O PRINCÍPIO EDUCATIVO DO TRABALHO E AS POSSIBILIDADES
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O PRINCÍPIO EDUCATIVO DO TRABALHO E AS POSSIBILIDADES
O PRINCÍPIO EDUCATIVO DO TRABALHO E AS POSSIBILIDADES DA FORMAÇÃO UNITÁRIA NO ÂMBITO DO ENSINO MÉDIO INTEGRADO1 Mônica Ribeiro da Silva2 Eloise Medice Colontonio3 Introdução A trajetória histórica do Ensino Médio fez-se a partir de movimentos que expressam ora maior, ora menor aproximação com a Educação Profissional. Tais movimentos demarcam e caracterizam o dualismo entre educação geral e formação profissional, a primeira orientada por uma cultura geral, com foco nos estudos acadêmicos com vistas à apropriação da ciência; a segunda, orientada por uma cultura técnica, de caráter utilitário e restrito a preparar para funções laborais específicas. Esse dualismo, fundamentado na divisão social do trabalho e legitimado pela legislação do ensino, expressa a intenção de ajustar a escola às demandas do processo produtivo, bem como a razões políticas que se firmaram em cada momento histórico. Contemporaneamente, as possibilidades de profissionalização em nível médio tornaram-se limitadas a partir da vigência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9394/96, que separou, em modalidades distintas, o Ensino Médio – de educação geral – e a Educação Profissional. Tal separação viu-se consolidada pelo Decreto 2208/97. A revogação desse Decreto e a instituição do Decreto 5154/04 retomam a possibilidade de integração entre educação geral e educação profissional em nível médio, o que conduz à necessidade de se repensar a relação entre formação científica básica e formação profissional. Essa possibilidade, no que se refere às concepções que irão nortear a ação das escolas, implica na tentativa de promover uma integração que não se dê de maneira apenas formal, retomando a clássica justaposição entre formação profissional e formação geral básica. 1 Capítulo do livro O Ensino Médio Integrado à Educação Profissional: concepções e construções a partir da implanatação na rede púbica estadual – no prelo – 2008. 2 Doutora em Educação: História, Política e Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora na Universidade Federal do Paraná. [email protected]. 3 Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Paraná. [email protected] 2 Em que sentido tomar, assim, a perspectiva de integração? Conforme o Dicionário Aurélio, integrar “diz-se de cada uma das partes de um todo que se completam ou complementam”, e, ainda “tornar inteiro, incorporar-se” (1986, p. 954). Integrar demanda, ainda, um complemento: integrar o quê? Quando se trata do Ensino Médio Integrado, significa integrar escola e trabalho; integrar formação científica básica e formação técnica específica; integrar cultura geral e cultura técnica. Como possibilidades conceituais, assumem centralidade as elaborações de Antonio Gramsci acerca da formação unitária a partir do princípio educativo do trabalho. As finalidades da integração, na perspectiva do trabalho como princípio educativo, estariam em viabilizar a compreensão dos fundamentos científicos e tecnológicos dos processos produtivos e em particular dos processos de trabalho, consolidando uma formação profissional que ultrapasse o caráter restrito e utilitarista do preparo imediato para o exercício de funções técnicas e que conduza a um processo formativo capaz de gerar, de forma consistente, o conhecimento acerca das bases científicas, históricas e culturais que explicam o trabalho e a tecnologia na contemporaneidade. O princípio educativo do trabalho O trabalho, em sua dimensão ontológica, manifesta-se como atividade humana de produção da existência; é, portanto, ato de autocriação do homem (MARX, 1978; 1983). É por meio do trabalho que o homem age sobre a natureza, transformando-a e, ao mesmo tempo, transformandose a si mesmo, sendo, portanto, expressão de suas faculdades físicas e mentais. Nesse sentido, é que o trabalho torna-se princípio educativo em Gramsci, fundamento a partir do qual o homem pode ver-se emancipado da extrema especialização em pleno avanço da produção industrial. Em Para uma ontologia do ser social, Georg Lukács (1981) argumenta no sentido da definição do trabalho enquanto atividade teleológica, isto é, sempre orientada a um fim, a satisfação das necessidades humanas. O trabalho é reconhecido na sua condição ontológica originária por meio da qual se verifica a capacidade humana de intervir no mundo exterior e transformá-lo, momento que encerra a relação entre indivíduo e sociedade. Assim, “baseado no trabalho, pela primeira vez, se estabelece uma verdadeira relação sujeito-objeto” (TASSIGNY, 2004, p. 25), relação esta que está na base de processo educativo, isto é, de todo o processo da formação humana: Em primeiro lugar, pode-se afirmar que o complexo social da educação tem a mesma base ontológica que serve ao aparecimento das demais expressões espirituais humanas – isso é, ele aparece como expressão das capacidades humanas e da necessidade de domínio sobre a 3 realidade, surgidas em uma certa etapa do desenvolvimento histórico-social. (TASSIGNY, 2004, p. 25). Na particularidade histórica do capitalismo, manifesta-se a contradição entre o trabalho em sua perspectiva ontológica – como ato de criação – e na perspectiva de trabalho alienado4 – limitador da condição criativa e emancipatória. Para Lukács, a dimensão subjetiva da formação do ser social – a ética – encontra seu fundamento no fazer do trabalho, ainda que circunstanciado pelas condições históricas de cada formação social específica. Assim sendo, em Lukács é com base na estrutura ontológica do trabalho que se pode esclarecer a gênese da liberdade (as escolhas do sujeito entre alternativas no ato de trabalho), cuja estrutura básica permanece presente, também, na ética: os homens, através das escolhas alternativas, podem decidir-se por valores genéricos que impulsionam o desenvolvimento do gênero humano. Nesse sentido, a esfera da ética é mediação de uma consciência que se afirma não como simples epifenômeno das determinações objetivas, mas, sobretudo, como possibilidade ativa de escolhas/decisões que traduzem autodomínio humano, tanto das circunstâncias interiores, subjetivas, quanto das circunstâncias objetivas. (TASSIGNY, 2004, p. 25). A dimensão ontológica do trabalho está na base das proposições de Gramsci acerca do princípio educativo. O trabalho é compreendido em suas dimensões teórico-prática, social e histórica. É precisamente a partir da distinção entre o trabalho em sua dimensão ontológica e a constituição histórica do trabalho alienado, que Gramsci localiza o trabalho como princípio educativo. Em Americanismo e Fordismo Gramsci (2000b) verifica o quanto a racionalidade do trabalho na forma mais desenvolvida do capital se cristaliza no sacrifício da corporeidade e da espiritualidade do trabalhador. São as conseqüências históricas e culturais do trabalho alienado, que no processo expropria o saber e exaure o corpo, e no produto, encerra e limita as condições da existência material. Contraditoriamente, Gramsci vê, aí, as condições de superação da alienação, na medida em que por mais embrutecedor que seja o trabalho industrial, ele é incapaz de usurpar dos homens sua atividade intelectual, condição de toda libertação, uma vez que, para o pensador italiano: ... não se pode separar o homo faber do homo sapiens. Em suma, todo homem, fora de sua profissão, desenvolve uma atividade intelectual qualquer, ou seja, é um “filósofo”, um 4 Na formação social do capitalismo o trabalho se vê convertido em mercadoria: o trabalhador vende sua força de trabalho e, pela divisão social e técnica do trabalho, pela separação entre trabalho manual e intelectual, vê-se alienado do processo (a ausência de controle sobre o processo produtivo) e do produto (o que produz não lhe pertence, mas pertence a quem paga por sua força de trabalho). (MARX, 1978; 1983). 4 artista, um homem de gosto, participa de uma concepção do mundo, possui uma linha consciente de conduta moral, contribui assim para manter ou modificar uma concepção do mundo, possui uma linha consciente de conduta moral, isto é, para suscitar novas maneiras de pensar... (GRAMSCI, 2000a, p.53). Por isso em Gramsci a educação possui papel central e se faz em todos os espaços entremeados pelas relações humanas. A escola é concebida como lócus especial da formação dos indivíduos, no entanto, sempre situada em relação às demais instituições, em particular à “instituição trabalho” – o trabalho como elemento primordial de constituição do ser social, na sua dimensão individual e coletiva. Ao pensar a organicidade entre trabalho e educação, Gramsci localiza esta última enquanto processo por meio do qual o homem adquire propriamente as condições de humanização, processo este circunstanciado pela história e pelos modos de produção da existência determinados pelas formas de organização do trabalho. O caráter histórico do trabalho industrial moderno converte-se, na proposição gramsciana do princípio educativo, no elemento integrador entre cultura e ciência e deveria, portanto, orientar todo o processo educativo no âmbito da escola, chamada, por essa razão integradora, de escola unitária ou escola unitária do trabalho. A proposta gramsciana vai na direção de compreender os fundamentos que explicam os processos naturais e sociais do desenvolvimento tecnológico e da produção moderna, pois isto possibilitaria a aprendizagem de novos conhecimentos, o que exige ir além das simples competências. Neste sentido verifica-se a importância do conceito de trabalho, ciência, tecnologia e cultura na perspectiva das transformações do trabalho e na elaboração do currículo escolar. Não se trata de uma adaptação às mudanças que estão ocorrendo no mundo do trabalho, mas de uma formação integrada entre o ensino e a educação profissional ou técnica (tecnológica ou formação politécnica) cuja exigência da formação do pensamento e da produção social da vida, está além das práticas, de educação profissional e das teorias da educação propedêutica. (ANGELI, 2007, p. 4). Gramsci propõe como alternativa à escola tradicional assentada na ciência abstraída de suas relações com o trabalho, uma escola "desinteressada", essencialmente humanista, que toma o trabalho como princípio educativo. A escola "desinteressada" do trabalho teria como finalidade e fundamento a compreensão objetiva da ciência e da tecnologia como base dos processos produtivos. (...). No mundo moderno à educação técnica, estreitamente ligada ao trabalho industrial, mesmo ao mais primitivo e desqualificado, deve constituir a base do novo tipo de intelectual (...). Da técnica-trabalho, eleva-se à técnica-ciência e à concepção humanista histórica, sem a qual permanece especialista e não se chega dirigente (especialista mais político). (GRAMSCI, 2000 a). 5 A formação unitária, capaz de integrar ciência e trabalho está no centro da proposição gramsciana cujo método tomaria o trabalho como princípio educativo, identificado como espaço do trabalho diretamente produtivo: O conceito do equilíbrio entre ordem social e ordem natural com base no trabalho, na atividade teórico-prática do homem, cria os primeiros elementos de uma intuição do mundo liberta de toda magia ou bruxaria, e fornece o ponto de partida para o posterior desenvolvimento de uma concepção histórica, dialética, do mundo, para a compreensão do movimento e do devir, para a avaliação da soma de esforços e de sacrifícios que o presente custou ao passado e que o futuro custa ao presente, para a concepção da atualidade como síntese do passado, de todas as gerações passadas, que se projeta no futuro. (GRAMSCI, 2000 a). Nesse sentido, o trabalho, para Gramsci, é essencialmente um elemento constitutivo da formação na medida em que possui uma dimensão teórico-prática, capaz de mediar a integração do trabalho com o momento educativo: [...] o modo em que a proposta de Gramsci, de trabalho como principio educativo é fundamento da escola elementar emana da análise do conteúdo educativo do ensino de base, à conclusão de um discurso que parte da diferenciação de dois elementos educativos fundamentais, as primeiras noções de ciências naturais e as noções de direitos e deveres do cidadão. São exatamente esses elementos culturais que determinam a natureza e a função educativa do trabalho no pensamento de Gramsci, na medida em que as leis da sociedade ("civil e estatais", diz ele) "colocam os homens na posição mais adequada para dominar as leis da natureza", isto é "para facilitar seu trabalho, que é o modo específico do homem participar ativamente da vida da natureza para transformá-la e socializá-la”. (MANACORDA, 1991, p.138). Gramsci assevera que, tomando o trabalho enquanto princípio educativo fundamental tornase possível realizar a tarefa de consolidar a unidade entre teoria e prática, e articular a técnica do trabalho à sua base científica: a formação unitária ou politécnica, formação básica necessária para a construção de uma concepção crítica de mundo e de uma formação técnico-política a partir da integração entre ciência e técnica – entre ciência, cultura e trabalho. Em síntese, em Gramsci o trabalho se constitui em componente fundamental da formação humana na medida em que comporta a dimensão teórico-prática e técnico-política necessária para mediar a integração do trabalho com o momento educativo. Nas Palavras de Markert: As relações entre produção moderna e escola podem ser frutíferas, contanto que a formação técnica especializada tenha por base a educação humanística e se oriente na dimensão científico-criativa da indústria. Percebe-se que Gramsci descobriu e enfatizou as chances formativas do desenvolvimento das estruturas complexas do trabalho industrial na educação do novo intelectual. Produção industrial como “trabalho qualificante” favorece o 6 desenvolvimento da criatividade e a cooperação em conjunto e torna-se “princípio educativo”, mas o intelectual político-intervencionista dispõe igualmente de uma educação geral-cultural. (2007, p. 10). Primeiras iniciativas da implantação do Ensino Médio Integrado no Paraná: breves reflexões acerca do Documento Fundamentos Políticos e Pedagógicos da Educação Profissional do Paraná Ao acompanhar o processo de discussão para a revogação do Decreto 2208/97, o estado do Paraná fomentou a perspectiva de integração entre educação geral e profissional de nível médio, iniciando a política de retomada da educação profissional já em 2003, por meio de ações dos órgãos da Secretariada Educação do Paraná – SEED-PR -, legitimadas pela aprovação do Decreto 5154 em 2004. Logo, reflexões acerca da estrutura curricular apontaram para a formação do cidadão/aluno/trabalhador, na perspectiva da educação politécnica. Dessa forma, já em 2004, foram implantados cursos profissionalizantes integrados ao ensino médio em 71 escolas da rede estadual de ensino. Com o fim de orientar o processo de implantação do Ensino Médio Integrado, em 2005, a SEED-PR lança o Documento intitulado Fundamentos Políticos e Pedagógicos da Educação Profissional do Paraná, com os seguintes pressupostos epistemológicos: Articulação com a educação básica; Trabalho como princípio educativo; As mudanças no mundo do trabalho e as novas demandas da educação profissional; Relações entre ciência, tecnologia e educação profissional; Determinantes da integração entre educação básica e educação profissional (PARANÁ, 2005). Faz-se, a seguir, uma breve discussão acerca do Documento Fundamentos Políticos e Pedagógicos da Educação Profissional no Paraná com o fim de se dimensionar as proximidades entre as proposições desse Documento e as asserções acerca do trabalho como princípio educativo em Gramsci. Uma primeira proposição relaciona o trabalho, a cultura, a ciência e a tecnologia como princípios fundamentais na constituição do currículo. O papel da escola seria o de articular esses elementos em seu projeto político pedagógico. A articulação entre trabalho, cultura, ciência e tecnologia é proposta com o fim de permitir ao aluno reconhecer as transformações sociais decorrentes do mundo do trabalho, ao mesmo tempo em que se viabilizaria a democratização do acesso ao conhecimento acerca do trabalho, da cultura e da tecnologia. 7 A segunda proposição toma o trabalho como princípio educativo e eixo articulador do currículo e das disciplinas. Desse modo define a construção de uma base teórico-prática no âmbito do ensino médio integrado, proporcionando uma formação cultural, política e científica. Conforme o Documento: Para atender a este princípio, a proposta curricular deverá, do ponto de vista dos conteúdos, contemplar: os princípios científicos gerais sobre os quais se fundamentam as relações sociais e produtivas; os conhecimentos relativos às formas tecnológicas que estão na raiz dos processos sociais e produtivos contemporâneos; as formas de linguagem próprias das diferentes atividades sociais e produtivas; os conhecimentos sócio-históricos e as categorias de análise que propiciem a compreensão crítica da sociedade capitalista e das formas de atuação do homem, como cidadão e trabalhador, sujeito e objeto da história. (PARANÁ, 2005, p. 37) O trabalho se institui, assim, como princípio educativo ao viabilizar a compreensão do papel dos sujeitos na sociedade em geral e no mundo do trabalho em particular, o que conduziria à superação de uma visão reprodutivista e pragmática da atividade produtiva, ao enfatizar as dimensões históricas, comportamentais (subjetivas) e ideológicas presentes na atividade teóricoprática do trabalho. Dentre as proposições no Documento de fundamentação geral, prescreve-se que, na organização dos conteúdos, assegure-se a integração entre ciência básica e conhecimentos aplicados, considerando, inclusive, o ordenamento seqüencial entre as disciplinas da formação científica básica e da formação profissional, o que implica no tratamento indissociável entre trabalho manual e intelectual e entre teoria e prática: Acerca desta questão, podemos afirmar que a teoria corresponde a uma interpretação possível da realidade, em um dado tempo e em um dado espaço; assim será sempre parcial, revelando e escondendo ao mesmo tempo. Já a realidade é complexa, síntese de múltiplas determinações que não se deixa conhecer em sua plenitude pelo pensamento humano, sempre parcial e determinado pelo desenvolvimento histórico das forças produtivas. (PARANÁ, 2005, p. 25) As propostas destacadas do Documento norteador da Educação Profissional no Paraná, como é possível constatar, guardam significativa proximidade com as formulações teóricas de Antonio Gramsci acerca do princípio educativo do trabalho. No entanto, é preciso preservar a dimensão histórica de seus escritos para que não se corra o risco de transladar princípios e conceitos de um contexto a outro, fragilizando-se, com isso, sua potencialidade explicativa e propositiva. 8 Provavelmente, em virtude do reconhecimento da ressalva acima, dentre outros motivos, é que no Documento Fundamentos Políticos e Pedagógicos para a Educação Profissional faz-se referência a um princípio relacionado diretamente às mudanças ocorridas contemporaneamente no mundo do trabalho e às demandas que tais mudanças impõem à formação do trabalhador. Afirmase, nessa direção, que a educação profissional integrada ao nível médio teria o compromisso de atender à formação de novas competências em seus alunos, como a flexibilidade, a capacidade de improvisação, a comunicação, a autonomia intelectual e moral: A partir desta perspectiva justifica-se e exigem-se patamares mais elevados de educação para os trabalhadores, até porque a concepção de competência enunciada privilegia a capacidade potencial para resolver situações-problema decorrentes de processos de trabalho flexíveis em substituição às competências e habilidades específicas exigidas para o exercício das tarefas rígidas nas organizações taylorista/fordistas. (PARANÁ, 2005, p. 32). A referência às perspectivas postas pelo mundo do trabalho na contemporaneidade situa as proposições do Documento estadual em relação à dinâmica histórica de uma sociedade que se move entre continuidades e rupturas, e, enquanto documento de política pública, manifesta-se seu caráter de não neutralidade ao incorporar a dimensão contraditória da sociedade capitalista. Educação geral e profissional: desafios para a integração e as possibilidades do trabalho como princípio educativo – Considerações Finais As proposições de Gramsci acerca da escola unitária e do trabalho como princípio educativo indicam como desejável uma formação politécnica, possível por meio da integração entre ciência, cultura e trabalho em um projeto educativo unitário, necessidade que permanece e se vê aumentada em nossa sociedade, se nos colocamos diante do desafio de pensar e realizar um projeto educativo emancipatório. O Ensino Médio Integrado, nesta perspectiva, contempla a educação como formação científica e tecnológica. A concepção gramsciana de formação unitária, isto é, a formação capaz de integrar as dimensões científicas e técnicas do trabalho, deveria assegurar o domínio “dos princípios científicos das diferentes técnicas que caracterizam o processo de trabalho moderno e dos fundamentos das diferentes modalidades de trabalho.” (SAVIANI, 1987, p.17). Assim, a formação unitária poderia proporcionar uma educação capaz de contemplar os 9 diferentes elementos de mediação que explicam a prática produtiva, na medida em que propicia a compreensão dos princípios e fundamentos da atividade produtiva, por exemplo, ao oportunizar o entendimento de que a tecnologia não contém em si apenas uma dimensão técnica, mas é marcada pela relação social que lhe dá origem e a converte, em nossa sociedade, em elemento de dominação. A categoria trabalho como princípio educativo, própria de Gramsci, evidencia que a função social, pedagógica e histórica, da escola é a de promover a articulação entre trabalho manual e intelectual, entre teoria e prática, entre ciência, cultura e trabalho enquanto componentes históricoculturais da formação do indivíduo. Diante desse desafio, torna-se imprescindível a construção de um projeto políticopedagógico capaz de articular a teoria e ação curricular sustentados no e pelo princípio educativo do trabalho. A efetivação deste re-ordenamento curricular, além da integração entre as disciplinas de formação geral e as disciplinas da formação específica, a partir do trabalho, impõe como necessários desdobramentos político-pedagógicos resultantes do repensar as práticas de ensino, de planejamento e de avaliação. Essa necessidade encerra a construção da perspectiva integrada no âmbito dos desafios epistemológicos que levariam a rever a relação que alunos e professores têm travado historicamente com o conhecimento no interior das formas escolares consolidadas. Conforme o Documento estadual, as parcelas disciplinares encontradas nos currículos escolares dificultam a interação entre os campos do conhecimento, e implica na necessidade da organização curricular por meio da transdiciplinaridade, assim, entendida: A transdisciplinaridade implica na construção de novos objetos, com metodologias peculiares, a partir da integração de diferentes disciplinas, que se descaracterizam como tais, perdem seus pontos de vista particulares e sua autonomia para constituir novos campos do conhecimento. É uma nova forma de integração de vários conhecimentos que quebra os bloqueios artificiais que transformas as disciplinas em compartimentos específicos, expressão de fragmentação da ciência. (PARANÁ, 2005, p. 41). Os currículos organizados a partir dos clássicos fragmentos disciplinares dificultam, de fato, a interação entre os diversos campos do conhecimento. No entanto, tampouco uma artificial abordagem interdisciplinar proposta a posteriori da disciplinarização tem se mostrado capaz de romper as barreiras da parcialidade e da fragmentação. Assim, tomar o trabalho como princípio educativo significa, em última instância, recorrer à teoria e à prática do trabalho como referências permanentes na organização do trabalho pedagógico: do planejamento (definição das concepções, do perfil, dos conhecimentos, das formas 10 metodológicas, das disciplinas, dos processos de acompanhamento), à efetividade do currículo em ação, isto é, à materialização dessas intencionalidades no cotidiano das salas de aula. A integração entre educação geral e formação profissional impõe repensar a organização pedagógica e curricular em bases que superem as velhas formas marcadas pela mera justaposição. Nesse sentido, evidencia-se a necessidade de articulação entre teoria e prática, entre ciência e técnica. Reafirma-se, igualmente, a necessidade de gerar a compreensão do significado histórico e social do trabalho. Desse modo, mostra-se fundamental o papel da escola na construção e na busca da possível integração do mundo da cultura com o mundo do trabalho, por meio da articulação plena entre formação geral e profissional. Dito de outro modo, a integração curricular pressupõe uma articulação entre conhecimentos gerais e específicos construídas sobre o eixo integrador trabalhociência-cultura. Importa, por fim, destacar que para que a escola unitária se efetive em pleno sentido é, segundo Gramsci, necessário compreender que: ...A escola unitária requer que o estado possa assumir as despesas que hoje estão a cargo da família no que toca à manutenção dos escolares, isto é, requer que seja completamente transformado o orçamento do ministério da educação nacional, ampliando-o enormemente e tornando-o mais complexo: a inteira função de educação e formação de novas gerações deixa de ser privada e torna-se pública, pois somente assim ela pode abarcar as gerações, sem divisões de grupos ou castas. Mas esta transformação da atividade escolar requer uma enorme ampliação da organização prática da escola, isto é, dos prédios, do material científico, do corpo docente, etc. (GRAMSCI, 2000a, p.36). Referências ANGELI, José Mario. Trabalho, ciência, tecnologia e cultura como princípios fundantes da organização curricular integrada: uma leitura política. Trabalho apresentado no IV Simpósio Trabalho e Educação. Belo Horizonte, MG, agosto/2007. BRASIL. Lei n.9.394/96, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. ______Presidência da República. Decreto 2.208/97, de 17 de abril de 1997. Regulamenta o parágrafo 2o do art. 36 e os artigos 39 a 42 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. 11 ______Presidência da Republica. Decreto nº 5.154 de 23 de julho de 2004. Regulamenta o § 2º do art. 36 e os arts. 39 a 41 da Lei nº 9.394, de 20-12-1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. DICIONÁRIO AURÉLIO DA LÍNGUA PORTUGUESA. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1986. GRAMSCI, Antonio. Caderno 12. Os intelectuais. O princípio educativo. In: Cadernos do Cárcere. Trad. De Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2000 a. GRAMSCI, Antonio. Caderno 23. Americanismo e Fordismo. In: Cadernos do Cárcere. Trad. 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