Os instrumentos musicais. Da imaginação ao tocador, o
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Os instrumentos musicais. Da imaginação ao tocador, o
Os instrumentos musicais. Da imaginação ao tocador, o que expressam e como expressam a sua relação com os elementos da música. I1 Instrumentos de Sopro: AS PALHETAS Os mistérios órficos revelavam os segredos da dor e do sofrimento da individualidade divina-humana, que nas esferas celestes ainda se encontrava sob a égide da harmonia e sabedoria apolínea indivisível. Descendo para o reino de dionísio nas esferas terrenas, o indivisível tornou-se divisível através do desejo de conhecer-se. Nesse momento a consciência da sabedoria celeste se torna capacidade humana de pensar. Então, PALAS ATENA, a deusa do Pensar, da inteligência, cria um instrumento musical, o AULOS, motivada pela dor da separação e da incorporação individual (Pfrogner 1981, p.85-86). O AULOS é um instrumento de sopro, cujo som se assemelha ao nosso OBOÉ MODERNO. Como instrumento de sopro, ele se encontra muito perto da voz humana enquanto respiração, como portador da palavra, do pensamento, ele ainda é a expressão do grito de vida, da dor e alegria subjetivas, que não necessitam de palavras, mas são som, balbucio e lamento. Quando Palas Atena ouviu o poder desse lamento dionisíaco, lançou longe a sua própria criação, o AULOS. MARSYAS, sátiro e músico de Dionísio, se apoderou do instrumento, e tocando-o magistralmente, colocou-o ao lado da LIRA apolínea, feito pelo qual foi severamente castigado. De nada adiantou o castigo, o AULOS estava inaugurado nos festivais olímpicos (Pfrogner 1981, p. 94). Assim, ORFEU passou a toca esse instrumento como arauto dos sofrimentos e paixões humanas. No entanto, PÍNDAR, um grande músico grego da época de PITÁGORAS (músico, matemático, terapeuta e iniciado grego, cerca de 580 a.C.), elevou o grito lamentoso do AULOS, para uma arte musical mais espiritualizada, pelo conhecimento e pela aplicação dos ritmos celestes na sua música (Oberkogler 1976, p. 77). Como imagem primordial, os instrumentos de sopro são “cria” do advento do mundo dionisíaco, plenos de energias mágicas, como primeira manifestação da laringe e respiração na matéria-forma e servindo ao êxtase da individuação terrena, que se torna capacidade humana de pensar (Oberkogler 1976, p. 22). Nessa mesma linha estão outros instrumentos de palheta, ainda usados pelos povos árabes, se espalhando pelo mundo ocidental renascentista. São eles: RAUSCHPEIFE, KRUMHORN, CHALUMEAU, DULCIAN, com seus sons bizarros anasalados, estridentes, graves e agudos. Podem despertar no ouvinte reações psico-físicas quase primordiais, como riso, choro, arrepio, asco, e uma incrível vontade de dançar. Na Antiga Grécia, o aulos era um instrumento que executava ritos e gritos extásicos contra a melodia. Era chamado de PARAMELO-RYTHMO-BATES, o que significa, um ritmo agitado contra a melodia. Numa forma árabe ele entrou no Ocidente através das Cruzadas, onde foi recebido com entusiasmo pelos “vagantes” músicos que viajam de lugar a outro. Estes o transformaram no CHALUMEAU OBOÉ ou SCHALMY ou ainda SCHALMEI, o precursor mais perto do nosso moderno (Oberkogler 1976, p. 80). Na Idade Média o tocador de sopro era também percussionista. Principalmente no âmbito das danças, ele ainda mantém até hoje uma ligação com a esfera Dionisíaca. A partir do Século XVI os SOPROS de PALHETA foram se deslocando, do âmbito mágico, bizarro, despertador de forças instintivas do meio popular, para as cortes dos reis, buscando um refinamento sonoro cada vez mais apurado, através de uma técnica mais elaborada. No OBOÉ, o “grito de êxtase da laringe” de outrora transformou-se numa intensa, mas suave melodia, que nos traz um melancólico hálito de sofrimento da humanidade de outrora. No seus graves soa mais marcante, com plenitude áspera, quase tocando no físico; nos agudos soa às vezes estridente, fina, cortante, lembrando o velho AULOS. Em questão de expressão está mais perto da voz humana e também concorre com o violino (Oberkogler 1976, p. 80). A CLARINETA é a irmã do OBOÉ. Com seu timbre “aveludado” e maleável ela é muito propensa à dinâmicas e intensidades de pp (pianíssimo) até o ff (fortíssimo). Como qualidade sonora-timbrística ela fica entre as palhetas de madeira e os instrumentos de metal, mais especificamente as TROMPAS. Sua extensão é enorme. O SAXOFONE é um instrumento misto e híbrido, inventado por Adolphe Sax (1814-1894), clarinetista renomado. O seu som se caracteriza pela qualidade da voz humana, pelo grito “aulético”, pela suavidade e sensualidade da clarineta e pelo timbre metálico do seu corpo. Podemos ouvir, no Jazz, como o SAXOFONE é capaz de gritar e de lamentar numa incrível extensão e movimento melódico, que arrebata os corações humanos (Baines 1961, p. 230). O FAGOTE é um instrumento de palheta grave, que tem a tarefa de executar o BAIXO numa orquestra ou quinteto de sopros. Na verdade, o FAGOTE descende de um lado do DULCIANO, instrumento usado na renascença, no advento e desenvolvimento das famílias de instrumentos; de outro lado, o FAGOTE é um OBOÉ BAIXO, assim como há oboés tenores. No Século XVI, era chamado de GROSBOIS (oboé grande). Esse instrumento desperta um humor intenso e bucólico, e a partir do Século XVIII se firma também como instrumento solista (Oberkogler 1976, p. 89). Os instrumentos musicais são como organismos da natureza. Suas formas primordiais se manifestaram em tempos antigos e hoje não e possível inventar um instrumento totalmente novo. Mas, durante séculos, o homem foi trabalhando na diversificação e na melhora técnica, na pesquisa sonora dessa “manifestação”. Assim, a tradicional orquestra clássica, é composta de FLAUTA, OBOÉ, CLARINETA e FAGOTE (madeiras com palheta). Essas são as formas que se desenvolveram a partir da idéia primordial do SOPRO e da PALHETA. O homem criou as variações como: CORNE INGLÊS, BASSETHORN, CLARINETE BAIXO e o SAXOFONE (Baines 1961, p. 216). I2 Instrumentos de Sopro: AS FLAUTAS A imagem primordial da FLAUTA pode ser encontrada no conto “O osso cantante” dos Irmãos Grimm (Jacob 1785-1863, Wilhelm 1786-1859) e nos transfere para o poder mágico da música em épocas pré-históricas: Por ganância, inveja e desejo de poder, um irmão jovem é morto por seu irmão mais velho. Seu corpo é enterrado numa clareira da floresta. Um dia, o pastor, ao levar suas ovelhas para descansar nesse lugar, encontra um osso. Como era seu costume nas horas de descanso, começa a esculpir o osso com uma certa destreza e arte, transformando-o em uma flauta. Depois de pronta, ao tentar tocá-la, para sua grande surpresa, o som e a melodia do osso-flauta contam-lhe a história passada com o homem morto e enterrado ali, a quem pertencia esse osso. Temos aqui crenças que se sobrepõem: em primeiro lugar, o som mágico tirado do osso pelo sopro, era a voz e a força própria do ser a quem pertencia o osso. Em segundo lugar, o poder que o tocador adquiria, através do som, sobre seres da mesma espécie. Com essas crenças, o homem “pré-histórico” fazia e tocava instrumentos de chifres de animais e ossos humanos (Oberkogler 1976, p. 58). Na verdade, esses instrumentos eram usados como avisos em formas de apitos, e a partir daí foram se desenvolvendo com mais tons e furos. De acordo com vários estudos sobre instrumentos musicais na América Central e do Sul, flautas de várias modalidades eram muito conhecidas pelos índios (Baines 1961, p. 48). A experiência dionisíaca é uma experiência primordial em todas as culturas e em diversas épocas de acordo com o desenvolvimento psico-mentalfísico do homem. Segundo Rudolf Steiner, a raça indígena levou o impulso da individuação com muita força em toda a América. Por isso a FLAUTA, como INSTRUMENTO de SOPRO, representando um comportamento psicológico com tendências individualizantes, recebeu tão grande destaque nos cultos e nas danças (Steiner 1986, 4a Conferência). Assim, nessa época pré-histórica, não devemos imaginar ainda um fluir melódico na música. Certamente prevalecia uma harmonia rítmica, composta por sons de “apitos” (flautas primitivas) de vários comprimentos, manifestando a força mágica da vontade suprahumana, impulsionadora da reprodução e da vida (Oberkogler 1976, p. 59). “Era uma época em que o homem ainda não tecia representações ao ouvir um som; sugava a força daquilo que ouvia para dentro da sua alma, da sua vida.” (Steiner 1983) Sem dúvida, os elementos da música MELODIA-HARMONIA-RITMO ainda não estavam totalmente caracterizados e formavam uma unidade ainda não diferenciada. A FLAUTA, no entanto, continha em si um germe predestinado a se tornar um instrumento melódico (Baines 1961, p. 49). A primeira flauta com possibilidades melódicas foi a FLAUTA de PAN, ou SYRINX, construída antes do tubo de flauta com mais furos, instrumento que, sem dúvida, exige uma técnica de afinação muito mais complexa. A ordenação dos tubos da flauta de pan seguia normas consideradas sagradas no Egito, na Suméria e na China (Oberkogler 1976, p. 60). A história da música chinesa nos conta que “o mestre da música LINGLUN fixou as 12 LÜS sagradas (tons sagrados), cortando 12 bambus, cada um medido de acordo com a altura de cada tom. O mestre chinês foi inspirado pelos pássaros FENIX masculino e feminino, que trouxeram a medida dos tons do céu.” (Pfrogner 1981, p. 70). Assim, o “apito” de bambu recebe uma função parecida com a corda da lira: medidas musicais macrocósmicas, fixas. Esse procedimento fica mais perto de uma música matemática que na Grécia era praticada por Pitágoras (cerca de 580 a.C.), músico, matemático e iniciado grego (Pfrogner 1981, p. 105). Isso tudo nos leva a uma questão: como um instrumento de poder mágico dionisíaco se eleva à HARMONIA das ESFERAS, que é a esfera de APOLO, como nos mostra a história da música chinesa? Primeiramente não podemos esquecer que na Grécia foi PALAS ATENA, Deusa do PENSAR, que deu o instrumento de sopro aos homens, e que DIONÍSIO também mora no Olimpo, pois é deus igual a Apolo. Em segundo lugar, já vimos que essa polaridade APOLÍNEO-DIONISÍACA é algo, que se delineia na consciência da humanidade como INDIVIDUAÇÃO. O homem olha e se eleva para o macrocosmos, ao mesmo tempo que gradativamente desenvolve em si uma força de autonomia. Nos primórdios essa força é cheia de vida, instinto e vontade; no decorrer dos tempos ela vai se apurando, refinando, através do trabalho da própria individualidade, que desenvolve a inteligência e a capacidade de pensar (Oberkogler 1976, p. 62). A FLAUTA, como instrumento de sopro, nos conta em sua evolução desde os primórdios até hoje, como o homem, ainda completamente aberto às forças macrocósmicas, através dos primeiros sons, emerge de um mundo instintivo e musicalmente mágico, vai conquistando, pouco a pouco, uma vida psico-mental autônoma e racional. São as mesmas forças da INDIVIDUAÇÃO, descritas no mito de Dionísio, que colocam o homem novamente em contato com a harmonia das esferas, descritas no mito de Apolo. Aí ele então nos “toca” as mais belas e criativas melodias. Flautas são tubos com orifícios, por onde são sopradas para produzir um som. Na flauta transverssal isso se dá diretamente no orifício, mantendo o tubo na horizontal, ou melhor, na posição transversal. Na flauta doce ou flauta block , o som é produzido através do sopro no bloco em forma de apito, que não é nada mais do que o elemento de origem da flauta mais elaborado. Devido a essa diferença na construção da flauta, o som dos dois instrumentos também ressoa diferente (Baines 1961, p. 221) O som da flauta transversal é mais suave, caloroso e maleável, e sua técnica de sopro é mais difícil, devido à embocadura. Na flauta doce, a comunicação direta entre a respiração humana e o som do instrumento, através da articulação da língua no “apito”, provoca um som puro e cristalino, que nos presenteia outra vez com o "hálito" das esferas celestes. O som da flauta é bem diferente da voz humana. Ela tem em sua qualidade sonora uma coloração divina, paradisíaca, o que a coloca em parentesco com a Harpa ou Lira (Oberkogler 1976, p. 74). Apesar de encontrarmos as raízes da flauta na remota Antiguidade, a sua evolução mostra uma transformação bastante grande. Na idade média era o instrumento dos pastores. A FLAUTA TRANSVERSAL aparece no Ocidente somente no Século XII, trazida pelos cavaleiros das Cruzadas do Oriente para o Ocidente. Alcançou uma técnica e expressão artística melódica através de músicos e construtores franceses no Século XVII, desenvolvendo-se no Século XVIII na forma em que a conhecemos hoje (Oberkogler 1976, p. 64). Até a metade do Século XVIII a FLAUTA DOCE esteve muito mais presente na música do que a flauta transversal, pelas variedades articulatórias e por sua sonoridade celestial, depois, pouco a pouco a flauta transversal foi tomando o seu lugar, por oferecer maiores possibilidades de dinâmica e expressão, conforme as exigências da época. O flautista controla essa expressão através dos lábios, o que dá um timbre bem pessoal ao som do instrumento. O Século XIX trouxe uma melhora técnica aos instrumentos de sopro em geral, o que requeriu mais técnica no aprendizado e desenvolveu seu campo expressivo. Assim, no ROMANTISMO potencializou-se outra vez o elemento dionisíaco, sem perder no entanto a capacidade melódica conquistada (Oberkogler 1976, p. 67). A FLAUTA TRANSVERSAL moderna é um modelo de metal idealizado e eleaborado por Theobald Böhm (1794-1881), flautista da Orquestra de Munique e joalheiro de profissão, que desenvolveu a flauta de prata. A FLAUTA carrega em si o Mistério da Respiração que transforma a consciência humana em melodia, superando e espiritualizando as forças telúricas. Assim, pode elevar a alma humana às esferas celestes, onde tudo é ordem e harmonia. O homem pode passar pelas provas da sua individuação terrena e elevar-se ao templo da sabedoria divina como na FLAUTA MÁGICA de W. A. Mozart. I3 Instrumentos de Sopro: OS METAIS O MUNDO ANTIGO usou chifres de carneiros, búfalos, renas, dentes de mamutes e trompetes de bronze. Os SCHOFARES, instrumentos de sopro usados pelos hebreus, um povo nômade e pastoril, eram feitos de chifre de carneiro e tocados para manter os rebanhos juntos nas longas distâncias das suas jornadas. De acordo com a Bíblia, foi o toque dos SCHOFARES que derrubou as muralhas de Jericó (Bragard, de Hen, Krikberg 1968, p. 19). Podemos encontrar no Brasil um instrumento com a mesma função e origem, o BERRANTE, feito de chifre de búfalo ou boi, que também era, e ainda é hoje, usado pelos vaqueiros do Norte e do Sul para o toque do gado. De 1800 a 1000 A. C., com a descoberta do primeiro metal, o BRONZE, a cultura material se enriqueceu e se abriu para novas possibilidades de fabricação de instrumentos e ferramentas. Os dentes de mamutes e chifres de animais primeiramente foram decorados com o bronze por fora. Logo, porém, maravilhados coma maleabilidade desse metal, os homens iniciaram a confecção de TROMPETES feitos inteiramente de bronze, e de bocais feitos para o apoio dos lábios. Os tubos foram encompridando, afinando e variando nas formas, que iam de espiraladas a longelíneas. Graças a sua elaboração pôdese extrair, com mais precisão, maior variedade de tons naturais, do que até então tinha sido possível extrair dos chifres. No Sul da Europa a ERA do BRONZE foi rapidamente substituída pela ERA do FERRO, por isso um maior número de instrumentos de BRONZE foi conservado no Norte da Europa. Encontrou-se LURAS (trompetes de Bronze) nos pântanos da Escandinávia. Suas formas provavelmente descendem dos dentes de mamutes (Bragard, de Hen, Krikberg 1968, p. 13). Não há dúvidas que esses instrumentos, pela sua potência, projeção sonora e dificuldade de entonação, não se prestavam para grandes movimentos musicais, mas sim, foram usados para sinalização e anúncios de grandes momentos e acontecimentos. Sua expressão musical limitou-se, tal qual as primeiras flautas, a acordes rítmicos pontuados por vários instrumentos em pergunta e resposta, ou em conjunto (Baines 1961, p. 251). Ao contrário dos gregos, os romanos eram muito mais afeiçoados a instrumentos de metal, usavam o toque dos TROMPETES para as procissões de sacrifício estatais, ou as TUBAS CURVAS, as trompas de forma espiralada, maravilhosamente confeccionadas, que eram tocadas nos grandes acontecimentos na cidade de Pompéia (Bragard, de Hen, Krikberg 1968, p. 27 e 32). No início da Renascença era muito comum ter bandas de TROMPETES e TROMBONES com acompanhamento de TAMBORES tocando nas ruas e eventos de guerra, mas somente a partir do Século XVIII começam as modificações para esses instrumentos se tornarem capazes de tocar arpejos, escalas e melodias. Até hoje, tocar nesses instrumentos não é difícil, dando um imenso prazer e uma sensação de poder a quem se aventura a soprá-los; mas formar uma escala e uma melodia é extremamente difícil e requer muitos anos de estudo. As suas formas são também “imaginação” dos timbres e do efeito sonoro, da sua origem. Os bocais têm algo da atividade da palavra, o que podemos ouvir magistralmente executado pelos grandes trompetistas e trombonistas do Jazz, que alcançaram uma técnica afinadíssima para tocar esses instrumentos. É como se a palavra quisesse se tornar som. Assim, o som dos METAIS, fora do Jazz, não tem nada de subjetivo, mas caracterizam o suprapessoal. O espaço circundante se abre para a natureza. O som do AR nas árvores, a majestade das montanhas, o poder do mar, toda a magia do mundo macrocósmico parece ressoar através desses instrumentos. O som suave da TROMPA, o chamado impetuoso dos TROMPETES nos levam à grandiosidade da natureza, chamando os heróis à ação. São os órgãos dos ”MISTÉRIOS da CRIAÇÃO”, longe do mundo dos sentimentos do coração humano. Deles emana uma energia supranatural revitalizante, um som luminoso livre e vivo, que o compositor Richard Wagner soube expressar em sua obra (Oberkogler 1976, p. 123 e 93). II1 Instrumentos de Percussão: OS TAMBORES “No princípio era o VERBO, E o VERBO estava com DEUS. E o VERBO era um SER DIVINO, Que no princípio estava com DEUS.” Evangelho Segundo São João Nesse momento usarei as palavras maravilhosas do Evangelho Segundo São João: “no princípio era o verbo”, ousando a substituição da palavra verbo por ritmo: “no princípio era o ritmo”. “O som que vinha do universo formava as mais diversas formas e figuras, e as substâncias que estavam diluídas nos líquidos obedeciam a esse RITMO CÓSMICO, RITMO. se ordenando e “dançando” no tempo de acordo com esse É um maravilhoso tempo do desenvolvimento da Terra. A mais importante dança é a dança da substância da proteína, o protoplasma, que constitui toda a base para a vida.” (Steiner 1974, no 102, 5a Conferência). “Esse RITMO era expressão das forças formativas do universo na formação da Terra. Mais tarde, ao invés da dança das substâncias, percebemos a dança dos corpos humanos que se movimentam com o canto primordial dos elementais, e dos ritos sagrados.” (Oberkogler 1976, p. 138). O símbolo para o nascimento do homem pelo útero materno é o tambor (surdo). Todas as formas de percussão em peles e vasos têm, como conteúdo, a mesma imagem criativa. É a imagem do corpo formando o seu interior durante a evolução, só sendo possível então o desenvolvimento de uma vida psico-mental. Muitos tambores mostram, em sua forma uma imagem feminina, aludindo à mãe primordial, à mãe terra. O ritmo que ressoa dos tambores traz a lembrança da presença divina, e a lembrança da ligação da Terra com o Sol. O TAMBOR é o símbolo da divindade que se tornou homem. Expressando-se através do ritmo, o “tambor-homem” toca em todos os cultos de fertilidade, impulsionando a dança da vida. É o instrumento de um culto primordial e mágico, ligado também fortemente ao culto dos mortos. De um lado, caminha para a guerra, incentivando o desejo de poder e de coragem, e de outro é tocado para as danças, proporcionando movimento, prazer e êxtase (Oberkogler 1976, p. 141). No desenvolvimento da cultura brasileira, os tambores têm todas essas funções, sempre dentro de um sentido bastante social. Desde quando os quilombos exerceram os seus ritmos africanos, na época da escravidão, uma diversidade rítmica foi surgindo, em diferentes regiões, na música brasileira. Na máxima potencialização de uma escola de samba, há uma integração rítmica de todos e uma disciplina de cada um em prol de uma união, de uma imensa alegria e poder. Através do ROQUE, vindo da Inglaterra para a América, nos anos 60, toda a diversidade sonora e rítmica foi concentrada na BATERIA, instrumento de volume e técnica quase supra humanos. Essa tentativa de abarcar o "poder dionisíaco” dessa forma, se justifica pela mudança para o instrumental elétrico, que tem como ideal o “poder do som”. Mas sabemos que o baterista, para ser realmente bom, precisa ser muito coordenado, ágil e sutil, a ponto de transformar a “catarse do poder” em música interessante e viva. O fato é que diante desse instrumento encontramos sempre uma situação de limite entre o humano e o supra ou sub humano. Na música erudita essa humanização é feita através do TÍMPANO. Nele nasce o tom, que caminha para o elemento melódico. O tímpano sempre aparece em 2, 3 ou mais instrumentos, não para potencializar o som, mas para pontuá-lo com o MELOS ou com a HARMONIA. A forma do tímpano é de um cálice, fechado embaixo, criando um espaço sonoro interior, e aberto em cima, para o universo. É o instrumento dos cavaleiros e da nobreza na Idade Média e na Renascença. Era freqüente, nessa época, formar um par com o trompete e o tímpano, assim como o cavaleiro forma um par com o seu cavalo. A emancipação e a valorização do tímpano se deu na Época Barroca, quando foi incorporado às orquestras de Bach e Händel. Hoje o tímpano é o instrumento de percussão mais importante das grandes orquestras (Oberkogler 1976, p. 145). Vivenciamos os metais como portadores e representantes das energia planetárias. Em tempos antigos não foram usados para a guerra, mas para os cultos sagrados, para as mudanças das estações (solstícios), para os fenômenos astrais, como eclipses da lua e aparições dos cometas. Desse grupo de instrumentos fazem parte: o PRATO solo ou em pares, ou os CÍMBALOS; o GONGO bem maior que o prato, o SISTRUM e o TRIÂNGULO (Oberkogler 1976, p. 158). Os PRATOS ou CÍMBALOS foram confeccionados em tradição familiar na China e na Turquia, mas já existiam no Egito. O prato chinês é tocado solo com uma baqueta coberta de feltro; o prato turco é tocado em par, batendo um contra o outro. O prato turco tem como imagem original o brinde das taças dos grandes reis no mundo feudal, que eram de ouro, prato, zinco ou bronze. Eram tocados quando comemoravam grandes feitos heróicos ou selavam alianças importantes com um brinde. O importante nesse brinde era o som que produziam os copos batendo uns nos outros, sempre dois a dois, como se o som do universo desse sua benção sobre esse encontro. Com a invasão dos Árabes na Europa, esses instrumentos foram manipulados para incentivar a luta dos guerreiros através de ritmos típicos dos “Janitcharos”, povos guerreiros turcos (Oberkogler 1976, p. 150). Os CÍMBALOS são na verdade a forma mais antiga de pratos, com 5 cm de diâmetro. São tocados como castanholas presos nos dedos médio e dedão, batendo um contra o outro. Os címbalos chineses e tailandeses necessitavam das duas mãos e braços para tocar. Até hoje são muito usados pelas dançarinas árabes. No tocar das mãos na altura dos olhos ou acima da cabeça existe um encontro dos dois lados humanos (esquerdo e direito) e na verdade o som que ecoa cria a harmonia e o equilíbrio. Esse gesto tem muito a ver com a inspiração e expiração, contração e expansão que, como seres humanos, fazemos para nos manter no equilíbrio (Oberkogler 1976, p. 148). Nas orquestras atuais os címbalos muitas vezes são substituídos pelo som do triângulo e os pratos são instrumentos bem maiores, usados em momentos de grande poder da música. O GONGO tem um som que irradia em forma espiralada de fora para dentro. O fenômeno de ressonância se escuta a partir de uma amplitude periférica que vai se concentrando em direção ao ponto central. Temos a sensação de que o ponto somos nós, ouvindo e que o som vem do amplo espaço sideral. Ao contrário do PRATO, que irradia para fora, tocando-se no círculo periférico do instrumento, o GONGO irradia para dentro, tocando-se em seu ponto central. Não existe instrumento melhor para vivenciar o ESPAÇO SONORO em relação ao próprio centro tonal em todo o seu caminho, em toda sua potência, em todas as suas nuâncias, em todo o seu processo de transformação. Ao ouví-lo temos a impressão de estarmos no meio do som (Oberkogler 1976, p. 157). Quem alguma vez ouviu um GONGO JAVANÊS ou TAILANDÊS no original, pode pressentir a terrível grandeza das leis da vibração do universo. O TAM TAM chinês, como também é chamado o GONGO no Oriente, mede em seu diâmetro até 1,20 m. O seu som reúne em si o som de uma orquestra inteira. É caríssimo, porque poucos forjadores conhecem os segredos da sua confecção. Os melhores instrumentos têm um dragão gravado, e pela quantidade de patas se identifica o valor e a posição do construtor (Oberkogler 1976, p. 158). O GONGO é quase um instrumento “estranho” na música ocidental; talvez justamente por incorporar toda uma orquestra, ele não posso “existir” junto dela, pois ele não é UM instrumento, mas é todos os instrumentos. No nosso sistema planetário, o GONGO pode ser comparado ao COMETA, que é o “estranho” que aparece no sistema celeste de longínquos em longínquos tempos, não pertence a ele, mas tem uma tarefa, a tarefa do anúncio, de algum acontecimento futuro. Conforme os metais de que é feito, latão, ferro, bronze o GONGO derrama sobre o espaço, densidade, calor, luminosidade, leveza em todas s cores, e o som se propaga lenta ou rapidamente. A maneira de tocar se expressa no gesto amplo livre na altura do tronco, trazendo o movimento de fora para dentro ou de dentro para fora, numa expiração aumentada dentro de um clima quase meditativo (Oberkogler 1976, p. 158). O SISTRUM é um guizo de metal, que vem da Mesopotâmia, tendo também se espalhado pelo Egito. Foi muito usado de 2160 a 1750 antes de Cristo, em homenagem a HATHOR, deusa da Música. Os quatro pinos de metal, em ordem ascendente, encaixados num metal em forma de casco de cavalo, quando sacudidos ritmicamente, batem uns contra os outros, através dos seus encaixes dobrados, produzindo um som fogoso e luminoso. Era feito de bronze ou ouro, sendo usado para os cultos. A curva do metal principal significava o caminho da lua no céu, com as mudanças e eclipses da lua; os quatro pinos por sua vez, representavam os quatro elementos. Como instrumento, era tido como um símbolo do SER em constante movimento (Bragard, de Hen, Kickberg 1968, p. 19). Mas a maneira de tocar não era apenas um “sacudir”, mas um SACUDIR métrico e melismático que revelava ordens e momentos iniciáticos, cujos segredos estavam guardados pelos sacerdotes. Como muitos elementos, o SISTRUM foi incorporado na liturgia cristã, católica, uma vez nas procissões, em forma de matracas, outra vez na própria missa, em forma de sininhos, que tocam nos momentos sagrados do culto. Além disso, também usado nas danças cúlticas, o sistrum, transformado em guizo, fez parte das danças profanas, como elemento de excitação e alegria. Ainda hoje, faz parte de todo instrumental de orquestra, escola ou sala musicoterápica (Oberkogler 1976, p. 153). No TRIÂNGULO temos uma simplificação e abstração desse antigo SISTRUM. A sua forma como TRIÂNGULO DOURADO, que o arquiteto do rei Salomão outrora teve que ocultar (leia-se a história na Bíblia), ainda alude ao SER em movimento, em evolução, na conquista do seu “centro dourado superior”. Ele aparece em muitas pinturas, que aludem à música, como presente, ecoando no momento do nascimento do Cristo. O seu som é claro, parecido com o som de um pequeno sino. Feito de cobre, ele ressoa com mais mistério e calor, de ouro, ele é mais luminoso. O de prata é mais brilhante e o de latão, mais estridente (Oberkogler 1976, p. 151). Nas orquestras se usa o TRIÂNGULO pendurado num fio , pontuado ritmicamente ou em seqüências tonais rápidas com efeito de cascata, lembrando o sacudir do guizo, do SISTRUM antigo. Na música popular, principalmente no FORRÓ, ele é o eterno companheiro da zabumba e da sanfona. É pendurado nos dedos da mão esquerda, liberando e abafando o seu som alternadamente com o dedão. Com a mão direita, segurando um pino de metal, toca-se o ritmo contínuo. II3 PERCUSSÕES AFINADAS de METAL e MADEIRA O GLOCKENSPIEL é o mais freqüentemente usado desse grupo. É um metalofone, com as plaquetas arrumadas como se fosse um teclado. O XILOFONE e a MARIMBA são construídos da mesma forma, só que as plaquetas são de madeira e a sua ressonância é mais seca. A MARIMBA e o VIBRAFONE tem tubos de ressonância embaixo das plaquetas, fazendo a ressonância do instrumento aumentar bastante. Todos esses instrumentos tem uma extensão de uma a quatro oitavas. São instrumentos melódicos, que nas orquestras fazem arpejos harmônicos, ou tocam pequenas melodias. A MARIMBA e o VIBRAFONE são também instrumentos solistas de boa eficiência e expressão. Foram idealizados para as orquestras modernas e para os conjuntos de jazz. São tocados com baquetas nas duas mãos, e o tocador usa de 1 a 3 baquetas em cada mão, podendo variar a melodia e adaptá-la a um ritmo bastante acelerado (Baines 1961, p. 310). Onde quer que apareçam esses instrumentos, seu toque é de animação, e de efeito refrescante e luminoso. Por esse seu efeito, e pelo princípio muito natural de tocá-los, foram e são ainda usados, em várias alturas, tonalidades e timbres, nas musicalizações infantis, como também nos settings musicoterápicos. Unem o ritmo com melodia e harmonia, integrando-os constantemente. Transmitindo-nos um ”fluxo melo-rítmico”, quase um canto, esses instrumentos nos transportam para o campo do sentimento que une o pensar melódico ao agir rítmico, e até mesmo na maneira de tocar mantém o ser humano livre na respiração e na consciência e ágil na vontade (Oberkogler 1976, p. 174). Em Uganda, perto do lago Kioga, há grupos numeorosos de xilofonistas. À direita e à esquerda dos instrumentos que abrangem duas oitavas, os tocadores fazem verdadeiras sinfonias, se alternando nos contrapontos e nas oitavações, chegando a tocar a três e quatro vozes. Os instrumentos mostram uma possibilidade social de fazer música. São montados no chão, em cima de troncos de bananeiras e os músicos sentam à sua volta. É também na África que encontramos as marimbas de todos os tamanhos, que nos reportam à magia e uma incrível criatividade sonora e rítmica, um festival de harmonias e movimentos (Baines l961, p. 32b). III INSTRUMENTOS de CORDA (cordas livres, cordas dedilhadas e cordas de arco) “A Lira de Orfeu toca, através de sua música, a consonância das oposições, a harmonia. Pelas cordas tangidas, a harmonia do universo pode ser experienciada pelo seu humano. Enquanto Orfeu toca, ele consegue manter a unidade do universo” (Oberkogler 1976, p. 14). Com o instrumento de corda, a KITHARA, a LIRA, as forças de luz apolíneas, levam a harmonia à tudo que é CAOS. No homem harmoniza as três capacidades da alma: pensar, sentir e querer. O grego sentia-se ressoar pela harmonia da HARPA, KITHARA e LIRA, por encontrar nesses instrumentos a sua própria essência sonora (Oberkogler 1976, p. 16). “O cérebro, a central de todos os nervos; a espinha dorsal, que mantém essas “cordas” nervosas ressonantes no tonus correto, a respiração e a laringe, que na sua leve vibração dão vida sonora à vida interior... é uma imaginação grandiosa do homem, experimentando-se como instrumento de corda. O mais completo instrumento desse mundo é o próprio homem. Um instrumento fora dele transforma os tons em expressão artística daquilo que ele experimento dentro dele. O homem, ao tocar seu próprio instrumento, sente ressoar seus feixes nervosos, a sua própria estrutura. Enquanto homem NEURO-SENSORIAL, o ser humano é estruturado por leis musicais, ele vivencia a música, que tem a ver com os segredos das leis que estruturam seu corpo” (Steiner 1961, p. 146). Um dos maiores pensadores gregos, Pitágoras (séc. VI a.C.), que pela nossa civilização é conhecido como pai da geometria, foi a primeira pessoa no Ocidente a estabelecer a relação matemática entre os intervalos musicais. A base dessa descoberta foi o monocórdio, composto por uma única corda esticada sobre um pedaço de madeira. Descobriu que a divisão da corda criava razões de números inteiros 2:1 (oitava), 3:2 (quinta), 4:3 (quarta) e assim por diante, que são arquétipos da forma, demonstrando harmonia e equilíbrio presentes em toda parte. “Estude o monocórdio”, dizia ele, “e conhecerás os segredos do universo”. Ao estudarmos as cordas vibrantes, podemos compreender os aspectos microcósmicos da vibração sonora, e através deles observar as leis macrocósmicas do universo (Goldman 1992, p. 36). O Dr. Hans Jenny (1904-1972), cientista suíço, passou dez anos de sua vida observando e fotografando os efeitos dos sons sobre a matéria. Boa parte desse trabalho foi inspirada na obra de Ernst Chladhy, cientista do século XVIII, que colocava grãos de areia sobre folha de vidro fazendo-os vibrar com um arco de violino. Através do som tocado, a areia adquiria formas simétricas. Entre as centenas de fotografias que ele e sua equipe tiraram, vemos imagens incríveis. No seu volume II de CYMATICS (estudo do fenômeno das formas de ondas) Dr. Jenny escreveu: “Agora não resta dúvida, de que as figuras harmônicas da física são semelhantes aos padrões harmônicos da natureza orgânica. Derivam de oscilações na forma de intervalos e freqüências harmônicas. Se os ritmos biológicos agem em freqüências, que para eles se assemelham a intervalos, então devem surgir padrões harmônicos”. Segundo o Dr. Jenny, harmônicos e padrões de harmonia estão interligados. Os intervalos criados pelas freqüências e seus harmônicos são responsáveis pela modelagem das diversas substâncias. “Contudo, o verdadeiro trabalho sobre o que se chama de MELOS, que é igual à fala, ainda está para ser feito. Para entendermos a origem dos efeitos vibratórios devemos estudar a laringe como órgão criador” (Goldman 1992, p. 43). O nosso SISTEMA NEURO-SENSORIAL é um grande transmissor desses efeitos vibratórios regeneradores. A ESPINHA é o eixo central de todo o corpo físico. Ela está ligada com as glândulas endócrinas e com o liquor do Sistema Nervoso. Através de pontos nervosos a espinha nos reflete as energias fora e dentro do corpo, relacionando-as com o Sistema Nervoso. Esses pontos quando tocados pelo som, pela harmonia interválica, por escalas, ajudam a relaxar tensões e despertar memórias do passado, presente e futuro (Maman, “The Body as a harp”, som e acupunctura). Por essas questões aqui mencionadas, o instrumento de corda, desde os primórdios, sempre esteve também ligado à voz humana, nascido da imaginação HOMEM-SOM-CANTOR-INSTRUMENTO MUSICAL. Os instrumentos de corda mais antigos são as HARPAS, as LIRAS e as KITHARAS. Os egípcios expressavam a imagem HOMEM-SOM esculpindo cabeças humanas nas bases de suas harpas. Os gregos, como já vimos, encontravam na lira um “harmonizador celeste” da alma no corpo, que ameaçava entregar-se com demasiada veemência às forças terrestres. Orfeu domina as forças da natureza e do mundo dos mortos com a sua lira e com o seu canto. Na Índia encontramos a VINA, um instrumento de grande poder de magia. Os hindus a receberam de Sarasvati, a esposa do deus supremo BRAHMA, conforme sua história mítica. Semelhante à Lira de Orfeu, ela tinha o poder de controlar os elementos da natureza, amansar os animais, impedir tragédias, enfim trazer harmonia para um mundo dividido. Através da KIN chinesa, o mestre ensinava o homem a se harmonizar com os ritmos cósmicos (Oberkogler 1976, p 16). Se a imagem primordial das cordas é o próprio Homem, podemos pensar que as proporções divinas se ordenam também na corporalidade físico-psicomental humana. A MÚSICA DIVINA se transforma em MÚSICA HUMANA. Enquanto as HARPAS e as LIRAS ou KITHARAS vibram no homem todo, os ALAÚDES e VIOLÕES já abrangem mais a região toráxica, apontando uma interiorização do processo musical, ligando-se mais fortemente ao sentimento. As cordas são dedilhadas e os tons divididos em hastes. Os ALAÚDES foram trazidos pelos árabes para o Ocidente, onde seguiram uma grande evolução sonora. Partem da mesma forma, mais abaulada ou mais achatada, com uma, duas ou três cordas, até chegarem à 14 cordas no Renascimento. A VIHUELAS da MANO surgiram na Espanha e deram origem às VIOLAS da GAMBA, que já usam o arco para tocar as cordas, o que traz uma nova expressão e sustentação do som. São instrumentos de muita ressonância, porém, uma ressonância intimista, conseguida pelo toque de seis a sete cordas, mas a sua afinação é a mesma dos instrumentos dedilhados. Tiveram uma grande expressão nos CONSORTES (conjuntos) instrumentais, tornando-se um marco para a prática da música humana, a música de câmara. Foram, no entanto, as VIOLAS da BRACCIO que levaram os instrumentos de arco até os conjuntos de câmara e as grandes orquestras. Sua origem pode ser encontrada na REBEC, REBAB ou FIDEL medievais, que também são instrumentos de origem árabe e foram transformados na Europa. Os grandes lutiers de violas da braccio, a família dos violinos, datam do século XII, na Itália, que então era o grande centro musical artístico. Através de uma evolução sonora e de um virtuosismo impar, a música das cordas pouco a pouco foi liderando, chegando a sua expressão máxima no Romantismo. Os violinos, violas e violoncelos possuem quatro cordas sem traste divisor, na afinação em quintas. As cordas de arco são o coração e o pulmão de uma orquestra. Vemos, então, que na evolução dos instrumentos de corda, parte-se de leis cósmicas que ressoam nas cordas livres das HARPAS e LIRAS, envolvendo o homem com harmonia mágica, para interiorizar cada vez mais essas harmonias nos instrumentos dedilhados, como os ALAÚDES, GUITARRAS e VIOLÕES, e finalmente poder expressar-se livremente, num ato criativo através do toque acariciante do arco. O homem agora “canta” através do instrumento de corda. O CORAÇÃO-PULMÃO no sentir mantém a “harmonia” entre o CÉREBRO no pensar da “linha melódica” e os membros na ação do “ritmo”, no querer. Os instrumentos de corda são os harmonizadores do homem e através deles podemos expressar os mais profundos sentimentos.