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Update, Porto Alegre, v. 1, n. 1, p. 26-48, jan./jun. 2014.
O SENTIDO DO TRABALHO NO SISTEMA TOYOTA DE PRODUÇÃO:
UM ESTUDO EXPLORATÓRIO
Telmo Silva Telles Filho1
Tamara Cecilia Karawejczyk2
RESUMO
O momento atual caracteriza-se por ser um período de grandes desafios, que levam as organizações a se
prepararem para superar as dificuldades apresentadas no dia a dia, evidenciadas pelas rápidas mudanças
estabelecidas. Essas mudanças também atingem os conceitos e significados sobre o mundo do trabalho em que
novas formas e arranjos organizacionais são moldados para dar conta de ambientes mais competitivos. O
propósito deste artigo é analisar o significado do sentido do trabalho para organizações que utilizam como
modelo de gestão produtiva o Sistema Toyota de Produção (STP). A metodologia do estudo foi de caráter
qualitativo e exploratório, sendo que a coleta de dados ocorreu em junho de 2012, através de entrevistas
semiestruturadas com dez trabalhadores de diversas empresas, inseridos na indústria metal-mecânica do RS, que
atuam em seu sistema produtivo com o Sistema Toyota de Produção. A análise dos resultados permitiu a
construção de mapas com a função de organizar os dados coletados. Os resultados sugerem que este trabalhador,
apesar de identificar e reconhecer as mudanças no sentido do trabalho com o uso deste tipo de sistema produtivo
marcado pela passagem de um contexto de trabalho material para um imaterial, encontra sentido no trabalho
quando o realiza com conceitos de eficiência e eficácia, sendo estes muito próprios do STP. O tema é instigante e
oferece algumas reflexões: Como os trabalhadores dão conta da formação de novos saberes e competências em
um mundo do trabalho que, muitas vezes, confunde trabalho com emprego? As competências requeridas pelo
STP são identificadas neste sistema ou não?
Palavras-chave: Sentido do Trabalho. Sistema Toyota de Produção.
ABSTRACT
The present moment is characterized by being a challenging period, leading organizations to prepare to
overcome everyday difficulties evidenced by the rapid changes established. These changes also affect the
concepts and meanings about the world of work, in which new forms and organizational arrangements are
shaped, to account for more competitive environments. The purpose of this article is to analyze the meaning of
work for organizations that use the Toyota Production System (STP) as a model of productive management. The
research methodology was qualitative and exploratory. The data were collected in June 2012, through semistructured interviews with ten employees from different companies in the metal-mechanic industry of RS using
the Toyota production system. The analysis of the results allowed the construction of maps in order to organize
the data collected. The results suggested that this worker, despite identifying and recognizing changes in the
meaning of work provided by the use of this type of production system that is marked by the passage of a
material work context to an immaterial one, finds that work has a meaning when done with concepts of
efficiency and effectiveness, which are very characteristic of STP. The theme is exciting and offers some
thoughts: How can workers cope with new knowledge and competencies in a world of work that often confuses
work and job? Are the competencies required by STP identified in this system or not?
Keywords: Meaning of work. Toyota Production System.
INTRODUÇÃO
Este artigo foi elaborado a partir da proposta de uma disciplina no Programa de PósGraduação em Memória Social e Bens Culturais, intitulada Comportamento Organizacional.
Dentre os vários temas abordados, o mundo do trabalho e os sentidos do trabalho despertaram
a curiosidade dos autores, dado que um destes tem larga experiência profissional com o
1
Mestrando em Memória Social e Bens Culturais, no Programa de Pós-Graduação do Centro Universitário La
Salle – Unilasalle/Canoas; Professor do Curso de Administração no Unilasalle/Canoas.
2
Doutora em Administração; Professora e pesquisadora no Programa de Pós-Graduação em Memórias Sociais e
Bens Culturais, no Centro Universitário Unilasalle/Canoas.
27
Sistema Toyota de Produção (STP). Assim, o propósito deste artigo é o de analisar o
significado do trabalho dentro deste sistema, através da percepção de trabalhadores de
diversas empresas inseridos na indústria metal-mecânica do RS.
O momento atual é um período de grandes desafios para a sociedade, caracterizado
pela preparação e superação das próprias dificuldades apresentadas em se lidar com a
complexidade do mundo (MORIN, 1996; 2001). A emergência de novas realidades como a
globalização, a sociedade em rede, as cadeias, as tramas produtivas e a economia global,
juntamente com discussões a respeito de governança e os avanços tecnológicos, impulsionam
discussões sobre mudanças de paradigmas em todos os níveis da sociedade e do conhecimento
humano.
Segundo Castells (2000), no século XX, houve a configuração de dois modos de
produção: o estatismo e o capitalismo. Por estatismo, este autor entende que seria o controle
de tudo que é excedente de produção3, que fica com o poder estatal, e o principal objetivo
desse modo de produção seria a maximização do poder do Estado sobre os bens de capital.
Temos o exemplo das economias socialistas que promoveram este modo de produção, como o
caso de Cuba e da União Soviética.
Já no capitalismo, existe uma clara distinção entre capital e trabalho, sendo que a
posse do capital pode ser privada ou pública, bem como os meios de produção. O trabalho é
transformado em commodity e há um princípio básico de que a apropriação e a distribuição do
excedente de produção seriam feitas pelos capitalistas. Esse modo de produção é encontrado
atualmente em países como Brasil, Estados Unidos e Japão. O capitalismo visaria à
maximização do lucro.
Procurando compreender a lógica desses dois modos apresentados por Castells (2000),
a partir das décadas de 80 e 90, o modo de produção que mais se tem destacado é o
capitalismo que, por sofrer revitalizações, sua estrutura se reorganiza e reestrutura, passando a
ser chamado de novo capitalismo ou paradigma pós-industrial (HARVEY, 1989), em
detrimento do estatismo.
Os modos de desenvolvimento, industrialismo e informacionalismo são definidos
como elementos fundamentais à promoção da produtividade no processo produtivo, pois
segundo Castells (2000, p. 34) “são os procedimentos mediante os quais os trabalhadores
3
Por produção, Castells (2000, p.33) entende que “é a ação da humanidade sobre a matéria para apropriar-se
dela e transformá-la em seu benefício, obtendo um produto, consumindo parte dele e acumulando o excedente
para investimento (...)”.
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atuam sobre a matéria para gerar o produto [...] determinando o nível e a qualidade do
excedente”. No modo industrial, a principal fonte de promoção da produtividade ocorre
através da introdução de novas fontes de energia e na capacidade de utilização dessas fontes,
visando à maximização da produção.
Neste cenário, a produção industrial foi organizada de uma maneira única. Os gestores
industriais, com suporte da teoria científica, preocupavam-se somente com a eficiência das
operações e redução de custos do sistema produtivo, período que Antunes (1998) denominou
de o Paradigma da Melhoria nas Operações, e Drucker (1993) descreve este processo como a
Revolução da Produtividade.
Nos anos 70 do século XX, houve a ruptura desse paradigma devido a muitas causas,
entre elas as alterações ocorridas nas normas de concorrência nos mercados e as mudanças
crescentes na preferência dos consumidores. Nesse mesmo período, o mundo voltava seus
olhos para Japão, um país conhecido até então por produzir produtos de baixa qualidade e
baratos, e que começava a despontar como fabricante de produtos de qualidade superior, uma
nova forma de pensar e agir o ambiente industrial (DIAS, 2002). Neste cenário, emerge o
Sistema Toyota de Produção (STP) desenvolvido por Taiichi Ohno. O STP é aprimorado ao
longo dos anos posteriores à Segunda Grande Guerra, quando há a aplicação desse sistema
nas empresas japonesas.
Estes novos formatos de gestão industrial influenciam os conceitos e sentidos sobre o
trabalho, quando as mudanças no mundo do trabalho perpassam também os novos sistemas de
gestão e de produção adotadas pelas empresas, acenando para o desenvolvimento de novas
competências que têm gerado novos modos de trabalhar e de viver. As palavras de ordem hoje
são velocidade, flexibilidade e integração, seja entre os funcionários, entre os setores ou
grupos de empresas. A antiga organização do processo de trabalho, que buscava a máxima
especialização de máquinas e de mão de obra, cede espaço à inversão da lógica de produção,
momento em que tanto o trabalho quanto o trabalhador são vistos de forma diferente dentro
do processo como um todo (COSTA, 2000).
Como o mundo do trabalho tem reagido em face dessas mudanças? Pochmann (1999,
p. 36-37) problematiza esta questão apresentando a seguinte perspectiva:
As principais características do processo de reestruturação capitalista estão
diretamente relacionadas aos ganhos de produtividade e de competitividade e à
redução do emprego. De um lado, postos tradicionais são eliminados por força dos
investimentos em novas tecnologias, na racionalização das técnicas de produção e
em novas formas de gestão de recursos humanos. De outro lado, os empregos
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permanecem ou são criados também acabam afetados com a incessante busca por
maior produtividade e competitividade e mais qualidade dos produtos. Em outras
palavras, a necessidade de progressivos ganhos de produtividade, impostas pela
concorrência desregulada, leva a novos e frequentes programas de
redimensionamento dos empregos nas empresas.
Assim, os efeitos que levaram à redução dos postos tradicionais apontadas por
Pochmann (1999), produtividade e competitividade, são os mesmos que afetam a criação dos
novos postos, gerando um paradoxo para o mundo do trabalho quando se analisa as principais
modificações da natureza, significado e conteúdo do trabalho.
Nessa perspectiva, o presente artigo tem como propósito analisar o significado e o
sentido do trabalho no sistema Toyota de produção através da percepção de trabalhadores que
utilizam esse sistema de gestão. Esta introdução é seguida por uma seção relacionada ao
referencial teórico, onde são sumarizadas as contribuições teóricas sobre o mundo do trabalho
e o sistema Toyota de produção. Logo a seguir, são apresentados os procedimentos
metodológicos empregados para a coleta e análise dos dados, seguidos dos resultados obtidos
e das discussões apontadas. Por fim, o artigo é encerrado com implicações e reflexões sobre
os resultados encontrados e também com sugestões para futuras pesquisas sobre o tema.
1 O MUNDO DO TRABALHO
As novas configurações apontadas na introdução trazem consigo novas formas e
arranjos organizacionais, conhecidos na literatura como o paradigma pós-industrial ou pósburocrático (HARVEY, 1989; COSTA, 2000). A perspectiva que engendra este paradigma,
dentro da reestruturação produtiva, acontece através de dois modelos que vigoraram no século
XX, a produção em massa e a produção enxuta. Com relação ao mundo do trabalho, as
organizações também acabam seguindo esses dois paradigmas, que refletiam dois tipos de
desenhos organizacionais, a estrutura piramidal e a estrutura em rede. Cada uma dessas
estruturas apresentam características próprias que determinam o formato da organização do
trabalho dentro de uma empresa.
As principais modificações com relação à organização do trabalho seriam com relação
à natureza, significado, conteúdo e as relações de trabalho. Essas são descritas abaixo.
Com relação à natureza do trabalho, Antunes (2001), Cocco (2000), Baumann
(2001) e Pochmann (1999), apesar de utilizarem termos diferentes em suas discussões sobre o
assunto, falam das mutações da natureza do trabalho, que passaria de uma natureza material
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para uma de caráter imaterial em que se estabelece um privilegiamento da dimensão
intelectual e abstrata, do conteúdo informacional e de conhecimento aplicado ao trabalho.
Com relação ao significado do trabalho, Pochmann (1999) e Enriquez (1999)
analisam que o significado do trabalho deixou o trabalhador com as habilidades obsoletas,
individualista e com diminuição dos laços de solidariedade entre quem tem trabalho e quem
não tem, além de promover uma psicologização dos problemas, segundo palavras de Enriquez
(1999), pois quando permanecem na organização aqueles que são considerados como de
excelente performance, os demais (desempregados) são considerados como perdedores,
culpados pela situação do desemprego, individualizando os problemas e fazendo com que os
trabalhadores não se deem conta de que há também questões estruturais por trás do
desemprego.
Com relação ao conteúdo do trabalho, Antunes (2001), Cocco (2000), Baumann
(2001) e Pochmann (1999) também não expressam uma posição única. Antunes (2001),
Baumann (2001) e Pochmann (1999) acreditam que as contradições entre o trabalho como
meio para subsistência da satisfação das necessidades coletivas e individuais ainda não foi
ressignificado. Já por outro lado, Cocco (2000, p.100) é mais otimista, pois acredita que “ ...a
nova organização do trabalho solicita sempre mais a subjetividade operária...sua capacidade
independente de intervenção, sua imaginação, sua criatividade, bem como sua flexibilidade”,
relacionando essas características ao que chama de dimensões do trabalho vivo.
E por último, com relação às relações e mercado de trabalho, Antunes (2001),
Pochmann (1999) e Dupas (1999) trazem questões como a precarização das relações
trabalhistas e do mercado de trabalho neste novo paradigma, pois como o mercado de trabalho
está mais flexível, devido às exigências de reestruturação organizacional, são sentidos novos
efeitos como: (a) ampliação da qualificação na contratação da mão de obra (independente do
setor contratante); (b) redução do emprego estável; aumento das ocupações informais,
ampliação do setor de serviços como empregador de mão de obra, dimensões de diversidade;
(c) heterogeneidade e complexidade da classe trabalhadora, como consequência direta para as
relações de trabalho; (d) descentralização das negociações sindicais; (e) diminuição da
participação dos sindicatos e dos sindicalizados no país.
Diante do exposto, no cenário que molda as novas forças e configurações que
impulsionam e influenciam a reorganização da sociedade, das organizações e do trabalho,
lançam-se alguns questionamentos. Como os trabalhadores que utilizam o sistema Toyota de
produção compreendem as mudanças, principalmente as relacionadas com o mundo do
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trabalho? Quais os principais desafios para as organizações que implantam este tipo de
sistema? E como os trabalhadores vão dar conta da formação de novos saberes e
competências para este mundo do trabalho, que confunde categorias como trabalho e
emprego?
2 SISTEMA TOYOTA DE PRODUÇÃO
Mudanças ocorreram nestes últimos cinquenta anos na gestão e organização dos
sistemas produtivos das empresas mundiais. Experiências históricas, principalmente vindas da
evolução da indústria automobilística, demonstraram que, em um contexto econômico
capitalista, várias formas de organização do trabalho dentro da manufatura foram cunhadas.
A partir da segunda década do século XX, a lógica da produção modificou-se com a
linha de produção de Henry Ford, que foi responsável por um significativo aumento de
produtividade e redução de custo.
Foi um momento importante para as empresas que
emergiam, pois a padronização dos produtos garantia uma posição confortável no mercado
onde a oferta era menor que a procura. A produção em massa se caracterizava pela mão de
obra pouco qualificada, altos lotes e pouca variedade de produtos (WOMACK, JONES,
ROSS, 1992).
A Toyota Motor Company tentou por vários anos, sem sucesso, reproduzir a
organização e os resultados obtidos nas linhas de produção da Ford até que, em 1956, o então
engenheiro-chefe da Toyota, Taiichi Ohno, percebeu, em sua primeira visita às fábricas da
Ford, que a produção em massa precisava de ajustes e melhorias de forma a ser aplicada em
um mercado discreto e de demanda variada de produtos, como era o caso do mercado japonês.
Ohno notou que os trabalhadores eram subutilizados, as tarefas eram repetitivas e não
agregavam valor, existia uma forte divisão (projeto e execução) do trabalho, a qualidade era
negligenciada ao longo do processo de fabricação e existiam grandes estoques intermediários
(GHINATO, 2000).
Para Ohno (1997), o desenvolvimento do Sistema Toyota decorreu, em função das
particularidades históricas do Japão, da necessidade de um sistema capaz de produzir séries
pequenas de muitos produtos diferenciados. O marco do reconhecimento mundial do Sistema
Toyota de Produção ocorreu em 1973, na primeira crise do petróleo que afetou a economia
mundial profundamente.
Os gerentes japoneses, acostumados à inflação e às altas taxas de crescimento, se
viram confrontados com crescimento zero e forçados a lidar com decréscimos de produção.
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Foi durante essa emergência econômica que eles notaram, pela primeira vez, os resultados que
a Toyota estava conseguindo com sua implacável perseguição à eliminação do desperdício
(OHNO, 1997).
O Sistema Toyota de Produção é um poderoso sistema de gerenciamento da produção,
cujo objetivo é o aumento do lucro através da redução dos custos. Esse objetivo, por sua vez,
só pode ser alcançado através da identificação e eliminação das perdas, isto é, atividades que
não agregam valor ao produto (GHINATO, 1999). Shingo (1996b), Ohno (1997) e Liker
(2005) identificam as maiores perdas presentes nos sistemas produtivos e classificam-nas em
oito categorias:

Perdas por superprodução: estas perdas são capazes de esconder as demais perdas e
são difíceis de serem eliminadas. Para Ghinato (2000) as perdas por superprodução
podem ser por quantidade e por antecipação. A perda por superprodução por
quantidade se caracteriza por se produzir mais do que o necessário, e a perda por
superprodução por antecipação por se produzir antecipadamente às necessidades.

Perdas por transporte: as movimentações de materiais são consideradas atividades que
geram custo e não agregam valor ao produto, e, por esse motivo, os esforços de
melhoria devem ser priorizados até o limite de sua eliminação. Segundo Ghinato
(2000), o transporte ocupa 45% do tempo total de fabricação de um item.

Perdas no processamento em si: são as perdas no próprio processo que se encontra
aquém de uma condição considerada ideal e que poderiam ser eliminadas sem alterar
as funções básicas do produto, como, por exemplo, a baixa velocidade de corte de uma
máquina de usinagem ou o número menor de peças estampadas em uma chapa em
desacordo com o máximo possível de aproveitamento da matéria-prima devido ao
projeto;

Perdas por fabricação de produtos defeituosos: as perdas por fabricação de produtos
defeituosos são geradas pela fabricação de componentes ou produtos que apresentam
características de qualidade fora do especificado no projeto;

Perdas no movimento: estas perdas estão diretamente relacionadas aos movimentos
desnecessários que os operadores realizam quando executam uma operação;

Perdas por espera: as perdas por espera estão associadas ao período de tempo em que
nenhum processo ou operação é executado pelos operadores ou máquinas
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produtivamente, ou seja, o lote está parado normalmente aguardando o momento de
ser processado. Nesse caso, os recursos, embora pagos, não estão contribuindo para a
agregação de valor do produto.

Perda por desperdício da criatividade dos funcionários. Perda de tempo, ideias,
habilidades, melhorias e oportunidades de aprendizagem por não envolver ou ouvir
seus funcionários.
O Sistema Toyota de Produção (Toyota Production System – TPS) tem sido, mais
recentemente, referenciado como “Sistema de Produção Enxuta”. A produção “enxuta” (do
original em inglês, “lean”) é, na verdade, um termo cunhado no final dos anos 80 pelos
pesquisadores do IMVP (International Motor Vehicle Program), um programa de pesquisas
ligado ao MIT, para definir um sistema de produção muito mais eficiente, flexível, ágil e
inovador do que a produção em massa; um sistema habilitado a enfrentar melhor um mercado
em constante mudança. Na verdade, produção enxuta é um termo genérico para definir o
Sistema Toyota de Produção (TPS) (GHINATO, 2000).
Monden (1984) define que o propósito básico do STP é aumentar lucros pela redução
de custos, ou seja, através da eliminação total de desperdícios, tais como estoques ou mão de
obra. Afirma, ainda, que o conceito de custos é muito amplo, pois é definido pelo dinheiro
gasto no passado, presente e futuro, dedutível da rentabilidade das vendas. Foi através da
adoção total desse propósito que a Toyota Motor Company edificou o seu sistema de
gerenciamento. Para Ohno (1997), os dois pilares responsáveis pela sustentação desse sistema
de gerenciamento são o Just-In-Time e a Autonomação. Ghinato (2000) propõe uma das
formas entre tantas existentes de representar a estrutura do STP, conforme a figura 1.
Figura 1: Pilares do STP
Fonte: GHINATO (2000).
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Ghinato (2000) comenta que a expressão “Just-In-Time” provavelmente tenha surgido
na indústria naval e foi adotada pelos japoneses, e, logo em seguida, incorporada nas
indústrias montadoras. Just-In-Time, para Ohno (1997), significa que, em um processo de
fluxo, as partes corretas que são necessárias para a montagem chegam à linha de montagem
no momento certo e somente na quantidade necessária. Conforme Gounet (1999), por trás do
Just-In-Time, existe uma organização da produção contrária ao funcionamento do fordismo,
modelo no qual uma empresa produz o máximo possível e, consequentemente, acumula
estoques para que sejam vendidos posteriormente. Mas, para o caso do mercado japonês da
época, esse método se tornara ineficaz com a estagnação da demanda. Por esse motivo, deviase produzir apenas aquilo que se demandasse, pois era a opção mais sensata.
Ghinato (2000) afirma que o fluxo contínuo, o takt-time e a produção puxada
relacionados intrinsecamente, são os fatores responsáveis pela viabilização do Just-In-Time.
Manter o fluxo contínuo de produção requer a conversão dos tradicionais layouts funcionais
em layouts por processo, ou seja, agrupar os equipamentos em disposição celular e atender
famílias de produtos previamente definidas. O fluxo contínuo atende a necessidade de redução
do lead time. No sentido de garantir a eliminação das perdas por estoques, esperas e redução
do lead time é necessário que o fluxo não seja somente contínuo, mas também unitário. Para
evidenciar a implementação do fluxo contínuo de produção, é importante salientar que se
torna necessário que exista um balanceamento perfeito das operações da célula de manufatura.
O exemplo de balanceamento utilizado pela Toyota é baseado em uma abordagem diferente
da tradicional, que costuma nivelar os tempos de ciclo de cada operador para que cada um
receba carga de trabalho igual. A abordagem da Toyota se baseia em balancear as operações
em função do takt time. Neste momento, cabe esclarecer a diferença entre tempo de ciclo e
takt time.
Antunes et al. (2008) comentam que a utilização indiscriminada dos termos “tempo de
ciclo” e “takt time”, na bibliografia e na prática industrial, dá margem a confusões sobre suas
definições e conduz à interpretação equivocada dos conceitos subjacentes a eles. O tempo de
ciclo é determinado pelas condições de operação da célula ou linha.
Genericamente, é o tempo necessário para se produzir uma peça, é o tempo transcorrido
entre o início de duas peças produzidas sucessivamente de um mesmo modelo em condições
de abastecimento constante. Takt time tem sua definição dependente da demanda do mercado
e do tempo disponível para produzir, por isso Antunes et al. (2008) entendem que seja mais
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adequado definir takt time “... é o ritmo de produção necessário para atender a um
determinado nível considerado de demanda, dadas as restrições de capacidade da linha ou
célula”.
Para Ghinato (2000), o takt time associa e condiciona o ritmo de produção ao ritmo de
vendas. Com a utilização do conceito da “produção puxada”, produzindo somente o que o
cliente comprar, evita-se a superprodução e se eliminam as reavaliações constantes da
necessidade de produção e as interferências das instruções verbais, caracterizando uma
programação simplificada e autorregulável. Na Toyota, a produção puxada é viabilizada com
a utilização da ferramenta criada por Taiichi Ohno chamada Kanban. O Kanban tem a lógica
do funcionamento dos supermercados americanos. Antunes et al. (2008) apresentam o
pensamento de Taiichi Ohno para explicar esta lógica: ... “um supermercado é onde um
cliente pode obter (1) o que é necessário, (2) no momento necessário, (3) na quantidade
necessária”. Analogicamente, na fábrica da Toyota, o cliente (processo final) vai até o
supermercado (processo inicial) para adquirir as peças no momento e na quantidade
necessária.
Monden (1984) define o Kanban como uma ferramenta para se obter a produção no
tempo exato, através da utilização de cartões que sinalizam as quantidades a serem
produzidas. Para Ohno (1997), o Kanban é como um nervo autonômico da linha de produção,
ou seja, os operários possuem autonomia para definir o momento de começar, o que e quanto
produzir primeiro. O perfeito funcionamento do Kanban está diretamente ligado ao
estabelecimento de uma sincronia de produção, ou seja, voltando o fluxo da informação em
direção dos processos iniciais. De acordo com Antunes (2008), isso caracteriza o sistema de
produção puxada em que a programação flui no sentido contrário do fluxo da produção,
diferente do sistema de produção empurrada em que programação e produção fluem
sequencialmente juntas e no mesmo sentido.
Antunes et al. (2008) visualizam o Kanban em dois sentidos a partir de uma lógica
ampla:

Utilizado como ferramenta de gestão do dia a dia da fábrica e visto como uma
ferramenta de programação que permite o relacionamento da fábrica com seus
fornecedores, objetivando a gestão da rotina da empresa;

Utilizado como ferramenta básica para gestão das melhorias na fábrica, pois o Kanban
possui a capacidade de mostrar permanente, sistemática e continuamente os pontos do
sistema produtivo que precisam ser aprimorados.
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Shingo (1996b) reconhece que através da redução do número de cartões do sistema se
apresenta a possibilidade de produzir com o estoque reduzido. Antunes et al. (2008) afirmam
que a redução contínua dos cartões aumenta a sensibilidade aos problemas existentes,
estabelecendo um processo de melhoria contínua nos sistemas produtivos. Tais melhorias
visam eliminar problemas de diversas ordens como métodos de trabalho inconsistentes ou
tempos de preparação elevados que, quando minimizados, proporcionam a condição de
reduzir os estoques em processo. O aperfeiçoamento do Kanban deve ser permanente, de
acordo com Ohno (1997), enfatizando o compromisso do usuário do sistema em aperfeiçoá-lo
constantemente com criatividade e inteligência para que este não se torne cristalizado em
qualquer de seus estágios.
Shingo (1996a) esclarece que muitos autores caracterizam superficialmente o STP
como um método Just-In-Time ou método Kanban, indicando a falta de entendimento da
verdadeira essência do STP. Para Ghinato (2000), o STP não deve ser interpretado como
sendo essencialmente o Just-In-Time, abordagem esta que limitaria a verdadeira abrangência e
potencialidade do sistema. A afirmação que se pode fazer é que o Just-In-Time é uma técnica
de gestão como um elemento do STP. É fundamental que se entenda que o Just-In-Time é
somente um meio de alcançar o verdadeiro objetivo do STP, que é o de aumentar os lucros
através da completa eliminação das perdas (GHINATO, 1996).
De acordo com Ohno (1997), o outro pilar de sustentação do STP é denominado de
Autonomação, também conhecida como automação com um toque humano. O problema
tradicional que ocorre nas máquinas que funcionam sozinhas é que elas, por pequenas
anormalidades no processo, podem se danificar, gerando componentes defeituosos. Máquinas
automatizadas desse tipo produzem, inevitavelmente, produtos defeituosos por não existir um
sistema de conferência automática para resolver tais contratempos.
O conceito de Autonomação tem sua base na adoção dos conceitos utilizados nos
teares autoativados inventados por Sakichi Toyoda nas empresas têxteis do grupo Toyota. Os
teares paravam instantaneamente no momento em que qualquer um dos fios se rompesse,
impedindo a produção de produtos defeituosos porque a máquina era provida de um
dispositivo capaz de distinguir entre condições normais e anormais de produção (OHNO,
1997). Monden (1984) explica que o significado da palavra Autonomação, em japonês
“Ninben no aru Jidoka”, frequentemente abreviada para somente “Jidoka”, não se trata de
automação, mas de uma verificação autônoma de irregularidades no processo. Esse controle
autônomo é o mecanismo no qual um dispositivo de parada automática é fixado. Monden
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(1984) menciona o termo “follproof”, que significa a prova de falhas (em japonês Baka-Yoke
ou Poka-Yoke), como um mecanismo que previne a produção de materiais defeituosos pela
colocação de dispositivos de controle nas ferramentas e instrumentos.
A Autonomação consiste em facultar ao operador ou à máquina a autonomia de parar
o processamento sempre que for detectada qualquer anormalidade (GHINATO, 1996).
Conforme Monden (1984), a produção da linha na Toyota é interrompida pelo operador
sempre que for necessário. Essa interrupção se dá através do acionamento de um botão que
sinaliza um quadro de luz chamado Andon. No sistema da Toyota, o Andon é um exemplo de
controle visual e tem um papel importante na ajuda do controle autônomo. Na necessidade de
uma simples ajuda, os operadores sinalizam com o acionamento da luz amarela e, no caso de
paralisação total da linha, acionam a luz vermelha.
A paralisação da linha, motivada pela máquina ou pelo operador, torna o problema
visível a todos e, por isso, um esforço conjunto é desencadeado na busca da identificação da
causa fundamental com o objetivo de eliminá-la, para evitar que a mesma volte a se repetir e
paralisar a linha novamente (GHINATO, 1996).
Segundo Shingo (1996b), a introdução de inteligência humana nos equipamentos
possibilitou a clara separação entre homem e máquina e, por conseguinte, a evolução até as
operações multimáquinas que resultaram no aumento da produtividade humana. Tais avanços,
combinados com a mecanização de equipamentos de operações auxiliares, reduziram os
custos de mão de obra a níveis jamais vistos através da real autonomação.
De acordo com o exposto na figura 1, Ghinato (2000) define os conceitos dos três
elementos que compõem a base que suporta os pilares do STP, Just-In-Time e Jidoka:
a. Heijunka, que significa “nivelamento da produção”. Consiste na criação de uma
programação nivelada, através do sequenciamento dos pedidos. Trata-se de uma
programação baseada em um padrão repetitivo e nas flutuações diárias de todos os
pedidos correspondendo a uma demanda de longo prazo;
b. Operações padronizadas, definidas como um método efetivo e organizado para
produzir sem perdas. O objetivo das operações padronizadas reside na obtenção do
máximo de produtividade, através da identificação e padronização dos elementos
de trabalho que agregam valor, da eliminação das perdas, balanceamento dos
processos e definição do nível mínimo de estoques;
c. Kaizen, que consiste na melhoria contínua e incremental, com foco na eliminação
das perdas, com objetivo de agregar mais valor ao produto. A busca da melhoria
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do padrão acontece através da utilização do ciclo PDCA sobre os padrões
existentes;
d. Estabilidade, enfatizada sobre os processos, é o alicerce do STP. Para garantia de
produção de itens livres de defeitos na quantidade certa e no momento certo é
imprescindível que se tenha processos capazes, controlados e padronizados.
Os conceitos básicos da Produção Enxuta deram origem às diretrizes gerais do
Pensamento Enxuto ou Mentalidade Enxuta. A Mentalidade Enxuta é uma forma de
especificar valor, alinhar na melhor sequência de ações que criam valor, realizar essas
atividades sem interrupção toda vez que alguém as solicita e de modo cada vez mais eficaz. É
uma forma de fazer cada vez mais com cada vez menos – menos esforço humano, menos
equipamento, menos tempo e menos espaço – e, ao mesmo tempo, aproximar-se cada vez
mais de se oferecer aos clientes exatamente o que eles desejam (WOMACK, JONES, 1998).
Atualmente existe uma tendência de transpor a aplicação original do Pensamento
Enxuto utilizado na Toyota que era de focalizar o ambiente de produção da indústria da
manufatura. Pesquisas e aplicações práticas do Pensamento Enxuto são testadas
frequentemente dentro do conceito do “Lean Enterprise” (administração, desenvolvimento de
produto e produção) em vários segmentos industriais e de serviços, como, por exemplo, no
automobilístico e seus fornecedores, na indústria aeronáutica, têxtil, eletrônico, calçados e até
em hospitais.
As práticas envolvem a criação de fluxos contínuos e sistemas puxados, baseados na
demanda real dos clientes, na análise e melhoria do fluxo de valor das plantas e da cadeia
completa, desde as matérias-primas até os produtos acabados, e o desenvolvimento de
produtos que efetivamente sejam soluções do ponto de vista do cliente. A adoção dessa
filosofia tem trazido resultados extraordinários para as empresas que a praticam (LEAN
INSTITUTE BRASIL, 2008). Para Ferro (1998), as práticas administrativas resultam de
mentalidades e culturas específicas, e a difusão das técnicas de produção enxuta é fruto de um
processo de criação e desenvolvimento de novos valores e premissas sobre como desenvolver,
manufaturar e distribuir produtos.
A partir desse momento, para um melhor esclarecimento ao leitor, estaremos
referenciando o Sistema de Toyota de Produção e Sistema de Produção Enxuta como Sistema
Lean/STP.
3 METODOLOGIA
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Este estudo é classificado como qualitativo e exploratório. Tripodi (1981) advoga que
um estudo exploratório permite ao pesquisador aumentar a experiência em torno de um
determinado fenômeno, sendo a ideia principal desenvolver também questionamentos e
hipóteses referentes ao objeto de estudo. A utilização deste método de pesquisa permitiu a
flexibilização na busca de informações sobre um determinado fenômeno a ser investigado, no
caso em tela, o sentido do trabalho dentro do sistema Toyota de produção.
As questões formuladas foram geradas a partir das leituras sobre os temas, sendo elas:
(i) qual o entendimento sobre trabalho, dentro e fora, do sistema Toyota de produção?; (ii)
quais as competências (conhecimentos, habilidades e atitudes) individuais e necessárias para
um contexto Lean/STP?
A delimitação da coleta de dados foi marcada pela acessibilidade dos entrevistados.
Assim, foram entrevistados dez trabalhadores que atuam no sistema Toyota de produção
dentro do setor metal-mecânico do RS. Dos entrevistados, todos são do sexo masculino e
atuam em empresas que já utilizam o sistema há algum tempo. As entrevistas foram realizadas
no período de junho de 2012, com duração de 20 minutos cada uma, gravadas e
posteriormente transcritas, constituindo um corpus textual.
Para a análise dos dados, as entrevistas representaram um texto em que “as falas
referem-se aos pensamentos, sentimentos, memórias, planos e discussões das pessoas, e
algumas vezes nos dizem mais do que seus autores imaginam” (Bauer; Aarts, 2002, p.189).
Assim, após a transcrição, o corpus documental foi analisado no seu conteúdo e, como sugere
Flick (2004), empregam-se categorias estabelecidas em uma combinação de quadro teórico e
dos dados do campo. Para a apresentação dos dados foram gerados mapas, com a função de
organização dos dados coletados, sendo divididos em quatro categorias: (a) entendimento
sobre trabalho; (b) entendimento sobre trabalho no sistema Toyota de produção; (c) como o
trabalho é percebido fora do sistema; (d) quadro resumo das competências individuais para ser
um trabalhador STP. Essas categorias incluem trechos das falas dos entrevistados e
interpretações à luz do referencial teórico deste trabalho.
4 ANÁLISE DOS RESULTADOS
Esta seção consta da análise e discussão dos resultados da pesquisa realizada,
apresentando algumas facetas importantes que podem subsidiar e suscitar novas discussões
acerca do sentido do trabalho do trabalhador STP e suas competências.
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4.1 PERFIL DOS ENTREVISTADOS
O perfil dos sujeitos entrevistados pode ser descrito na tabela 1.
Tabela 1: perfil dos entrevistados
Entrevistado
Curso
Organização
(tipo)*
1
E1
Processos
Gerenciais
E2
Administração
1
E3
Processos
1
Gerenciais
E4
MBA – Gestão de
2
Negócios
E5
Administração
1
E6
Adm. Serviços
1
E7
Administração
1
E8
Processos
1
Gerenciais
E9
Processos
1
Gerenciais
E10
Engenharia
1
Materiais
*Tipo de organização: (1) Metal- Mecânico; (2) Serviços.
Tempo Empresa
Cargo
05 meses
Supervisor PPCP
04 anos
03 anos
Supervisor de Compras
Supervisor Comercial
08 anos
Analista
03 anos
26 anos
11 anos
15 anos
Líder Equipe
Gerente Industrial
Líder Técnico
Coordenador Produção
02 anos
Técnico Qualidade
01 ano
Engenheiro
Fonte: dados de pesquisa (2012).
Como principal setor de atuação, houve predominância do metal-mecânico, sendo que
os entrevistados ocupam posições de liderança no processo produtivo nas organizações em
que atuam. A maioria dos entrevistados já possuía experiência e vivência no cargo e nas
atividades do sistema produtivo da empresa, sendo que 7 (sete) dos pesquisados têm mais de
4 (quatro) anos de empresa.
Por estarem inseridos no setor metal-mecânico, onde a utilização das ferramentas do
sistema Lean/STP já é uma prática normal desde os anos 70, e atuarem em cargos de gestão,
isso proporciona um entendimento e maturidade para a compreensão do processo, tanto do
sentido do trabalho num contexto mais amplo como o entendimento do trabalho dentro da
ótica da filosofia do sistema Lean/STP.
4.2 O SENTIDO DO TRABALHO
O primeiro mapa (figura 2), intitulado O sentido do trabalho, foi produzido a partir dos
dados coletados na pesquisa. Abaixo, os resultados encontrados.
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Figura 2 – Mapa 1: O Sentido do Trabalho
Fonte: dados de pesquisa (2012).
A primeira variável a ser analisada é o entendimento dos pesquisados de que o sentido
do trabalho está relacionado com um sistema de gestão da organização e só tem sentido se
realizado de maneira eficiente e agregar valor (MORIN, 2001).
A segunda variável é se o sentido do trabalho é material ou imaterial. O trabalho deixa
de ser percebido e relacionado com o esforço físico e passa a ser entendido como a busca pelo
conhecimento intelectual e desenvolvimento interpessoal, ou seja, o trabalho sofreu
modificações e necessita de ampliações em seu conteúdo, momento em que o aprendizado
torna-se ininterrupto e imprescindível à sobrevivência no mundo do trabalho. Isso está de
acordo com os estudos de Antunes (2001) e Cocco (2000).
A terceira variável é se o sentido do trabalho é material e objetivo. Para alguns dos
pesquisados, o sentido do trabalho ainda apresenta características de tradicionalidade em seu
conceito e na sua prática, tais como: força para transformação, marcação de tempo, atividade
que é executada com o objetivo de transformar para obter um resultado, seja produto ou
serviço.
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4.2.1 O sentido do trabalho, dentro e fora, do sistema Toyota de produção
O segundo e terceiro mapas (figura 3 e 4), intitulados, respectivamente, o sentido do
trabalho no Sistema Lean/STP e o entendimento do trabalho fora do Sistema Lean/STP, foram
produzidos a partir dos dados coletados na pesquisa. Abaixo, apresentam-se os resultados
encontrados.
Figura 3 – Mapa 2:significado do trabalho no Sistema Lean/STP
Fonte: dados de pesquisa (2012).
O mapa 2 (figura 3) apresenta duas variáveis. A primeira variável a ser analisada é
Material para aumento de Produtividade: os sujeitos pesquisados consideram o Sentido do
Trabalho no Sistema Lean/STP como um sistema de gestão que proporciona ferramental
adequado para o aumento da produtividade e completa eliminação das perdas no processo
produtivo (GHINATO, 1996), o que nos remete à análise da primeira variável do Sentido do
Trabalho em que esse entendimento é semelhante.
A segunda variável que se apresenta é o Fator Humano: comprometimento e interação
de todos no sistema. Os sujeitos pesquisados consideram que o conhecimento da filosofia e do
cabedal de ferramentas que compõem do Sistema Lean/STP e a participação de todos os
stackholders são fundamentais para que o Sistema Lean/STP atinja o seu principal objetivo,
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que é a agregação de valor aos clientes do sistema, conforme os estudos de Womack e Jones
(1998).
O mapa 3 (figura 4), o entendimento do sentido do trabalho fora do Sistema Lean/STP,
também apresenta duas variáveis. A primeira é a necessidade de maior esforço para atingir os
objetivos. Todos os sujeitos pesquisados responderam que possuem experiências dentro e fora
do Sistema Lean/STP. Eles consideram que fora do sistema Lean/STP existe maior esforço e
desgaste por parte das organizações para o atingimento das metas e objetivos. Esforço e
desgaste que podem ser traduzidos como mão de obra não qualificada, altos lotes de
produção, grandes estoques intermediários, custos de capital e pouca variedade de produtos,
características do sistema de produção em massa (WOMACK, JONES, ROSS, 1992), e do
momento histórico o qual Antunes (1998) denominou de o período do Paradigma da Melhoria
nas Operações.
A segunda variável que se apresenta é ausência do pensamento de melhoria contínua e
eliminação das perdas, traduzido pelos pesquisados como um estado de estagnação e
acomodação das organizações frente às rápidas mudanças impostas pelas alterações ocorridas
nas normas de concorrência nos mercados e nas preferências dos consumidores, ignorando ou
desconhecendo a oportunidade de utilizar o pensamento da melhoria contínua e eliminação de
perdas que possibilitam a elevação dos padrões de qualidade, diversificação do mix de
produtos e a capacidade de inovar de maneira contínua os processos e produtos, conforme
Cimbalista (2002). Para este autor, o trabalhador é uma fonte de inovações para a
organização. Para isso, faz-se necessário que as organizações desenvolvam um melhor
ambiente de trabalho, um bom fluxo de informações, responsabilidades e confiança mútua,
criando, dessa maneira, um ambiente motivacional propício para a participação e inovação.
Esse ambiente de trabalho requer mais que uma simples mudança, requer adoção de uma nova
filosofia de trabalho que proporcione ao trabalhador sentir-se motivado para participar e
inovar permanentemente, evitando o estado de estagnação e acomodação organizacional
frente às mudanças mencionadas pelos pesquisados.
Figura 4 – Mapa 3: o entendimento do trabalho fora do Sistema Lean/STP
Update, Porto Alegre, v. 1, n. 1, p. 26-48, jan./jun. 2014.
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Fonte: dados de pesquisa (2012).
Por fim, um dos questionamentos realizados dizia respeito às principais competências
com relação a conhecimentos, habilidades e atitudes (CHA) que seriam necessárias para o
trabalhador no Sistema Lean/STP. A figura 5 apresenta um resumo.
Figura 5 – Resumo do CHA
Conhecimento
 Conhecimento técnico do
processo e do produto
(E1,E2,E4,E7);
 Gestão de Pessoas (E7);
 Ferramentas de Gestão
(E9,E10,E8);
 Conhecimento do
Lean/STP (E5).
Habilidades
 Multiplicar (E5,E10);
 Comunicação;
Negociação (E2,E3,E7);
 Visão holística;
Administração (E1,E4);
 Relacionamento (E10).




Atitudes
Pró-atividade (E1,E4);
Dar o exemplo (E7);
Persistência (E10,E4);
Comprometimento (E2,E9).
Fonte: dados de pesquisa.
Para Liker (2007), a formação da mão de obra no STP está na filosofia e na
sistematização do próprio STP, que possui programas massivos de participação, treinamento
Update, Porto Alegre, v. 1, n. 1, p. 26-48, jan./jun. 2014.
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dos trabalhadores e de transferências de aprendizado entre as pessoas, não necessitando de
competências individuais específicas. A Toyota contrata trabalhadores com as mais diversas
formações e performances ao redor do mundo e obtém resultados com padrões elevados de
desempenho, embora o autor reconheça que a Toyota privilegia a contratação de trabalhadores
com uma noção de ética no trabalho muito forte, acostumados ao trabalho duro e possuam
motivação necessária para aprender e executar.
Pode-se inferir que a mudança na natureza do trabalho, migrando de um caráter
material para um imaterial, conforme preconizado por Antunes (2001), Cocco (2000),
Baumann (2001) e Pochmann (1999), aconteceu com esses trabalhadores, destacando a
aplicação de uma dimensão intelectual e abstrata aplicada ao trabalho.
CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
Mudanças sempre foram um dos principais desafios organizacionais, principalmente
no contexto atual em que diversos fatores como inovações tecnológicas, gerenciais,
globalização da sociedade e aperfeiçoamento dos sistemas de comunicação derrubaram as
fronteiras que estavam bem definidas até pouco tempo atrás.
Neste sentido, o artigo abordou como essas mudanças alteraram a percepção dos
trabalhadores no entendimento do sentido do trabalho, primeiramente em um contexto mais
amplo e, posteriormente, inseridos em sistema mundialmente reconhecido por proporcionar a
participação dos trabalhadores como na condução da organização para um processo de
atendimento às exigências e expectativas do cliente.
O estudo também revelou que o trabalhador, apesar de identificar e reconhecer as
mudanças no sentido do trabalho com a passagem do material para o imaterial, conforme
Antunes (2001), Cocco (2000), Baumann (2001) e Pochmann (1999), também evidenciou que
somente encontra sentido no trabalho em um contexto de eficiência e eficácia, o que podemos
inferir que, para os sujeitos pesquisados, o sistema Lean/STP é composto apenas de
ferramentas que são aplicadas da maneira correta. Existe um reconhecimento de que, a partir
de novas competências individuais, os resultados serão atingidos, embora, como demonstrado
no Resumo do CHA (figura 5), a necessidade de novas competências mais identificadas com a
dimensão intelectual e abstrata aplicadas ao trabalho tenham sido identificadas. No que se
refere ao entendimento do sentido do trabalho, não ficou clara a distinção entre a atuação dos
sujeitos dentro ou fora do Sistema Lean/STP.
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Os resultados encontrados neste estudo, ao contrário de serem considerados como algo
acabado e definitivo, podem seguir novos rumos e caminhos, oportunizando novas reflexões e
inquietações sobre o tema, bem como uma segunda etapa da pesquisa. Assim, sugere-se que
possam ser realizados:
• Uma coleta de dados ampliada com estudantes de outros cursos, tais como: Recursos
Humanos e Engenharia da Produção, bem como a inclusão de um número maior de
sujeitos pesquisados;
• Segundo Osono et al. (2008), existem dois lados na Toyota: o lado hard, caracterizado
pelo STP, e o lado soft, referente às suas práticas de gestão dos recursos humanos,
gestão dos revendedores e cultura empresarial. O lado soft ganhou importância
atualmente devido à passagem da sociedade industrial para a sociedade do
conhecimento. Dessa forma, é interessante introduzir elementos desse lado soft da
Toyota em uma nova coleta de dados.
Por fim, o tema é instigante e nos oferece algumas reflexões, entre elas: somente a
implementação do lado hard do sistema Lean/STP garante um novo entendimento do sentido
do trabalho? Como os trabalhadores vão dar conta da formação de novos saberes e
competências para este mundo do trabalho, que confunde categorias como trabalho e
emprego? As competências requeridas ou “core abilities” são identificadas no sistema
Lean/STP? Ficam essas e, provavelmente, outras questões levantadas pelo próprio leitor para
a ampliação do debate deste tema.
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