
substituiu os fogões a querosene por fogões a gás e manteve sua política de construir produtos
que seriam vendidos nos pontos mais distantes do Brasil. Para tanto, não podia depender de
assistência técnica –nem para a montagem nem para a manutenção. A engenharia da fábrica
se esmerava para criar fogões com peças robustas e projeto fácil de montar pelos
revendedores –as pequenas lojas das cidades do interior brasileiro. A fábrica, localizada em
Campinas, estado de São Paulo, cresceu significativamente nos anos 50, chegando a fabricar
até 10.000 fogões/mês no final dos anos 50 (eram 41 por mês na década de 40). Inovou ao
propor num dos modelos ainda nos anos 40, uma chapa especial para frituras –chamada
‘bifeteira’, incorporando em seu projeto, o hábito brasileiro de fritar bifes.
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Nos anos 50, também, o engenheiro José Carlos Bornancini e o arquiteto Nelson Ivan Petzold9
projetaram fogões para a indústria gaúcha Wallig, reduzindo a altura dos produtos em 15 cm
com relação ao padrão internacional para atender, sobretudo, o mercado feminino brasileiro.
Em 1959, um novo fogão projetado pela dupla acabou ganhando uma fábrica inteira para
produzi-lo na cidade de Campina Grande (estado da Paraíba), no nordeste brasileiro. No final
do governo Juscelino Kubitschek, essa área de acentuada pobreza foi alvo de projeto de
desenvolvimento centralizado numa agência denominada Sudene (Superintendência para o
Desenvolvimento do Nordeste), que buscava levar indústrias para a região. Ao mesmo tempo
em que procurava frear a migração nordestina para os grandes centros do sudeste brasileiro,
funcionaria como alternativa para combater as desigualdades regionais.
(Imagem – fogões 100,101 e 102)
Também a arquitetura moderna brasileira se espraiava desde a década de 40, atendendo a
demandas de entes públicos e privados, atestando modernização das elites brasileiras e que
culminou no projeto e construção de Brasília (1956-1960). Arquitetos e artistas não acadêmicos
lançaram-se a iniciativas de produzir seus móveis, organizando-se em pequenas manufaturas
ou mesmo em fábricas de certo porte. Sua produção dialogava com a criação moderna
internacional que alcançou notáveis resultados formais, sendo adotados por parcelas das
classes médias cultas que buscavam atualizar-se. Pode-se incluir nesse conjunto a manufatura
de Joaquim Tenreiro (1943) que teve lojas no Rio de Janeiro e em São Paulo; o Studio Palma
(1948) em São Paulo de Lina Bo Bardi e Giancarlo Palanti; os móveis Z (1948) de Zanine
Caldas, em São José dos Campos; a Forma (1954) em São Paulo; a Unilabor (1954),
cooperativa operária cristã, que chegou a ter 3 lojas em São Paulo, da qual o artista concreto
Geraldo de Barros foi projetista. Em 1955, Sérgio Rodrigues abriu sua loja Oca no Rio de
Janeiro. Logo em seguida, o arquiteto francês Michel Arnoult e seus sócios Norman Westwater
e Abel Barros Lima inauguraram a Mobília Contemporânea (1956), com fábrica em São Paulo e
lojas em diversos estados brasileiros, cuja proposta era vender móveis desmontados, que
seriam montados pelos próprios consumidores. Em 1959 foi a vez de Jorge Zalszupin abrir a
L’Atelier em São Paulo, fábrica de móveis residenciais e de escritórios e que tinha algumas
lojas próprias. Em 1960, Ernesto Hauner fundou a empresa Hauner que, logo depois, passou a
se chamar Mobilínea, também com fábrica em São Paulo e lojas em algumas capitais
brasileiras.
Imagem 2 – móveis modernos (107 e 108)
As artes gráficas, extremamente marcadas pelos movimentos concretista (São Paulo) e
neoconcretista (Rio de Janeiro), mas também demonstrando familiaridade com outras matrizes
formais como por exemplo a propaganda norte-americana, desenvolveram-se no campo das
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marcas, dos cartazes, das capas para a indústria fonográfica e dos projetos editoriais, não
apenas de livros e revistas, mas também de jornais.
Na área fonográfica, foi a partir da década de 50 que as gravadoras de disco, no Brasil,
passam a substituir os envelopes genéricos de papel pardo por capa personalizada, gerando a
necessidade de contratação de artistas gráficos freelancers –prática comum na época. Dentre
os pioneiros dessa área podemos citar a dupla Joselito e Mafra (fotógrafo), e o argentino Paéz
Torres. Apenas a partir da década de 60 é que as capas de disco se consolidaram como
verdadeiro mercado para esses profissionais.
O ano de 1958 marcou o surgimento da bossa nova, que cativou boa parte da classe média
culta das grandes cidades. Na indústria fonográfica, as multinacionais Odeon, CBS e Philips
dominavam mais de 50% do mercado. Apesar disso, pequenas gravadoras nacionais surgiram
no início dos anos 60, especialmente no Rio de Janeiro: Equipe, Spot, Nilser e Elenco, entre
outras. Em Recife, a empresa Rozenblit, a única grande gravadora brasileira a funcionar fora
do sudeste do país, destacava-se por dominar todo o processo da produção fonográfica,
incluindo aí a criação e a impressão das capas de seus discos.
Box: Cesar Villela
No final dos anos 50, Cesar Villela iniciou sua carreira criando ilustrações para revistas infantis
e crônicas em jornais. Em 1958 começou a trabalhar na gravadora Odeon como capista
freelancer, criando cerca de 20 a 25 capas novas mensalmente. O LP Ohhhh! Norma merece
destaque por sua ousadia; e ...É a Bola da Vez, pela inteligente utilização do estereoplástico,
tecnologia de encapsulamento da capa e da contracapa, dentro do qual colocou círculos soltos
de papel colorido recortado, simulando bolas de bilhar –conseqüência: não havia capas iguais!
A bossa nova era a grande novidade no campo musical na virada da década de 50 para a de
1960. Seus artistas encontraram espaço na gravadora Elenco, criada em 1963 pelo músico e
diretor musical Aloysio Oliveira. Da Odeon, onde trabalharam juntos, ele trouxe Cesar Villela,
responsável pela imagem da nova empresa. Para as capas desenvolveu um conceito gráfico
que foi seguido, em maior ou menor escala, pelos artistas gráficos que o sucederam. Villela,
que já vinha buscando certa limpeza gráfica na Odeon, pretendeu transformar o conceito das
capas de disco, que, naquela época, funcionavam também como display nas lojas, por meio do
que ele chamou de “simplificação”.
(Imagem 103, 104, 105 e 106)
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No que se refere a projetos editoriais, de 1954 até 1961, um grupo de jovens intelectuais do
Recife, autodenominado O Gráfico Amador, produziu mais de 30 livros com tratamento gráfico
elaborado. Editados em tiragens reduzidas e impressos em uma pequena gráfica, são
considerados marcos do design gráfico editorial moderno no Brasil. No período de 1950 a
1960, a indústria gráfica cresceu 143%, tendo-se reequipado no exterior durante o governo
Juscelino Kubitschek. Entre 1955 e 1962 a produção brasileira de livros triplicou, incorporando
artistas gráficos de várias ‘escolas’ visuais. O caso da Editora Civilização Brasileira, que
abrigava autores de esquerda, foi exemplar, tendo renovado a visualidade das capas com o
trabalho do austríaco Eugênio Hirsch e, posteriormente, de Marius Lauritzen Bern.
(Imagem 109, 110, 111, 112 e 113)
O jornal Última Hora foi criado em 1951 para dar sustentação à política trabalhista do segundo
governo do presidente Getúlio Vargas, então exposto à hostilidade da grande imprensa
nacional. Seu proprietário, Samuel Wainer, contratou o diagramador paraguaio André Guevara,
que singularizou o jornal desenhando o logotipo, impresso em azul, além de ressaltar
graficamente as seções temáticas originais que iam surgindo do projeto editorial da publicação.
O jornal ultrapassou, em 1952, a casa dos cem mil exemplares, número expressivo para a
época.
Em 1956, foi a vez do Jornal do Brasil10 incorporar novo projeto gráfico desenhado por
Reynaldo Jardim e Amílcar de Castro. Os principais recursos adotados pelo projeto foram a
assimetria e o contraste entre os elementos verticais e horizontais. A tipografia, padronizada na
fonte Bodoni, diversificou-se em tamanhos e pesos, facilitando a hierarquização do conteúdo
editorial. A fotografia aliou-se às novas técnicas de edição jornalística, oferecendo ao leitor uma
síntese visual da notícia. Inspirado pelo concretismo, Amílcar abusou dos espaços em branco,
separando as colunas e eliminando os fios que antes as dividiam. A modernidade dos
movimentos construtivos ganhou corpo na cultura de massas.
Na área editorial de revistas, a Senhor, surgida no Rio de Janeiro em 1959, num contexto
político de liberdade de expressão e de novas experiências culturais e visuais, promoveu
grandes inovações. Seu projeto gráfico ficou a cargo do artista plástico Carlos Scliar que
concebeu uma revista voltada para um público sofisticado culturalmente e de alto poder
aquisitivo. A diagramação era flexível e fazia uso de inovações gráficas como fotos rebaixadas
e em alto-contraste, recortes ousados nas imagens, além de generosos espaços em branco.
Alguns desses recursos apenas serão utilizados com intensidade a partir da década de 80.
As indústrias nacionais de bens de consumo duráveis cresciam. Em 1956, a Walita, fundada
nos anos 30, em São Paulo, como fabricante de interruptores e peças de iluminação, e que,
desde 1945 vinha fabricando liquidificadores, despontou como grande empresa brasileira de
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eletrodomésticos, produzindo também batedeiras, exaustores e enceradeiras. A fábrica
encarregava-se da engenharia e do design dos produtos, chegando a produzir uma batedeira
com escudo alusivo à inauguração de Brasília (1960). Também a Arno (São Paulo, anos 30),
foi ampliada no período como produtora de eletrodomésticos portáteis. O mesmo aconteceu
com a Invictus (São Paulo), fábrica de rádios e televisores.)
A Brasmotor (São Bernardo do Campo), responsável por produzir compressores de geladeiras,
lançou, em 1954, a marca Brastemp e, em 1957, apresentou um modelo de refrigerador que
aproveitava a porta como compartimento de armazenamento de alimentos. Em 1959, introduziu
a máquina de lavar roupas automática. As indústrias Pereira Lopes (São Carlos) lançaram as
marcas de geladeiras Clímax (1948) e Gelomatic (1954) e, mais tarde, incorporaram a fábrica
de embalagens Ibesa.
É nesse quadro que, em 1958, foi fundado em São Paulo o escritório Forminform, que reuniu
os artistas plásticos Geraldo de Barros 11 e Ruben Martins 12, o designer Alexandre Wollner, e o
sócio administrador Walter Macedo. A esse grupo veio se somar o alemão Karl Heinz
Bergmiller13, que, como Alexandre Wollner, era ex-estudante em Ulm. A equipe conseguiu
cartela significativa de clientes, sobretudo na área gráfica, mas também de embalagens e de
poucos produtos industriais, entre os quais o ferro de passar e a lavadora de roupas da fábrica
Prima; alguns poucos produtos para a fábrica de armários de aço Securit e para a fábrica
Pereira Lopes/Ibesa de refrigeradores.
(Imagens 114,115, 116)
É de notar que em São Paulo, em 1963, foi criada a primeira agência dedicada ao desenho
estrutural e comunicacional de embalagens, a DIL, abreviação de Desenho Industrial Ltda, cujo
fundador, Antonio Muniz Simas, viera do mundo das agências de publicidade e que alternava,
em seus primeiros anos de trabalho, soluções derivadas tanto da matriz construtiva quanto de
influências revisitadas do art-nouveau e de padrões ecléticos adotados nas embalagens norteamericanas. Seus clientes foram prioritariamente indústrias multinacionais que, ao se
instalarem no Brasil ou ampliarem aqui sua atuação, criaram uma demanda por embalagens de
novo tipo, a serem vendidas em supermercados, criados nessa época, e não mais em
armazéns ou vendas.
Nove anos depois de fechado o IAC, em 1962, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo (FAU-USP) criou as seqüências de disciplinas de Desenho
Industrial e de Programação Visual, acatando essas áreas como pertencentes ao domínio da
formação dos arquitetos.
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No ano seguinte, no Rio de Janeiro, cidade que perdera o estatuto de capital federal e cujo
parque industrial era bem menor que o de São Paulo, foi criada a Escola Superior de Desenho
Industrial (ESDI), baseada no modelo da Escola de Ulm e independente das escolas de belas
artes e de arquitetura. Foi ainda nesse ano que surgiu, em São Paulo, a primeira entidade
representativa da categoria profissional dos designers, a Associação Brasileira de Desenho
Industrial (ABDI). No início dos anos 60, portanto, a atividade de designer industrial já era
reconhecida institucionalmente.
O design a serviço do Estado e o design da contracultura
Nesse período, o país viveu ameaças constantes às suas frágeis instituições democráticas, até
que, em 31 de março de 1964, os militares destituíram o presidente João Goulart e deram
início a uma ditadura que perdurou durante duas décadas.
A política dos generais que comandaram o Estado brasileiro, a partir de 1964, foi de reduzir os
direitos políticos e sociais e de comprimir os salários dos trabalhadores sem qualificação,
imensa maioria da população brasileira. O discurso predominante era o de “fazer crescer o bolo
para depois distribuí-lo”. O Estado, que já aumentara seus efetivos nas áreas sociais nos anos
anteriores, cresceu enormemente durante o governo militar, abrigando grandes parcelas de
tecnocratas.
Empresas estatais já existentes, como a Petrobras, modernizaram então sua imagem e
ampliaram sua atuação. O escritório de Aloísio Magalhães 14, Programação Visual Desenho
Industrial (PVDI), com sede no Rio de Janeiro, desenvolveu nesse período uma série de
trabalhos para o Estado, tais como o desenho das novas cédulas de dinheiro (1966); a marca
do Ministério das Relações Exteriores e da Light (1966), a nova identidade da Petrobras (1970)
e da Hidrelétrica de Itaipu (1974), projeto binacional entre Argentina e Brasil. Também
indústrias privadas e bancos passaram a ser clientes desse escritório, sobretudo na área
gráfica.
Box: Havaianas
Inspiradas nas sandálias japonesas que recebem o nome de Zori, as sandálias Havaianas
começaram a ser fabricadas pela empresa São Paulo Alpargatas em junho de 1962. Esse
produto, feito de borracha 100% nacional, matéria-prima muito barata e disponível na empresa,
permaneceu exatamente com o mesmo design ao longo dos 30 anos seguintes. Confortáveis e
de baixo custo, acabou-se transformando em artigo de massa, calçando milhões de
brasileiros. Para ter uma idéia do alcance social das Havaianas, elas chegaram a ser incluídas,
nos anos 70/80, na cesta de preços regulados do Comitê Interministerial de Preços (CIP) –
órgão do governo brasileiro.
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Foi apenas a partir de 1994, com a entrada no mercado de produtos similares, é que a fábrica
diversificou a linha das Havaianas, que passaram a ser oferecidas em diversas cores e
receberam grande impulso de marketing. Nos anos 90 o reposicionamento da marca fez que
passassem de produto popular a item de moda, figurassem em capas de jornais e revistas
internacionais e ganhassem o mercado mundial.
Atualmente podem ser encontradas na Europa, onde chegam a custar US$ 20 o par, preço
muito acima dos US$ 3 que custa, em média, no Brasil. Desde o lançamento, a Alpargatas
estima que tenha fabricado e vendido mais de 2,2 bilhões de pares.
Nos 10 anos que vão de meados da década de 60 a meados da década de 70, o sistema
bancário brasileiro mostrou enorme vitalidade. Nesse período, pelo menos sete bancos 15
tiveram suas identidades visuais criadas por Aloísio Magalhães e dois 16 por Alexandre Wollner.
Brasília cresceu e foram aceleradas as mudanças das sedes de instituições republicanas para
a nova capital. Várias empresas de móveis modernos de escritórios que já vinham mobiliando
ministérios e palácios do governo, foram chamadas a equipar as agências governamentais.
Móveis Teperman, Oca, L’Atelier e Mobilínea, muitas com oficinas instaladas em Brasília desde
1959, cresceram nesse período, passando a atender também as sedes de empresas e bancos
internacionais que se instalavam no Brasil. O próprio Joaquim Tenreiro, considerado um
pioneiro do móvel moderno brasileiro, executou as cadeiras da sala de jantar do Palácio do
Itamaraty, seu último trabalho como designer/manufator, já em 1967.
Em São Paulo, o escritório Cauduro & Martino abriu suas portas em 1964 para atender clientes
nas áreas de arquitetura, design de produtos e identidade corporativa. Uma das primeiras
empresas para a qual desenvolveu programa de identidade visual e sinalização foi a estatal
Companhia de Energia de São Paulo, em 1966. Em seguida, trabalhou para o grupo Villares,
siderúrgica e fabricante de elevadores. Esse é um caso raro em que uma empresa privada
brasileira de alta tecnologia investiu em design, não apenas na identidade corporativa, mas
também no desenho dos elevadores, em programas internos de sinalização e no planejamento
de sua fábrica.
Durante a ditadura, a TV Globo iniciou sua atuação no Rio de Janeiro, expandindo-se
rapidamente e formando, a partir de 1969, uma rede em todo o país. Foi um período de
expansão da indústria cultural de novo perfil. A Editora Abril tornou-se o maior grupo editorial
brasileiro nos anos 60, e não estava ancorado em qualquer jornal diário, apenas em revistas
dirigidas a públicos específicos como o feminino (revista Claudia, 1961), os proprietários de
automóveis (revista Quatro Rodas,1960) e também a chamada revista semanal de informações
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e variedades (revista Veja, 1968). Em março de 1966 surgiu a revista Realidade, com tiragem
inicial de 250 mil exemplares (em pouco mais de seis meses chegou a 485 mil, número
expressivo num Brasil de grande percentagem de iletrados). O projeto gráfico ficou a cargo de
Eduardo Barreto que se inspirou em revistas de outros países, como a francesa Paris-Match, e
as alemãs Stern e Twen. Apresentava diagramação limpa e fazia da fotografia elemento de
informação tão denso quanto o texto.
(Imagens 118, 119 e 120)
Os jornais também se modernizaram e, em São Paulo foi lançado, em 1966, o Jornal da Tarde,
com grande inovação no uso da fotografia, principalmente na primeira página que ganhou o
nome de “capa-pôster”. As imagens receberam espaço e importância igual ou maior do que o
conteúdo editorial, repercutindo a importância que a cultura visual –via televisão– encontrava
no Brasil.
As formas de lazer mudaram aceleradamente com a expansão da indústria cultural. No Rio
Grande do Sul, ainda em 1964, a tradicional fábrica de acordeons Todeschini, ao perceber que
fecharia suas portas, pois as vendas do instrumento musical se reduziam mês a mês, convidou
os designers José Carlos Bornancini e Nelson Petzold para estudarem seus equipamentos e
proporem uma alternativa de produtos. Os dois optaram por móveis componíveis de cozinha,
fabricados com aglomerado e destinados a equipar empreendimentos imobiliários das grandes
cidades. A verticalização e a conseqüente redução do espaço da moradia contribuíram ainda
mais para o processo de industrialização dos móveis que passaram a incorporar modulação.
Ao mesmo tempo em que a indústria cultural se expandia, surgiram movimentos sociais e
artísticos de oposição à ditadura militar. Artista gráficos realizaram projetos para o teatro, a
música e o cinema de contestação, que tinham seu público principal na população universitária
que crescera extraordinariamente. Um desses artistas foi Rogério Duarte que, em 1963, criou,
entre outros trabalhos, o cartaz para Deus e o Diabo na Terra do Sol, filme de Glauber Rocha,
ligado ao movimento que ficou conhecido como Cinema Novo17. No final da década de 60 e
durante a década de 70, Duarte criou algumas capas para discos de expoentes da Tropicália18,
como Caetano Veloso e Gilberto Gil, entre outros, apropriando-se de elementos da cultura pop
internacional.
Na cultura visual brasileira, esse foi um momento de intensa apropriação de referências
externas, que quebrou com os padrões construtivos legados pelo concretismo e pela forte
influência da gráfica suíço-alemã no Brasil. O design provou uma série de novos elementos
formais oriundos de fontes tão diversas como a pop-art, o psicodelismo, a op-art e o revival da
tipografia e do estilo gráfico do art-nouveau.
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O recrudescimento da ditadura militar a partir da decretação do ‘Ato Institucional nº 5’, em
dezembro de 1968, teve repercussões muito grandes na vida cultural do país. Cinema, teatro,
música e jornalismo ficaram sujeitos à censura prévia. Reprimindo ferozmente os círculos de
oposição política, a ditadura militar brasileira implantou uma modernização autoritária e
excludente. O consumo cresceu entre as elites e as novas classes médias, e também para
todos aqueles que se haviam incorporado, mesmo que com baixos salários, aos setores
produtivo e de serviços e à grande massa de funcionários públicos. No entanto, grande parte
da população que se reproduzia em altas taxas, permanecia na miséria, especialmente a
população rural, apesar do grande crescimento econômico do período, conhecido como
milagre da economia brasileira.
O design na esfera cultural
No começo dos anos 70, em resposta à repressão, surgiram vários jornais ditos alternativos,
que reuniam jornalistas e artistas gráficos de oposição ao regime militar. Alguns privilegiavam
questões culturais e comportamentais e eram vinculados a grupos sociais e/ou políticos
específicos; outros reuniam pessoas com distintas concepções político-culturais. Os projetos
gráficos desses veículos eram muito diversos, alguns reproduziam padrões de publicações
internacionais, enquanto outros criavam internamente seus próprios projetos.
Em contraposição ao intelectualizado Cinema Novo nasceu, no final da década de 60, um
gênero denominado “pornochanchada”, herdeiro das chanchadas 19 dos anos 50. A produção
em série desses filmes caracterizava-se por conformar-se como verdadeira indústria. Eram, na
verdade, películas levemente eróticas, sem sexo explícito e despolitizadoras, incentivadas pelo
próprio governo. Apesar do baixo nível cultural dessa produção, seus cartazes demonstram
certa maestria gráfica. O maior cartazista de cinema neste período foi José Luiz Benício da
Fonseca, conhecido apenas como Benício.
Uma iniciativa com ares contraculturais na área do ensino que merece ser mencionada é a do
Instituto de Artes e Decoração –iadê (com minúsculas, referência à tipografia bauhausiana)–,
escola fundada em 1960, em São Paulo, como curso de decoração, mas que, a partir de 1965,
dedicou-se ao design de objetos e gráfica para alunos de nível secundário. Experimental, o
curso teve seu auge em 1968, ano emblemático de contestação ao sistema de ensino, que
encontrou nessa escola ambiente propício de liberdade e quebra de fronteiras disciplinares.
As cidades: circulação e mobiliário urbano
Sob a direção dos governos autoritários federal, estaduais e municipais, fizeram-se obras
significativas em algumas grandes cidades brasileiras, visando responder tardiamente ao brutal
crescimento urbano dos 15 anos anteriores. Antes disso, em 1967, houve tentativa por parte da
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Prefeitura de São Paulo, de fabricar móveis urbanos –foi realizado projeto de peças em
concreto e pré-moldado pelos arquitetos Abrahão Sanovicz, Julio Roberto Katinsky–,
Massayoshi Kaminura e o artista plástico Bramante Buffone. No entanto, a implantação só se
efetivou experimentalmente com poucos elementos produzidos e instalados na cidade.
(Imagens 121. 122)
Em São Paulo (1974) e no Rio de Janeiro (1979) inauguraram-se linhas de metrô, resultado de
projetos de engenharia nacionais. Os vagões, a identidade visual, o sistema de sinalização e
mesmo aspectos ligados aos pontos de venda dos bilhetes integram projetos específicos de
design. No Rio de Janeiro e em São Paulo, os vagões foram desenhados pela equipe de
Roberto Verschleisser20.
Em São Paulo, a segunda linha, chamada de Leste-Oeste (1979), recebeu importantes
contribuições do Grupo Associado de Pesquisa e Planejamento (GAPP), escritório de
engenharia e design fundado por Sérgio Augusto Penna Kehl, em 1976, para participar da
concorrência dos projetos dos trens dessa linha. Ao vencê-la, dedicou-se a estudos
antropométricos e ergonômicos que foram incorporados ao projeto. O redesenho do trem da
Leste-Oeste ampliou o espaço de visão do operador, fazendo a indústria brasileira fabricar,
pela primeira vez, vidros curvos de grandes proporções. Os bancos dos vagões, fabricados em
poliéster reforçado com fibra de vidro, foram facetados, de forma a impedir que os passageiros
escorregassem. Também o sistema de barras de apoio dos vagões foi pensado para estimular
os passageiros a se distribuírem melhor nos corredores, desobstruindo as entradas dos carros.
E, por fim, a solução de comunicação do guichê de vendas de bilhetes substituiu o tradicional
orifício no vidro por um rasgo vertical, solução dita de compromisso, estabelecida pelos
estudos ergonômicos, para atender a qualquer altura do bilheteiro e do passageiro.
A melhoria do transporte público e da comunicação era um imperativo nas grandes cidades
brasileiras. As empresas de telefonia, todas estatais, não davam conta da demanda por linhas
residenciais e comerciais, mas implantaram, nesse período, rede de postos públicos de
telefone. Em São Paulo, no ano de 1971, foi projetado pela arquiteta Chu Ming Silveira,
funcionária da Companhia Telefônica Brasileira, o equipamento ovóide, de fibra de vidro,
batizado pela população de orelhão, que em poucos anos, se espalhou pelo Brasil.
Em São Paulo, o governo municipal (cujo prefeito não era eleito e sim nomeado pelos militares)
delegou a remodelação da avenida Paulista, novo centro financeiro da cidade, ao escritório
Cauduro & Martino. Inaugurado em 1973, tratou-se de programa completo de mobiliário,
nomenclatura das ruas, sinalização, desenho de pisos e paisagismo (esse executado pela
arquiteta Rosa Grena Kliass). Todo o programa foi implantado sem discussão de qualquer tipo,
o que se torna impossível em períodos democráticos.
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Na cidade de Curitiba (estado do Paraná), o prefeito interventor desse período foi o arquiteto
Jaime Lerner, que também conduziu um processo amplo de reforma urbana, fechando alguns
quarteirões do centro da cidade para a passagem de veículos e mobiliando-o com peças que
marcaram época: domos de acrílico roxo. A partir de então, Curitiba tornou-se a cidade que
mais incorporou o design de mobiliário urbano, constituindo-se exceção no panorama das
cidades brasileiras. A pequena cidade de Criciúma, no estado de Santa Catarina, seguiu seu
exemplo, realizando nos anos 70 grande operação de renovação urbana, que incorporou o
design de abrigos de ônibus, bancos públicos e outros, projetada pelo arquiteto e designer
Manoel Coelho, 21 ex-integrante da equipe de Lerner.
Auto-serviço
Durante a década de 70, o auto-serviço como modelo de varejo, teve grande expansão,
destruindo muito do pequeno comércio das cidades. Empresas do chamado agronegócio se
fortaleceram, passando a ter nos supermercados canais massivos de distribuição de seus
produtos. Um caso expressivo desse negócio, que mobilizou ações importantes de
acondicionamento e comunicação, foi o da empresa Sadia que, além de contratar uma das
mais importantes agências de publicidade, a DPZ, entregou seus problemas de embalagens à
DIL, que ficou encarregada do projeto dos invólucros de frangos e perus, entre outros itens,
que seriam não só consumidos no mercado interno, mas exportados para países tão distantes
como a Arábia Saudita.
O auto-serviço chegou a tal estágio, que, nesse período, a empresa Mobília Contemporânea
aliou-se à Editora Abril para vender estantes de livros em bancas de jornais, e à rede de
supermercados Peg-Pag para comercializar móveis populares. Essa foi uma de suas últimas
tentativas de se manter no mercado. Em 1974 fechou suas portas, como muitos dos
arquitetos/empresários de móveis modernos dos anos anteriores que se viram às voltas com
grandes dificuldades financeiras.
No interessante caso da L’Atelier, o arquiteto polonês Jorge Zalszupin, seu fundador, vendeu-a
para o grupo empresarial brasileiro Forsa, proprietário da Labo Computadores, da Ferragens
Brasil e da Hevea. Manteve-se como diretor de desenvolvimento de produtos do grupo e
incorporou em sua equipe Paulo Jorge Pedreira e Oswaldo Mellone22, designers formados pela
ESDI e pelo curso de desenho industrial da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), de
São Paulo, respectivamente. Na Hevea foram desenhados e fabricados diversos utensílios
plásticos como baldes e bandejas de gelo, pequenos armários multiuso, numa estratégia de
massificação e segmentação mercadológica, o que ocorreu, especialmente com a linha Eva,
especificamente voltada para as classes médias.
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(Imagens 123, 124, 125 e 126)
Esse, aliás, foi um setor que cresceu: utensílios domésticos de plástico, que tinham como canal
de venda os supermercados. Outras empresas que se destacaram na área foi a Goyana (de
São Paulo), que também fabricava móveis; e a Ventura, fundada em 1978, cujo dono,
Alessandro Ventura, era arquiteto formado pela FAU-USP. Nos anos 70, abriu escritório de
desenho industrial em São Paulo, onde realizou projetos de produtos para diferentes
empresas, como a Deca (metais sanitários), a Wallig (fogões) e a Sunbeam (circuladores de
ar), entre outros
Opções estratégicas
Ao longo dos anos 70, o design parecia entrar em rota de incorporar-se a iniciativas
estratégicas do país, na modernização de produtos industriais e na política das multinacionais
de desenvolver alguns projetos autóctones, adequados não só ao mercado interno, mas
também a países da América Latina, da África e da Ásia.
Em 1973, o Ministério da Indústria e Comércio lançou um programa de incentivo ao design,
imediatamente aproveitado pelo Instituto de Desenho Industrial (IDI) do Museu de Arte
Moderna do Rio de Janeiro, fundado em 1968 por Karl Heinz Bergmiller. Antes dedicado à
divulgação do design por meio de exposições, o IDI realizou, então, grande programa de
normatização de embalagens, pensadas para a exportação de produtos brasileiros. Foram
realizados projetos-piloto para a indústria têxtil, café solúvel, auto-peças, louças e laranjas in
natura, em suco e em geléia.
Outra iniciativa voltada à exportação partiu da Interbrás, agência de comércio exterior da
Petrobras, que organizou um grupo de empresas, em 1975, para vender automóveis,
televisores, refrigeradores e outros bens de consumo duráveis nos mercados emergentes.
Fabricados por diversas indústrias, os eletrodomésticos ganharam todos uma só marca: Tama,
desenhada pela DIL, que se encarregou dos folhetos e do material promocional de pontos de
venda. O objetivo era ampliar o mercado africano para produtos brasileiros, a partir da Nigéria,
de quem o Brasil comprava grande quantidade de petróleo.
(Imagens 129, 130 e 131)
Exportar foi também a perspectiva de algumas indústrias. A multinacional Volkswagen abriu a
possibilidade de projetar em sua fábrica brasileira novos modelos de automóveis, mais
compatíveis com o mercado interno –que sofria forte crescimento com o consumo das classes
médias–, e também adequados para países da América Latina, Ásia e África. O modelo
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Brasília foi desenvolvido no início da década, por uma equipe interna da fábrica, coordenada
pelo designer Márcio Piancastelli23, a partir do chassis do velho fusca. O Brasília se revelou um
automóvel de uso misto (passeio e trabalho), que resolveu vários dos problemas do “fusca”,
inclusive o da visão do motorista, ao aumentar consideravelmente as superfícies de vidro. A
partir de então, com o êxito do modelo, a VW do Brasil apresentou vários projetos próprios,
muitos deles exportados para o mercado latino-americano, asiático e africano.
O design se vinculava a projetos de alta tecnologia. A Embraer, empresa de capital misto para
fabricação de aviões, lançou, ainda no começo dos anos 70, os modelos Bandeirante, de
passageiros, e Ipanema, dirigido ao mercado agrícola, marcos notáveis da capacidade de
projeto e da realização industrial brasileira. A Embraer incorporou designers à sua equipe, que
cuidavam sobretudo dos interiores das aeronaves.
Logo após a crise do petróleo de 1973, o governo brasileiro decidiu investir num programa de
combustível alternativo, o álcool extraído da cana-de-açúcar, projeto que mobilizou a área
acadêmica e tecnológica nacional e que se chamou Pró-Álcool.
Em 1975, os militares instalaram no Rio de Janeiro no Instituto Nacional de Tecnologia (INTRio de Janeiro) um núcleo de designers e engenheiros que deveria dar suporte aos projetos
tecnológicos oficiais. Assim, em 1981, veio a público o equipamento agrícola para afofar solos
que melhorava as condições de colheita manual e, em 1983, uma colhedeira de mandioca,
outra possível fonte de energia alternativa. No entanto, o INT –que poderia ter sido grande
centro de pesquisa em design com ampla perspectiva, já que vinculado a programas
estratégicos governamentais– teve sua atuação violentamente reduzida pelos rumos do país.
Box: O filtro de barro
O filtro de barro é um produto ausente das sociedades modernas, que tratam a água de forma
centralizada. No Brasil é produto tradicional, produzido principalmente por empresas do interior
do Estado de São Paulo. Trata-se de recipiente de cerâmica vermelha, revestido internamente
com prata coloidal, e que contém uma vela de carvão aditivado. A água colocada no recipiente,
passa pelas partículas de carvão aditivado que retém as impurezas. Além de filtrar, a cerâmica
mantém a água sempre em temperatura agradável.
Produzido desde os anos 30, nada indicaria que fosse objeto passível de redesenho, já que o
mais provável é que desaparecesse com o avanço dos processos de tratamento de água. No
entanto, não só o filtro continua sendo produzido, como já foi alterado algumas vezes por
designers industriais. Um dos redesenhos foi de Cauduro & Martino, em 1998. Outro, mais
recente foi realizado sob a direção de Roberto Werneck, que utilizou a prata coloidal para
revestir também externamente o recipiente cerâmico, eliminando o mofo causado por fungos
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que se reproduziam na superfície úmida. O filtro (conhecido como São João) ganhou uma
espécie de calota plástica e recebeu o prêmio Industrie Form, de Hanôver, na Alemanha. Hoje
ele é exportado para muitos países, onde ainda não se toma água da torneira.
(Imagens 127 e 128)
1980-1990. Da crise à globalização
Os anos 80, que muitos já chamaram de ‘década perdida’, marcam o declínio do crescimento
econômico dos trinta anos anteriores. O Brasil mudara sua feição. De país predominantemente
rural, passou a ter perfil industrial e urbano. No começo da década, a população das cidades
somava 80 milhões de pessoas, num total de 120 milhões de brasileiros.
Os designers, então, já eram muitos, formados pelos cursos de desenho industrial criados ao
longo das décadas de 60 e 70. A primeira associação profissional, a ABDI, encarregara-se de
difundir o design, não de defender a nova categoria profissional. Assim, formaram-se, em
vários estados brasileiros, associações de caráter sindical, como a Associação Profissional de
Desenhistas Industriais, em 1978.
No entanto, os designers desta geração –muitos arquitetos de formação–, perceberam que
teriam de criar o próprio trabalho, transformando-se em empreendedores, alguns deles
enfrentando o desafio de projetar e produzir sem tornar seus produtos inacessíveis às classes
médias que se pauperizavam.
Em 1978 foi aberta uma loja que logo se transformaria em cadeia: Tok Stok –espécie de Ikea
brasileira que pretendeu servir de alternativa às classes médias brasileiras, apostando em
desenhos limpos a preços razoáveis. Aos poucos a cadeia de lojas se tornou uma imensa
empresa de varejo que mantém até hoje um relacionamento com designers empreendedores,
especialmente os jovens, e que procura baixar preços a qualquer custo.
Os empresários brasileiros e as multinacionais retraíram seus investimentos que, aliás, nunca
foram significativos, no desenvolvimento de novos produtos.
A estagnação econômica acompanhada de alta inflação, que em 1989 chegou a 1782,90%24 no
ano, destruiu o poder de consumo das camadas pobres e médias. No entanto, a pequena
parcela rica da sociedade brasileira não só continuou rica, como sofisticou seu universo de
consumo. Os designers manufatores que, junto com as lojas de decoração se voltaram para
esse mercado, ganharam espaço e, em alguns casos, exacerbaram a sofisticação artesanal,
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reverberando o design italiano que empreendia, no mesmo período, severa crítica ao
racionalismo.
Estabeleceram-se, nesses anos de fim de ilusões, alguns negócios de designers,
encarregados, simultaneamente, do projeto, da execução (geralmente manufatureira) e da
venda de objetos destinados às parcelas mais ricas da sociedade brasileira. Fúlvio Nanni e
Carlos Motta são exemplos dessa postura, que remonta a William Morris e ao Arts and Crafts,
só que despida de sua fundamentação utópica. Também os mediáticos irmãos Campana25
surgiram nesse período com a criação de objetos, cujo fim não era a produção em série, mas a
crítica ao funcionalismo. Objetos, sobretudo domésticos, em pequena escala, passaram a ser
vendidos em galerias de arte/design a preços altos e destinados às camadas mais privilegiadas
economicamente. Foi também o caso da marcenaria de Etel Carmona, inaugurada em São
Paulo no final dos anos 80 que fabrica até hoje móveis utilizando madeiras nobres, com
desenho, entre outros, de Claudia Moreira Salles 26.
(Imagens 132, 133 e 134)
Mesmo aqueles que acreditavam na produção seriada não encontraram, muitas vezes,
ambiente empresarial propício para a inovação. Foi o caso dos jovens Giorgio Giorgi Jr. e
Fábio Falanghe, titulares do estúdio Objeto Não Identificado, que desenvolveram projetos para
a indústria –só que não conseguiram investidores, passando a produzir, eles próprios seus
objetos, como a mesa de ferro empilhável Zero (1987) e a luminária SSS (1988)–, que inovou
no mecanismo do giro da haste, e que acabou sendo produzida, inicialmente pela pequena
fábrica paulistana Lumini e, em seguida, pela multinacional italiana Artemide.
O mercado de consumo se retraiu com o declínio do crescimento econômico. O Estado reduziu
seus investimentos em áreas como educação, saúde e planejamento urbano. Um bom
termômetro dessa nova situação foi o escritório Cauduro & Martino, que desenvolvera vários
projetos para instâncias governamentais, e que a partir dos anos 80, passou a atender quase
exclusivamente grandes empresas, entre elas algumas multinacionais como a White Martins, a
Johnson & Johnson e a Rhodia e também bancos como o Bradesco.
Uma renovação do sistema bancário fez emergir como potências o Bradesco e o Itaú, que
investiram, cada um a seu modo, na identidade corporativa por meio de arquitetura, da
identidade visual e suas aplicações, do desenho dos talões de cheques ao desenho dos caixas
automáticos, implantados nas ruas das cidades.
Nos anos 80, uma iniciativa no campo do ensino, promovido pelo governo federal e pelo
governo estadual de Santa Catarina, no sul do país, veio renovar as práticas dos docentes e
dos profissionais brasileiros: o Laboratório Brasileiro de Desenho Industrial, aberto em 1983,
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em Florianópolis, capital do estado, e dirigido pelo designer alemão Gui Bonsiepe, consultor do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Os sucessivos
encontros de docentes, os cursos com profissionais estrangeiros e os seminários abriram a
perspectiva de fundação de uma Associação de Ensino de Design (AEnD), prenúncio da
importância que a educação em design viria a assumir na década seguinte.
A globalização no comando
A partir dos anos 90, o governo de Fernando Collor, primeiro presidente eleito por sufrágio
universal após a ditadura, abriu o país à entrada de produtos industrializados estrangeiros,
antes sujeitos a altos impostos ou à reserva de mercado –como no caso da informática. A
política neoliberal entrou em cena, fazendo que muito do patrimônio público fosse vendido a
empresas privadas internacionais. Telecomunicações, energia elétrica e até o grande orgulho
nacional, a Embraer, passaram a mãos privadas.
Escritórios de design voltados a projetos estratégicos, como o GAPP –que, além dos projetos
do metrô de São Paulo, realizara projeto de restauração para trens de linhas públicas; e de
estações de trabalho para refinarias de empresas estatais– foi reduzido (chegara a ter 85
funcionários entre 1982-1987) até praticamente desaparecer.
Com o escritório Forma/Função aconteceu praticamente o mesmo. Surgido em 1978, com
projetos na área de aparelhos médicos e odontológicos e equipamentos de escritório como a
teleimpressora da empresa Lapsen, entre outros, teve de diminuir seu quadro de funcionários e
reorientar suas atividades para a área gráfica e de embalagens, até 1997. Aí, então, seu titular,
John Ulf Sabey, voltou a desenvolver, com apenas dois colaboradores, produtos na área
médico-hospitalar.
A globalização acelerada nos anos 90 provocou grande número de vendas de empresas
brasileiras a multinacionais. Havia a impressão de que o Brasil fora posto à venda. Desde
empresas ligadas à tecnologia como a Metal Leve até empresas de eletrodomésticos como a
Walita e a Arno passaram a pertencer a grupos internacionais. A Oca, que há muitos anos
pertencia a um grupo empresarial brasileiro, foi vendida para a Steelcase International; a
Mobilinea para o Global Group e a Dako para a GE; a Prosdóscimo, fábrica de
eletrodomésticos do Paraná, foi incorporada pela Electrolux.
A entrada de produtos estrangeiros e a internacionalização das empresas acentuaram o papel
relevante das embalagens, o que fez aumentar o domínio do design gráfico e o crescimento
desse campo como área específica. A importância cada vez maior dada às marcas e à sua
gestão –o branding– e menor à produção ampliou ainda mais o mercado de design gráfico no
país. Também o comércio tradicional sofreu muito com a proliferação dos shopping-centers e o
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surgimento das grandes redes de franquias, para as quais a identidade corporativa e as
embalagens são aspectos fundamentais. Além disso, a competição acirrada entre grupos,
nacionais e internacionais, obrigou as empresas a mudanças cada vez mais velozes em seus
instrumentos de comunicação. Criou-se, assim, a necessidade obsessiva da marca, adotada
também pelo pequeno comerciante, pela pequena indústria e até pelos prestadores de
serviços.
Porém, esse mercado foi ameaçado pela concorrência de grandes escritórios de design norteamericanos e europeus –caso da mudança dos programas de identidade da Varig e do
Bradesco, pela Landor; o que fez surgir a necessidade de defesa do mercado interno de
profissionais.
Em 1989 foi criada, com sede em São Paulo, a Associação dos Designers Gráficos do Brasil
(ADG), que, no ano de 1992, lançou a 1ª Bienal de Design Gráfico, que veio a se tornar o
termômetro da produção brasileira nessa área. Desse período em diante, intensificou-se o
debate em torno de questões como a ‘identidade brasileira’ no design, característico da
propaganda da globalização, que preconiza o fortalecimento das identidades regionais –
geralmente pastiches de hábitos locais –e recurso de proteção do mercado profissional contra
a concorrência externa.
Os anos 90 viram surgir a figura do patrocinador privado da cultura, a partir de lei federal de
renúncia fiscal. O Estado passou a transferir para a iniciativa privada o investimento cultural.
Na área editorial, essa política gerou uma série de projetos de coffee table books e livrosbrindes das empresas, luxuosamente paginados e encadernados, que configuraram um
mercado para editoras, designers e indústrias gráficas. Essas últimas modernizaram seu
parque gráfico ao longo da década 90, adequando-se, inclusive, às novas tecnologias da
informática.
Nessa década deu-se o fenômeno do crescimento desenfreado dos cursos de ensino superior
de design, num quadro cada vez maior de ensino privado, geralmente de qualidade
questionável. A educação em design se tornou, antes de tudo, um negócio e, seguindo o rumo
‘global’, instalaram-se no Brasil, a partir de 2002, escolas vocacionais estrangeiras de design,
como a Miami Ad School e o Istituto Europeo di Design.
A criação de editoras voltadas para a publicação de livros de design indica que a produção de
conhecimento e registro dos trabalhos da área começou a ganhar espaço no país e visou
atender o crescente mercado de ensino de design, hoje com mais de trezentos cursos
universitários privados em todo o país. Também surgiram os cursos de pós-graduação,
incorporando, de forma perversa, muitos recém-formados que, sem alternativas de trabalho,
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continuam seus estudos, amparados por bolsas ou trabalhando como professores de nível
universitário.
Design no âmbito municipal
No âmbito local, a prefeitura de esquerda de Luiza Erundina (1989-1992) em São Paulo
permitiu que fosse desenvolvido um projeto alinhado com preocupações sociais e ambientais.
Tratou-se dos brinquedos públicos de Elvira de Almeida, que aproveitavam sucata urbana, tais
como postes de eucaliptos e hastes metálicas de iluminação derrubados por tempestades. A
mesma designer desenvolvera anteriormente um sistema de mobiliário com peças
padronizadas a ser construído com facilidade, e destinado aos conjuntos habitacionais
populares.
No Rio de Janeiro, o secretário de Urbanismo, arquiteto Luis Paulo Conde, deu início, em
princípios dos anos 90, a um programa de melhorias urbanas intitulado Rio Cidade. Diversos
escritórios de arquitetura assumiram o trabalho, cada um ocupando-se de um ou mais bairros.
Todos apresentaram propostas de mobiliário urbano desenvolvido localmente. Foi nesse
período que Guto Índio da Costa projetou o conjunto de itens –cabine telefônica, abrigo de
ônibus, luminária urbana e bancos de rua– muitos até hoje no bairro do Leblon, apesar de não
terem recebido qualquer manutenção.
(Imagem 135)
O saldo neoliberal dos governos dos anos 90 foi o repasse de uma série de responsabilidades
do Estado para organizações não-governamentais. Programas de aproximação entre designers
e artesãos pobres foram instituídos, com o objetivo de criar consultorias para que os artesãos
passassem a vender objetos, muitas vezes ligados a ciclos de moda, para os grandes centros
urbanos. O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), organismo
governamental, criou um programa nesse sentido, que vem se tornando alternativa de trabalho
para designers. Despolitizado, o programa transforma esse profissional em mero consultor
mercadológico e não cria condições de autonomia dos artesãos (que, muitas vezes nada têm
de artesãos, constituindo grupos informais de ex-presidiários ou de mulheres de bairros pobres
capazes de realizar trabalhos manuais).
Os anos 90 viram surgir também o personagem do designer internacional. Certamente quem
ocupa esse lugar no design brasileiro é Guto Indio da Costa27 que atende multinacionais como
a Dako/GE, no projeto de eletrodomésticos e a JC Decaux no de mobiliário urbano. Atua
também em pequenas empresas de produtos populares como a Aladdin, para a qual projetou
garrafas térmicas desenvolvidas para competir com produtos baratos e importados da China. É
notável o caso do ventilador Spirit, projeto que salvou da falência uma indústria carioca de fitas
K7, e que é vendido tanto em redes de lojas populares quanto em comércio sofisticado. Seu
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escritório trabalha também na concepção de produtos de luxo, como iates e a banheira
Smarthydro, concebida para a empresa Innovative House.
Foi durante a década de 90 que os irmãos Campana se tornaram estrelas internacionais, ao ter
alguns de seus projetos editados por empresas italianas e vastamente divulgados. Seu caráter
mediático pode ser entendido na busca que os mercados saturados têm por novos produtos –
em verdade novos símbolos do chamado consumo de grifes no mundo globalizado.
(Imagens 136, 137 e 138)
Há ainda o caso de empresas brasileiras que se tornaram multinacionais, como a Marcopolo,
de ônibus. A empresa vem produzindo uma série de modelos, desde 1949, quando foi fundada.
A opção rodoviarista do Brasil, e também do conjunto da América Latina, possibilitou seu
crescimento. Nos anos 90, abriu fábrica em Portugal. As carrocerias são montadas sobre
chassis Volvo, Scania, Mercedes Benz ou Volkswagen. A empresa desenvolveu os ônibus
biarticulados, que passaram a compor as frotas de ônibus urbanos de muitas cidades
brasileiras. Em 1997, o designer Oswaldo Mellone foi encarregado de desenvolver com a
equipe de design e engenharia um ônibus para curtas distâncias, que trafegaria em São Paulo,
o VLP (Veículo Leve sobre Pneumáticos), projetado para correr sobre canaletas. Mas esses
exemplos nem de longe resolveram os graves problemas de transportes das grandes cidades
brasileiras, onde a opção por veículos individuais vêm, ao lado da especulação imobiliária,
sufocando o espaço público urbano.
A produção industrial brasileira tornou-se, ao longo desses cinqüenta anos, muito diversificada.
Apesar de, nos últimos anos, muitos economistas alertarem para o fenômeno da
desindustrialização, surgiram, nas últimas décadas alguns fabricantes que sentiram
necessidade de atender o mercado de produtos baratos, de aparência sempre renovada e que
competem com artefatos chineses. Entre elas estão a Coza, do Rio Grande do Sul, que produz
itens domésticos em plástico, para a qual trabalham designers como Nelson Petzold, José
Carlos Bornancini e Valter Bahcivanji28. Também a Mueller, indústria de Santa Catarina
fundada nos anos 50 que, de fabricantes de rudimentares ‘máquinas’ de lavar feitas de barris
de madeira, transformou-se numa empresa de eletrodomésticos de plástico injetado para o
mercado popular, para a qual colabora o escritório de design Chelles & Hayashi.
Os caminhos da política e economia na segunda metade do século XX geraram uma sociedade
marcada por enorme desigualdade. O Estado brasileiro, que adotou a cartilha neoliberal a partir
dos anos 90, reduziu de forma violenta sua participação na gestão dos projetos sócioeducativos-culturais, ora relegando-os à iniciativa privada, ora estabelecendo convênios sem
qualquer controle da qualidade prestada.
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Infelizmente nesses 50 anos são raros os casos em que os designers foram convocados para
apoiar iniciativas e enfrentar questões vitais para a sociedade brasileira. Alguns poucos
projetos de mobiliário escolar foram desenvolvidos, entre eles os de Cauduro & Martino,
associado a Karl Heinz Bergmiller, para a Universidade de São Paulo, e o da equipe do
IDI/MAM na indústria Lafer. Na área da saúde, equipamentos raramente foram desenvolvidos
de forma a atender a rede pública. É importante citar a equipe de design do Hospital Sarah
Kubitschek, que desenvolveu uma série de aparelhos para reabilitação motora, entre eles a
cama maca hospitalar para tratamentos ortopédicos. Poucas também foram as oportunidades
que os designers tiveram para agir nas cidades, em equipamentos públicos (como no projeto
de sinalização da rodoviária de São Paulo nos anos 90); no sistema de transportes urbanos;
nas habitações populares –todos projetos da esfera do Estado.
O atual modelo neoliberal favorece iniciativas no mercado de consumo e, em alguns setores
industriais, como o moveleiro, há uma busca de atualização via design na tentativa de fazer
frente à competição internacional. Também favorece o mercado de elite com a recriação
constante de bens de consumo.
No entanto, tarefas mais abrangentes na área do design e que digam respeito à melhoria de
condições de vida da maioria da população, incluindo-se aí projetos nas áreas de habitação,
transporte público, educação e saúde só são efetuados pontualmente. A revisão do modelo
neoliberal com vistas à criação de uma sociedade inclusiva poderá gerar muitos campos de
trabalho para os designers.
Apenas a partir da revisão desse modelo neoliberal é que poderá ocorrer a participação, em
grande escala, do design como fator de efetivo desenvolvimento e de inclusão.
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1
[1] O nacional-desenvolvimentismo foi o conceito que forneceu a consistência ideológica ao Plano de Metas, pois,
em oposição ao nacionalismo que havia vigorado até então, aceitava a participação do capital estrangeiro no
processo de desenvolvimento do país.
2
[2] No final dos anos cinqüenta havia onze montadoras no país: Fábrica Nacional de Motores (FNM), Ford, General
Motors, International Harvester, Mercedes-Benz, Scania Vabis, Simca, Toyota, Vemag, Volkswagen e a Willys,
produzindo automóveis de passeio, utilitários e caminhões de portes diversos.
3
[3] Emilie Chamie (1926-2000) de origem libanesa, dedicou-se ao design gráfico tendo desenvolvido uma obra que
abrange desde identidades visuais como as do Centro Cultural São Paulo e do Teatro Brasileiro de Comédia, até a
criação de espetáculos de dança nos anos oitenta.
4
[4] Alexandre Wollner (1928) depois de ter cursado o IAC recebeu bolsa de estudos e estudou na HfG em Ulm
(Alemanha) entre 1955 e 1958. Ao retornar, além das atividades profissionais na área do design gráfico,
principalmente na criação de identidades visuais, dedicou-se ao ensino tendo colaborado na elaboração do curso de
design da ESDI e lecionado nessa escola.
5
[5] Estella Aronis (1932) trabalhou no escritório de Alexandre Wollner na década de 60. Posteriormente fez carreira
solo, realizando, entre outros, os projetos de sinalização dos aeroportos de São Paulo. Formou-se arquiteta nos
anos 1980 e dedica-se à arquitetura desde então.
6
[6] Ludovico Martino (1933) formou-se arquiteto na FAU-USP em 1963. Em 1964 abriu com João Carlos Cauduro a
Cauduro & Martino, escritório que se dedicou à arquitetura, design de produtos e design gráfico com ampla atuação
até os dias de hoje. Estão entre seus projetos os programas de identidade dos metrôs de São Paulo.
7
[7] Antonio Maluf (1926-2003) dedicou-se às artes plásticas, porém desenvolveu alguns trabalhos na área do
design gráfico. Entre outras obras, foi o autor do cartaz vencedor do concurso para a I Bienal de São Paulo (1951).
8
[8] Maurício Nogueira Lima (1930-1999) artista plástico, realizou logos e projetos para espaços comerciais das
feiras da empresa Alcântara Machado em São Paulo, tais como a Fenit (Feira Nacional da Indústria Têxtil), em 1958.
9
[9] José Carlos Bornancini (1923) e Nelson Petzold (1931) são formados em engenharia e arquitetura,
respectivamente, pela Universidade do Rio Grande do Sul. Trabalham juntos desde os anos 1950, tendo em seu
currículo vasto número de produtos industriais de grande complexidade, como tratores, armas, objetos de cutelaria,
(entre os quais uma tesoura que atende a destros e canhotos), baldes industriais, elevadores, móveis componíveis e
garrafas térmicas.
10
[10] Periódico diário carioca de grande circulação.
11
[11] Geraldo de Barros (1923-1998) artista plástico, designer gráfico e de móveis, foi projetista da cooperativa
operária cristã de móveis, Unilabor e um dos proprietários da fábrica de móveis Hobjeto, nunca tendo abandonado
as artes plásticas e a fotografia.
12
[12] Ruben Martins (1929-1968) apesar da curta carreira, desenvolveu projetos tanto na área do design gráfico,
quanto de produtos.
13
[13] Karl Heinz Bergmiller (1928) é um dos fundadores da Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI) no Rio de
Janeiro. Bergmiller atua como designer industrial desde sua chegada no Brasil, tendo realizado importante trabalho
para a empresa de móveis Escriba, da qual foi diretor.
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14
[14] Aloísio Magalhães (1927-1982) teve uma atuação muito diversificada. Além de designer, também foi
cenógrafo e atuou na área pública da cultura. Em 1975 coordenou instituição dedicada à documentação e análise da
cultura brasileira: o Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC), e em 1979 assumiu a direção do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
15
[15] Banco Moreira Salles (1965), atual Unibanco; Aliança (1966); do estado de Guanabara (1966); do Estado de
São Paulo, BANESPA (1966), Nacional (1971); Central do Brasil (1975) e Boa Vista (1976).
16
[16] Banco Itaú (1970) e Banco de Desenvolvimento do Estado de São Paulo (1971).
17
[17] O Cinema Novo é formado por filmes marcados por forte caráter ideológico e engajados na construção de
uma identidade sócio-político-cultural nacional. Sua produção se caracterizava pelo baixo custo, alto índice de
criatividade e forte sentimento de denúncia da realidade brasileira.
18
[18] Tropicália foi um “movimento” artístico/musical que procurou articular a tradição da música popular brasileira
com as contradições da modernização, a internacionalização da cultura, a dependência econômica e o consumo.
19
[19] Chanchadas foi o termo que se utilizou para os filmes, principalmente das décadas de 40 e 50, que buscavam
inspiração em uma estética hollywoodiana. Muitos caracterizavam-se como paródias do cinema norte-americano, às
quais eram adicionadas temas do cotidiano nacional, como anedotas e o modo brasileiro de falar e se comportar.
20
[20] Roberto Verschleisser é designer formado na primeira turma da ESDI, tendo-se dedicado ao design gráfico
de embalagens e de produtos, entre os quais um veículo de apoio ao programa de alfabetização do governo, no final
dos anos setenta.
21
[21] Manoel Coelho (1940), arquiteto formado na Universidade Federal de Paraná. Dedica-se a projetos de
arquitetura, de design de produtos e de design gráfico; realizou uma série de móveis urbanos para a cidade de
Curitiba.
22
[22] Oswaldo Mellone (1945) formado pela FAAP, em São Paulo, trabalhou durante anos com Jorge Zalszupin
(L’Atelier, grupo Forsa). Abriu seu escritório, MHO Design, em 1982, tendo desenvolvido equipamentos para
automação bancária, móveis de escritório, utilidades domésticas, raquetes de pingue-pongue, um sistema de
mobiliário urbano para a cidade de Santo André e o veículo leve sobre pneumáticos (VLP), entre muitos outros.
23
[23] Márcio Piancastelli (1936) é um designer de automóveis cuja formação se deu dentro das fábricas onde
trabalhou (Willys e VW) e num curso de um ano a Carrozzeria Ghia, em Turim, na Itália. Foi responsável pelo
desenvolvimento de vários veículos dentro da Volskswagen, entre os quais o Brasília e o Gol.
24
[24] Variação do Índice Geral de Preços –Disponibilidade Interna (IGP-DI), medido pela Fundação Getúlio Vargas
(FGV).
25
[25] Fernando Campana (1961), formado em belas artes, e Humberto Campana (1953), com estudos em direito,
realizaram uma primeira exposição em São Paulo, em 1989, chamada Desconfortáveis.
26
[26] Claudia Moreira Salles (1955) é designer formada pela ESDI. Trabalhou no Idi/MAM e na empresa Escriba de
mobiliário de escritórios.
27
[27] Guto Índio da Costa (1969) estudou no Art Center College of Design, na Suíça, trabalhou no estúdio de Jacob
Jensen na Dinamarca e com Alex Neumeister na Alemanha.
28
[28] Valter Bahcivanji (1957) ilustra bem a trajetória do design brasileiro. Formado na Faap em 1983, trabalhou em
empresas de móveis (Oca) e de informática (Sid Informática) e viu-se desempregado no fim da década de 80,
partindo para a produção de objetos que não exigiam grandes investimentos, passando a utilizar peças já
industrializadas como componentes de seus produtos, tais como uma saladeira plástica que, nas suas mãos, tornase cúpula de luminária. Nos últimos anos, recebeu convite para desenhar linha de peças plásticas para a empresa
Coza.
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