Relação de poder nas organizações: uma análise - caepm

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Relação de poder nas organizações: uma análise - caepm
IV Simpósio Internacional de Administração e Marketing
VI Congresso de Administração da ESPM
São Paulo, 14 e 15 de outubro de 2009
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ÁREA-3 ESTUDOS ORGANIZACIONAIS E TEORIAS GERENCIAIS
RELAÇÃO DE PODER NAS ORGANIZAÇÕES: UMA ANÁLISE DA
ADMINISTRAÇÃO CIENTÍFICA DE TAYLOR SEGUNDO A VISÃO
DE FOUCAULT
Leandro Belizario Vieirai
Luis Carlos Murakamiii
Ana Valeria Belizarioiii
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo analisar as formas de exercício da disciplina segundo a
abordagem da administração científica clássica, e especial a teoria de F. W. Taylor e os
estudos das relações de poder realizados por Michel Foucault. A pesquisa partiu da hipótese
de que Taylor aplicava nas fábricas técnicas que pretendiam disciplinar e docilizar o corpo
dos trabalhadores. A revisão bibliográfica realizada em livros e artigos possibilitou traçar um
paralelo entre os estudos desenvolvidos por Taylor e por Foucault a fim de confirmar a
hipótese apresentada.
Palavras-chave: Disciplina. Poder. Vigiar.
i
UFC, professor Ms., [email protected], Rua Menino Deus, 481, apto 202 – Centro – Sobral/CE.
UFC, professor Dr., [email protected], Av. da Universidade, 2486 – Benfica – Fortaleza/CE.
iii
UFC, pesquisadora, [email protected], Rua Menino Deus, 481, apto 202 – Centro – Sobral/CE
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1 INTRODUÇÃO
As relações de trabalho do período anterior à Revolução Industrial ainda eram
fortemente ligadas ao escravismo e ao vassalismo. Os senhores forneciam o mínimo para a
subsistência daqueles que produziam em suas terras. A geração de riquezas era fruto da
apropriação da capacidade de trabalho das pessoas através da força, que era uma ferramenta
aplicada sempre que se pretendia manter a ordem. Não havia compensação financeira para o
trabalho realizado. Com a Revolução Industrial, o Capital ganhou força e ampliou seu
domínio sobre os trabalhadores. Para isso, novas técnicas que possibilitassem o controle sobre
os indivíduos, mas que não usassem a força bruta como instrumento foram desenvolvidas em
um processo lento e gradativo a fim de sustentar o crescimento das organizações.
Taylor desenvolveu técnicas representativas que permitiram organizar os trabalhadores
e extrair deles o máximo de suas capacidades de produção através de um processo racional.
Esse artigo tem como objetivo fazer uma análise dessas técnicas segundo a ótica de Michel
Foucault, partindo da hipótese de que Taylor pretendia na verdade encontrar formas de
docilizar o corpo do trabalhador.
A primeira parte do artigo faz uma avaliação histórica das relações de trabalho desde o
período anterior a revolução industrial e relata a forma encontrada por Taylor para romper
com a dependência do Capital frente aos trabalhadores. A segunda parte faz uma análise da
visão de Foucault sobre a questão das relações de poder e técnicas para se exercer a disciplina.
Por fim, a terceira parte apresenta a conclusão do estudo a partir de um paralelo entre a
abordagem de Taylor e a visão de Foucault sobre a questão da disciplina elucidando a cerne
do pensamento que havia por trás das técnicas e princípios que geraram o que conhecemos
hoje como administração científica.
2 DESENVOLVIMENTO
Administração Científica: A nova disciplina do trabalhador
A partir da Revolução Industrial o Capital intensificou a busca por métodos que
ampliasse seu domínio sobre o trabalho vivo. Instaurou-se uma organização econômica e
social que se mostrou ser mais promissora do que as que vinham sendo utilizadas até então. A
violência, como forma de garantia de que as atividades seriam feitas, não tinha mais a mesma
eficácia nessa nova ordem.
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“A disciplina era feroz, se é que podemos chamar de disciplina o uso de uma
brutalidade inominável e, às vezes, de uma crueldade refinada que, por capricho, se
satisfazia em seres indefesos. O famoso relato dos sofrimentos suportados por um
aprendiz de fábrica, Robert Blincoe, faz tremer de horror. Em Lowdhan, perto de
Nottinghan, para onde ele foi enviado em 1799, com um lote de mais ou menos
oitenta crianças de ambos os sexos, contentava-se em usar o chicote: na verdade era
usado de manhã e à noite, não apenas para corrigir a mais ligeira falta dos
aprendizes, mas para estimulá-los ao trabalho, para mantê-los acordados, e quando
a fadiga os prostava”. (MANTOUX apud GARCIA, 1991: p.39)
Relatos como o anterior precisavam sair de cena e dar lugar a um novo estilo de
gerência menos brutal e mais discreta. As fábricas estavam se tornando cada vez maiores,
algumas delas empregando mais de mil e quinhentas pessoas. Novos processos precisam ser
criados para que os administradores da época pudessem ter melhor controle do trabalho e
maiores lucros. As ciências físicas ganhavam espaço cada vez maior com seus princípios de
racionalidade, causa e efeito.
Sistemas de controles e normas foram algumas das formas que se encontrou para
disciplinar o trabalho vivo, porém, a forma como a supervisão era exercida não assegurava a
produtividade que o Capital desejava. A tecnologia surgiu, então, com uma resposta que
alteraria por completo as relações de trabalho. Com o advento das máquinas, as organizações
da época passaram a dispor de um novo tipo de força do trabalho muito mais produtiva e
barata. Milhares de pessoas viram seus empregos serem extintos com a expansão da
mecanização, formando, com isso, uma legião de desempregados dispostos a acatarem as
normas e condições oferecidas pelo Capital para contratação. Por outro lado, a nova indústria
precisa de pessoas qualificadas e que aderissem com facilidade a essa nova realidade,
precisava desenvolver técnicas de recrutamento, seleção e treinamento.
O trabalho objetivado, aqui entendido como o trabalho advindo de meios mecânicos e
dos princípios da engenharia que o desenvolvera, foi o primeiro grande passo dado para
diminuir essa importância do trabalho vivo e conseqüentemente a dependência do Capital
perante a classe operária.
“A máquina, diferente da ferramenta, não é um simples instrumento nas mãos dos
operários, é uma mão artificial. Os movimentos repetitivos inscritos nas
engrenagens mecânicas - resultado da aplicação tecnológica da ciência - substituem
os hábitos humanos e a destreza das mãos. Desta forma, com a maquinaria
(automação) a subsunção formal do trabalho ao Capital é substituída pela
subordinação real. “E aqui está o específico da máquina: ao invés de ser um
instrumento na mão do operário, a máquina é uma mão artificial. Ela se distingue
da ferramenta menos pela força automática que a move do que pelos movimentos
de que capaz, movimentos inscritos em suas engrenagens pela arte do engenheiro e
que substituem os processos, os hábitos, a destreza da mão “. (MANTEUX apud
SILVA, 2002: p.30).
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Por volta de 1850, a indústria que mais se desenvolvera foi a têxtil. Só a partir de 1880
é que surgem os primeiros estudos de F. W. Taylor com a expansão da indústria mecânica. O
pano de fundo estava montado para que Taylor pudesse, enfim, propor uma nova
sistematização do trabalho. O desenvolvimento tecnológico, a constante expansão dos
mercados, a necessidade de novos sistemas de controle e de disciplina do pessoal constituíam
um cenário propício às idéias que Taylor mais tarde desenvolveria e apresentaria.
Segundo Moraes (1988), o problema localizado por Taylor é que, os trabalhadores
estão atrelados aos reais processos de trabalho, ou seja, voltasse para a questão da
dependência do Capital frente ao trabalho vivo, porém, numa fase mais avançada do
desenvolvimento do capitalismo. Para solucionar esse problema, ele propôs alguns princípios:
1.
Dissociação do processo de trabalho das especialidades dos
trabalhadores.
Cabe ao administrador dispor de todo o conhecimento tradicional, que antes
pertencia ao trabalhador, organizar, classificá-lo, tabulá-lo e reduzi-lo a regras, leis e
fórmulas.
2.
Separação de concepção e execução.
Divisão clara entre trabalho mental (planejamento) e trabalho operacional. O
trabalho mental deverá ser exercido apenas pela gerência e devidamente apresentado
aos operários de forma clara e simplificada para que possam executar as ordens sem
quaisquer dúvidas ou questionamentos.
3.
Utilização de um monopólio do conhecimento para controlar cada fase
do processo de trabalho e seu modo de execução.
O trabalho do operário é minuciosamente estudado e planejado pela gerência com a
antecedência mínima de um dia. É repassado de forma escrita e completa, detalhando cada
etapa e atividade que deve executar, bem como os meios a serem utilizados para fazer o
trabalho.
A forma encontrada por Taylor para que o Capital pudesse romper com essa
dependência foi, segundo Moraes (1988), o controle de todos os tempos e movimentos do
trabalhador, ou seja, do controle de todos os passos do trabalho vivo. È a mecanização do
trabalho operário. Max (apud MORAES 1988: p.34) nos traz uma percepção clara da reação
imposta pelo Capital, onde, ao invés de subordinar o trabalho vivo através do trabalho morto,
pelo lado dos elementos objetivos do processo de trabalho, o Capital lança-se para dominar o
elemento subjetivo em si mesmo. Busca-se objetivar o fator subjetivo, o trabalho vivo.
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“Quando falamos em manufatura nos detivemos no princípio subjetivo da divisão
do trabalho, consistente no fato de que as funções de trabalho estão estruturadas
sobre uma base tecnológica artesanal. A introdução das máquinas permite transferir
o aspecto operativo da área de trabalho do trabalhador às máquinas, eliminando do
processo de trabalho todos os condicionamentos subjetivos e substituindo o
princípio subjetivo por um princípio objetivo de organização. Por objetivo Marx
entende que é suscetível de análise científica e de recomposição com base em
critérios científicos ou quantitativos. A objetividade, nesse caso, consiste na
aplicação da ciência aos problemas do processo de trabalho; (...), pela qual as ações
produtivas são decompostas nas formas fundamentais do movimento e recompostas
em operações mecânicas transferíveis às máquinas”. (PALMA apud MORAES,
1988: 38).
Mas Taylor precisa disciplinar e expropriar outros processos para que de fato o Capital
pudesse sentir-se menos dependente do trabalho vivo. Um deles foi dividir o trabalho em
intelectual e manual. Braverman (apud MORAES, 1988: p.43) explica que “todo possível
trabalho cerebral deve ser banido da oficina e centrado no departamento de planejamento e
projeto”. O operário não deve se preocupar ou gastar seu tempo pensando a respeito da sua
atividade, isto fica a encargo da direção que elabora todo o roteiro necessário para a execução
das atividades. Cabe a ele, operário, simplesmente fazer o que tem que fazer no menor tempo
possível e sistematicamente como foi orientado.
Esta separação entre trabalho manual e trabalho intelectual é que serve de base para
todos os outros princípios apresentados por Taylor, que na verdade, funcionam mais como
ações de controle. A especialização do trabalhador ao extremo que foi implantada visava
permitir ao Capital total controle do que estava sendo feito, como estava sendo feito, o tempo
que se levava e a produtividade pretendida. As operações precisavam ser altamente
simplificadas para que qualquer pessoa pudesse realizá-la. Isto permitia a substituição de
mão-de-obra sem maiores sobre-saltos à empresa e menores custos com treinamento. Marochi
(2002).
Desconhecer o processo de produção como um todo, diferentemente da produção
artesanal, tirou do operário qualquer tipo de domínio sobre o produto resultante de seu
trabalho e dos demais. A fragmentação das atividades possibilitou Taylor visualizar melhor
como cada atividade era feita e decompô-las em movimentos que podiam ser estudados
quanto ao tempo desprendido, para que pudesse eliminar aqueles que não contribuíam para a
operação e alterá-los de forma a permitir sua execução mais rápida, aumentado a
produtividade por cada homem. Era a racionalização científica sendo usada para quantificar
tudo para melhor medir e controlar o trabalho.
Assim, podemos considerar que a administração científica proposta por Taylor foi a
institucionalização de uma nova ordem produtiva, que vinha sendo moldada desde o início da
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revolução industrial, onde, finalmente o Capital diminuía sua dependência frente ao
trabalhador, expropriando o conhecimento deles por meio da separação de trabalho intelectual
e trabalho manual e, instituindo sistemas que permitissem maior controle sobre o trabalho,
agora especializado ao extremo da simplicidade para sua realização.
Foucault: Poder e disciplina
Foucault não define uma teoria geral do poder, pois não considera o poder como uma
realidade que possua natureza ou uma essência capaz de ser definida por características
universais. “Não existe algo unitário e global chamado poder, mas unicamente formas
díspares, heterogêneas, em constante transformação” (MACHADO, 1979: X). Ele encara o
poder como uma prática social, como uma ação sobre a ação do outro visando produzir uma
resposta operando sobre o comportamento dos sujeitos. Para o filósofo, o poder é constituído
historicamente e só surge quando exercitado dessa maneira, o poder é relacional e não está
localizado em nenhum ponto específico da estrutura social, por isso “o poder não é algo que
se detém como uma coisa, como uma propriedade, que se possui ou não” (MACHADO, 1979,
XIV). Ele é algo que se exerce e que se difunde por toda estrutura social.
O objetivo básico de Foucault é demonstrar que as relações de poder não se passam
nem ao nível do direito, nem da violência; nem são basicamente contratuais e nem unicamente
repressivos. O poder não é visto por Foucault como um aparelho repressivo que impõe
limites, que castiga. Ele é tomado como algo positivo, pois caso não o fosse não conseguiria
ter força e manter-se. (MACHADO, 1979). “O que faz com que o poder se mantenha e que
seja aceito é simplesmente que ele não pesa como a força que diz não, mas que de fato ele
permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso” (FOUCAULT apud
MAIA, 1995). Desta forma, Foucault (1979) relata que é preciso pensar o poder como
produção de subjetividade a fim de evitar possíveis confrontos gerado pela insubmissão da
liberdade. O poder só pode ser exercido através da produção da verdade, que é um conjunto
de procedimentos regulados para a produção, a repartição, a circulação, a lei e o
funcionamento dos enunciados. Essa verdade deve reconhecida pelo sujeito para que ele
submeta-se.
“Cada sociedade tem seu “regime de verdade”, ou seja, seus tipos de discurso
tidos como verdadeiros, os mecanismos e as instância que permitem
distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, as maneiras como se
sancionam uns e outros, as técnicas e os procedimentos que são valorizados
para a obtenção de uns e outros e o estatuto daqueles que tem o encargo de
dizer o que funciona como verdadeiro” (FOUCAULT, 1987)
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O poder pastoral é uma técnica exercida através da produção de verdades que nasceu
nas instituições cristãs. O poder era exercido sobre o indivíduo através da garantia da salvação
do mesmo, se ele, mesmo que através do sacrifício, seguisse determinadas regras e leis,
ditadas pelas igrejas e incorporadas pelo indivíduo como verdades absolutas.
Contudo, essa salvação no outro mundo também deve ser assegurada nesse. E essa,
nesse caso, passa a segurança no emprego, bons salários, saúde, reconhecimento social entre
outros objetivos, o que faz esse poder pastoral ser exercido por vários tipos de instituições,
entre as quais pode-se destacar as famílias, as empresas e os colégios.
O exercício do poder é encarado como técnicas e estratégias que geram efeitos
produtivos cujo objetivo é ao mesmo tempo econômico e político, pois visa obter do homem o
máximo de força de trabalho e diminuir a capacidade de revolta, de resistência, de luta e
neutralizar os efeitos do contra-poder. “Aumentar a utilidade econômica e diminuir os
inconvenientes, os perigos políticos; aumentar a força econômica e diminuir a força política”
(MACHADO, 1979, XVI). A disciplina torna possível a relação de docilidade-utilidade dos
corpos através do controle minucioso das operações do corpo e faz com que as pessoas
trabalhem de acordo com uma norma, ou um padrão imposto de fora. “O poder disciplinar não
destrói o indivíduo, mas sim o fabrica. O sujeito se constitui historicamente a partir das
relações de poder, dos regimes de verdade e dos discursos que sustentam estas relações”.
(Foucault apud ALCADIPANI, 2003). “A disciplina aumenta as forças do corpo - em termos
econômicos de utilidade; e diminui essas mesmas forças - em termos políticos de obediência.
(...) a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptidão aumentada e
uma dominação acentuada” (FOUCAULT, 1979: 127). O poder disciplinar é um “método que
permite o controle minucioso das operações do corpo, que asseguram a sujeição constante de
suas forças e lhes impõem uma relação de “docilidade-utilidade” (FOUCAULT apud
SANTOS FILHO, 2002). Não torna somente um corpo submisso, ele torna, também, uma
individualidade submissa, uma mente submissa. Assim, a disciplina não envolve somente um
controle do corpo, mas um controle das idéias também. (SILVA e ALCADIPANI, 2002)
“À medida que os mecanismos disciplinares realizam suas funções, a individualidade
vai tomando suas formas, recebendo suas marcas e encontrando as características que
determinarão suas possibilidades e, também, seus limites” (Fonseca, 1995). Contudo,
Foucault (1979) ressalta que é importante não confundir disciplina com outras fórmulas gerais
de dominação como a escravidão, pois, ela não é baseada na relação de apropriação dos
corpos e dispensa uma relação custosa e violenta. A disciplina também é diferente da
domesticidade, que é uma relação não analítica e ilimitada, e da vassalidade, que é uma
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relação de submissão que se realiza mais sobre os produtos do trabalho. O autor complementa
que a disciplina surgiu em um momento histórico em que não era necessário apenas o
aumento das habilidades dos corpos e nem o da sujeição dos mesmos, mas era preciso que se
estabelecesse uma relação que tornasse o corpo útil e obediente. É preciso ter domínio sobre o
corpo para que ele não faça apenas o que se quer, mas que opere como se quer, com as
técnicas, segundo a rapidez e a eficácia que se determina. (FOUCAULT, 1979).
Essa disciplina produz, segundo o sociólogo, uma individualidade com quatro
características básicas: (1) celular – repartição espacial dos indivíduos onde cada um deve
ocupar seu espaço restrito dentro da organização; (2) orgânica – pela determinação das
atividades de acordo com cada função; (3) genética – acumulação do tempo para uso racional
e melhor produtividade; (4) combinatório – somatório das contribuições individuais. Para a
construção dessa individualidade faz-se o uso de quatro grandes técnicas: (1) a construção de
quadros que delimitem a individualidade; (2) prescrição de manobras onde se determina o que
se espera e como deve ser realizada em uma atividade; (3) imposição de exercícios que levam
a racionalização das atividades; (4) organização de táticas. Aqui, entende-se por tática a arte
de construir, por meio da individualidade e todas as suas características, dispositivos em que o
produto resultante das diferentes forças encontra-se ampliado por sua combinação planejada.
A célula, colocada por Foucault (1979), nada mais é que um dos momentos da
disciplina que inter-relacionados, tornam a prática do poder possível, a clausura, que é a
distribuição dos indivíduos em um espaço que deve ser heterogêneo a todos e fechado em si
mesmo e que torna possível individualizar, classificar e colocar o indivíduo dentro de uma
hierarquia. “É preciso anular os efeitos das repartições indecisas, e o desaparecimento
descontrolado do indivíduo, sua circulação difusa, sua coagulação inutilizável e perigosa”
(FOUCAULT, 1979: p.131). A clausura permite saber e garantir onde se encontra cada
indivíduo e qual a função que ele está realizando. Assim, é possível exercer maior vigilância e
controle com o objetivo de maximizar a produção e neutralizar tudo que pode ser um
obstáculo para a eficiência. Outra técnica fundamental da disciplina é o controle de tempo,
cujo objetivo é aumentar a produtividade e a eficácia, obtendo-se mais com o mesmo espaço
de tempo disponível. Porém, esse não é um apenas um controle cronológico “o tempo penetra
o corpo e com ele todos os controles minuciosos do poder” (FOUCAULT, 1979: p.138).
Dessa forma, não é o resultado da ação que interessa, mas a forma como é desenvolvida. O
corpo deve incorporar o tempo para disciplinar os gestos das atividades cotidianas e torná-los
o mais produtivo possível. Isto é conseguido através da decomposição da atividade global em
dois paralelos em que: um engloba as partes do corpo e o outro os elementos do objeto a ser
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manipulado. Após esse primeiro momento é feita uma correlação entre os elementos e
definida a ordem e a maneira de realizar a atividade. Outra técnica utilizada para manter o
poder disciplinar é a vigilância, que deve ser exaustiva, ilimitada, permanente e indiscreta
para que este sistema funcione. Parte-se do pressuposto da “vadiagem” generalizada, no
sentido de que, sem o devido acompanhamento os indivíduos tendem a dissipar suas ações
com atividades não relacionadas ao seu trabalho. É preciso acompanhar cada etapa do
trabalho e o tempo desprendido, continuamente, pois, o relaxamento dessa vigilância
permitiria o rompimento da disciplina imposta. Ela deve ser discreta no sentido de não ser
percebida com clareza para que o individuo não saiba quando, como e por quem está sendo
vigiado, a fim de incutir em seu subconsciente que não se deve descuidar em nenhum
momento sob pena de sofrer as sanções impostas pelo sistema.
O Taylorismo e Foucault
Conforme Foucault relatou, o poder não algo a que se têm posse e tangível a quem o
faz uso. Ele é relacional, ou seja, ele existe apenas nas interações entre indivíduos. Quando
Taylor construiu seu modelo de administração, a forma de poder que fez uso foi uma
reorganização das relações existentes. Nessa nova re-organização, apresentado por Taylor, o
poder era exercido de forma mais implícita e visava gerar um determinado comportamento do
trabalhador. Para Foucault, a base que sustenta esse tipo de poder é a produção de verdades
que são um conjunto de procedimentos regulados para a produção, a repartição, a circulação,
a lei e o funcionamento dos enunciados. Taylor, ao lançar seus princípios estabelece certas
verdades para a classe operária. Seu sistema de remuneração por peças produzidas, o conceito
de homem economicus - o que é bom para a empresa é bom para o operário; são formas que
ele utilizou para estimular o trabalhador a produzir mais e de acordo com o que lhe era
ensinado.
No entanto, vale ressaltar que essa análise sobre as verdades de Taylor é uma análise
de micro-ambiente, já que, Foucault, ao falar das verdades, o faz de forma ampla, pois, seus
estudos foram quanto a sociedade como um todo e isto envolve diversas instituições que estão
diretamente envolvidas com a formação da pessoal, tais como: a família, a igreja e a escola.
Algumas das verdades de Taylor não tiveram força de sustentação e ficaram restritas a poucas
organizações. Outras, apesar de também não serem generalizadas como forma de lei, ainda
tem forte influência na motivação dos trabalhadores como o ganho por produção.
Foucault também coloca que o poder é um conjunto de técnicas e estratégias que
proporcionam efeitos produtivos econômicos e políticos. Econômicos quando elevam a
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produtividade por individuo e políticos quando visam estabelecer uma ordem de submissão,
contendo revoltas e ações de contra-poder. Taylor, ao apresentar seus estudos de tempos e
movimentos, apresenta uma estratégia singular para dispor de maior controle do processo
produtivo. Além de controlar as atividades a serem combinadas para uma dada tarefa esses
estudos proporcionaram maior produção de peças pro individuo. As empresas da época
tinham como maior preocupação a expansão de sua produção e isto não podia ser feito com a
opressão física dos indivíduos. O Capital precisava instigar as pessoas a trabalharem mais e
produzirem mais. A principal forma de coerção adotada por Taylor foi o controle. Tudo era
medido e acompanhado. Os movimentos eram planejados de forma que o trabalhador
pensasse o mínimo possível, seu foco era apenas produzir mais e mais. Isso, alinhado a
divisão do trabalho e a supervisão individual inibia a troca de idéias entre operários quanto à
ações de contra-poder. Era preciso aumentar a força econômica e diminuir a força política dos
indivíduos.
A forma encontrada por Taylor para ter maior controle e maior certeza quanto a real
aplicação das atividades tal como ele as concebeu por meio de seus estudos de tempos e
movimentos foi o que Foucault chamou de poder disciplinar. A disciplina tem como função
docilizar os copos no sentido de ampliar seu poder econômico. Taylor precisava fabricar
corpos para que desempenhassem as atividades conforme a gerencia havia planejado. A maior
parte dos trabalhadores da época vinha do campo e não estava habituada a rotina desse novo
sistema de produção. Os corpos precisavam ser treinados e domesticados para que pudesse
chegar aos níveis desejados de produção. O sistema de tempos e movimentos de Taylor
permitia a enumeração das atividades a serem feitas para que um dado trabalho fosse feito
com um mínimo de tempo e de falhas. O treinamento e a repetição das atividades fabricavam
os corpos que o Capital precisava. A disciplina era rígida e contava com supervisores que
acompanhavam de perto o trabalho de cada homem. Tudo era quantificado para que se
pudesse observar os resultados obtidos.
A disciplina, conforme Foucault colocou, visava não apenas um controle físico sobre o
indivíduo, mas também o controle subjetivo. Ao se controlar minuciosamente os movimentos
do corpo, com o calculo de tempos padrões, Taylor conseguiu aumentar a relação docilidadeutilidade colocando padrões e normas externas ao individuo. A separação entre concepção e
execução permitiu ao Capital dizer o que deveria ser feito e o como. Isso possibilitou as
empresas reduzir sua dependência do trabalho vivo uma vez que o conhecimento a respeito
dos processos produtivos estava em seu poder. Cada atividade tinha seu conjunto de
procedimentos que poderiam ser repassados a qualquer individuo, pois, cada atividade deveria
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ser feita da forma mais simples possível. Caso o individuo não pudesse ter seu corpo e mente
docilizado, o Capital poderia eliminar esse operário de suas dependências e colocar outro,
treinando-o e fabricando para ampliação de sua capacidade econômica. Os estudos de tempos
e movimentos, por da disciplina, foi a forma encontrada por Taylor para objetivar o trabalho
subjetivo. Conforme Foucault salienta, esse processo de disciplina surgiu num contexto
histórico em que o novo sistema econômico que se firmava precisava, para sua sustentação,
de corpos úteis e obedientes.
O regime das disciplinas provocou outro tipo de alteração nos indivíduos. A
individualização do operário. A divisão do trabalho apresentada por Taylor isolou cada
operário em uma área restrita. O trabalhador precisava ficar concentrado no que estava
fazendo para que não perdesse a seqüência de seus movimentos e gastasse mais tempo do que
o necessário. A clausura foi uma forma encontrada de distanciar cada trabalhador uns dos
outros. Foucault apresenta algumas características dessa individualização proporcionada pela
individualização do trabalhador e dentre elas tem-se justamente o isolamento do individuo.
Esse tipo de individualização, também implantada por Taylor, permitia maior controle
dos supervisores, a real localização de cada operário e que os mesmos não ficassem
circulando por outras áreas da empresa. Era uma organização e distribuição das pessoas de
forma celular onde cada um devia ocupar apenas seu espaço restrito dentro da organização.
Outra característica mostrada por Foucault era a forma orgânica da distribuição das
atividades, cada um devia desempenhar uma determinada função. Era combinatória, pois, no
sistema organizado por Taylor, o produto final era resultado da cominação do trabalho de
todos os operários que estavam envolvidos em atividades específicas do processo.
As técnicas empregadas tinham os mesmos princípios das apresentadas por Foucault.
Taylor criou delimitações para cada trabalhador; prescreveu manobras onde se determina o
que se espera e como cada atividade deve ser realizada; impôs exercícios que disciplinavam e
rotinizavam o trabalhador com o uso de técnicas racionais e a implementação de táticas que
pudessem garanti o trabalho e que o produto final fosse o resultado do somatório das
atividades de cada individuo ampliada.
3 CONCLUSÃO
A partir da discussão apresentada, pode-se concluir que a proposta apresentada por F.
W. Taylor era um conjunto de técnicas e estratégias que tinham como objetivo a docilização
dos corpos, por meio da implementação de princípios racionais com estudos de tempos e
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movimentos que permitiam a expropriação do conhecimento do trabalhador, colocando-o
numa situação de individualização do processo produtivo com a divisão do trabalho de forma
clara e simplificada, com sistemas de controles precisos que visavam disciplinar o corpo para
fabricá-lo de acordo com a nova ordem econômica que se instaurava.
Taylor criou suas verdades e somados a disciplina, conseguiu um forma de objetivação
do trabalho vivo que vem sendo até a atualidade empregada nas mais diversas organizações.
Foucault, com seus estudos, proporcionou uma visão mais detalhada do que havia
implicitamente nas idéias apregoadas pelo Capital para a implantação da recém criada
administração científica. Traçar o paralelo entre esses dois revolucionários é algo que só
ampliará nossa concepção dos acontecimentos que inauguraram uma nova forma de relação
de trabalho na sociedade moderna.
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REFERÊNCIAS
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