ElE é imoral, imortal!
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ElE é imoral, imortal!
Beatbrasilis ado Cuid o com a d vírus ! a fofoc O estranho Burroughs Gla ube r Ele é imoral, imortal! T e a t r o Chevrolet, Bortolotto e uns lanchinhos pela praça Roosevelt - Outono: um conto de amor beat - Pelos bosques argentinos que lembram “Bruxas de Blair” - Um rolê por Alfama, o morro do fado vadio - A primeira viagem de avião de um vagabundo iluminado - Chá dos deuses da floresta a tabua de esmeraldas Beatbrasilis I maginem um vagabundo iluminado, personagem esse que tão bem personifica o espírito beat. Ele habita nosso imaginário. Ele representa a liberdade, a arte, o infinito e também toda a poesia da condição humana. Ele é um ser sagrado, messiânico até, vivendo na pele os ideais românticos da vida na estrada e da comunhão com a natureza. O vagabundo iluminado é um ícone do século 20. Imagino nossa revista como um vagabundo iluminado. Juntando nosso conhecimento, nossa sensibilidade e nossas experiências, acredito que podemos criar, através da revista, um personagem icônico, um vagabundo sem rosto composto por todos nós. Um vagabundo vivido com histórias pra contar. Um vagabundo culto com histórias para ensinar. Um vagabundo iluminado, leve e sorridente, como um poema que inspira gerações. Proponho, para a revista, a missão de inspirar. Inspirar aventuras e leituras. Inspirar uma juventude apática a criar seu próprio destino. Beatbrasilis é uma tentativa modesta de realizar este propósito. Por Guilherme Rocha Críticas, reclamações, xingamentos, cartas de amor ou uma boa idéia, escreva pra esse e.mail: [email protected] arte: Renata Bueno - [email protected] Gente A fome por Glauber Por Jim Duran H á algo que me emociona nos filmes e no pensamento de Glauber Rocha. Não são os prêmios e nem a qualidade de sua obra, nem sua genialidade. Há em Glauber a urgência dos vencidos pela vida como os visionários em geral têm estampados em seus olhos que fazem falta. Em sua verborragia caótica o ilustre filho de Vitória da Conquista, (BA) contou as histórias de farwest que tanto amava com elementos genuínos do cotidiano sertanejo. Um matador vestido de sobretudo matou a tiros e a sangue frio um de seus tios quando ele era pequeno. A cena ficou gravada em sua memória e serviu de base para a construção daquele que foi um dos seus personagens mais lembrados, o caçador de cangaceiros Antônio das Mortes de “Deus e o Diabo na Terra do Sol” e “ O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro” vivido nos dois filmes pelo grande Maurício do Vale. A vida sempre serve de base para as criações que ficam para a história. A câmera na mão e o turbilhão na cabeça não foi só uma característica de Glauber, foi a impressão digital de uma geração que soube subir e descer do bonde na hora certa. Lutou até o fim pelo o que acreditava ser o melhor não só pra si mas para o cinema brasileiro por que sabia de sua importância para a arte tupiniquim e sabia também que sua influência ultrapassaria ao movimento do Cinema Novo. Ele emprestou a pouca sanidade que tinha a uma causa que nunca pensou estar perdida. Soube elogiar um dos pilares do golpe militar, Golbery Silva, e foi execrado pelos desavisados de plantão que mantêm sempre a boa imagem de bons moços, mesmo quando querem ser marginais. Foi para a televisão gritar pela abertura em um programa que foi novidade e ainda seria hoje em dia. A vida que derrotou Glauber também o encheu de paixões. Casou-se com uma mulher que foi também símbolo de seu tempo e foi traído por ela. Soube ser maior do que rancor machista e casou-se mais um tanto, teve filhos como quem teve idéias. Um dos seus rebentos mais novos, Érick Rocha é autor de “Rocha que voa”, documentário sobre o pai. A arte é herança genética na família Rocha, digo isso de cadeira. Ele, Glauber, costumava ficar em casa sentado de cuecas e recebia seus amigos assim. Não perdia tempo com coisas pequenas como o banho, a barba ou pentear o cabelo. Glauber foi urgente, viveu mesmo sem claquete como disse Arnaldo Jabor. Sua vida não teve edição, mas não ficou só no copião perdido nos corredores da Embrafilme. Quem vê hoje o moderno cinema nacional deve olhar no castanho raivoso do olhar glauberiano. Somos seus seguidores fiéis, mesmo que alguns não se apercebam do óbvio que isso soe. Quando um cinema exibe um filme feito aqui na Pindorama que ele anunciou com a Terra em Transe ele sorri descabelado e lúcido com seu cigarrinho de maconha pendendo nos lábios. Nunca se deitou em berço esplêndido, sempre caminhou por sobre espinhos e sempre esteve descalço. Glauber não aceitou a coroa de gênio mas aceitou o drama do realizador. Deixou de exemplo a fé em si e o ensinamento de que há hora de luta e há hora de beijo. Onde estaria Glauber Rocha se não tivesse voltado de Portugal para morrer em português nacional, como brincava Tom Jobim que acabou morrendo em inglês. Estaria filmando com certeza porque a vida é sempre sem claquete. Revejam Glauber, devemos isso a ele. Musica A Tábua de Esmeraldas Por José Eduardo Q uando se ouve falar em Jorge Ben, logo vem à mente da maioria das pessoas: “Hum, sim, o Jorge Ben Jor, aquele cara que canta W/Brasil...” Bom, certo, é esse mesmo, eu também já pensei assim. Mas é necessário e essencial lembrar que Jorge Ben nem sempre foi Jorge Ben Jor, e muito antes de W/Brasil, esse maluco criou toda uma identidade, um balanço e um novo estilo à MPB, mesmo sendo difícil classificar a sua obra, pode-se dizer que ele foi o pai do que se chama hoje de “samba rock” ou “suingue” e é difícil achar um artista da nova geração da MPB que não seja ou foi influenciado por ele de alguma forma. É sobre o Jorge Ben que quero falar. Em meados de 1963, 18 anos de idade, um violão afinado de forma bastante particular, algumas canções autorais, se apresentou a convite de amigos no Beco das Garrafas, tradicional reduto da boêmia carioca naquela época. Dizem que quando músicos ouviam o Jorge tocar suas canções, às vezes de três acordes, mas de uma maneira bastante peculiar, diziam: “Porra, como é isso aí? É um sambinha esquisito, tem tudo pra dar errado, mas dá certo no final...”. Resultado: chamaram o cara pra gravar, e pra acompanhálo, um grupo de samba... Mas não funcionou. Os sambistas não sacavam como acompanhar aquele som entortado, então, o jeito foi incorporar uma banda de jazz pra acompanhar o neguinho, a hoje cultuada Meirelles e os Copa 5. Esse disco chamado Samba Esquema Novo surpreendeu vendendo 100.000 cópias logo nas primeiras semanas, o equivalente nos dias de hoje, como algo em torno de 1.000.000 de cópias, levando a diferentes opiniões na época. Alguns achavam que eram apenas canções ingênuas, os puristas diziam que era uma música moderna demais, outros achavam que eram canções geniais. De qualquer forma, assim foi deflagrada a estupenda, fértil e simpática carreira de Jorge Ben. Nada mau pra quem queria ser jogador de futebol. O álbum Tábua de Esmeraldas de 1974 é sem dúvida a obra prima de Jorge, um disco que segundo ele, tinha a intenção de passar paz de espírito e tranqüilidade pra quem escuta. Foi uma fase chamada por ele próprio de alquimia musical. E pode-se dizer que ele realmente transmutou o chumbo em ouro. A inspiração veio do Hermetismo, a filosofia do antigo Egito, base da Alquimia. A influência do Hermetismo no mundo foi tão grande que, segundo “O Caibalion”, um livro de filosofia hermética, ainda se pode facilmente encontrar semelhanças e correspondências nas muitas e variadas teorias e religiões existentes, onde os Preceitos Herméticos são como um grande conciliador. Essa filosofia foi estabelecida por Hermes Trismegisto, que afirmam ser contemporâneo de Abraão. Pelo que consta, as “verdades” originais ensinadas por ele foram conservadas intactas por um pequeno número de pessoas, que, recusando grande parte de estudantes e discípulos pouco desenvolvidos, seguiram o costume hermético e reservaram essas “verdades” para os poucos que estavam preparados para compreendê-las e dirigí-las. Dos lábios aos ouvidos, os ensinamentos têm sido transmitidos entre esses poucos, de mestre a discípulo. É daí o termo “Hermeticamente Fechado” e a dificuldade de informações mais profundas sobre o tema. Mas não ficou apenas nisso, nesse álbum ainda sobrou espaço pra belas canções com histórias cotidianas, como insistir em uma conquista amorosa, lindas viúvas, mulheres que não nos deixam dormir sossegados, amores inalcançáveis, a negritude e seu orgulho, tudo com muito suingue, bom humor e simpatia. O álbum começa com a sacolejante e descon- traída “Os Alquimistas Estão Chegando”, uma bela dedicatória aos filósofos herméticos e um aviso do que está por vir, a sonora salada alquímica de Jorge. A segunda faixa, “O Homem da Gravata Florida” é uma homenagem a Paracelso, o grande alquimista da história, uma verdadeira aula de suingue e bom humor. Ainda no tema do Hermetismo, “Hermes Trismegisto e sua Celeste Tábua de Esmeraldas” vem pra arrebentar. Esse mantra de apenas dois acordes é nada mais, nada menos, que o texto encontrado por Alexandre “O Grande” na pirâmide de Gize no Egito. Foi escrito com uma ponta de diamante em uma tábua de esmeraldas. No samba psicodélico “Errare Humanum Est”, com direito a climas cósmicos, contagem regressiva e levadas envenenadas de violão, Jorge faz a famosa pergunta: ”Eram os deuses astronautas?”. Em “Menina Mulher da Pele Preta”, o assunto é sobre aquela linda mulher que mexe com a cabeça do homem, sendo impossível não sacar o balanço esperto do violão do mestre. Magnólia canta aquele tão esperado amor que todos acreditam que há de chegar um dia. É engraçado como na poesia de Jorge, tudo parece ser válido, desde se descrever esperando a tal Magnólia todo feliz e de branco, como saber que ela vem chegando em uma “nave maternal dourada, linda e veloz feita de um metal miraculoso”. A canção em inglês “Brother” mostra a influência gospel na música de Jorge. Tem também a hilária “O Namorado da Viúva” e a sentimental “A Minha Teimosia, Uma Arma pra te Conquistar”. A bela “Eu Vou Torcer” é um louvor ao bem estar e a paz, uma sucessão de palavras bonitas. Na libertária “Zumbi”, Jorge lembra a escravidão, conclama com as nações africanas para ver o que vai acontecer quando Zumbi dos Palmares chegar. Uma canção de harmonia simples, mas em um tom inusitado, com uma Rabeca, uma espécie rústica de violino originário do norte da África, que sola melancolicamente ao fundo, deixando claro mais uma vez a genial alquimia musical proposta. E no final, quando os ouvintes mais críticos, pode- riam até dizer, mesmo que agradecidos e sorrindo pela injeção de paz e otimismo, que esta é uma obra onde falta um pouco mais da realidade do sofrimento humano, a angustiada “Cinco Minutos” fecha o álbum. Repare como Jorge entoa sofridos falsetes em um ritmo alucinado, quebrado e difícil de entender em um primeiro momento. Mas não adianta, o bem estar é o grande pano de fundo para as canções de Jorge Ben. Enfim, uma obra prima, uma pérola da música brasileira que merece ser escutada ao menos três vezes, no carro, no PC, no som de casa, num antigo walkman ou MP3, mas levando em consideração o alto risco de se viciar, sendo necessárias doses cada vez mais generosas de Jorge Ben. E não digam que não avisei. ! e g r o J e v l a S Fala solta O vírus da fofoca Por Matheus Teófilo U m erro, uma notícia.Um acerto, o silêncio e crítica.É como são as coisas.Nas colméias que chamamos de bairro ,que por fim é parte de uma colméia maior que chamamos de cidade, vi- gora um vírus não biológico, mas psicológico,natural entre seres “racionais”. Seu nome: fofoca. Tenho presenciado em minhas pesquisas (resultantes do fato de eu não ter absolutamente nada para fazer) que outros, cuja as vidas definharam,devido à baixa inteligência,passam seu tempo reparando e observando seu próxi- mo.São incapazes de elogiar um bom feito (pelo menos verdadeiramente e/ou sem uma ponta de inveja) mas totalmente capazes de falar a respeito de um mal feito, descuido e atitude diferente de seus fúteis costumes com outra(s) vítimas do mesmo vírus e logo apontar discretamente para vítima da tal fofoca. Já fui, por vezes, vítima de tais vítimas. Uma das causas do vírus é fazer o infectado acreditar que manda na vida do seu próximo, ou seja, aqueles que não portam tal vírus. Principais vítimas dos infectados: maconheiros, idealistas, vagabundos, seguidores de alguma religião diferente, ateus, escritores da nova ge- ração beat ou qualquer outra, solitários em geral, mulherengos e aventureiros, desajustados em geral. Minha receita é mandar para puta que pariu todos os portadores do tal vírus e/ou se isolarem ,deslocando-se para um lugar bem afastado e deserto. Minhas pesquisas sobre tal vírus continuarão, pelo menos enquanto eu estiver desempregado (ou quem sabe passarão para um outro estagio?) Teatro Nossa vida não vale um Chevrolet S aio da aula de Português da faculdade de jornalismo acompanhado por dois colegas e uma colega que vão comigo presenciar a sessão de teatro da peça “Nossa vida não vale um Chevrolet” do meu conterrâneo de Londrina Mário Bortolotto. Com uma garrafa plástica de um vinho pra lá de vagabundo entramos no carro da colega motorista (para não contrariar a polêmica lei seca ela realmente não bebeu) e seguimos até a praça Roosevelt. Apesar de morar em São Paulo há uns quatro ou cinco meses ainda não conheço quase nada. Não tivemos muitas dificuldades para chegar próximos a praça Roosevelt. Depois de rodar por um tempo e pedir informações aqui e acolá conseguimos localizar a rua Roosevelt, onde se concentram alguns teatros “alternativos” da cidade. Estacionamos o carro e procuramos o lugar. Um tempo depois estamos no Espaço dos Parlapatões, com um dos tradicionais vendedores de milho das ruas paulistanas plantado em frente ao lugar. Logo na entrada do local esbarro com uma moça de jaqueta rosa. Ela me olha para pedir desculpa e eu no intuito de fazer o mesmo percebo que é Fernanda D’Umbra, atriz da peça e do seriado Motherns do canal Gnt. O lugar parece ser legal, com guarda-chuvas no teto e uma banheira Por Gabriel Daher cheia de terra e plantas servindo como vaso. A bilheteria fica no fundo do lado esquerdo do espaço principal. Ao lado esquerdo um balcão movimentado onde trabalham dois rapazes e uma moça e a frente várias mesas e cadeiras – a essa hora completamente lotados – com boêmios da noite paulistana e admiradores do teatro “underground”. Compramos nossos ingressos na bilheteria. 20 reais a inteira e 10 para estudante. Encostamos num canto, compramos uma cerveja e ficamos em pé em frente à bilheteria bebendo, dando baforadas em nossos cigarros e conversando. A nossa frente há a fila para a sala do teatro (que fica nos fundos da bilheteria e do balcão, num segundo espaço) já começa a se formar. Acidentalmente e felizmente nos posicionamos em um local da formação da fila e por lá ficamos. Pouco antes da entrada para a sala ser aberta terminamos todos a última cerveja e com aquela necessidade normal entre os bebedores corremos ao banheiro a fim de nos aliviarmos antes que o espetáculo comece. Finalmente entramos na sala entre os primeiros e escolhemos uma fileira em posição estratégica com número de poltronas vagas suficientes para abrigar nós quatro e mais o casal formado pela irmã de minha colega e seu namorado que se juntaram a nós. Sentamos lá e esperamos tudo começar. Mais pessoas entram e logo o espaço íngreme das cadeiras frente ao palco de tamanho médio já esta lotado. Mais algumas pessoas entram e sentam-se nas escadas ao nosso lado direito. Músicas de rock e blues tocam antes da peça. As luzes se apagam gradativamente e após um pequeno tempo de espera os atores entram em cena. A história se passa no Rio de Janeiro e é simples porém intrigante. A peça mistura humor e drama numa combinação interessante. As histórias dos irmãos ladrões de carros Lupa e Monk (Bortolotto e Laerte Mello), do caçula e trombadinha Slide (Gabriel Pinheiro) e da irmã volúvel e interesseira Magali (Helena Cerello) se cruzam com as do Stripper e boa-vida Love (Francisco Eldo Mendes) e a da carente Silvia (Fernanda D’Umbra). É com uma trilha sonora incrivelmente sensacional – que incluí Elvis Presley, Ray Charles e outros clássicos do Blues e do Rock – e uma iluminação muito bem feita e adequada que a peça mostra sua qualidade. Atrás de mim um homem de uns quarenta anos e cabelos ralos e grisalhos gargalha sem parar. A qualquer mínimo movimento dos atores ele solta seus risos ecoados como se estivesse diante da maior comédia já vista. Apesar de não ser uma peça exclusivamente voltada á comédia a interação entre o humor ingênuo presente em cada personagem (com exceção da personagem Guto, que comanda o submundo do enredo e do misterioso ladrão Monk, que tem seu apelido inspirado pelo pianista de Jazz Thelonious Monk e passa a maior parte da peça com o capuz do moletom enterrado sobre a cabeça e óculos escuros ao estilo Bob Dylan, criando uma imagem misteriosa) contrasta com a dramaticidade exposta em momentos cruciais. É onde a peça ganha o espectador com dualidades refletidas em diferentes momentos da saga das personagens. O caricato e abobalhado Lupa contrasta uma das cenas mais interessantes (cena que ilustra o cartaz da peça) com a carente Silvia, numa atuação divertida e cativante da talentosa Fernanda D’Umbra. Em uma cena de carinho e questionamento de um casal recém conhecido os dois encenam uma envolvente seqüência e dialogo sobre a relação de homens e mulheres. No caso, de um homem e uma mulher carentes e confusos. Apesar de ter um texto simples, a atuação de Fernanda é a melhor entre todos os atores da peça. Outro momento-chave da peça é a cena em que o motivo do nome que batiza a peça é revelado. O chefão do crime Guto (Paulo Jordão) dialoga com o bandido Monk e lhe diz que suas vidas valem ainda menos que os carros que roubam. Daí o nome “Nossa vida não vale um chevrolet”, que enfoca bem a desigualdade social de vidas menos valiosas que os automóveis sendo roubados. A sensual Magali embeleza e da um toque sexy na peça com seu figurino de poucas roupas e estilo sensual, além de ser a única irmã da família, o que faz o enredo tomar sentido de acordo com recente a morte do patriarca da família (onde todos os irmãos se encontram). Um dos personagens que não interfere muito na trama mas tem seu valor humorístico é o capanga de Guto e amigo de Love, Suruba (Tiago Pinheiro). Suruba acrescenta a peça alguns toques humorísticos e um jargão repetido pelo elenco em algumas cenas devido a suas estapafúrdias ações e comentários em momentos inoportunos – “Não fode, Suruba!”. Além das duas cenas já citadas, na opinião deste as melhores da peça, também se pode destacar o final. A partir da reta final a peça perde o caráter humorístico e ganha uma dramaticidade convincente para o sucesso do surpreendente final da trama. Entre os pontos mais positivos estão a trilha sonora praticamente perfeita que se encaixa com todas as cenas e se faz presente no intervalo de cada cena onde as luzes se apagam e o volume aumenta, fazendo o espectador ter vontade de levantar pra dançar, cantar em voz alta ou simplesmente pensar sobre o que acabou de ver. Nota onze para Bortollotto neste quesito. A iluminação é outro ponto que impressiona. Tudo feito na hora certa, e dando um charme e um mistério ímpar para o espetáculo. A peça perde um pouco no desenrolar da trama, que em alguns momentos se torna um pouco cansativo para os mais impacientes, ou para os apertados por causa da cerveja, que era o meu caso e que mais tarde descobri vir a ser o dos meus colegas também. A dica para quem for assistir é que não exagere na bebida antes da entrada, pois o espetáculo tem em torno de uma hora e meia de duração. A peça está em sua terceira montagem e foi escrita por Bortollotto em 1990. Segundo informação de seu blog, ele teve a idéia de escrevê-la quando via um comercial da Chevrolet com uma música de Bruce Springsteen ao fundo. A primeira montagem foi feita com os primeiros membros de sua companhia Cemitério de Automóveis, ainda em Londrina, no Paraná no Festival de Londrina de 1990. A segunda foi já em São Paulo em 2000, na I Mostra Cemitério de Automóveis que rendeu a Bortolotto o prêmio Shell. A peça ganhou ares estrangeiros e foi lida em francês no Festival De Pount a Mousson e na Comédia Francesa em Paris. Esta atual tem- porada de “Nossa vida...” teve apenas quatro apresentações. Por isso vale a pena ficar ligado no blog de Bortollotto* e demais noticiosos de arte (incluindo este!) pois ela pode voltar sem muitos avisos prévios. Vale constar que a peça virou livro de mesmo título e o livro virou o filme “Nossa vida não cabe num Opala”, que está em cartaz atualmente e foi dirigido pelo cineasta Reinaldo Pinheiro. Bortolotto se afastou da obra cinematográfica por não concordar com a adaptação. Após o final da peça, a galera ainda fica ali pelo Espaço dos Parlapatões tomando umas cervejas e conversando. Quase uma hora depois do final do espetáculo (que tem horário boêmio e começa à meia-noite) o lugar ainda estava lotado. Os atores também ficam por ali e é possível cumprimentá-los se a peça tiver sido de seu agrado. Tudo com a cara da boemia cultural paulistana e dos apreciadores do teatro e cultura em geral. Para quem gosta de teatro com influências em Jazz, Rock and Roll e literatura marginal a peça é uma boa pedida. As sessões acontecem ás sextas á meia-noite e da tempo pra se encontrar com os amigos antes ou depois de lá, ou até mesmo sentar nas mesas do bar do teatro se você chegar mais cedo. Se sua vida vale mais que um Chevrolet, um Ford, um Renault e até mesmo uma Ferrari você não vai se arrepender de assistir a esta incrível peça. Vida de autor O Estranho mundo de William Burroughs Por Guilherme Rocha N os anos 50, o ilustre padrinho da ge- ração beat, William S. Burroughs, explorou a selva amazônica em busca da mítica ayahuasca. Levou consigo seu namoradinho, um jovem cu doce que negociava para transar. “Uma vez por semana, seu velho nojento” era o tipo de coisas que o jovem dizia, e restava ao Burroughs aceitar. Essa história é relatada no seu livro “Queer”, um livro sóbrio que chegou a fazer parte do manuscrito original do mais conhecido “Junkie”. Esses livros compõem a fase que antecedeu o assassinato de sua mulher Joan no famoso incidente ‘Guilherme Tell’. Acusado e fora- gido, Burroughs se mudou para Tangiers (Marrocos), na época uma zona internacional (daí o Interzone de Almoço Nu), célebre destino de fugitivos, marginais e toda a ralé desse tipo. E foi aí que Burroughs começou a se transformar no afamado autor de “Almoço Nu”, o velho louco, o mais icônico intelectual drogado do século XX. Em Tangiers, juntando o uso constante de heroína e outros narcóticos ao seu conhecimento de temas como arqueologia, lingüística e teologia, suas paranóias foram se intensificando e suas teorias foram ficando cada vez mais bizarras (envolviam dimensões paralelas, mulheres como espiãs de outros planetas, insetos conscientes, linguagem como mecanismo de controle). Argumentativamente coerente, o universo de Burroughs ganhou vida. E acreditando nas ficções que ele mesmo criava, Burroughs lançou livros experimentais até morrer, respeitadíssimo e chapado, aos 83 anos. Conto O U T O N O Por Christiane Freire N o outono da vida, ela o conheceu.Era um jovem comum, mas tinha algo que a atraía. Talvez a masculinidade, quiçá o olhar sedutor - não sabia exatamente o quê, mas sugeria algo peculiar. Foi por casualidade. Estavam no mesmo café quando desabou um temporal que a impediu de sair. O jovem senhor achava-se acomodado junto a uma mesa que, minutos antes, fora ocupada por ela. Ao vê-la retornar, sorriu, comentou algo sobre o tempo e convidou-a a sentar-se a seu lado. Ofereceu-lhe, de pronto, um café, que aceitou sem maiores pudores não só por ser ela uma presença assídua no tradicional e histórico recinto como também por sua idade. Imediatamente, ela pensou que aquele homem poderia ser seu filho. Por que não acolher, assim, um tão gentil convite? Ademais, tratava-se de um local público.Ela tirou seu elegante casaco e tomou lugar à mesa. Ele elogiou-lhe o doce sorriso, o que ela recebeu como amabilidade. Principiaram a conversar sobre o café, de sua importância no âmbito intelectual e cultural daquela cidade, dos ilustres frequentadores das artes e das letras tanto do passado quanto de então. A animada conversa entrou pela poesia, li- teratura, e não se deram conta de que a forte chuva havia cessado.Isso porque estavam totalmente absorvidos pelo que discorriam naquele mágico do café. Em dado momento, ela se percebeu mais jovem e minimizou a diferença de idade entre os dois. Afinal, eram intelectualmente compatíveis, liam autores em comum; também gostavam de música, teatro, cinema e tanto um quanto o outro cultivavam o hábito de escrever. Em certo instante, o homem consultou o relógio. Com expressão assustada, admitiu não ter notado a rápida passagem do tempo, e isso a fez sorrir. Ele pediu a conta e logo sugeriu acompanhá-la até a casa, o que ela julgou desnecessário. Concordou, porém, em que ele a conduzisse ao ponto de táxi do outro lado do café. Despediramse como velhos amigos.Ela disse haver sido um belo encontro, e ele mostrou desejo de vê-la outra vez. Já em casa, ela aconchegou-se em sua poltrona preferida e iniciou a capitular aquelas horas em que nenhum detalhe pessoal foi dito, o que faziam, sequer onde moravam, absolutamente nada... Reviveu a profundidade com que ele a olhava, a atenção a tudo quanto ela dizia, captan- do todas as palavra como se quisesse possuí-las. Voltou a experimentar o calor da mão dele que, oferecendo mais um café, tocou levemente a sua. Flagrou-se invadida por algo intenso que julgava morto no corpo e na alma, mas qual nada! Ali estavam o delírio de uma paixão e a vontade de vivê-la em toda a profundidade porque tais emoções lhe devolveram seu “ ser mulher”. Não pensava no homem, mas no que sentia. Por sua cabeça não passava que ele pudesse ter ímpetos iguais, nem imaginar! Um homem que brilhava em juventude nunca pensaria em uma senhora já madura como mulher; quando muito, como tia, amiga, jamais como mulher. Dormiu. Ao despertar, preparou o chá costumeiro e voltou a perder-se em relembranças. Quem sabe, poderia encontrá-lo novamente? Jogou fora tal insana idéia e decidiu: por um período, não volveria ao café. Não queria sentir o mesmo da noite anterior caso se pusessem frente a frente. Nutria certa ventura pela escolha que fizera. Desfrutava uma ponta de felicidade por ter aberto, um instante que fora, o sinal verde em seu coração. Naquela idade, quem diria, pensar em caso de amor... Ensaiou um sorriso, levou a xícara à cozinha e sentouse a escrever. Poemas Por Leandro Durazzo passo... ...passo passo... “passa aqui!” é o que grito é o que grita ela. passo, e tomo o mundo, o rumo, o curso, o rio. passo... passei por ruas, vielas, e as vi nuas meninas em janelas por todo o litoral. ...passo num mar de sal submerso nadando ao céu feito verso que não pára de soar... passo... e ela, menina, pernas do mundo, passará. Selvagem Guilherme Rocha Me imagino em meio a uma região selvagem cercado por grandes árvores, quero ir à loucura, Imagino o mau-cheiro de carne fresca recém caçada rasgando a carne dos ossos com os meus dentes e trilhas de sangue quente correndo pelo meu rosto e peito Me sinto selvagem e colido contra o armário. Encaro uma criatura nervosa e peluda no espelho antes dele quebrar vejo pinturas rasgadas da parede sinto sons afiados no ouvido dinheiro queimado em nome da arte formando uma fogueira inspirada Me mantenho quente cozinhando um esquilo atropelado, escondido nas sombras de antigas entradas esculpidas, selvagem. Poemas Solução Luciano Favaro Meu grande problema Meu terrível e assustador problema Sem solução Que me fez perder o sono Noite passada Pois então! Descobri que ele é tão menor Que a flor Que acabou de desabrochar No meu jardim Por Helena Hutz Dor física. Dor mental. E é na alma que sangra. Medo de ser vista como alejada. Ser apontada por crianças “olha mamãe, que diferente”. Causar repúdio aos homens. Gargalhadas às mulheres. Pena dos que compaixão sentem. Enquanto o somático se propaga, finjo a auto-estima alta. Via glicose líquida, bolas, bicarbonato... entendam os que possam, não quero me autoexplicar. O engraçado? O cara me come no fim da noite e diz “porra, puta auto-estima baixa você tem”! E me dizem: bonita, intelgente, talvez gostosa. Erro dos que dizem. A beleza não sou eu, combinação genética. Inteligência de nada adianta quando não se produz, se convive com os ignorantes de caráter. (E meu passado mostra como muito assim fui, sem caráter, vergonhoso de expor até, mas se não ponho pra fora a dor...a lá de cima, física e mental, não passará, jamais!) E gostosa sou pra quem tem pinto e não cheirou a ponto de estar meiabomba. Bando de babaca. Que morram os cocainômanos e me levem com vocês. Poemas Em Roma Por M. Cass Isolado no meio da multidão Que passa vadiamente apressada As ruas rugem, querem nos comer O dia é terrivelmente claro, penso na noite Ainda há luz, distante das horas notívagas Dos seres cintilantes e fantasmagóricos Penso sem ti, nunca te vi, imagino Seus dentes, o paladar de seus lábios A pele frutada castanha Sozinho entre as gentes ruidosas Tento dominar meu silêncio Calado sentado na fonte secular Meus medos flutuam, me acompanham Conversam comigo, me fazem sonhar As cores humanas se tornam opacas Como as calçadas pisadas A massa é a cortina que me esconde Mas olhos transpassam minha alma Investigam meus desejos Fingem não me ver, penso em ti Penso em seu colo macio Como o colo da madona da praça Duro e negro de bronze tão milenar É você então na estátua parada Anos e anos quieta, é você então Negra e fria a me ignorar Com os pombos a te cagar na face Mas devo estar ali, em seus braços Vejo seus indóceis peitos firmes O rio leva consigo nossa história Verde e prata, leito do luar Com seus decotes e piratas Mato minha sede a te desejar Nos sonhos impressionistas Aceno pra ti na margem esquerda Com seu sorriso a me chamar Me chamas? Diga se me chamas... Para que eu possa te amar Te amar? Quando os pássaros choram Sozinho na praça cinzenta Diante da estátua de ti tão negra Dura e fria sem nada me dizer Não me chame, por favor Temo, se o fizeres, te amar! Ainda que me ignores para sempre Preciso ouvi-la me chamar Que grite meu nome com força E lágrimas... Grite que assim te posso escutar E se te aqueces em corpo alheio Nas suas eternas noites tão brancas Pense por um instante em mim A vadiar pelos becos, a fugir de armadilhas A brincar de aventuras santas A olhar para os mortos dos povos perdidos Imagino então eu mesmo ao seu lado Como o herói bárbaro amedrontado No colo da musa a chorar... No suor de seus poros imaculados no calor de seu beijo Grite, então grite... Quero te ouvir gozar! Trip Argentina Os bosques não param Por Elena Caracoles N os vamos a cagar de frio, me adverte o primo. Achava que eu não daria conta, que boluda, mulher e acha que agüenta quatro noites ao relento, tá pensando que tem água quente e calefação? tem nada não, minha querida, quero só te ver batendo queixo e reclamando. Ha, Ha e mais um Ha pra ele, que não sabe que tão pra inventar um clima que me intimide. Laguna Brava foi o destino. Ali entre Balcarce e Mar del Plata, sudeste da Província de Buenos Aires. Éramos três os bicho-grilos: eu, Mariano (meu primo muito irmão) e Julio (my man). Guris, - disse eu, ao melhor estilo meu filho pega um casaquinho - convém levar luvas e uma touquinha de lã, não se façam de neanderthais, a macheza tem limite, ai ai... homens e sua mania de não ser mulher. Passo às 8 da madrugada pra te buscar, o trem sai às nove e meia, me diz o Julio. Detalhe que na noite anterior havia tomado 90 pesos de Heineken com o querido Mateus, um dos ilustres colaboradores desta revista. No sábado pela manhã, o desafio era ignorar o fato de que eu havia dormido curtas 2 horas e ainda me sentia um tanto quanto... ébria, digamos. Bora lá, banho meio frio pra despertar os sentidos, lãs, laranjas e latão-kit marijuana na mochila, saco de dormir, tô pronta. Sonambulamente, chegamos à estação de trem, onde meu primo estava escorado em sua backpacker. Dormindo no chão, feito um mendigo, é claro. Mochileiro que é mochileiro dorme em qualquer lugar e nao se atém às possibilidades de roubo. Seis horas num trem do passado, aquele sus- piro por estar on the road again, câmera, Artaud, Dylan, becks clandestinos no setor de fumadores inventado por nós, ok boys, chegamos a Mar del Plata. Mais duas horas num bus pra lá de caliente (a calefação devia estar beirando os 40 graus, sem exagero, e eu pensando como um biquini sera útil nessa hora). Por fim, e já fazendo comentários tipo “e não é que tá frio mesmo”, chegamos a Balcarce. Pernas pra que te quero, seis quilômetros marchando com mochilas e dois violões, fora o peso das roupas que vestíamos. A essa altura o Julio já me implorava de pé junto pra eu emprestar a minha touca de lã pra ele. Dei aquela risadinha sarcástica eu te avisei. (E aí fiquei viajando em guerras dos sexos, que coisa, como as mulheres completam os homens, é mesmo fantástico!) Dois amáveis cachorros resolveram nos acompanhar, foram nos seguindo, e é aí que o Julio me diz: otra vez, mi niña, otra vez nos siguen los perros... (sempre nos acontece). Ali é o camping, diz um senhor que passava cavalgando. Ok, gracias. Mas que camping, que nada, queríamos mesmo era nos meter no meio do bosque, camping é coisa de looser. Consultamos o mapa porca e precisamente ilustrado por um estranho que já havia acampado lá, bingo, falta um quilometrinho, nomás. Como “somos” machos mesmo, chegamos ao meio do bosque à noite, Me senti filmando A Bruxa de Blair, e tudo teria parecido uma grande brincadeira de mau gosto não fosse a quantidade absurda de estrelas que cintilavam no firmamento. Lua nova é bom assim, a céu aberto escancarado. Busca lenha pra fazer o fogo, monta barraca, carái a lanterna tá quase sem pilha, foi mal aí galera, quebrou a porra do pino, paciência, não dá nada, fecha o baseadinho pra dar uma desanuviada, meu bem o que teremos para o jantar? pergunto eu, bem confortável sentadinha olhando o fogo enquanto o Julio buscava mais lenha e o Mariano se empenhava em arquitetar bem a fogueira. (E aí fiquei viajando em guerras dos sexos de novo, que coisa, como os homens completam as mulheres, é mesmo fantástico!) Massa aos quatro queijos, me diz o Julio. Massa! exclamamos eu e meu estômago, coisa fina é comida italiana feita na fogueira, tomando banho de estrelas! Meu corpo e minha vida agradecem. Demos a volta na bela e gélida lagoa, invadimos três longínquas propriedades privadas na tentativa de subir a serra, mas acabamos saindo com o rabinho entre as pernas porque não éramos páreo para os 6 irados cães que se apresentaram. E o pior é que o Tommy e o Negão (nossos cuscos) tampouco eram dos mais valentes. Uma barbaridade ser privado um lugar assim. Nos emputecemos, mas vamos, vamos, prá lá tem um monte de cavalos e ovelhas, façamos um momento Nat Geo. O frio realmente era de romper os mamilos (depois ficamos sabendo que essa havia sido a noite mais fria do ano. Rá! Na mosca!). Mas nada que um foguinho e um sexo não dissimulassem. (sexo este, que a duras penas conseguimos fazer, porque abdicar das luvas já era um suplício). Po- bre do Mariano, isso sim, que foi sem ninguém pra dividir a barraca. E vá licor pra dentro! Bebemos, filosofamos, fumamos, ouvimos música viajandona, enfim. O tal fenômeno ao qual chamamos de Hippismo. Lá pelas tantas, eis que decido acompanhar o Mariano a catar mais lenha, sem nadica de luz, tãn nãn! Aham, nos perdemos. Menos mal que eu havia levado os bebes e fumes. Ficamos perdidos umas 3 lindas horas no meio da floresta encantada, e não teria me espantado nada se surgisse uma fadinha por ali. Amanhecemos e fomos desbravar. O lugar é encantado, tem trilhas e mais trilhas, e também trilhas no estilo faça-você-mesmo, com ou sem facão. A paisagem da lagoa com a serra é her-mo-sa. Deu lástima não ter um doce naquela hora. (nosso dealer falhou, quase o demiti). Não havia absolutamente ninguém nos arredores. A sorte é que, caminhando uns 2 km pelo meio dos bosques, havia um mini - muito mini, quase nano mercadinho, e ali compramos mantimentos, principalmente as pilhas da bendita lanterna. Foram 4 dias e 4 noites de caminhadas com cheiro de verde, de cachorrada amiga, de estrelas preenchendo cada azul disponível no céu; enfim, foi como respirar fundo e ter vontade de continuar respirando. Muitos silêncios dos bons olhando o céu, outros olhando o verde, outros olhando os cães, outros de olhos fechados. Daqueles silêncios que nos atam de uma forma, justamente, silenciosa e, por isso mesmo, que transcende. Dizem que quando um cachorro te segue é porque estás perdido. Se isso é estar perdido, então que não me achem. Trip Amazonica Chá dos Deuses, Vinho da Floresta Por Guilherme Rocha N stou deitado debaixo do céu, na compa- nhia das estrelas e da lua, meditando, concentrando minha energia no estômago e nos ossos. A fogueira está queimando em silêncio enquanto consumo a eucaristia selvagem. Olho para o céu e vejo estrelas caçando a lua numa rede de constelações. Sinto a presença da ayahuasca no meu corpo. Eu a sinto nas minhas entranhas, brincando. Sinto o líquido espesso percorrendo minhas veias. Sinto a náusea e a acolho. A envio do estômago para todo meu corpo. A náusea é energia e eu a sinto nas minhas extremidades, da ponta dos pés ao topo da cabeça, e isso me faz sentir divino. Chamo as estrelas e elas vêm. Inalo e exalo e o mundo me acompanha. Meus pulmões pulsam a galáxia. Estou cercado por globos de luz. Cada globo é carregado por um par de beija-flores. Peço a eles que injetem a luz diretamente em minhas veias com seus bicos de seringa. Eles o fazem. Insetos multicoloridos sobem pelo meu corpo e serpentes rastejam por minhas pernas. Cipós envolvem meus braços. Teias psicodélicas cobrem minhas mãos. Formigas saem por debaixo de minhas unhas. Tudo é tão vívido. A vida está me consumindo. Estou explodindo em cores. Escamas de peixe no céu. Espinhos de arraias. Poeira cósmica. Estrelas cadentes. Já colecionei umas 10 nessa noite estrelada da Amazônia. A floresta que me cerca parece não ter fim, pois me sinto como se estivesse voando por cima dela, vendo o verde da vegetação e o amarelo solitário da fogueira. Não há viagem mais íntima pela Amazônia do que a viagem de ayahuasca. O chá dos deuses, o vinho da floresta. ”Deus, abençoe todas nossas tentativas frustradas de defini-lo.” Disse a mim mesmo em êxtase. Fecho os olhos e me vejo envolto por uma lama viva. Não tem chão firme para pisar. Há apenas uma lama caleidoscópica, composta de insetos, serpentes entrelaçadas, baratas e centopéias multicoloridas. Eles sobem por minhas pernas e vestem o meu corpo nu. Sou composto por essa lama viva, é ela que me une à terra. Somos feitos da mesma matéria, afinal, cada pedaço de mim é um pedaço da terra. Ela está tão viva quanto eu e eu tão vivo quanto ela. Sigo uma luz brilhante que parece vir de um distante templo dourado. Continuo coberto por insetos. Sigo andando e, quanto mais perto chego, maiores se tornam os bichos. Chegando ao topo, vejo que sucuris gigantes protegem o templo, mas eu não tenho medo. Vejo a fonte de toda a luz. Eu a tenho na minha frente. Ela está bem ali, condensada num pequeno globo gasoso. Observo atentamente, quiçá buscando obter alguma resposta divina, buscando uma resposta para uma pergunta que eu desconheço. Mas a única coisa que consigo identificar é o infinito. Ele nunca me foi tão nítido. Dentro do globo está todo o infinito—a imensidão da luz, o tesouro do fim do arcoíris, a baleia branca do capitão Ahab, a epítome da energia cósmica—e qualquer sentido se desfaz quando ele ameaça se revelar. Minha lição é que não há resposta fácil. A energia divina pulsa o universo do qual faço parte e essa é a única resposta que posso alcançar. Aprendo que devo abandonar a inútil busca quixotesca por verdades absolutas. Devo apenas buscar comunhão com o mundo que está tão vivo quanto eu. Somos todos feitos da mesma essência. É o sopro da vida. A maneira mais pura de se relacionar com Deus. Após mais de seis horas sob o efeito da ayahuasca, a náusea volta intensamente. Dessa vez ela é maior do que meu bom senso. Pensei que iria perder o controle. Apoiei-me numa árvore e vomitei violentamente por dez minutos. Pensei que iria desmaiar. Poderia jurar que eu iria perder de vez minha sanidade. Estava completamente amedrontado. Mas quando todo o líquido espesso saiu de meu corpo, meu mundo se reencontrou e me senti purificado, literalmente regozijado. A ayahuasca havia me dominado, brincado comigo e agora estava finalmente me libertando, deixando comigo apenas um agradável sentimento de comunhão. Senti-me abençoado. Meus sentidos renasceram mais puros, dando-me a impressão de que os pássaros para sempre cantariam maravilhosamente. Após uma viagem íntima por tudo que é divino, voltei a uma nova e harmoniosa realidade. Trip Portuguesa Na terra do fado vadio Por Mauro Cass D a rua do Car- mo, no bucólico alto Chiado, a gente avista o Tejo um rio que imaginei estreito como o Tietê mas é de largura amazônica. Fui andar por lá, um bairro boêmio cujo nome me remete aos tempos que ficávamos tentando sintonizar um rádio a válvula. Tirei uma foto ao lado da estátua de bronze de Fernando Pessoa diante do clássico Café Brasil. O bronze confere uma fantasmagórica feição parecida a toda gente famosa. Onde estudei havia o busco do Cásper Líbero, também parecido com Drumond e Pessoa. Por fim, ao morrermos ficamos todos parecidos. Ao se debruçar sobre o Tejo, o sol confere um brilho curioso a toda cidade. Não demora e todo Chiado fica aos cuidados de sombras e luzes seculares com destaque para o amarelado noir de seus bondes elétricos. Passava das sete da noite e a fome apertou. Desci apressadamente para o Rossio, o velho centro de Lisboa, no trajeto, ainda na rua do Carmo, me detive diante de um calhambeque vermelho impecável cuidadosamente estacionado. Parecia saído de fábrica. Dentro do veículo um sujeito fantasiado como aqueles senhores da década de vinte, com chapéu, colete e gravata borboleta vendia CD de fado. Ao me ver ali parado, apreciando o carro, tratou logo de botar seu melhor fado. Começou o som, me detive mais um tanto. Sim, estava diante de um legítimo fado. Ouvira coisa parecida na infância, cantada por meu pai. Agora estava ali, na terra do fado e ouvia uma voz potente de mulher, seguida por guitarra portuguesa, aquela melancolia toda não poderia ser de outra cantora senão Amália Rodrigues. Deixei de notar o calhambeque, fiquei entretido, envolvido ou, creio eu, hipnotizado por aquela melodia secular. Vinte euros o CD, foi o que me disse o sujeito ao lhe perguntar o preço. Mais caro que o que eu planejava gastar com minha refeição. Bem, estava em Lisboa, havia de, no centro, encontrar africanos vendendo uma boa pirataria por dois euros. Me enfiei pela rua da Vitória, cruzei a fabulosa Augusta e parei no mercadinho para comprar pão, frios, um pastel de Belém e vinho do Porto. Uma boa refeição por dez euros. Inspirado e feliz da vida, rumei para o pequeno hotel onde havia me instalado na noite anterior. Deodoro era o recepcionista historiador. Um homem de boa prosa, sem dúvida. Ele, muito cortês, sugeriu que eu comesse ali mesmo nas mesinhas do café da manhã. Ajeitei tudo, abri o vinho, Deodoro me trouxe a taça e fiquei ali comendo, bebendo e conversando sobre a re- construção de Lisboa por Marquês de Pombal após o terrível terremoto com tsunami e tudo que arrasou a cidade em 1755. Deodoro me dava dicas de lugares a conhecer como a igreja em ruínas, no alto Chiado, que não foi reconstruída e é a lembrança viva daquela tragédia. O assunto, naturalmente, escorregou para o fado. Sim, tragé- dia em Lisboa tem tudo a ver com fado. Perguntei onde ouvir um bom fado. Ele torceu o nariz. Certamente não quis me dizer que não se podia ouvir bom fado em Lisboa mas, ao me ver ali, fazendo uma refeição comprada no mercadinho em vez de comer nos baratos restaurantes, deduzira que minha verba certamente não me permitiria gozar de tal luxo. “No Chiado tem os grandes shows, mas é demasiado caro”. Assim me disse, com todo seu sotaque português. “Caro, quanto”, perguntei. “Não sai por menos de 50 euros uma noite”. Grande frustração. Aquela melodia toda, me parecia, tinha tudo a ver com Lisboa mas se tornara turística demais. Estar ali e não sentir nas entranhas um fado me faria ir embora com a terrível sensação de frustração. Mas 50 pratas por uma noite? Sim, “demasiadamente caro”. “A não ser que tu vá a Alfama e não se importe em ouvir o fado vadio”, me disse despretensiosamente Deodoro. Foi para lá que fui nesta mesma noite. Tomei um banho, me aprontei, me pus cheiroso e sai alegremente caminhando, previamente orientado por Deodoro, rumo a Alfama. Quinze minutos andando pela sombria rua Bacalhoeiros, depois, beirando o Tejo, peguei a rua do Trigo e enfim dei na Casa do Fado, que não toca nada, é apenas um museu e, claro, estava bem fechado àquela hora da noite, passava das onze. Ambiente e atmosfera desse naco da cidade lembra muito a barra pesada portuária de Santos, Vitória, Salvador ou Rio de Janeiro: docas abandonadas, carroceiros, malandros e algumas putas perambulavam por ali. Lá pra cima, olhando para o alto, do lado esquerdo, se vê as luzes amareladas que adornam o Castelo de São Jorge e lembra, de longe, uma tímida coroa sobre a cabeça de Lisboa. Abaixo, como uma vila medieval, temos Alfama. É, verdadeiramente, um morro apinhado de casebres seculares e vielas apertadas o bairro de Alfama. Ali acontece, diariamente, em porões apertados, o fado vadio que é, a grosso modo, o legítimo. Pois, feito o tango, ou o samba, também o fado nasceu assim como um uivo do submundo marginal. Assim como nas favelas cariocas, em Alfama são poucos os espaços onde se pode entrar um carro. Ali é preciso se aventurar na boa e velha caminhada pelos becos. E todos os becos levam nomes singulares e poéticos. Beco das Flores, das donzelas, das margaridas, dos prazeres, esse último, aliás, altamente sugestivo. Pouca luz, alguns soturnos transeuntes e, por todos os cantos, a melodiosa guitarra portuguesa se faz presente junto com lamuriosas canções ora entoadas por homens ora por senhoras de negro. Escolhi uma de maneira aleatória. Deixei o senhorzinho com seu enrr ugado terno negro achar que me convencera a por lá ficar. Vinte euros com direito a uma jarra de vinho verde. Fantástico, fenomenal. Duas cantoras e um cantor se alternaram em um pequeno canto do estreito salão da meia-noite às três da madrugada. Conversei com os músicos depois, fizemos comparações sobre fado, samba, tango, morro, Alfama, porto e a toda vida humana. Cheguei um tanto cambaleante ao amanhecer no velho hotel e ainda pude agradecer a Deodoro, que acabava seu turno, pela dica maravilhosa. Fabula A lenda do grande mestre Ni Por Luiciano Favaro A lenda diz que, em meados do século VIII, um monge, conhecido apenas por monge Ni, saiu em busca da iluminação, abando- nando todos seus bens materiais e indo morar em uma caverna isolada, no alto de uma linda colina, depois de uma ordem de despejo da sua casa. Ali, ele tinha certeza que o caminho ao nirvana seria mais fácil, já que nenhuma testemunha de Jeová o acordaria domingo de manhã para vender revistas. Na caverna, alimentava-se de frutos silvestres, meditava e, quando se sentia entediado, fazia palavras cruzadas e jogada peteca. Após anos em total isolamento, um jovem apareceu em seu abrigo, dizendo ser vendedor de enciclopédias. Estava desesperado e com fome, e então, o grande monge ofereceu a ele abrigo e uma lata de atum. O rapaz sentiu-se agraciado, e mesmo não conseguindo comer o atum por não ter um abridor de latas, ficou encantado com a bondade daquele homem que, a partir daquele momento, virara seu grande mestre. O monge aceitou com honra tal responsabilidade, batizando o rapaz de ishmira batsum, ou, em uma tradução literal, o discípulo que rói as unhas dos pés. Assim, os dois passaram vários anos na montanha, o mestre e seu discípulo, um se elevando, outro aprendendo. Dividiam tudo o que tinham para a sobrevivência na clausura, a comida, a água, as vestimentas, só não dividiam o mesmo colchão porque pegava mal. Um belo dia, enquanto meditava, monge Ni sentiu algo estranho em seu corpo, leveza, contemplação e uma vontade incontrolável de imitar uma galinha: sim, era seu corpo se elevando em direção à mais completa iluminação. O monge, então, levantou-se e, antes de alcançar o nirvana, declamou mais de 200 provérbios seguidos enquanto fazia polichinelos. Boa parte desses sagrados provérbios foi, infelizmente, perdida, porque o telefone tocou na mesma hora e o discípulo foi atender, e quando voltou o grande mestre já tinha terminado. O jovem então pediu para ele repetir o que tinha dito, mas o monge já não se lembrava mais. O que nos restou, portanto, foi apenas uma faísca da sabedoria do grande mestre Ni, anotada por seu fiel discípulo em alguns post-its, antes de o monge alcançar a iluminação e partir dessa para melhor. Abaixo, alguns dos sagrados provérbios de mestre Ni, anotados por ishmira batsum há mais de 13 séculos, e que ainda hoje são amplamente conhecidos nos países orientais: O tolo admira a banana. O sábio a come.Na hora do apuro, um cálice e um penico têm a mesma serventia. O tolo conta as estrelas. O sábio o espera terminar. O sábio difere perfeitamente o ter e o ser. O fanho nem tanto. Insanidade Diário de loucos Por Sânzio Barreto A rotina no hospício é de enlouquecer qualquer um. Houve uma chuva na quar- ta-feira e ficamos vagando pelos corredores sem nada pra fazer. Um saco. Ninguém saiu para o pátio. No outro dia pude receber visita e me trouxeram as coisas que eu pedi. Uma fita cassete pra tocar na rádio. Me avisaram que tinha que ser música suave, comercial de amaciante. Sinto profundamente. O bom e velho rock´n´roll ainda é tudo. Deus salva, o rock alivia. Veio junto com meias e outra bobagens meu livrinho de cabeceira recheado de cartelas de ácidos. Minha pequena coleção de selos. Mandei logo dois. Na real preferia uma boa garrafa de gim pra acompanhar a leitura. Fiquei sentado ali no pátio, entre passarinhos e árvores centenárias, esperando os primeiros efeitos. Começou aquele formigamento nos cílios e uma vontade incontrolável de rir e aprontar alguma coisa. Achei tudo lindo, até os curativos nos meus pulsos, as ataduras brancas, os pontos sobre a pele ainda aberta a estilete. Mexi demais naquelas feridas e o sangue voltou a jorrar. Já estava babando, sempre rindo. Quanto mais saia sangue, mais eu achava lindo, lindo, Linnnnnnndo! Vermelho vivo de artéria. Aí me deu um certo receio de ser flagrado com aquele tesouro, mas não ia jogar na pia de jeito nenhum. Achei que distribuir fosse melhor. Fosse melhor. Melhor. As palavras zumbindo na minha cabeça. O primeiro que ganhou foi um chegado meu aspirante a diretor/enfermeiro chamado Gabriel que era meu vizinho e inventava as próprias regras de funcionamento do lugar. Tomai, e ide para vossa casa, morreis a caminho!?. O Diretor da Rádio tomou dois. Era um cara sofrido, per-dera um dos rins por causa de porrada da polícia. Figura assustadora, de óculos pretos, era negro, alto e parrudo e nunca conversava com ninguém. Bota a nossa fita aí DJ?. Foi a única vez que o vi rindo. Achei que a festa fosse acabar quando os primeiros acordes de Helter Skelter começaram a ecoar pelos corredores do hospício. Pelo contrário, os funcionários ficaram rindo da minha performance de coelhinho da páscoa/ Cosme&Damião. Já que ninguém sabia direi- to o que fazer, fui ao meu quarto ministrar uma dose ao colega tristonho que conversava com a própria dentadura sem auxilio químico nenhum. Outro doidão se manifestou logo reconhecendo a molecagem: não acredito! Tamém quero!?. A Janaína, cujo nome real eu não sabia, e só a chamava assim porque rimava com matou a filha com cocaína também ganhou. Ela costumava me pedir produtos de higiene porque não recebia visitas e não falavam com ela. Dizem que, sendo viciada em crack, achou o seu bebê, recém-nascido, não agüentaria a abstinência e, na sua mente de dependente, misturou leite materno e cocaína e deu numa colherinha. Sua única preocupação agora era com a aparência. Dizia que me amava e nesse momento gritou até para os aviões passavam: ele tá sangrando?! Me arrastaram para a enfermaria de onde dava pra ouvir o barulho cada vez mais alto da melhor festa que já houve ali. O som foi diminuindo na medida em que o sedativo fazia efeito e enquanto os curativos eram refeitos. 28 de fevereiro de 2002, na minha agenda, comemora-se o dia mundial do doido. Insanidade Pássaro de Ferro Por Leandro Durazzo As nuvens são mais reais pessoalmente. Do alto, bem do alto, talvez não o máximo mas, de repente, de uma hora pra outra, mais do que eu esperava. Porque eu queria voar, sempre quis e sempre quero, e foi que voei. Subindo quilômetros e mais, acima, sempre, sem parar, sempre, subindo até mesmo para o pouso. Sempre ao alto. Às nuvens, nelas e através. Chegando, vagabundo, até o topo de uma terra nova, uma terra tenra macia e feito água. Onde o sol brilha direto, sem intermé- dios, sem nada, sem sombras, nem dúvidas. Sem homens. Parece que o mar sobe aos céus, se você voa alto. Parece que o mundo volta ao mar, todo ele, horizonte interminável para todo e todo lado. Parado em alguns trechos, revolto mais abaixo. E o espírito de Deus pairava sobre as águas. E as águas sobem aos céus e Deus se banha. As nuvens são mais reais pessoalmente. Dizem do fundo das gotas frias tudo que lá debaixo tu jamais poderia ouvir. Não ouviria, a menos que a chuva caísse trazendo ao solo a voz das mães alvíssimas. Ou negras. O canto ritmado de tambores do vento que vem e traz trovejos e lampejos de luz do sol. Quando Deus se seca. Não é como um país de algodão, ou uma massa gigante de algo falso. Falso, gasoso e mentiroso. É mesmo, lá de cima, como o chão mais sólido em que eu poderia pisar. É como uma queda esperando que eu a cometa. Se as asas se queimarem e todo o corpo acometer em direção ao centro, eu volto à terra. Como um cometa. Mas eu não quero, e continuo voando, com o olhar exultante e prazeroso fitando as nuvens, que são meu chão, meu horizonte, minha fonte de água pura e meu destino eterno. Que são testemunhas mais primárias dos feitos das minhas estrelas irmãs de lá de cima, do firmamento. E vizinhas bem mais próximas da mãe lua de todo mundo. Se Deus não for o céu, Deus não há. Ficcao A Arte da Guerra - Passo a passo C Por Luiciano Favaro riada pelos chineses por volta do ano 1000, e patenteada pelos japoneses 3 anos depois, a pólvora foi usada pela primeira vez como arma de fogo por um rei francês, quando tentava acender um rojão no Ano Novo. Os americanos inventaram a bomba atômica, a internet e o estilingue, mas hoje isso tudo está à disposição dos inimigos dos Estados Unidos, à vista ou parcelado no cartão. No livro A Arte da Guerra – Passo a Passo¬, o historiador americano Maximilian Coxy examina a guerra de perto e alerta: Ela não cheira nada bem. O livro “A Arte da Guerra”, de Sun Tzu, ainda continua influente em combates de guerra? Maximilian Coxy - Hoje sabemos que a obra de Sun Tzu foi consultada por diversos militares ao longo da História. Os romanos leram e a traduziram para o latim. Napoleão pode ter lido também, mas provavelmente em uma versão pocket book, assim como os ingleses, mesmo que ambos não admitam isso. É provável que ainda hoje militares a consultem para a preparação de combates. Mas isso é difícil responder com certeza, já que ainda estou na página 11 do livro. Quem os EUA devem temer: a China, a Coréia do Norte ou a Al Qaeda? Coxy - Possivelmente uma combinação entre eles. Os Estados Unidos devem se preocupar com a China e a Coréia do Norte juntos, ou a Al Qaeda com a China, a Coréia do Norte com a Al Qaeda. Ou uma união entre os árabes e algum país latino americano. Ou ainda uma junção dos todos eles. Enfim, hoje os Estados Unidos devem temer qualquer coisa que se mova, basicamente. E a China pode se tornar uma superpotência sem guerra? Coxy -Historicamente não conheço nenhum país que tenha alcançado status de superpotência sem guerra. Alguns países entraram em superguerras, mas sem nenhuma potência. Esses se deram muito mal. A verdade é que, normalmente, a potências já estabelecidas não dão espaço para que uma nova potência surja. E esse é o prelúdio de um confronto bélico. Analisando a situação dos Estados Unidos e da China hoje, podemos garantir que a melhor decisão a ser tomada é comprar um pacote turístico para as Bahamas e ficar por lá por tempo indeterminado. Qual é o maior problema da China em questões armamentistas? Coxy - O grande obstáculo da China, apesar de seu investimento por estruturação bélica e seu número gigantesco de soldados alistados, é o setor de comunicação. O problema é que a língua chinesa é tão difícil que nem os próprios chineses conseguem entender muito bem. Isso atrapalha um pouco as decisões em combate. Um exemplo clássico disso foi a conhecida batalha de Yun-Pé, em 1667. Um enorme batalhão chinês estava alinhado, aguardando ordens para invadir a região de Yun-Pé, na fronteira com o Vietnã. O coronel Wing Li então ordenou a todos que seguissem em direção nordeste, mas os soldados não entenderam o que o coronel tinha dito e rumaram para oeste, chegando à Paris 8 meses depois. Dos militares citados em seu livro, quem é seu preferido? Coxy - Tenho verdadeira admiração pelo Duque de Ashmor. No livro, conto um de seus primeiros combates, na Índia, em 1703. É inspirador relatar como ele enfrentou e venceu o exército Mongol. Os Mongóis tinham 4.500 homens bem treinados e fortemente armados, enquanto o batalhão de Ashmor possuía apenas 120 soldados, que usavam chinelos para se defender e palitos de dente para atacar. E um estudo revelou que a maioria deles estava completamente bêbada na hora do combate. Foi um feito impressionante. Muito obrigado, Sr. Coxy.