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Álvaro Maus
VIDA DE BOMBEIRO
Episódios Pitorescos
Volume II
2006
Distribuição gratuíta
VIDA DE BOMBEIRO
Volume II
ÁLVARO MAUS
VIDA DE BOMBEIRO
Episódios Pitorescos
Volume II
2006
Direitos autorais registrados
614.824.83 ( 088.3)
M447v.
Maus, Álvaro
Vida de Bombeiro: Episódios Pitorescos.
Florianópolis: Gráfica Xxxxxx, 2006
1. Corpo de Bombeiros.2.Curiosidades.3.Gracejos.I. Título
Uma Empresa que leva a Cultura para Todos
A Eletrosul, subsidiária da Centrais Elétricas S.A. – Eletrobrás, é uma
concessionária de serviço público de geração e transmissão de energia
elétrica.
Seu sistema de transmissão possui 9.000 km de linhas de transmissão e
15.000 MVA de capacidade de transformação, instalada em 35 subestações,
além de uma conversora de freqüência. Atua como principal responsável pela
transmissão de energia elétrica no mercado regional formado pela Região Sul e
Mato Grosso do Sul. Também é responsável por interligações regionais entre
os Sistemas Elétricos Sul e Sudeste-Centro-Oeste e por duas interconexões
elétricas, com a Argentina e com o Uruguai.
Como empresa do Governo Federal, a Eletrosul fomenta a sua política
de patrocínios baseada na disseminação da cultura, esportes e práticas de
responsabilidade social através de instrumentos que garantam a
descentralização dos recursos aplicados e dos projetos patrocinados nos
estados em que atua. Seja por intermédio da Lei Rouanet de Incentivo à
Cultura ou através de recursos próprios, a Eletrosul vem ao longo dos anos
patrocinando espetáculos teatrais e de dança, livros, produções audiovisuais,
exposições de artistas plásticos, mostras fotográficas e eventos culturais que
divulguem as mais variadas manifestações artísticas e as levem ao
conhecimento e acesso de um público cada vez maior.
Essa obra é dedicada aos valorosos e anônimos soldados do fogo que
fizeram e fazem a história do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de
Santa Catarina.
Particularmente àqueles que, além do dever funcional, promovem e
capturam, no dia a dia, as situações pitorescas e hilárias que passam a fazer
parte do folclore da cada Organização de Bombeiro.
E em especial para todos que acreditam que rir ainda é o melhor
remédio.
“Não me faleis de gente que nunca ri. Não é gente série”
(R. Schuman)
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO...................................................................
PREFÁCIO ..............................................................................
EPISÓDIOS DIVERSOS .........................................................
- Do heroísmo à tragédia....................................................
- Aprendendo com o inusitado ..........................................
- Roubando a cena....................................................
- Incêndio no quartel .......................................................
- Uma vistoria e cinco perguntas ......................................
- Disciplina conveniente ..................................................
- A procissão.....................................................................
- Luzes da ribalta..............................................................
- Herói desconhecido .......................................................
- Assombração ...........................................................
- Confusão natalina............................................................
- O repouso do guerreiro....................................................
- O detalhista .....................................................................
- O sovina .........................................................................
- Botando a boca no trombone .........................................
- Vivendo e aprendendo ......................................................
- A caravana ......................................................................
- O prisioneiro ...................................................................
- As aparências enganam ...................................................
NOMES & CONFUSÕES .......................................................
- Visita Inesperada ...........................................................
- Almirante de Verdade ...................................................
- Reflexo Condicionado ...................................................
- Inversão de Papéis .........................................................
ESTRANHAS CORRESPONDÊNCIAS ................................
- A grande incógnita .........................................................
- É mole ou quer mais ? ....................................................
- Admitindo a crise............................................................
- Luau animal ....................................................................
- Para que serve o Bombeiro afinal ..................................
EPISÓDIOS DE VIDA DE BOMBEIRO I
- O banho ..........................................................................
- O pânico ..........................................................................
- A série Aviões ................................................................
- O avião I ........................................................................
- O avião II .......................................................................
- O avião III ......................................................................
- Sensibilidade ...................................................................
- A caçada ..........................................................................
- Tudo por um turista .........................................................
- Tamo lico ........................................................................
- Pagando mico ..................................................................
- Atropelamento atropelado ...............................................
- Atrapalhada e meia ..........................................................
- Uma brasa mora ...............................................................
- O laudo ............................................................................
- O veredicto ......................................................................
- Uma pérola do manezês ..................................................
EPÍLOGO ...................................................................................
APRESENTAÇÃO
Vida de Bombeiro, pode-se literalmente dizer, é fogo. Mas as agruras
da profissão não tiram o bom humor desses profissionais. O convívio diário
com os companheiros, a diversificada gama de ocorrências que atendem,
propiciam situações inusitadas, cômicas e pitorescas.
Os episódios aqui narrados são todos verídicos. São comentados à
boca miúda nos quartéis onde aconteceram. Fazem parte da história da
nossa Corporação. Uma história que os documentos oficiais não registram.
Sem registro essas histórias estariam fadadas ao esquecimento. Registradas
perpetuam a memória de uma época e dos personagens que as viveram.
Levar a vida com humor é preciso. Alivia a tensão, deixa a vida mais
fácil de ser vivida e o ambiente de trabalho mais alegre. De dureza basta o
serviço. É como já dizia um velho Bombeiro: “A gente trabalha muito,
ganha pouco, mas se diverte um bocado, fazendo e contando histórias.”
O Autor
PREFÁCIO
A expectativa pela edição do segundo volume de Vida de Bombeiro,
foi criada, imediatamente após a edição do primeiro.
Não somente o autor passou a ficar mais atento, às situações
pitorescas passíveis de narração, como também alguns leitores que
passaram, em conversas informais, a contar suas histórias pitorescas,
chegando alguns a encaminhá-las por escrito. O fato de não haver
reproduzido todas que me foram contadas e ou enviadas, não significa que
não tenham tido lá sua graça ou sua excentricidade. Ocorre que por mais
engraçado que possa ter sido um caso, em sua narração escrita nem sempre
se consegue reproduzir os mesmos efeitos que se consegue numa narração
verbal. Outro fator restritivo está em que se o autor e o leitor não conhecem
as características dos personagens reais, certos fatos perdem a
peculiaridade e a graça.
Esperamos que este segundo volume corresponda às expectativas
criadas em torno dele, pois não foram poucas as indagações a respeito da
sua edição.
Agora é ler, descontrair, contar para os amigos e continuar atento as
situações pitorescas e hilárias, para quem sabe já começar a se juntar
material para um terceiro volume, mesmo correndo, todos nós, o risco de
virmos a ser indagados afinal, se além de contar histórias também
trabalhamos. Nossa resposta aos críticos e céticos de plantão está citação
que já consta de uma das folhas de rosto: “Não me faleis de gente que
nunca ri. Não é gente séria” (R. Schuman). E concluímos dizendo que só
trabalha com bom humor, quem gosta do que faz, e gostar do que se faz, é a
primeira condição para fazê-lo bem.
O AUTOR
EPISÓDIOS DIVERSOS
Do heroísmo à tragédia
Prestar serviços humanitários também faz parte da missão e do dia a
dia do Corpo de Bombeiros. Entre essas ações, as que pontuam as
estatísticas, estão os salvamentos de pequenos animais. Em se tratando de
animais, os campeões de enrascadas são os gatos, geralmente os de
estimação. Muito mimados que são, quando se aventuram por lugares
desconhecidos, acabam não conseguindo sair de onde entraram ou então
descer de onde subiram.
O personagem dessa história é um gatinho da mais alta estimação de
uma distinta e simpática Senhora. Teria o adomesticado bichano, num
rompante do seu, quase extinto, instinto selvagem, se aventurado pelo
jardim afora. Uma vez lá tratou de dar asas a sua imaginação e partiu, numa
caçada imaginária, árvore acima. Subiu o quanto pode, até as mais distantes
ramificações. Na tentativa de retorno uma bifurcação mostrou-se, para o
inexperiente felino, um obstáculo intransponível. Miados insistentes logo
foram ouvidos e na seqüência tocava o telefone na Central de
Atendimentos do Corpo de Bombeiros.
Havia uma ocorrência em andamento: era preciso resgatar um
gatinho que havia ficado preso no alto de uma árvore. Chegando ao local,
arvora-se a escada e, sem maiores dificuldades, resgata-se a vítima que é
entregue à sua Dona que parecia mais aflita que o próprio animal.
Diante de tanta presteza e transbordante de felicidade por ter seu
bichano devolvido são e salvo sem nenhum arranhão, a distinta Senhora
não desiste enquanto não convence nossos “heróis” a entrarem para
saborear aquilo que poderíamos chamar do “chá das cinco horas”,
estivéssemos nos domínios do Reino Unido, tamanha a pompa e os
contornos dado à ocorrência, coisa de primeiro mundo, coisa de gente
altamente civilizada. O bichano evidentemente acompanhou-os no “chá”,
saboreando debaixo da mesa uma merecida e revigorante tigela extra de
leite. Enquanto isso, lá por cima na mesa, entre goles de chá e mordidas em
bolos e tortas, tratavam os profissionais de tentar se desvencilhar da
atenciosa Senhora. Afinal retornar ao Quartel era preciso. Assim depois de
muitas tentativas de despedidas finalmente embarcam. Quando a viatura é
manobrada em marcha ré, no momento em que acenavam as mãos em
despedida definitiva, ouve-se um estridente miado, prenúncio da tragédia.
O gatinho, revigorado pela tigela extra de leite, mais uma vez, havia
deixado, sem saber que pela última vez, o refúgio do lar para abrigar-se,
vejam só a insensatez, sob o rodado da viatura. Virou pastel, pasta de gato,
tapete de pêlos e carnes grudados na lajota dura. Nem combinou com o
bonito caixão encomendado. Melhor ficaria dentro de uma tripa para
lingüiça.
Já sobre as reações da distinta Senhora, não se teve notícia. Pode-se,
no entanto, conjeturar alguma coisa a respeito. Se não desistiu de ter
animais de estimação, deve optado por algum mais previsível, tal como um
peixinho de aquário por exemplo.
Em que cidade e em que época, teria acontecido essa história? Não
sei! Sempre que me contaram nunca me disseram onde teria sido! Há quem
diga que seja puro folclore! Que seja! Mas faz sentido. Se não aconteceu,
bem que poderia ou ainda pode acontecer. Agora com menores
probabilidades. Depois do conhecido desfecho, os motoristas que lerem
este episódio, em ocorrências do gênero, jamais haverão de dar marcha ré
sem terem certeza da localização da vítima recém socorrida.
Aprendendo com o inusitado
O personagem dessa história também é um gato. Se do episódio “Do
heroísmo à tragédia” foi possível abstrair-se algum aprendizado, neste
então, o aprendizado inusitado que apresenta, é que o torna pitoresco. Se
sobre o episódio anterior, possa pairar alguma dúvida sobre a veracidade
dos fatos, sobre esse nenhuma paira, é fato verídico, com registro, relatório
e tudo o mais.
Desta feita a armadilha não estava nas alturas de uma árvore, mas
nas profundezas de uma canalização pluvial, que começava num telhado e
terminava em local incerto e desconhecido. Pois foi vagando pelo telhado
que nosso personagem literalmente entrou pelo cano e logo, miados
insistentes se fizeram ouvir, chamando a atenção de todos. No começo, no
início da tarde, foi o dono e seus familiares, que começam a matutar sobre
o que fazer. Pouco depois os vizinhos, um pouco mais tarde a rua inteira, e
não demorou muito mais para o quarteirão inteiro ficar sabendo da
tragédia. E quanto mais pessoas chegavam ao local, mais opiniões se
ouviam sobre o que fazer para tirar o gato de lá. Falava-se muito, fazia-se
pouco. Das poucas idéias colocadas em prática nenhuma dava certo.
Romper a alvenaria onde estava embutido o proprietário não autorizava.
Com vara comprida, até que se conseguia tocar no bichano, mas não
resolvia. Seguir adiante ele não podia mesmo, parecia estar meio entalado
numa curva. E mesmo que seguisse adiante, ninguém sabia aonde ia dar
aquela tubulação. Por isso mesmo, a idéia de tentar forçá-lo sair, seguindo
adiante, jogando água no cano, não foi sequer tentada. Tentaram laçá-lo
com aquele tipo de laço para cachorro bravo, mas não havia espaço
suficiente para as manobras necessárias. Amarou-se na ponta da vara uma
bucha de pano na esperança de que ele pudesse agarrar-se à mesma, com
um náufrago agarra uma tábua de salvação, mas não deu certo (acho que
aquele gato não sabia o que era um náufrago e muito menos o que seria
uma tábua de salvação). A noite já começava a cair e a preocupação agora,
pelo menos dos vizinhos mais próximos, era com o silêncio. Não seria
possível dormir com aqueles miados intermitentes e angustiantes. Para
garantir uma boa noite de sono, já havia quem defendesse a tese de uma
eutanásia. Afinal o bichinho já estava sofrendo muito e iria acabar
morrendo mesmo. Era só uma questão de antecipar o inevitável, poupando
sofrimento e garantindo o sossego de todos. E foi assim, ao cair da noite,
já esgotadas as idéias e tentativas, que acionaram o Corpo de Bombeiros.
Afinal alguma providência teria que ser tomada, nem que fosse a última das
últimas que ninguém ousava propor, mas que no fundo a maioria já estava
querendo: que com o uso das mangueiras de incêndio da viatura, os
Bombeiros pressurizassem a rede, desentupindo e certamente, acabando
por afogar o gato ali por dentro mesmo ou em alguma outra galeria onde
fosse dar a tal tubulação. Com a chegada dos Bombeiros toda aquela
ladainha de idéias foram novamente repassadas uma a uma e nada. E
quanto mais a noite avançava, mais adeptos ganha a tese da eutanásia. Já
passava das vinte e duas horas e quase todos já convencidos e até
preparados para o final inevitável e trágico. Precisava apenas que alguém
assinasse a sentença, alguém que tomasse a decisão. E foi na hesitação
daquela última hora que surgiu uma última idéia. Teria partido de um
garoto. Simplória demais para muitos, mas logo aceita por todos, mais por
desencargo de consciência, afinal seria, definitivamente, a última tentativa
mesmo.
Lembram da vara com uma bucha de pano na ponta que o gato não
quis agarrar? Pois é o princípio básico era por ali mesmo! Já que ele não
sabia o que era uma tábua da salvação, já que ele não queria ou não podia
agarrar a bucha de pano, era preciso que a bucha o agarrasse. Como?
Simples: encharcando a bucha com cola de secagem rápida.
E funcionou? Perguntem para o gato, que se pudesse falar,
certamente não teria do que reclamar, a não ser da tosquia forçada a que
teve que se submeter para se livrar da bucha.
Roubando a Cena
Depois dessa segunda história de gato, para que não reste dúvida
com relação à veracidade de ocorrências desse gênero, fica aqui registrada
uma das últimas e também pitoresca história envolvendo esta espécie de
animal.
A veracidade pode ser confirmada junto ao Centro de Operações,
verificando-se os dados da ocorrência registrada sob nº 577200. Data: 24 de
Dezembro de 2001. Horário: 18 horas e 43 minutos. Endereço Rua Joaquim
Nabuco, Capoeiras, Florianópolis.
Era para ser apenas um resgate de animal em situação de risco, mais
um gato para ser mais preciso. O felino, para variar, havia subido em um
pinheiro, desses de natal, crescido uns 20 metros numa praça pública.
Estava miando desde o início da tarde e como não descia o jeito foi chamar
os Bombeiros. Quando os Bombeiros chegaram, constataram que além do
gato, havia mais alguém preso no pinheiro e que não era o Papai Noel, nem
as suas bolas (as bolas a que me refiro, evidentemente, são aquelas com as
quais se costuma enfeitar as tais árvores por ocasião das festas natalinas).
Era um adulto, masculino, no alto da árvore, na mesma situação do gato.
Estava preso. Subira e também não conseguira descer. As diferenças
ficaram por conta dos seguintes aspectos. Primeiro: não estava miando.
Segundo: aguardou o resgate em silêncio. Terceiro: na hora do resgate
manteve a tranqüilidade (não arranhou o bombeiro). Quarto: depois de
salvo, tratou de sumir na escuridão, fugindo dos holofotes da TV
Comunitária Local, que registrou a ocorrência e a divulgou em seus telejornais locais. Quinto: não se metera na enrascada por irresponsabilidade,
mas por uma frustrada tentativa de salvar o tal bichano.
O tal bichano, por sua vez, fez tudo o que costuma fazer nessas
ocasiões; além da costumeira irracional falta de responsabilidade, alardeou
e arranhou, só não conseguiu ser o centro das atenções. A frustrada
tentativa de resgate e seu protagonista roubaram a cena.
Incêndio no Quartel
Fato verídico. As provas dos fatos ainda estão lá, sob o forro, nas
vigas de madeira chamuscadas, que sustentam o teto das salas onde à
época, no prédio do Comando Geral da Polícia Militar, funcionava a
Central de Rádio da Polícia Militar. Pois foi ali teve inicio um princípio de
incêndio.
Dado o aviso de incêndio, via telefone, para a Central de Operação
do Quartel Central do Bombeiro, esta, aciona o alarme autorizando a saída
da viatura, mesmo antes de confirmar o endereço, deixando para fazê-lo
durante o deslocamento da mesma. Eis que a viatura já alcançava o final da
rua em frente à Praça Getúlio Vargas (popularmente, ainda hoje, conhecida
como a “Pracinha dos Bombeiros”), quando a Central determina o retorno
da mesma, informando que o incêndio era na Estação de Rádio localizada
no Quartel Geral da Polícia Militar a menos de 50m do Quartel Central do
Corpo de Bombeiros.
A viatura vê-se obrigada a contornar a Praça para depois retornar ao
Quartel, para combater um incêndio que, não fosse os inusitados
desencontros de comunicação, poderia ter sido combatido, com os
estabelecimentos montados, com as viaturas estacionadas em suas próprias
garagens.
O detalhe: quem telefonou para o Corpo de Bombeiros comunicando
o incêndio era da área de comunicações. Imagina se não fosse!
Uma vistoria e cinco perguntas
Era um Sub Tenente velho de guerra. “Eu morro e não vejo tudo”. Se
alguma verdade existe neste dito popular, depois dessa, para aquele Sub
Ten, deve restar pouca coisa para ver, até porque uma das vontades que
teve foi de morrer de raiva, entre outras inconfessáveis.
Era para ser uma vistoria como outras tantas realizadas em caráter de
rotina, por iniciativa do Corpo de Bombeiros, como medida de prevenção,
sem que tivesse sido solicitada pelo síndico. Quando foi recepcionado na
edificação, um Condomínio de alto padrão, alguma coisa já indicava que
aquela não seria uma vistoria comum: a síndica era uma distinta Senhora de
idade já bastante avançada. Demonstrando muito interesse e disposição
passou a acompanhar toda a vistoria que se iniciou no 12º pavimento. A
cada pavimento ouvia com severa atenção cada comentário, sobre cada
alteração detectada. A presença de uma ouvinte tão atenta, só fez aguçar os
sentidos do vistoriador que tratou mostrar serviço e conhecimento. Seu ego
estava a mil. Nunca falou tanto, nunca deu tantas recomendações. A
distinta Senhora mantinha-se o tempo todo atenta às suas explicações, só
ouvindo, sem tecer comentário algum. Finalmente no térreo, após haver
discorrido sobre as alterações finais daquele pavimento e de umas últimas
orientações gerais, entre as quais, a de que o respectivo e extenso relatório
seria encaminhado depois, já quase estendendo a mão para as despedidas
finais, foi que a, até então, praticamente muda Senhora, resolveu falar. E
falou pouco, foram exatas cinco perguntas:
__ O Senhor conhece o Coronel Paulo, Comandante do Batalhão ? E
o Coronel Pedro, Chefe do Estado Maior? E o Coronel João, Comandante
do Corpo de Bombeiros? E o Coronel José, Comandante Geral?
Foram quatro sonoros “Sim Senhora”, a cada uma das quatro
perguntas iniciais e aí veio a quinta:
__ O Senhor sabia que eu posso transferir o senhor para onde eu bem
entender?
Contou-me o Sub Tenente que só faltou agradecer pela ajuda de
custo que receberia, caso fosse transferido. Eu particularmente acho que ele
ficou no “Ah é, é?”. Até por quê a resposta que teve vontade de dar deve
ainda estar entalada na garganta. E nem convêm saber qual era porque além
de inconfessável, deve também ser impublicável.
Disciplina conveniente
Aquela dupla de Bombeiros estava no interior do interior, num certo
rincão do Planalto Serrano. Participavam de uma partida amistosa de
futebol, daquelas que só termina amistosa mesmo quando o time da casa
ganha.
Pois aquela partida, ao que tudo indicava, realmente tinha terminado
de forma amistosa. Assim não tivesse, nossa dupla de Bombeiros não
estaria se refrescando, tranqüilamente, no riacho que corria ali por perto,
não deixando de darem umas quantas braçadas com alguma técnica e estilo.
O suficientemente para chamar a atenção do público local, que de estilo de
nado, em toda a vida, só tinham visto o estilo nadador de rio. Aquele em
que o nadador, sempre com a cabeça fora da d’água, fica girando-a de um
lado para o outro como se estivesse, constantemente, olhando para as
margens.
De tal forma que o feito e a demonstração que acontecia foi tida
como extraordinária, e logo os comentários se faziam ouvir:
___ Mas bah tchê! Os homê são bão mesmo! Deve de sê gente muita
especializada no ramo do nado.
___ Pois não são? Ouvi dizer que são lá do Bombeiro da cidade
vizinha. Dizem até que, de dentro de água, são os dois melhores que tem no
Estado!
___ Mas arre égua! Assim que saírem d’água, vamos tirar isso a
limpo!
Dito e feito. Quando sentaram na margem, ainda com os pés dentro
d’água, os mais curiosos já os cercaram e foram logo perguntando:
___ Dá licença moço? (há quem diga que esse “moço” foi mais por
educação, por que a dupla, já naquela época, tava meio passada das idades)
Que mal desculpe a curiosidade, vocês são mesmo do Bombeiro?
___ Somos sim Senhor. Mas como é que suspeitaram disso?
___ Mas bah! Isso foi fácil! Foi assim pelo estilo do nado, de cabeça
mergulhada, feito de carpa de açude, que só vem pra riba pra modo de
tomar umas beiçadas de ar.
Confirmada a suspeita, logo em seguida, sai então, outra pergunta:
___ Mas então quer dizer que vocês são então os homens-sapo do
Bombeiro?
___ É mais ou menos isso, meu amigo! Mas o nome técnico mesmo
é homem-rã, isso por que a rã, tecnicamente, é muito superior aos sapos em
termos de nado e mergulho!
___ Mas é mesmo? Então quer dizer que vocês, além de nadador
também são mergulhador?
___ Mas bota mergulhar nisso! A bem da verdade mergulhamos
melhor do que nadamos!
De certa forma não deixavam de estar falando a verdade. Não sendo
do grupo de Busca Sub Aquática daquela Sub Unidade, era muito provável
mesmo que depois de umas poucas braçadas, não houvesse uma margem
próxima, um mergulho forçado seria coisa natural e inevitável.
A falta de modéstia e de sinceridade, no entanto, teria um preço a
pagar, uma vez que só fazia aumentar a curiosidade daquela pequena, mas
atenta e interessada platéia:
___ Mas digam lá então, em termos de mergulho, isso vai lá para
quanto tempo debaixo da água sem tirar o nariz para respirar?
___ Ah! Mais isso é coisa assim para uns cinco minutos, frouxinho,
frouxinho!
___ Mas então vocês são bão mesmo! Mas e que tal uma
demonstração?
Pronto! O preço pela fanfarronice estava estabelecido. O jogo tinha
terminado amistoso, mas agora, aquela conversa, podia não terminar
amistosa não. Gente do interior pode ser gente simples mas não gosta de
ser enrolada não. Era preciso achar uma saída estratégica, por que qualquer
tentativa de demonstração resultaria no desmascaramento completo da
dupla, com conseqüências imprevisíveis. E a saída veio com a seguinte
explicação:
___ Olha meu amigo, infelizmente isso não vai ser possível não. Não
é nem por falta de vontade, sabe, é falta de autorização mesmo. Essa coisa
de mergulho demorado é coisa muito perigosa e arriscada, tanto que a gente
só pode demonstrar com autorização do Comandante e nós, infelizmente,
não temos ordem para fazer isso agora, aliás, ele nem sabe que a gente tá
aqui!
Diacho de organização organizada, esse Corpo de Bombeiros, devem
ter pensado os curiosos. Mas enfim, ordem de quartel deve ser coisa que se
cumpre assim mesmo, tipo: “tiro dado, mugiu deitado”! Fazer o quê!
Restava era continuar perguntando, para tirar conhecimento do que fosse
possível, afinal, não era todo dia que os Bombeiros apareciam por lá.
A próxima pergunta veio quando a dupla tirando os pés da água
exibiram suas nadadeiras (segundo as más línguas, eles as teriam levado
para melhorar suas demonstrações de nado, “prá modo de vê” se
impressionavam alguma garota, mas, pelo que consta, só conseguiram
juntar mesmo, foi um bando de macho metido e curioso):
___ Mas que tal de equipamento estranho é esse que carregas no pé?
___ Ah! Isso se chama pé de pato!
___ Pé de pato? Indaga o atento e agora desconfiado interlocutor
___ Mas como pode, vocês não são “homem-rã”? Não deveria se
chamar “pé de rã”?
E agora! Danada de pergunta essa, tornou a pensar o Bombeiro com
seus botões! Pior mesmo que o danado de sertanejo tinha sua razão! Essa
pergunta, quem devia ter feito era ele para o instrutor quando fez a Escola
de Bombeiro, mas como não fez, tinha agora que dar outra saída
estratégica.
___ Olha meu amigo! Infelizmente sobre isso eu também não posso
falar, por que é coisa assim técnica de nomenclatura de equipamento,
burocracia que o Comandante não gosta que a gente fique falando aí por
fora, por que é informação secreta do quartel!
E como aquele papo tava evoluindo demais para o gosto da dupla,
era preciso dar um fecho final, antes que a coisa engrossasse de vez, diante
de uma pergunta que não pudesse ser respondida, encerraram a conversa
com a seguinte tirada, sem perder a posse:
___E tem mais, acabamos de lembrar que temos de voltar ainda hoje
para o quartel, por que logo mais à noite, mesmo sendo Domingo, temos
treinamento e não podemos chegar atrasado.
Para concluir, como aprendizado, além da lição de que falta de
modéstia e sinceridade podem fazer “mal” para a saúde, fica a discussão,
em aberto, sobre a falta de coerência na nomenclatura do equipamento “pé
de pato” uma vez que a denominação de quem os utiliza é “homem rã”. Há
quem já defenda a tese de mudar o nome do equipamento para “pé de rã”
concordando com a versão espontânea do sertanejo. Mas também, já existe
quem defenda a tese da mudança da denominação de quem os utiliza para
“homem pato”, isso por que as rãs apenas nadam e mergulham, enquanto
os patos, além de nadar e mergulhar, também voam coisa que os
Bombeiros que trabalham de salva vidas no helicóptero, também fazem.
Essas teses são apenas para começar a discussão. Depois do lançamento
deste Livro, devem surgir outras.
A Procissão
Certa feita, numa certa cidade, como em tantas outras, chegava mais
um ofício solicitando que fosse cedido um Caminhão do Bombeiro para
participar de um cortejo. Aquele pedido era para ser apenas mais um na
vida daquele quartel, mas não foi.
A solicitação feita era para conduzir em procissão, sobre a viatura, a
imagem da Santa Padroeira da Paróquia local.
As coisas começaram a sair diferente do que seria de se esperar
quando, por aqueles dias, um segundo caminhão baixava à oficina,
juntando-se a outro, restando apenas um único caminhão em operação
(frota antiga dá nisso).
Diante das circunstâncias, decidiu o Comandante não atender a
solicitação do que tratou de informar aos solicitantes. E também, para que
não restasse nenhuma dúvida às guarnições que estariam de serviço no dia,
tratou de deixar todo mundo no quartel avisado. Aviso que foi passado e
repassado na véspera e antevéspera (parecia mesmo estar prevendo que
algo iria sair errado).
Pois saiu. Não se sabe exatamente como e nem por que, eis que,
apesar de todos os avisos, no dia da procissão, a poucas horas do seu início,
lá estava o caminhão, único em prontidão, estacionado em frente à Igreja.
Qual não deve ter sido a surpresa e a alegria do Padre e de todo
cortejo quando, ao final da missa, já saindo em procissão, vislumbraram o
solicitado caminhão (que havia sido negado) ali postado, mais vermelho do
que nunca. Sem pestanejar, sem perguntar nada a ninguém, o Padre,
conduzindo a imagem, dirigiu-se diretamente para o caminhão onde subiu,
sem a menor cerimônia e com a maior desenvoltura, sem deixar,
certamente, de proferir, mentalmente, uma breve oração de agradecimento
à Santa, a quem por certo atribuiu aquele pequeno milagre, ato e intenções
que devem ter sido seguido por outros devotos.
E a procissão seguiu pelas ruas da cidade capitaneada pela imagem
da Santa, conduzida solenemente no dorso do caminhão do Bombeiro.
E tudo ia muito bem até que, não se sabe como, o Comandante ficou
sabendo que o caminhão estava tal procissão. Apesar de todos os avisos e
ordens, estava lá, lindo e reluzente. Diante dos fatos, o Comandante,
absolutamente decidido, determina ao Centro de Operações,que intercepte
o cortejo quando este passar diante do Quartel e determine que a Santa
desça e que o caminhão se recolha à garagem.
Desta feita suas ordens são cumpridas ao pé da letra, diante do
estupefato cortejo que, apesar de tudo, seguiu adiante, enquanto que no
Quartel já se tomavam as primeiras providências para instauração de uma
Sindicância, cujos resultados tiveram desdobramentos também
interessantes.
Que houve descumprimento das ordens, isso lá houve e não haveria
de restar dúvida. A questão era saber quem era o responsável. Quem estava
de serviço no dia, disse que não foi avisado (que não ouviu, ou não leu a tal
ordem). Quem estava no dia anterior disse que falou e avisou (o outro é que
não escutou ou não prestou atenção).
Apesar das aparentes indefinições o Sindicante conseguiu enquadrar
todo mundo, exceto, é claro, o Padre e a comissão organizadora que
também foram ouvidos.
Ao pessoal da caserna, o Comandante tratou de aplicar os corretivos
e as reprimendas conforme prescreve o Regulamento Disciplinar.
Quanto à participação do clero no evento, muita sabiamente, julgouse, o Comandante, incompetente para fazê-lo.
Há quem diga que o processo teria então sido encaminhado para a
Cúria Diocesana e depois, de instância em instância, seguindo pelos
caminhos internos da hierarquia da Igreja teria chegado à Suprema Corte,
no presente caso, o Vaticano.
O que ninguém confirma, mas se comenta à boca miúda, é que o
clero, como era de se esperar, foi absolvido pela Suprema Corte.
Inesperada teria sido sentença aplicada ao Sindicante e ao Comandante por
aquela mesma Suprema Corte. Também ninguém confirma, apenas se
comenta, à boca ainda mais miúda, de que ambos teriam sido
excomungados.
Luzes da ribalta
Um palco iluminado. Quem já não sonhou figurar como estrela.
Talvez aqueles nunca alimentaram desejo de ser artista. Mas, se num
conceito mais amplo, todos nós somos artistas do espetáculo maior que é a
vida, certamente que no palco das nossas atividades diárias desejamos, se
não ser a estrela, ter no mínimo um papel de destaque. E esse palco, para
nosso melhor brilho, quanto mais iluminado melhor.
Porém, assim como nem tudo que reluz é ouro, nem todo palco
iluminado, nem todas as luzes, brilham para iluminar exatamente quem
possa estar nele naquele momento.
Foi o que aconteceu num dos quartéis do Corpo de Bombeiros
sediado num dos aeroportos do Estado, cuja incumbência é proporcionar
segurança às operações de pouso e decolagem das aeronaves.
Nosso personagem estava em seu primeiro dia de trabalho naquela
unidade. Antigo sonho seu, resquícios, quem sabe, de algum outro
aeronáutico sonho. Se voar, como profissão, não tinha sido possível, estar
perto das aeronaves talvez tenha sido a forma de melhor lidar com aquele
sonho. E se voar, literalmente, não era possível, restava o consolo de correr
ali, por aquela pista, deixando o resto por conta da imaginação.
Pois foi o que tratou de fazer assim que a última operação de vôo,
programada para aquele dia, foi realizada. Já era noite e nada como uma
boa corrida para terminar bem o dia, para depois dormir ainda melhor.
Com as luzes da pista apagadas, sob as luz das estrelas, saiu ele para um
percurso solitário.
Estava ainda no início da corrida, já quase arremetendo para
decolagem, como se diria na linguagem aeronáutica, quando
repentinamente as luzes da pista, a sua frente, começaram a ser acesas, num
espetáculo inusitado. Sua reação nem chegou a ser de surpresa, mas antes
de alegria. Sendo seu primeiro dia naquela unidade, não teve a menor
dúvida de que se tratava de uma homenagem que seus companheiros
haviam preparado para ele. Lisonjeado, sentindo-se até mais leve, tratou
apenas de prosseguir, agora por aquele palco iluminado.
Passados alguns minutos, nova surpresa. Sua sombra começou a
projetar-se rapidamente diante de si. Chegou a imaginar que fosse mais
uma homenagem dos seus colegas. Mas pelo sim pelo não, tratou logo de
verificar de onde vinha a aquela luz e, agora também, aquele som que já
estava lhe soando meio familiar. Foi o tempo de olhar para trás e ver
crescendo em sua direção um Boing 737 em procedimento de pouso.
Abortou a corrida guinando 90º. Nem se lembra se à direita ou à esquerda.
Só lembra que tratou foi de pegar o acostamento e voltar pela sombra, para
ir, devagar, se recuperando do susto, até chegar ao alojamento.
Se eu que escrevo e quem me contou, podem ser chamados de
mentirosos, o que dizer então do Piloto daquele vôo que teve seu destino de
pouso transferido, na última hora, por falta de teto no destino previsto. Nele
decididamente ninguém acredita, quando conta que um dia teve um pouso
de relativa emergência balizado por um Bombeiro que corria a frente do
seu avião.
Herói desconhecido
É uma das muitas lendas do Grupo de Busca e Salvamento.
Conta-se que um Bombeiro, que residia ali pelos lados da Lagoa da
Conceição, em meados de mês de setembro, já antecipando, por sua conta,
a preparação física para a temporada de verão, ia e voltava de ônibus, para
dar o melhor de si nas areias pesadas da Praia Mole, sem deixar, depois da
corrida, dar sempre um revigorante mergulho.
Porém naquele dia, chegando à praia, algo vez com que mudasse
sua rotina. Decidiu correr vestido apenas com um saco, daqueles de lixo, de
cor preta, que teria encontrado por ali mesmo. Furou o fundo, para passar a
cabeça e os lados para os braços. Ficou vestido com algo parecido com um
camisolão, que lhe ia até a metade da coxa.
Por que mudara a rotina? Há quem diga que foi por que esquecera
de trazer a sunga de banho e como não queria voltar de ônibus com a
bermuda toda molhada, decidiu improvisar a tal indumentária, que depois
do mergulho seria descartada. Há quem diga que improvisou a tal
indumentária para que a transpiração fosse mais intensa, pois o que queria
era entrar em forma mesmo.
Se não estava preocupado com sua aparência, assim, vestindo um
saco de lixo? Por certo que não. Vai ver não era nem um pouco vaidoso e
afinal, não sendo época de temporada, a praia estaria praticamente deserta.
Bom, mas os motivos que o levaram a correr, praticamente nu, vestido
apenas com o tal saco de plástico preto, não são assim tão importantes para
a história, meu caro leitor.
Vamos aos fatos. Já tinha ido até o ponto sul da praia, estava
voltando e já se aproximando das pedras que separam a Praia Mole da Praia
da Galheta, quando resolve, em vez fazer o retorno, seguir em frente e
adentrar na Galheta.
Pronto! Lá vem o leitor interromper a minha narrativa. Já sei até o
que vai questionar:
__ Meu caro escritor, então não eram lá importantes os motivos
que o levaram a correr praticamente nu, vestindo apenas um camisolão
preto feito de saco plástico de lixo? O cidadão decide entrar assim, vestido
daquele jeito, na praia da Galheta, e os motivos que o levaram a fazê-lo,
não são importantes? “Tais tolo, tais”? É só tu que não sabes então que a
Praia da Galheta é praia de nudismo, ô estepor ! Eu é que não quero dizer
nada, mas que tem caroço debaixo de angu aí tem. Ah se tem!
Pode ser que tem, ou melhor, que tivesse tido, mas seja lá o que
fosse, decididamente não faz parte desta história. Pode até ser de outra, mas
não desta, por que esta quem está escrevendo sou eu, se você quiser, que
escreva a sua do jeito que quiser e pronto, que eu, de minha parte, estou
retomando o rumo da história.
O tempo que perdermos nessa discussão estéril, foi o tempo que
nosso personagem precisou para transpor aquela divisa entre os mundos
dos vestidos e dos pelados. De tal modo que quase o perdemos de vista,
pois lá vai ele bem adiantado em suas passadas rápidas, facilitadas pela
indumentária leve e generosa. Então, de repente, sua corrida foi
definitivamente interrompida. Não era temporada, é bem verdade, mas a
praia não estava deserta não. Mesmo sendo a Praia da Galheta, que afinal
não é tão freqüentada assim, havia naquele exato momento, pelo menos três
pessoas. Duas na areia e uma na água. Na areia, nosso personagem e uma
senhora, mãe da jovem que estava se afogando. Sem pestanejar, nosso
personagem tratou logo de inverter os números de pessoas na água em
relação ao número de pessoas na areia, para logo em seguida, zerar o
número de pessoas na água, com cem por cento das pessoas na areia, sãs e
salvas. E logo não eram mais apenas três, mas quase uma dezena, saídas,
não se sabe de onde (acho que aquele nosso leitor acima deve ter alguma
teoria a respeito) atraídas pelos gritos da mãe aflita, que depois de abraçar e
certificar-se que sua filha estava completamente recuperada, procura com
os olhos o seu salvador, mas não o encontra. Sem poder expressar sua
gratidão, só lhe restou comentar com os demais presentes, que não fosse o
“homem do saco preto” sua filha não estaria mais ali.
Conta-se ainda que dias mais tarde, a tal mãe, tendo tido notícias
de que o tal “homem do saco preto” era um Bombeiro do Grupo de Busca e
Salvamento, procurou aquele Comando na tentativa de identificá-lo para
poder expressar seus agradecimentos. Não é preciso dizer que ninguém se
apresentou como sendo autor da “façanha”, digo do salvamento. E até hoje,
este herói, que ficou conhecido como o “homem do saco preto” permanece
no anonimato, não mais tendo sido visto, nem na Praia da Mole, muito
menos da Galheta. Virou lenda. Dizem que só aparece fora de temporada
para salvar donzelas em perigo, feito Zorro, de capa, digo, de “saco preto”.
Se com ou sem “espada” é outro mistério que fica.
“P.S.
A bem da verdade deve-se confessar que o herói é na verdade
conhecido. Trata-se de um excelente profissional dono de conduta ilibada.
As alusões e insinuações foram feitas, por que assim é que se comenta
pelos corredores do quartel, comentários esses que dão um pouco mais de
tempero para esta história.
Assombração
No embalo das lendas do Grupamento de Busca e Salvamento vai
uma da Ilha dos Guarazes.
Localizada na Baia Norte. Possui 9.350m2. Altitude de 5m acima do
nível do mar. Situada a uma distância de 2.500m da Ponta do Coral, a
4.500m da sede do Grupamento de Busca e Salvamento e a 3.000m de
Cacupé.
“Em frente ao saco de Itacorubi acha-se uma espécie de minúsculo
arquipélago, dominado por dois ilhotes maiores – Os Guarazes, os quais
tem em geral uma superfície plana arenosa, ouriçada de grossas pedras
sobrepostas, coroada as vezes de mesquinha verdura. Os cachopos que se
vêem em torno, avançam consideravelmente para o oeste até quase ao
canal, e foram, antes de assinalados pela coluna de Diamantes que os baliza
hoje, um ponto perigoso à navegação” (Vergílio Várzea, in Santa Catarina
– Ilha, pag 152).
A Ilha, na época em que a cidade se denominava Desterro, foi
utilizada como enfermaria, sanatório e até prisão militar. Das ruínas
daquelas daquelas edificações muito pouco resta. Depredadas pela ação
humana antes da Ilha passar a ser guarnecida pelo Corpo de Bombeiros no
início dos anos oitenta. Depredação depois continuada pela própria ação do
tempo.
Feitos os devidos esclarecimentos históricos (fazendo humor também
se resgata e se preserva parte da história) vamos então resgatar e preservar
uma das sua lendas.
Desde que passou a ser guarnecida pelo Corpo de Bombeiros, a
mesma passou a ser um posto avançado de treinamento para salvamento
marítimo. Deste então tem sido mantido plantão diário no local.
Consta que a um determinado Bombeiro, em seu primeiro dia de
plantão no local, foram contadas diversas histórias a respeito do histórico
da Ilha. Entre outras a de que a mesma era assombrada por fantasmas de
enfermos leprosos e de prisioneiros que ali morreram. E na calada da noite,
sozinho na solidão do mar, ele os viu. Surgiram em bando, assoviando
sobre a “superfície plana arenosa, ouriçada de grossas pedras sobrepostas,
coroada as vezes de mesquinha verdura”, conforme descreveu o
historiador.
Apavorado, não pensou, duas vezes: lançou-se às frias e revoltas
águas da baia, traçando como prumo, o ponto escuro, entre as luzes das
edificações das cabeceiras continental e insular, ponto de localização do
GBS.
Não se sabe o tempo que levou. Quando chegou o cansaço já se
sobrepunha ao apavoramento, mas por conta desse e apesar daquele, contou
tudo aos que lhe acolheram.
Se haviam ou se ainda existem fantasmas na Ilha ninguém até hoje
sabe. Quem tratou de levar esta história adiante afirma que ele jurou que
viu. De verdade absoluta, permanecem: a Ilha, o personagem (hoje já
aposentado) e a história.
Confusão natalina
Véspera de Natal. Verão no Sul, nada de neve. Durante o dia fora um
sol de rachar. E agora até a lua parecia aquecer a noite. Fora um dia inteiro
de trabalho, transportando efetivo e distribuindo material pelas praias da
região. Hora de retornar para casa, para mais um Natal. Um natal como
outros tantos, assim na mesmice de sempre, nada de especial, nem mesmo
um peru (já nem se lembrava quando foi a última vez que uma ave daquele
tipo havia pousada na sua mesa de natal).
Assim pensativo, retornava o motorista do micro ônibus do Corpo de
Bombeiros. Ele e mais um colega seu. O que este pensava? Não sei, não me
contaram, mas com certeza era algo não interessa para esta história. Até por
que, pensasse o que pensasse, nessa altura da história, seus pensamentos,
como os do motorista, foram abruptamente interrompidos, por uma cena
inusitada que presenciaram: em plena rodovia, de cima de veículo à sua
frente, caia um bezerro. Desviando para não atropelar o animal, foram
forçados a sair para o acostamento, onde pararam. Passado o susto, era
preciso tratar de por as idéias no lugar. Não restava outra coisa a fazer,
senão verificar em que estado tinha acabado o animal, que já davam como
morto. Retornando a pé pelo acostamento, qual não foi a surpresa de ambos
quando viram, praticamente vindo ao seu encontro, o tal bezerro são e
salvo. Só não posso dizer que veio com o rabo abanando por que senão vão
dizer que é mentira, que quem abana rabo é só cachorro e ainda assim só
para o dono. Mas que o tal bezerro parecia feliz, isso lá parecia mesmo, me
garantiram os Bombeiros. E agora, o que fazer com o animal? Deixá-lo ali,
solto na pista, seria imprudência. Pelas redondezas havia algumas casas,
porém fechadas, não se via ninguém. Trataram então de embarcar o animal
no micro ônibus, o que fizeram até sem muita dificuldade, parecia até que o
bichano havia se afeiçoado eles. Uma vez embarcados, trataram então de
decidir para onde levá-lo. Tentar alcançar o outro veículo era alternativa
fora de questão, dado o tempo já transcorrido. Tentar localizá-lo mais tarde,
também não seria possível, nem para o número da placa houve tempo,
quanto mais para as características do veículo. Levar para o quartel, nem
pensar, pois não havia lugar adequado mesmo.
__ Sabe o que mais – decidiu um deles – já está ficando tarde,
estamos cansados, é véspera de natal, vamos levar o bezerro para a casa de
um tio meu que mora aqui um pouco mais adiante, lá tem um ranchinho
nos fundos e até alguma grama pouca. Depois a gente comunica as coisas
lá no quartel e se o dono não aparecer mesmo, é bem capaz que esse ano a
gente, acabe, não com um peru, mas com um “bezerro de natal”, afinal o
bichano praticamente caiu em nosso colo e até se afeiçoou a nós não é
mesmo parceiro?
Afeição por afeição, a da dupla pelo animal, já começava a ficar
maior do que a do animal para com eles. Mas o que estava feito estava
feito, agora era hora de retornar definitivamente para o quartel, até por que
estavam sendo chamados pelo rádio, e não era ninguém menos que o
Tenente Comandante de Área:
__ Ô Fulano, cadê a carga?
__ Tenente que carga? Já distribui todo o material pelas praias!
__ Fulano, a carne!
__ Ô Tenente, pelo que eu sei não tinha carne para ser distribuída
não!
__ Ô Fulano, o bezerro!
Encurtando a história, antes que ela passe pelo natal adentro. Logo
mais adiante, percebendo falta da carga o motorista do outro veículo,
retornou no trecho e próximo do local onde pressupunha ter ocorrido o
acidente, passou a procurar pelo animal, quando foi informado por um dos
moradores que o animal havia sido recolhido por uma viatura do Corpo de
Bombeiros.
O resto não é preciso contar. Apenas fazer mais três registros.
Ambos cinematográficos. O primeiro deles é sobre o dramático momento
da despedida: por conta de tanta afeição, me garantiram os Bombeiros, que
bezerro, quando tornou a ser embarcado no outro veículo, ainda lhes deu
um último olhar, com olhos completamente umedecidos, afirmaram que o
animal, não como os humanos, mas ao modo dos animais, chorava. O
segundo deles, mais no estilo tragicômico: o que os Bombeiros viram
embarcar naquele insensato e desconhecido veículo, não foi exatamente um
bezerro, mas um peru de natal em forma de bezerro alado que voou para
bem longe da mesa das suas ceias de natal. O terceiro deles no melhor
espírito natalino: ali numa das casas das redondezas, pela janela, podia-se
ver um pai aflito tentando convencer seu filho, que pela lenda, Papai Noel
distribuía presentes utilizando um trenó, que Papai Noel usava roupas
vermelhas sim, mas que os únicos bichos que o acompanham eram renas e
que micro ônibus vermelho com bezerros dentro não fazem parte da lenda.
O repouso do guerreiro
Esta história, assim como as quatro outras que se seguem,
aconteceram na região sul do estado. Um princípio que adotei foi de não
citar nomes e nem identificar a cidades. Quando muito faço referência à
região. Preciso fazer a referência em tela por que o pessoal de lá, que
mandou as histórias, andou reclamando que não saia nenhuma da região e
gostariam que assim fossem identificadas.
Pois então, aí vai!
Até pouco tempo atrás, aplicava-se punições disciplinares sem que o
transgressor tivesse, necessariamente, oportunidade de se pronunciar por
escrito. Hoje esse direito é assegurado. Pode até declinar-se desse direito,
simplesmente alegando por escrito nada ter a apresentar em sua defesa. Isto
porém, equivale a assinar uma nota de culpa e isso não é próprio do ser
humano, além do que, todo bom transgressor sempre tem uma boa desculpa
para apresentar.
Há porém ocasiões em que, percebe-se depois, melhor teria sido
calar-se mesmo e assinar logo uma nota de culpa.
Pois vejam se não era o caso daquele jovem Bombeiro. Estava ele,
aquele dia, escalado como operador da central. Era sua responsabilidade
atender ao telefone de emergência, registrar as chamadas e acionar as
guarnições. Era um domingo. Já passava das 13 horas. O turno de serviço
transcorria na mais absoluta calma. Acabara de almoçar. Estava só, a lhe
fazer companhia apenas uma cadeira e um pequeno sofá. A paz e o silêncio
reinavam naquela central. Nada acontecia e nem se movia naquela sala há
mais de hora. Nos últimos minutos os únicos movimentos daquele operador
foram o de virar, por algumas vezes, para o lado, para dar uma olhada
naquele sofá, ali preguiçosamente estendido. Pouca demora, acaba sendo
por ele seduzido e pelos braços de um invisível Morfeu, até ele conduzido,
para uma breve cochilada. Afinal se o telefone tocasse, ele saltaria de
pronto e faria o atendimento. Tranqüilizada a consciência, relaxou e então
dormiu de vez. Estava certo na sua previsão de que seria acordado por
algum solicitante. Não contava que fosse pessoalmente e que o solicitante
fosse logo o seu Comandante de Pelotão, afinal era domingo e não tinha
ele, o comandante, aquela rotina. Não tinha, mas foi ao quartel e agora
estava lá de pé diante dele e ele, deitado, parecia ainda não acreditar no que
estava vendo e muito o menos no que estava acontecendo. A conversa foi
curta e esclarecedora; as explicações seriam dadas por escrito quando fosse
exercer o seu direito de defesa no processo de apuração disciplinar que
seria instaurado na segunda feira. Passou o resto do domingo, muito
acordado, matutando qual seria a sua tese de defesa. Na segunda quando
recebeu a peça do processo ainda matutava e assim continuou até a terça
quando finalmente decidiu por fim contar nada mais, nada menos, que a
verdade, que era afinal o que de melhor todos poderiam esperar dele. E
assim escreveu e até hoje esta lá mais ou menos assim registrado para quem
quiser ler ou não estiver acreditando: “Senhor Comandante: dormindo eu
estava não posso negar. Mas não dormi por que quis ou por que sou
preguiçoso. Dormi por que estava muito cansado. O senhor sabe, aliás,
todos sabem que eu sou muito trabalhador, que eu pego junto, isso todos
podem confirmar. Mas nos últimos dias eu ando muito cansado. Para ser
mais exato ando muito cansado desde o dia em que voltei da minha viagem
lua de mel. Fico até meio sem jeito e sem graça, mas se é para falar a
verdade eu tenho que dizer; é que eu e minha esposa estamos nos dando
muito bem, aí então sabe como é. É praticamente todo dia. É por isso que
eu ando cansado demais e é por isso que eu acabei dormindo no sofá da
central. Estou falando a verdade para que o senhor não faça mau juízo de
mim, pensando que dormi por que sou mala. Era isso que eu tinha a
dizer.”
Inusitada justificativa. Única no gênero. Está para ser apresentada
alguma mais original. Talvez só no próximo milênio.
Mas convenceu. Pelo menos em parte. Era de fato um bom
profissional. A transgressão não resultara em maiores prejuízos para o
serviço. Havia de fato casado recentemente. Em suma; não havia nenhum
indício de que não estivesse falando a verdade, afinal estava um tanto
quanto expondo a sua vida íntima. E assim então se considerando, no que
se refere a sua vida íntima, nada mais estaria ele fazendo senão do que
cumprir, e, diga-se de passagem, muito bem, com as suas obrigações
matrimoniais. As quais, por sua vez, também a propósito, tinha tudo haver
com a sua missão profissional de apagar incêndios, embora aquele fosse
um fogo um tanto quanto diferente, mas que, indubitavelmente também
precisava ser extinto.
Tudo isso posto, tudo isso analisado e considerado, decide por fim o
comandante impor uma sábia decisão. Sim, sem qualquer sombra de dúvida
era preciso puni-lo e o fez aplicando 48 horas de detenção. E para justificar
assim fez constar: “Para o bem da disciplina e da execução dos serviços
internos e também como forma de lhe assegurar um merecido e necessário
descanso”.
O detalhista
Aquele despachante já era conhecido pela riqueza de detalhes com
que se preocupava ao encerrar as ocorrências. Seus relatórios até
contrastavam com os demais que, via de regra, constumam ser até sucintos
demais.
Exageros e falta de zelo à parte, vamos a historia, bastante curta na
verdade a ponto de praticamente se resumir a um diálogo havido entre esse
despachante e o comandante da guarnição :
- Central, é o Fulano;
- Prossiga Fulano;
- Estamos comunicando que o enxame de abelhas foi extinto e que
estamos retornando à base;
Para um despachante normal essas informações, acrescidas as que já
tivessem sido registradas na geração da ocorrência, seriam suficientes para
fechar o relatório. Porém, sendo o despachante quem era, era de se
imaginar que algum pedido de informação adicional ainda pudesse ser
feito. Nada porém que fosse parecido com o que acabou, de fato,
perguntando:
- Fulano, informe, por gentileza a quantidade de abelhas que foi
extinta.
Educado aquele despachante era, não dava para negar. O que dizer,
porém, do seu rigor detalhista? Que resposta dar? Se o leitor está em
dúvida, o comandante da guarnição não estava e devolveu de pronto:
- Central foram exatamente 3.468 abelhas;
Meio que se dando conta de que o seu pedido de informação tenha
acontecido por um ato falho seu, decorrente da própria mania de detalhar
tudo, ou ainda por que talvez estivesse esperando por um número
aproximado, tal como “umas trez mil mais ou menos”, foi que o
despachante tornou a indagar:
- Fulano, vocês têm certeza de que foi exatamente essa quantidade
de abelhas que foi exterminada?
O Comandante da guarnição se mantêm categórico e firme, tanto nos
números quanto na decisão de não deixar brecha para o despachante.
- Central, se vocês não estão acreditando, então só resta vir aqui
contar.
Esse foi o ponto final, da comunicação, do relatório e dessa própria
história por que o despachante preferiu permanecer mudo.
Se depois dessa mudou ou continuou aprontando outras, é algo que
no momento não se sabe e que talvez só o futuro e uma terceira edição
desse livro possa vir a esclarecer.
E em homenagem a ele, que gosta de tanto detalhe, segue a ilustração
abaixo, que poderá lhe auxiliar no detalhamento de um próximo relatório
que tratar de extinção de abelhas.
Botando a boca no trombone errado
Multiplicidade de tarefas tem sido coisa comum, depois que o nosso
Corpo de Bombeiros Militar passou a implantar Organizações de
Bombeiros Comunitários (grupo mínimo de bombeiros militares
trabalhando com a cooperação de bombeiros voluntários). Essa nova
modalidade de organização fez com que os efetivos das nossas
organizações puramente militares passassem a ficar extremamente
reduzidos, por conta da transferência de muitos bombeiros militares,
necessários à ativação dessas novas organizações.
Por conta dessa multiplicidade de tarefas foi que, naquele quartel,
naquele dia, um dos socorristas também era o cozinheiro de dia. Por volta
da 11h:30m toca o alarme, momento em que ele, na cozinha, estava às
voltas com os preparativos do almoço. Ao soar do alarme, desvencilhou-se
do avental de cozinheiro e ao desvencilhar-se dele, automaticamente
desvencilhou-se também das funções inerentes.
Embarcou na viatura Auto Socorro de Urgência e logo tratou de
tomar conhecimento da nova e premente missão. Chegaram logo ao local,
no centro da cidade, quando afinal constataram que aquilo que estava sendo
informado como uma parada cárdio respiratória, tratava-se apenas de um
mal súbito. Refeita e restabelecida à vítima, que seguiu encaminhada a uma
clínica por veiculo comum, a guarnição tratou de retornar ao quartel.
Passada a emergência o nosso socorrista e cozinheiro recomeça a colocar
os pensamentos em ordem, tratando agora realinhar as idéias para as tarefas
seguintes. Foi quando, num repente, lembrou-se que havia deixado algo em
andamento quando saiu para atender aquela ocorrência. Mais que
apressadamente lança mão naquilo que entendeu ser transmissor do rádio e
foi logo bradando aos quatro ventos:
- Tirem a galinha do forno!
- Tirem a galinha do forno!
De pronto percebeu algo estranho na comunicação, pela maneira
como soou e por que ouviu a sua própria voz. Alguma coisa de errado
havia acontecido. Voltando os olhos para o motorista, este estava tão
estupefato quanto às pessoas que circulavam pelo centro da cidade àquela
hora. Foi quando percebeu que, na pressa, havia pego o microfone do
sistema de alto falante da viatura.
Botara a boca no trombone errado e agora nada mais era possível
fazer. Explicar para aquele povo todo o que tinha acontecido, não seria
possível e nem mesmo recomendável. Melhor deixar como estava. O
povaréu que pensasse o que quisesse. O que de melhor poderia ele ainda
fazer, era tratar de botar a boca no trombone certo e salvar o almoço deles,
antes que a galinha com o fogão e tudo viesse a se incendiar provocando
outra ocorrência.
Contabilizando os prejuízos
Desgraça pouca é bobagem já dizia um velho ditado. Costuma vir
acompanhada de uma seqüência delas. Foi certamente pensando nisso que
aquele velho agricultor, imigrante europeu, tomou a decisão que tomou.
Não identifico a sua etnia, se polaco, austríaco, suíço, inglês, francês,
alemão ou italiano, para não ferir os brios de nenhuma das raças. Identifico
apenas que, ele, o agricultor, como de resto a sua raça, pelo menos é o que
dizem, é um povo muito mão de vaca. Pão duro, casquinha, unha de fome,
sovina, daqueles de atravessar rio a nado com um punhado de farinha a
seco na mão. A partir daí cada um tire as conclusões que quiser a respeito
de qual seria a etnia mais provável daquele imigrante europeu.
O bombeiro daquela cidade fora acionado para atender a um
chamado de fogo no mato, numa localidade distante do centro. Depois de
alguns quilômetros de estrada de chão, finalmente chegam ao mato
incendiado. Constatam que a devastação já é grande, que a queimada
começou foi numa roça que aquele imigrante estava preparando. Fogo
colocado por ele, para facilitar a limpeza, ou seja, para economizar tempo e
serviço e, conseqüentemente, dinheiro. Da roça que preparava, o fogo
passou para uma roça pronta. Queimou tudo. Passou por uma capoeira alta,
feito furacão e já havia alcançado e tomado completamente o paiol. À
medida que o incêndio ia avançando, ao nosso imigrante europeu só restava
ir somando os prejuízos, feito máquina calculadora. Quando os bombeiros
iniciaram o combate, a soma já devia estar bastante alta. Ao ver a grande
quantidade de água que estava sendo despejada sobre o paiol praticamente
perdido, ele não teve dúvida e praticamente ordenou aos Bombeiros:
- “Deus Meu”, seu Bombero, pode deixar queimá o paió, sabe lá
quanto mi vá custá toda essa água.
Aquele “Deus Meu”, foi falado na pátria língua do imigrante. Tive
que traduzi-lo para me manter fiel ao propósito de não identificar a etnia,
embora reconhecendo que dito na pátria língua, muito mais engraçado
ficaria.
Vivendo e aprendendo
Esta aconteceu numa fábrica de sapatos da região. Não é coisa de
caipira, como alguém pode dizer, como foi a história anterior. Pessoal da
cidade também deixa furo.
Aqueles dois vigias bem que já deviam ter participado de algumas
dezenas de CIPA (Comissão Interna de Prevenção Acidentes). Sim,
daquelas centenas, milhares de palestras que os Bombeiros, pelo estado
inteiro não se cansam de ministrar. Aqueles dois vigias devem pertencer
àquela turma, que também existe em todos os cursos, que nunca prestam a
atenção que devia, e aí, quando precisa da informação, dá no que deu.
A história em questão mostra que, pelo menos nos treinamentos com
extintores eles andaram dormindo no ponto, como também naquela noite,
caso contrário o incêndio não teria chegado às proporções que chegou.
Fogaréu crescido e aumentando só fazia também aumentar o
desespero da dupla que se debatia tentando fazer funcionar um extintor de
espuma. O primeiro que por ali localizaram. Um tratava de mantê-lo fixo
no chão e entre as pernas enquanto o outro tentava, a todo custo, fazer
girar, abrir aquela enorme “torneira” que tinha na parte de cima. Girar
conseguiu. Girou o extintor e junto o companheiro. Tamanha a força
empregada. Abriu, não abriu nada, a não ser o “bico” de tão cansado.
Ainda mais desesperados, num gesto de revolta e desalento, antes de
partir em busca de algo que funcionasse, resolvem então arremessar o
extintor de encontro às chamas. Qual não foi a surpresa da dupla, quando o
extintor, chocando-se de encontro com os materiais incendiados, principia a
funcionar, debelando, em parte, as chamas.
Num misto de estupefação, de curiosidade e até de alívio, um deles
comenta:
- Mas óia lá então cumprade ! Eu não sabia que para essa traia
funcioná tinha que esquentá antes !
- Pois é ! Eles também inventam cada jeito mais difícil ...
Cabe aqui uma explicação técnica para os leitores que não são
bombeiros: Para acionar um extintor manual de espuma deve-se virá-lo de
cabeça para baixo. Dentro do extintor, num tubo aberto na parte superior
está condicionado um líquido gerador de espuma. Também dentro do
extintor, no espaço restante ao redor desse tubo, existe água. Ao se inverter
o extintor, o líquido gerador entra em contato com a água, reagindo
formando espuma. A geração de espuma aumenta a pressão interna do
cilindro fazendo com que a espuma seja expelida pelo orifício, existente
próximo a parte do superior do extintor. A coroa, confundida como sendo
uma torneira, serve apenas para o transporte do extintor, e para a abertura
do cilindro em casos de recarga.
Toda essa explicação, porém, haverá de ser de pouca valia para o
amigo leitor. Servirá quando muito apenas para entender um pouco melhor
a história, uma vez que os extintores portáteis de espuma, já se encontram
praticamente foram de uso na medida em que não são mais produzidos
comercialmente.
A caravana
Quando o Bombeiro sai para atender a uma ocorrência, mais do que
não saber se volta com vida, ele definitivamente nunca sabe o que
efetivamente vai encontrar no cenário da ocorrência e muito menos, quais
serão os desdobramentos da mesma.
A chamada feita e repassada pela Central dava notícia que havia um
masculino passando mal, prostrado em via pública, num bairro da periferia.
A viatura Auto Socorro de Urgência desloca-se rápido. Pouco mais
de um quilômetro antes de chegar ao ponto de referência onde fariam o
atendimento, a guarnição visualiza uma charrete parada ao lado da rodovia.
O cavalo atrelado é um indicativo claro que estava faltando mais alguém
naquele cenário. Alguém que deveria estar ocupando aquela boléia vazia.
Vazio que não parecia preocupar o quadrúpede que, com uma voracidade
inexplicável, tratava de abocanhar bons punhados de capins na beirada
daquela estrada vicinal.
A chamada não dava conta de que o masculino que precisava de
atendimento, teria estado conduzindo uma charrete. Mas tudo indicava que
sim. Prosseguem então em direção ao ponto de referência onde localizam o
masculino, deitado à margem da rodovia. Não estava acometido de mal
súbito. Estava acometido de um estado contumaz de embriaguês.
Este era então o cenário da ocorrência a destrinchar. Atender casos
de embriaguês não consta do protocolo de atendimento do serviço de
atendimento pré-hospitalar, voltado essencialmente a atender vítimas de
traumas e ou acometidas de fato de mal súbito cujos sinais vitais estejam
apresentando sinais de comprometimento, a exigir uma pronta intervenção
e condução a um ambiente hospitalar. Não era o caso. Não havia trauma.
Os sinais vitais estavam todos pulsando. Mas também não podiam deixá-lo
ali, à própria sorte. Pensaram em conduzi-lo na viatura para algum hospital.
Descartaram tal hipótese pelo seu deplorável estado de higienização.
Depois de entregue ao Hospital, haveriam de perder muito tempo na
desinfecção da viatura, correndo o risco de acabar retardando algum outro
atendimento de fato emergencial. De resto faltava ainda também resolver a
questão da charrete e do cavalo que ficariam ali abandonados. E foi assim,
lembrando de uma coisa e depois de outra, para depois relacioná-las, foi
que encontraram a solução que trataram de encaminhar e dar seguimento na
seguinte ordem. O socorrista assumiu a boléia da charrete. A vítima passou
a ser conduzida na parte de trás da própria charrete. Na marcha lenta,
anunciando e fechando o cortejo, com luzes intermitentes, seguia a viatura.
Tudo prosseguia conforme planejado, ainda que a passos um tanto
quanto lentos, em se tratando de uma ocorrência de Bombeiro, cuja
principal característica é a velocidade e a rapidez da intervenção. Pois foi
justamente a quebra dessa característica que mais uma vez veio alterar a
rotina daquele atendimento já um tanto quanto inusitado. Por conta daquela
marcha lenta e também por conta da própria idade da viatura, o motor
acabou fervendo, interrompendo o prosseguimento daquela caravana. Mas
nada que aperreasse a disposição e a improvisação daquela dupla de
Bombeiros. Solução à vista, decisão tomada com a mesma rapidez. Se a
caravana já era estranha, acabou então de ficar, quando prosseguiu, com a
charrete rebocando a viatura. Só quem não gostou muito foi o quadrúpede,
estando agora explicado por que, ainda agora pouco, se alimentava com
tamanha disposição. Parecia ter estado a adivinhar qual seria o desfecho
final.
O prisioneiro
Tempos de ferro? Nem tanto. Tempos idos com certeza, passados
numa certa sede de um Batalhão do interior. Era dia de reunião com a
presença de todos os Comandantes das Organizações que integravam
aquela grande unidade.
A reunião acontecia na sala de aula. O fundo da sala de aula dava
para um pátio lateral do quartel por onde as guarnições costumavam
circular e permanecer depois da rendição do serviço, conversando e
tomando sol, principalmente nas manhãs frias do inverno.
A reunião havia sido recém iniciada quando lá de dentro, se ouve
aquele burburinho todo das guarnições que por ali se “aninhavam” ao sol.
O Comandante do Batalhão estava sentado na primeira fila das cadeiras
ouvindo a explanação de um dos Comandantes das Organizações
subordinadas. Estava, portanto, sentado de costas para o fundo da sala.
Sentado na última fileira, junto à janela, estava o Tenente Comandante do
Pelotão da sede do Batalhão. Ao ouvir e perceber que aquele burburinho ia
num crescente que já incomodava a reunião, tratou o Tenente de ficar de pé
na cadeira, para alcançar os vidros da janela, onde bateu com alguma
veemência para que soasse como advertência para as guarnições. Ato
contínuo ao soar das batidas na janela, o Comandante, imediatamente, virase para trás ainda a tempo de ver o Tenente de pé sobre a cadeira, batendo
na janela. O Comandante não disse nada, porém, o seu semblante era de
pura contrariedade. Fato que não passou despercebido pelo Tenente, que
tratou mais do que rapidamente de sentar-se. O murmúrio se desfez. A
reunião prosseguiu. Pouco depois, um solitário e apaixonado Bombeiro,
passa cantando em altos, e até afinados brados, o refrão de um sucesso
sertanejo da época:
_ “Pense em mim, chore por mim, liga pra mim, não, não liga pra
ele” / “Pense em mim, chore por mim”...
O romântico Bombeiro nem pode completar o bis do refrão,
quando foi interrompido pela advertência que vinha da janela em forma de
veementes batidas.
Lá por fora o silencio logo se fez ouvir, enquanto lá dentro da sala
de aula, o Comandante, surpreendido por aquela nova cantoria e pelas
repetidas batidas na janela torna a olhar para trás, dando de novo, de cara
com o mesmo Tenente de pé sobre a cadeira. Desta vez não fica em
silêncio para ser categórico em seu pronunciamento:
__ Já é a segunda vez, pode recolher preso para o alojamento!
Diante de tanta positividade, o Tenente que nem havia ainda se
sentado, depois de pronunciar um lacônico “sim Senhor”, sai
imediatamente da sala.
A reunião prossegue a portas fechadas. Passado uns quinze
minutos, meio que timidamente, a porta da sala começa a se abrir, para dar
passagem somente ao rosto do Tenente que de lá mesmo, com a cara na
sala e o resto do corpo no corredor, indaga o Comandante:
__ O Senhor poderia vir aqui fora um instante, por favor?
No semblante do Comandante agora predomina a curiosidade,
havendo ainda traços contrariedade.
O Tenente recolhe a cabeça para o corredor, o Comandante sai da
sala e a porta torna a ser fechada. Não leva nem um minuto para tornar a
ser aberta. O Comandante entra resoluto com o semblante novamente
carregado de contrariedade, seguido pelo Tenente, em cujo semblante
bastante diferente, podia-se jurar, tinha, estranhamente, um quê de
felicidade.
O Comandante senta-se ao lado do seu Sub-Comandante, a quem
em forma reservada confidencia:
__ Se eu contar o que foi que o Tenente veio me perguntar
ninguém vai acreditar. Veio perguntar para quem foi dada a ordem de
recolhimento, se era para ele ou para o bombeiro que passou cantando.
Mas isso é só a metade da história. A outra metade que ninguém
presenciou, mas que ele mesmo depois nos contou, foi que saiu da sala
direto para o alojamento dos Oficiais onde se recolheu preso.
Ali, a sós, depois de se julgar no tribunal da sua consciência,
chegou ao veredicto de que haveria de ser inocente, afinal era verdade que
subira na cadeira e batera na janela, nas duas oportunidades, mas foi
intercedendo em nome da própria disciplina, que estava sendo quebrada.
Assim raciocinando foi que, aquele mesmo tribunal da sua consciência,
também concluiu que o verdadeiro culpado era o Bombeiro metido a cantor
e não ele. E assim concluindo, na solidão daquela hora, seu rosto iluminouse com uma aventada possibilidade. Sim, era bem possível que a voz de
prisão tivesse sido dirigida para o Bombeiro cantor e não para ele. Decidiu
então conceder-se alguns minutos de liberdade provisória, para tratar sanar
a tal dúvida. E só havia uma única pessoa no mundo inteiro que poderia
esclarecer. Era o próprio Comandante. Em nome da liberdade e da própria
justiça tinha que arriscar aquela cartada, mesmo correndo o risco da pena
imposta, a ser mantida, vir a ser agravada. Mas “pra quem já está no
inferno, não custa dar um abraço no diabo”.
O desfecho dessa tentativa já é conhecido, ficando esclarecido
também os motivos da expressão de felicidade no semblante do Tenente
quando retornou à sala de aula.
Foi libertado quem nunca havia sido preso. E quem devia ter sido,
nunca o foi. Restou apenas uma advertência verbal.
Sobrou ainda a história, lembrada sempre pela tal música, que lá por
aquelas bandas passou a ser conhecida como o “Melô do Tenente Fulano
de Tal”.
As aparências enganam
Eu já tinha ouvido essa história algumas vezes. Por conta das outras
que já havia escrito e publicado foi que, outro dia, acabei me deparando
com o personagem principal desta. Principiou ele a contá-la por considerar
digna de figurar ao lado das demais e principalemte das próximas que já
sabia que estavam sendo escritas.
Começou a sua narrativa dizendo que a sua história havia acontecido
num incêndio que ocorreu no Hospital dos “Neuvos”.
Diante da expressão, como bom ouvinte e como escritor tive que
interromper a narrativa para perguntar onde se localizava esse hospital cujo
nome me era absolutamente estranho.
__ Ora, mas então o Senhor não sabe onde fica o Hospital dos
“Neuvos”?
__ Não apenas não sei onde fica, como também nem imagino por
que tenha esse nome e muito menos a que referências médicas atende.
__ Ô Senhor! O Hospital dos “Neuvos” fica ali em São José, é onde
eles tratam das pessoas que tem a cabeça fora do lugar!
__ Sei ! Das pessoas que tem problemas de desvio de coluna e de
outras estruturas ósseas, imagino!
__ Ô Senhor! Não é nada disso não! É lá onde se trata de quem é
doido da cabeça mesmo, “dos lôco”!
Com este último esclarecimento acabei finalmente identificando que
tratava-se do Hospital Psiquiátrico de São José, localizado na Colônia
Santana.
É preciso, no entanto, antes de prosseguir na história prestar um
pequeno esclarecimento para os leitores que não conhecem o manezês
(apelido dado ao modo de falar dos habitantes natos da Ilha de Santa
Catarina). A palavra “neuvos”, traduzida do manezês para o português,
significa “nervos”. Hospital dos “Nervos” por quê, no entendimento da
manezada da ilha, quem têm problemas psiquiátricos têm problema com os
nervos e que chamar de “nervoso” seria uma forma mais elegante de
denominar as pessoas com problemas mentais.
Esclarecidas estas questões iniciais, que não faziam parte da história
original, mas que a partir de agora passam a fazer, voltemos ao que de fato
interessa que é o incêndio que tinha ocorrido naquele Hospital, como já
dissemos, em tempos idos. Tempos em que ainda havia, nas guarnições de
serviço, elemento escalado para a função exclusiva de eletricista. Um
eletricista meio às avessas é bem verdade. Sua função não era a de armar
nem de instalar nenhuma rede elétrica. Era de simplesmente tratar de cortar
a energia elétrica da edificação que estivesse incendiada. Era por assim
dizer um autêntico anti-eletricista. Pois naquela guarnição, naquele dia e
naquele incêndio o eletricista era exatamente o nosso amigo manezinho.
Chegando ao local do incêndio, ao tempo em que o Sargento acabava
de ordenar a montagem do estabelecimento, já ia reiterando ao eletricista o
que ele já sabia:
__ Fulano: dê cabo da energia, corte tudo quanto é fio;
__ Pode deixar Sargento, nem precisava mandar, já tô indo!
Ferramentas à mão, escada ao ombro, trata de circundar a edificação
a procura da fiação. Pouca demora retorna:
__ Tá feito Sargento! Pode mandar bala, tá tudo desligado!
__ Atenção operador da bomba! Água na adutora!
Mangueiras pressurizadas, os chefes de linha abrem os esguichos e
um dilúvio de água é projetado sobre as chamas. Logo em seguida se
ouvem estalos típicos dos arcos voltaicos que se formavam com o choque
das águas com alguma instalação ou equipamento energizado no interior da
edificação. A reação dos chefes de linhas é imediata, fechando os esguichos
e gritando:
__ Suspender água nas linhas de ataque!
Em seguida quem grita ainda mais alto, é o Sargento:
__ Fulano, tu cortou ou não cortou a energia?
__ Cortei Sargento, cortei tudo.
__ Então me mostra, o que foi que tu cortou!
Ambos se dirigem à lateral da edificação. Acompanhados de dezenas
de pacientes, os quais até nem pareciam muito assustados. Pareciam até
mesmos satisfeitos, para não dizer alegres, com toda aquela movimentação.
Alegres mesmo ficaram quando, chegando ao local do corte, constataram
que o nosso afamado eletricista havia cortado fora apenas os fios do varal
de roupa. Afirma ainda, ele, o eletricista, que entre os pacientes houve
quem, entre risadas, comentasse:
__ Pois é. E depois que nós é que somos loucos!
NOMES & CONFUSÕES
Não é de hoje que nomes pouco comuns (para não se dizer estranhos)
criam situações pitorescas, hilárias, inusitadas. Com nossos profissionais,
não haveria de ser diferente. Nos episódios que se seguem, ainda que em
apenas um deles tenha relação direta com a profissão em si, aconteceram
com profissionais que atuam, ou atuaram no Corpo de Bombeiros.
Visita Inesperada
Coisa assim, quase de aluno, que na verdade praticamente ainda era.
Recém formado, transferido para uma cidade do interior, pouca demora, já
tinha arrumado sua primeira namoradinha. Coisa de estudante, bem
colegial, ainda que já estudasse, ela, a namorada, à noite.
Não se sabe se a paixão também já era tanta ou se era falta do que
fazer mesmo. Mas seja lá o que fosse não se conteve e foi tratando logo de
dar as caras lá pelo Colégio. Com o que não contava era com um Colégio
todo murado e com um guarda disfarçado no portão. Nos dias de hoje isso
até é pode ser considerado normal, porém por aqueles idos tempos, lá pelo
interior do Estado, isso não era muito comum não. De tal modo que nosso
personagem nem de longe suspeitava de que teria alguma dificuldade para
entrar no Colégio e assim poder fazer uma agradável surpresa para sua
amada. Adiantou o passo para cruzar o portão quando foi barrado por um
sujeito que foi logo perguntando o que ele era. Pensou lá ele com seus
botões: “... mas vejam só a petulância do sujeito, quer saber que eu sou...
muito bem, já que perguntou, ele já vai saber e é já!”. Mais do que
depressa, sacou de sua carteira que exibiu vem diante dos olhos do guarda,
dizendo em alto e bom tom:
__ Eu sou ASPIRANTE por quê? Algum problema?
Impactado com tamanha autoridade diante dele, só restou ao guarda
engolir em seco e retrucar:
__ Problema? Não, de jeito nenhum, imagine! Mas em que é que eu
posso ajudá-lo? O que o Senhor deseja aqui em nosso Colégio?
Desta feita quem impactou foi o nosso Aspirante, afinal na condição
de autoridade não podia declarar que viera ao Colégio apenas para
namorar:
__ Bem, na verdade eu sou novo na cidade, sabe como é, acabei de
formar e eu apenas vim conhecer o Colégio! Sim é isso! Vim conhecer o
Colégio!
Disse ele acreditando que com isso seu acesso seria liberado sem
mais delongas.
__ Ah bem, pois não. O Senhor aguarde só um instante, por favor,
que já volto. Foi o que disse o guarda, deixando nossa autoridade ali
plantada, que já começava a se indignar novamente, enquanto mais uma
vez voltava a falar com seus botões: “Ô sujeitinho incompetente, não tem
mesmo autoridade para nada, até para deixar alguém entrar, tem que pedir
autorização para alguém!”
Antes fosse apenas isso, meu caro Aspirante! Antes tivesse ele ido
buscar apenas uma autorização. Eis que logo retorna o sujeito
acompanhado de uma distinta Senhora, que vai logo se apresentando:
__ Boa Noite Meu Senhor, sou a Irmã Fulana de Tal, Diretora do
Colégio. O Senhor tenha a bondade de me acompanhar. De pronto desejo
antecipar que para o nosso Colégio é uma honra receber a visita de um
“Almirante”!
Ainda sem entender bem o que estava acontecendo, passou nosso
personagem, a visitar todo o Colégio devidamente acompanhado e assistido
pela própria Diretora. A única certeza que tinha, era de que, por mais uma
incompetência do tal sujeito, estava agora sendo tido como um
“Almirante”, desentendido que, evidentemente, nem tentou esclarecer, pois
queria mesmo, se pudesse, era sumir dali. Quem também não deveria estar
entendendo o que se estava passando, certamente era a própria Diretora.
Deveria estar se perguntando, o que estaria afinal fazendo um Almirante
assim tão longe do mar. Dúvidas enfim, que não convinha, certamente,
tentar esclarecer naquele momento. Tanto que deixou para o dia seguinte,
quando tratou de telefonar para o Comandante do Batalhão. Nada tinha
contra visita, disse ela, pediu apenas que fossem previamente agendadas e
em horários mais convenientes. O Comandante, evidentemente, não
entendendo nada, tratou de pedir as devidas explicações, sendo
devidamente esclarecido pela Diretora, que em contrapartida, também ficou
sabendo de que se tratava apenas de um Aspirante (logo agora que ela já
deveria estar alimentando uma possibilidade, ainda que remota, de vir a
conhecer a “fragata” do Almirante e, quiçá, poder navegar por mares nunca
dantes navegados).
Restava, por final, ao Comandante, na primeira reunião de Oficiais,
orientar para que episódios desse tipo não mais ocorressem. Foi o que fez,
na presença do próprio “Almirante”. Não o tivesse feito talvez ninguém
tivesse ficado sabendo da histórica visita de um “Almirante” ao pequeno
Colégio do interior.
Um Almirante de verdade
Depois do episódio do “falso Almirante”, ainda que rapidamente,
devemos nos reportar à existência em nossas fileiras de um Almirante de
verdade. Cuja existência também teve lá seu episódio pitoresco.
O fato teria acontecido em algum Corpo da Guarda de algum dos
nossos quartéis. Identificou-se à sentinela, pedindo que fosse anunciado ao
Oficial de Dia, a quem deveria se apresentar. A sentinela dirigiu-se ao
alojamento do Oficial de Dia e ao ser por ele inquirido sobre o nome de
quem estava lhe procurando, respondeu que era “Almirante”. Diante da
inusitada informação, o Oficial saltou da cama, onde descansava e
recompondo-se da melhor maneira possível, dirigiu-se direto ao Corpo de
Guarda onde acabou constatando que “Almirante” era apenas, de fato e de
direito, o pré-nome do Bombeiro Militar.
Reflexo Condicionado
Quem já prestou serviço militar conhece bem o que é a lida diária de
quem se encontra em Curso de Formação. A toda uma gama de regras
próprias de um regime militar, se acrescenta à carga dos estudos e trabalhos
próprios de todas as escolas. Tudo isso, na maioria das vezes, longe da terra
natal, o que implica ainda, na necessidade de adaptação e na superação da
saudade.
O nosso personagem se enquadrava dentro desse perfil. Era de uma
cidade do interior. Era Aluno do Curso de Formação de Sargentos do
Corpo de Bombeiros que se realiza na Capital do Estado.
Depois de uma semana inteira de lida, numa sexta-feira à noite, com
o final de semana de folga, embarca na Rodoviária, com destino a Porto
União, sua terra natal. Poucos quilômetros adiante, cai em sono pesado. O
ônibus, que não fazia linha direta, parava nas principais cidades. Em cada
parada, o motorista abria a porta do compartimento dos passageiros,
anunciava a cidade e o tempo de parada.
Assim foi que já quase pela meia noite o ônibus parou na Rodoviária
de Mafra e cumprindo a tradição, o motorista anunciou em alto e bom tom:
___ Mafra, 15 minutos !
Para que todos os leitores possam compreender o que aconteceu na
seqüência, dois esclarecimentos se fazem necessários. Em todos os
quartéis, particularmente nos Cursos de Formação, sempre que o nome do
aluno é pronunciado, deve este, incontinente, pondo-se de pé e na posição
de sentido, declinar, em voz alta, o número de sua matrícula e assim
permanecer até que seja ordenado “descansar” e “à vontade”. O outro
esclarecimento que falta, vai praticamente desvendar a charada e o enredo
desta história, ao se revelar o nome do personagem: Mafra.
A reação do nosso personagem, despertado do sono profundo, ao
ouvir seu nome pronunciado pelo motorista, foi incontinente, como se
estivesse em forma, pondo-se de pé, na posição de sentido, bradou:
___ 904836!
Se permaneceu também por quinze minutos naquela posição, em
atendimento à “ordem” dada pelo motorista? Se dormiu em pé, enquanto
aguardava a contra ordem para “descansar” e ficar “à vontade” ? Não sei
caro leitor, mas sei onde podemos buscar essas respostas. Ninguém melhor
que o próprio personagem para esclarecer, cuja identidade, neste caso, em
função do seu nome próprio, de nada adianta tentar preservar, até por que
foi previamente consultado e autorizou a publicação da sua história.
Inversão de papéis
Gato capturar cachorro:
Pode?
Não só pode como aconteceu. O gato capturou o cachorro. Deu até
em manchete num jornal local.
Vamos aos fatos. Fazia dias que um cachorro sem dono, desses viralatas de rua, andava meio que aterrorizando a população. Já havia mordido
uma dezena de pessoas. Iniciou-se então uma caçada, quase pública, ao
animal. Mais do que as tentativas de captura, passaram a ficar conhecidas,
foi suas escapadas das armadilhas que lhe eram preparadas. De tal sorte que
acabou virando notícia todo aquele desenrolar da história, ao mesmo tempo
em que se cria uma grande expectativa pela captura do animal. Tinha quase
virado uma questão de honra para as autoridades responsáveis pela
segurança.
É neste contexto que acontece a participação do Corpo de Bombeiro,
na tentativa de capturar o animal com vida, pois já não eram poucos os que
defendiam uma solução mais drástica que seria a eliminação sumária do
animal.
Depois de algum esforço concentrado, muita paciência e vigília,
finalmente o animal é capturado, com vida, pelo Corpo de Bombeiros.
Verdade seja dita, não foi bem o Corpo de Bombeiros, foi antes, um
dos seus integrantes. Não sem razão, um dos seus mais dedicados e
conhecidos integrantes. Tanto era dedicado que a captura aconteceu
durante o seu horário de folga. Tanto era conhecido pela população da
cidade que na manchete do jornal local, publicou seu apelido, como autor
da façanha: “Gato” captura cachorro.
Dá para acreditar? Quem me contou garante que tem o recorte do
jornal para comprovar a veracidade história.
ESTRANHAS CORRESPONDÊNCIAS
Inusitadas e pitorescas, tanto quanto algumas ocorrências, são certas
correspondências que às vezes recebemos. Selecionamos algumas, as quais
seguem transcritas.
É molhe ou quer mais ?
, .
A correspondência veio digitada em papel timbrado de um Escritório
de Produção. Dirigia-se ao Comando da Organização de Bombeiro Militar
local nos seguintes termos:
“Prezado Senhor,
Vimos por meio deste solicitar o efetivo de uma lancha para o evento
que acontecerá no próximo dia 12 de março, na propriedade da Sra. Tal,
ex-mulher do Presidente da Empresa Ypsolon , o Sr Fulano de Tal, em
comemoração ao aniversário de 15 anos de idade da filha do casal.
A festa contará com aproximadamente 700 convidados.
A propriedade é localizada à Rua Anônima, na orla da Lagoa
A lancha deverá ficar de sobreaviso (stand by) para atender
quaisquer eventualidades das 18h (12/03) às 06h (13/03).
Contando com sua habitual colaboração, subscrevemo-nos mui
atenciosamente.
Promotor de Eventos
A grande incógnita
Esta correspondência foi enviada ao Centro de Atividades Técnicas e
tinha por finalidade informar sobre as providências que estariam sendo
tomadas com relação a prováveis exigências que teriam sido constadas em
um também provável relatório de vistoria de manutenção que teria sido
expedido pelo Corpo de Bombeiros. A sua transcrição literal esclarece as
razões de tantas incerteza e probabilidades.
Florianópolis, 10 de Fevereiro de 2000
Ao Comando do Corpo de Bombeiros
Centro de Atividades Técnicas
Prezados Senhores
Cumpre-nos a obrigação de informá-los de que as modificações nos
itens de segurança solicitados, já estão sendo executados, tais como
corrimão nas escadas, para-raios, borrachas adesivas nas escadas, quebra
de degraus no 2º piso, aquisição e levantamento de extintores de incêndio,
etc...
A medida que as obras estiverem sendo executadas, voltaremos a
lhes informar.
Gratos pela compreensão.
Atenciosamente
A correspondência terminava com uma rubrica sem registro do
nome. No envelope também não havia nenhuma referência do remetente.
Como no texto, não havia qualquer referência sobre a que edificação
pudesse se referir (nome, endereço ou número de protocolo, telefone para
contato), só restava esperar que quando as obras estivessem finalmente
concluídas, se outra correspondência fosse enviada, que viesse com pelo
menos uma referência que permitisse identificar a edificação.
Admitindo a crise
A correspondência que segue transcrita foi endereçada ao Corpo de
Bombeiros, como primeira resposta, acusando recebimento do Relatório de
Vistoria. Veio assinada pelo Presidente de um conhecido Clube de Futebol
da Cidade.
Senhor Comandante
Com o presente vimos à vossa presença com a finalidade de
responder a solicitação de V.S. datada de 15 de Agosto próximo passado.
Assim, temos a esclarecer que o relatório que nos foi encaminhado
coloca-nos a necessidade de adotarmos medidas de curto, médio e longo
prazo. Informamos que as medidas de curto e médio prazo estão sendo
tomadas de acordo com nossa capacidade de trabalho. Nestes casos
estamos dando prioridade às questões que dizem respeito à segurança do
público e dos trabalhadores.
De outra forma informamos que de acordo com o que estabeleceu o
relatório, estamos providenciando a elaboração de um projeto preventivo
contra de segurança.
Esclarecemos ainda, no que diz respeito à segurança do público,
que são raríssimos os jogos em que o número de presentes ultrapassa as
oito mil pessoas.
A correspondência não teria nada de anormal se a capacidade do
estádio, sempre declarada, não fosse de 30.000 pessoas. Capacidade que na
prática, não seria de “acomodação”, mas de “amontoação” de público.
Capacidades oficiosas que recentemente foram redefinidas pelo Corpo de
Bombeiros e determinadas pelo Ministério Público, diante de uma acirrada
resistência de alguns dirigentes de Clubes.
“Luau animal”
Vocês já tinham ouvido falar nisso? Eu confesso que não!
O que seja ainda não sei exatamente, de modos que prefiro não
explicar e deixar que o leitor tire suas próprias conclusões a partir da leitura
da correspondência encaminhada ao Corpo de Bombeiros por uma entidade
protetora de animais.
“A Sociedade ..., uma Organização Não Governamental, situada no
Bairro ..., nesta cidade, cujo objetivo fundamental é o projeto educacional
frente à rede pública de ensino, conscientizando o tratamento digno dos
animais de rua, incentivando assim a esterilização dos animais evitando
dessa maneira o aumento dessa população. Por intermédio deste, estamos
solicitando de V. Exa. Que designe uma viatura para uma eventual
emergência no evento que iremos realizar no dia 04 de maio às 23:00
horas intitulado “luau animal” que realizar-se-á no Restaurante Tal ,
sendo que o transporte será feito por embarcações, vale salientar que a
destinação da receita proveniente do referido evento será destinada ao
projeto educacional.”
O inusitado fica por conta da constatação de que a viatura de
emergência solicitada ficaria estacionada junto ao atracadouro, enquanto o
evento aconteceria durante o translado para um restaurante localizado numa
costa acessível somente através de embarcações.
A curiosidade e a expectativa, já com certa dose de preocupação,
ficam por conta de uma nova e possível solicitação de apoio, para uma
efetiva ação de “esterilização” da bicharada, conforme objetivo declarado
da tal sociedade: também será o Corpo de Bombeiros chamado para alguma
missão?
Esta correspondência confirma, definitivamente, que se dependesse
somente dos apelos da comunidade, não existiriam limites para atuação do
Corpo de Bombeiros.
Para que serve o Bombeiro afinal
É uma boa pergunta, uai, como diria um bom mineiro. Pergunta que
já se desenhava na conclusão do episódio imediatamente anterior.
Veja, desta feita, qual foi a solicitação inusitada.
“Com nossos cordiais cumprimentos, vimos por meio deste solicitar ao
comando desta corporação a colaboração, através do efetivo que possa
dispor para que colaborem com a lavação externa do Hospital..., que
necessita atualmente deste procedimento.
Contamos com sua colaboração.”
E então?
Lava ou não lava? Abastece ou não abastece? O hospital, a igreja, a
garagem, a fábrica, a oficina, o ginásio, o clube, a escola?
Esgota ou não esgota? Desentope ou não desentope? O subsolo do
prédio, o bueiro, a valeta, a pia, a fossa, o bacio, a latrina.
Corta ou não corta? Poda ou não poda? A árvore que cresceu demais
e um dia pode cair (sim, por que tudo que está de pé um dia pode cair).
Pendura ou não pendura? A faixa, a bandeira, a placa, as luzes de
natal.
Essa lista certamente não termina por aqui. O leitor por acaso,
também já não pensou em chamar o Bombeiro para alguma coisa
extravagante? Pensou? Chamou e o pedido não está relacionado?
Acrescente no seu exemplar do livro e não deixe de me informar.
EPISÓDIOS DO PRIMEIRO VOLUME
O Banho
Numa noite fria do mês de junho, por volta das 23 horas, o
telefone toca na residência do Comandante. Era o Chefe de Socorro que
informava:
__ Comandante, acaba de apear aqui no quartel um gaudério que se
diz seu amigo.Tá pilchado com um uniforme de bombeiro, ele diz que é
argentino, parece que o nome dele é Aleandro.
O Comandante coçou a cabeça, deu uma ajeitada no pijama e pensou
em voz alta:
__ Mas que diabo de gaudério, pilchado, argentino e Aleandro será
esse? Não me lembro de nada assim parecido!
__ Comandante ele disse que conheceu a Chefia lá em Brasília no
SENABOM.
__ No SENABOM? Lá eu conheci um monte de gringo. Mas e daí?
O que ele está querendo afinal a essa hora da noite?
__ Nada não Comandante, está querendo apenas pernoitar no quartel.
__ Mas bueno e tu me ligas só para isso?
__ Comandante é que tem um problema: o sujeito ainda não tomou
banho!
__ Mas então o deixa tomar um banho primeiro e depois ele dorme!
__ Sabe o que é, parece que ele nem trouxe toalha e sabonete ...
__ Ora, pois tratem então de arrumar isso pra ele!
__ O Senhor pode não acreditar, a gente já ofereceu para ele e o
gringo recusou!
__ Então se o cara não quer tomar banho, deixa-o dormir em paz ! Já
estou até estranhando esta falta de hospitalidade!
__ Não é nada disso. É que sem banho ele até pode dormir em paz,
porém a guarnição não. O cara fede que nem gambá. Tá com jeito de quem
não toma banho a mais de mês. E o cara parece que nem se toca. E eu já
não sei mais o que fazer. As guarnições garantem que sem banho, no
alojamento, ele não dorme. Só estou vendo duas maneiras de resolver esse
entrevero, ou faço uma cama para ele na garagem ou então vamos ter que
dar um banho nele na marra, o que o senhor acha?
__ Eu acho que está difícil de acreditar no que está acontecendo. Em
todos os casos, acho que acabaste dando a dica certa. Ele vai tomar banho
na marra. Faz o seguinte, fala que temos por tradição dar um batismo em
todos os bombeiros de outras corporações quando nos visitam pela primeira
vez. Diz que ele deve ficar preparado por que a qualquer momento, mesmo
sendo de noite, as guarnições vão pegá-lo de surpresa e jogá-lo dentro do
tanque.
__ Beleza Chefia, taí, conversa vai conversa vem, acabamos
encontrando uma baita solução. Pode deixar que o serviço vai ser feito.
Vamos até fotografar o evento para dar veracidade à versão da tradição...
Boa noite Chefia
__ Boa noite e sucesso na empreitada!
E assim cumpriu a missão
Consta que Aleandro acreditou piamente na história da tradição,
tanto que pediu que lhe enviassem fotos do evento.
Consta também que o gringo na verdade é paraguaio, trabalha numa
Organização de Bombeiros do Uruguai, e apresenta-se, sabe-se lá por que,
como argentino.
Consta ainda que após o mergulho no tanque, o gringo teria
comentado com alguém que pelo menos teria adiantado o seu banho
mensal, de modo que pelas contas dele, seu próximo banho aconteceria dali
a mais ou sessenta dias.
Consta finalmente que ninguém sabe bem ao certo, se depois do
tanque, ele de fato tomou um banho. Há quem garanta que não, que apenas
trocou de roupa e que passou a feder feito cachorro molhado.
O Pânico
Quartel de Bombeiro têm dessas coisas. Multitarefas, atribuições de
uns e outros que com o passar do tempo, acabam estigmatizando o
indivíduo à tarefa e a tarefa ao indivíduo, numa associação quase
indivisível, cujo rompimento, por vezes, causam situações hilárias, como
esta que segue narrada.
Conta-se que havia um Bombeiro que há muitos anos, não se sabe
exatamente por que, vinha executando apenas as funções de Rancheiro. De
tal sorte que o ambiente de uma Central de Operações já lhe era um mundo
totalmente estranho, embora ele não se desse conta disso. Até o dia em que,
por um capricho do destino, numa certa madrugada, num momento de
pleno emprego das guarnições, viu-se ele sentado na cadeira e na função de
operador da central. Deve ter-se sentido até importante e envaidecido
diante daquela parafernália eletrônica. Para quem estava acostumado a
pilotar um fogão, aquele ambiente, por certo, pelo menos para ele, não
ficava devendo nada ao um centro de controle espacial, daqueles que
costumava ver em filmes.
Foi por conta de elucubrações do tipo ficção científica e espacial,
aliado ao fato de estar muito tempo afastado da atividade operacional, que
momentaneamente, mal se dava conta que estava na central de operações e
que ele era o operador.
Dentro desse contexto, lá pelas tantas, toca o telefone. Nosso virtual
e improvisado atendente, com estudados gestos, retira o fone do gancho.
Tranqüilo e prazeroso, pensando lá com seus botões: “ô limpeza de serviço,
nada de gordura, de fervura”, atende a chamada:
__ Bombeiros, boa noite ...
Nem pode se identificar, pois a solicitante foi logo disparando:
__ Escuta moço, sabe o que é, tá pegando fogo aqui, é um incêndio!
O aviso premente deixou atônito o improvisado operador, que foi
espontâneo na exclamação um tanto quanto assustada:
__ Um incêndio???
__ É moço, tá um fogaréu dos infernos, é um incêndio numa
madeireira!
Se a notícia de um incêndio já tinha deixado nosso operador meio
apavorado, a informação de que era numa madeireira só fez piorar o seu
estado de nervos, pois no quartel, ninguém melhor do que ele sabia como
uma madeirinha seca gosta de um bom foguinho. O seu velho fogão a lenha
que o diga. Por conta disso a próxima exclamação também ainda é
espontânea:
__ Óhhh Meu Deus! Numa madeireira!
De tão inusitadas as exclamações, a solicitante, percebendo um certo
nervosismo por parte daquele bombeiro, perplexa e prudentemente volta a
intervir com palavras mais contidas:
__ Sim seu bombeiro! É um incêndio sim! Dá para vocês virem
apagar?
__ Apagar (pergunta o bombeiro começando a cair em si)? Sim,
claro que sim, já estamos indo (toca o alarme), por favor, informe o
endereço e o ponto de referência....
Estava despachada mais uma ocorrência, foi controlado e extinto
mais um incêndio e no dia seguinte um rancheiro voltava um pouco mais
feliz e mais conformado para sua antiga função. Feliz por que, em sua
própria avaliação, foi eficiente e demonstrou toda a sua versatilidade.
Conformado por que o seu velho fogão é bem mais previsível que aquela
central.
A SÉRIE:
AVIÕES
Os episódios que compõe esta série aconteceram todos na mesma
cidade, em épocas distintas.
Os três episódios são apresentados dentro de uma mesma série por
que possuem em comum o fato de que nenhum deles acabou pousando na
cidade tendo, no entanto, sido mais notícia do que qualquer um outro que já
tenha lá, de fato, pousado.
O avião I
Teria sido mais ou menos na época da Guerra das Malvinas (recente
confronto bélico no Atlântico Sul, entre a Argentina e a Inglaterra).
Durante aquele período foi manchete, em todos os jornais, o pouso de
emergência de uma aeronave militar inglesa, num determinado aeroporto
brasileiro.
Por conta dessa notícia, com aquela guerra ainda em andamento, um
fazendeiro da cidade, conhecido pela alcunha de “Burro Branco”, resolveu
pregar uma peça num amigo seu, sabedor que era da admiração que o
mesmo tinha por aviões.
Pouco depois das dezoito horas, o tal Burro Branco, vai bater ponto
no tradicional “Xerifes Bar”. Entra no recinto e todo esbaforido vai logo
contando a grande novidade que ele teve a primazia de ver. O pouso
forçado de um avião de caça, ali mesmo, no velho e quase abandonado
aeroporto municipal. Deu conta ainda que estava todo carregado de mísseis
e bombas e que ele só parou ali no Bar para contar a novidade, mas que
estava era indo para uma livraria para ver se achava um dicionário de
inglês-português para se tentar comunicar com o piloto que tinha ficado por
lá tomando conta da máquina.
Embora já tivesse fama de mentiroso e de contador de causos, foi tão
convincente que aquele seu amigo, aficcionado por aviões, não pensou
duas vezes e pôs-se na estrada em direção ao tal aeroporto, lotando a
carroceria da sua camionete com uma dezena de outros freqüentadores do
tal bar.
Enquanto isso, é claro, tratou o Burro Branco de sumir do mapa,
antes que a turma retornasse furiosa, com de fato retornou, sem ter
encontrado avião algum, assim como também não acharam o mentiroso,
embora tivessem procurado com insistência a noite toda.
Essa história faz parte do folclore da cidade. Embora não tenha
nenhuma relação direta com o Corpo de Bombeiros, abre a série por que foi
o primeiro avião que não pousou naquela cidade, mas virou e até hoje, por
lá, ainda é notícia.
O Avião II
Início dos anos noventa. O Comandante daquele Batalhão de
Bombeiros fazia questão de ser informado em primeira mão sobre todas as
ocorrências de vulto, fossem elas da natureza que fossem. Até as de
natureza policial que fossem atendidas pela Companhia da Polícia Militar,
ali também sediada.
O espaço aéreo daquela região, naquela época, era, volta e meia,
utilizado para treinamento pela Base Aérea de Canoas, Rio Grande do Sul.
Sempre que isso acontecia, aquela Base, costumava informar as autoridades
locais.
Num determinado dia, agricultores de uma localidade do interior,
distante uns trinta quilômetros do centro da cidade, ouvem intensos roncos
de aeronaves e pouco depois um enorme estrondo. Espalha-se a notícia da
queda de uma aeronave. Logo a notícia chega à Central de Operações da
Companhia de Polícia cujo Capitão Comandante, desloca-se imediatamente
para a região da noticiada queda. Durante o deslocamento, solicita que se
providencie reforço de efetivo, para fazer frente às buscas que haveriam de
ser longas e cansativas. É também solicitado reforço de efetivo ao Batalhão
que mobiliza toda uma Escola de Formação de Soldados. Do seu gabinete o
Comandante percebe toda a movimentação e vislumbrando os Recrutas já
embarcados no caminhão de transporte, chama imediatamente o Tenente
Comandante do Pelotão:
__ Tenente, o que é que está acontecendo. Pelo que consta não há
atividade de campo prevista para hoje. Para onde é que vocês estão indo e
por que eu não fui informado com antecedência?
__ Meu Comandante, então o senhor não sabe? Caiu um avião lá
pras bandas do interior e o pessoal da Companhia pediu reforço e eu estou
indo junto!
__ Mas como pode um negócio desses, ninguém em avisa nada.
Avisa ao Capitão da Companhia que eu quero falar com ele aqui, agora e
pessoalmente!
__ Comandante, isto vai ser impossível! O Capitão já está lá no meio
do mato. Foi ele quem solicitou o reforço. Pensei que ele já tivesse se
comunicado com o Senhor. Por que o Senhor não vem junto e aproveita
para falar com ele lá mesmo?
__ De jeito nenhum. Eu vou ficar é aqui mesmo! Vão vocês! Avisa
para que ele se apresente para mim assim que retornar!
Chegando ao local, o Tenente vai logo dando a notícia:
__ Capitão, o Comandante está uma arara, disse para o Senhor ir
falar com ele assim que retornar ...
__ Falar comigo? Tu sabe do que se trata?
__ Claro que sim! Ninguém avisou ele sobre o avião!
__ Danou-se! É verdade! Nem lembrei ...
__ Bom, deixa pra lá Capitão, isso o Senhor vai ter resolver depois
mesmo. O negócio agora é tratar de achar esse avião!
E as buscas foram iniciadas. Estenderam-se por todo o dia por uma
enorme e vasta área. Anoiteceu e as buscas foram suspensas:
__ É Capitão! Nadinha de avião – comenta o Tenente – e o pior é
que o homem está esperando!
__ Pois é! Se pelo menos eu retornasse com um pedacinho, com um
tiquinho de asa que fosse talvez a bronca fosse menor...
Retornam ao quartel, como a tropa, exaustos, famintos e sujos de
barro e carrapicho. O Capitão entra na sala do Comandante e a porta é
fechada.
Até hoje, ninguém além dos dois, sabe o que se passou entre aquelas
quatro paredes. O que todos sabem é que aquele avião também não pousou
(este mais precisamente não caiu) naquela cidade, mas, pelo menos no
quartel, também virou notícia.
No dia seguinte ficou confirmado que aviões da Força Aérea
Brasileira estiveram sobrevoando o espaço aéreo da região e que o estrondo
que foi ouvido, até prova em contrário, teria sido provocado por uma das
aeronaves quando rompeu a barreira do som.
Avião III
Final dos anos noventa. Madrugada adentro segue uma viatura
cortando a escuridão. O Comandante de uma OBM (Organização de
Bombeiro Militar) retorna de uma viagem de serviço a Capital do Estado.
A bordo, além do motorista, mais dois Bombeiros integravam aquela
comitiva. O motorista do Comandante, em se tratando de viagem, tinha um
defeito e uma mania. Seu defeito: abusar da velocidade. Sua mania: sempre
que se aproximava do município sede, costumava testar o alcance do rádio
da viatura tentando fazer contatos com a Central de Operações do quartel
de origem.
Após horas de viagem, a viatura aproxima-se do destino, e para
variar, o motorista vinha andando bem. Diferente das outras viagens, quem
resolve testar a comunicação é o próprio Comandante:
__ Atenção torre de controle, está na escuta?
Silêncio do outro lado e um olhar de interrogação do motorista,
respondido por um comentário do Comandante:
__ É... É torre de controle sim! Continuas voando baixo, tanto é que
acabamos de entrar nas nuvens – numa referência a cerração que já baixava
no local.
O motorista meio que ignorando a chamada de atenção, prefere
apenas comentar:
__ É muito estranho! Neste local a comunicação, normalmente, entra
muito bem!
Um pouco mais adiante o Comandante torna a chamar insistindo na
referência à Torre.
__ Atenção torre de controle do Corpo de Bombeiros, está na escuta?
__ Após breve silêncio, ouve-se a abertura de comunicação e com
alguma demora as primeiras e titubeantes palavras:
__ Têm alguém chamando a central?
A bordo da viatura surgem as primeiras, perplexas e mudas
indagações quanto ao que pudesse estar gerando tal dúvida ao operador da
central. O Comandante sem pensar muito a respeito, retorna a
comunicação:
__ Positivo torre, aqui é a aeronave papa tango D-20 procedente de
Florianópolis em vôo de aproximação. Controlador de vôo, por favor,
identifique-se!
Como se pode ver, o Comandante não apenas se manteve fiel ao
padrão de comunicação que vinha mantendo, como tratou de incrementar a
comunicação aeronáutica, emprestando à viatura, uma D-20, o prefixo
usual de aviões, passando assim a referir-se ao operador da central, como
se fosse um controlador de vôo. Estava pagando para ver até onde iria a
dúvida do operador. Afinal era do conhecimento dele que a viatura do
Comandante era uma D-20 e que o mesmo estaria retornando naquele dia
de viagem à Capital.
A resposta à última transmissão, demorou-se muito mais do que seria
normal, o que só fez aumentar a expectativa pela confirmação do que todos
á bordo já tinham quase certeza:
__ ... Olha! – responde uma voz já meio preocupada – aqui é do
Corpo de Bombeiros, aqui não é de nenhum aeroporto não ... Vocês estão
entendendo bem?
Estava confirmado. Nosso operador, ou controlador, como queiram,
não tinha dúvida alguma. Embora não soubesse como, era mesmo um avião
que estava entrando na comunicação. Desde a primeira transmissão, a
comunicação foi captada e ouvida pelo operador. Este logo chamou o
sentinela para ouvir aquela estranha comunicação. Foi o sentinela quem, na
segunda chamada, ao ouvir a referência de que a torre chamada era a do
Corpo de Bombeiros, dera a ordem decisiva:
__ Rapaiz! Atende que o negócio é com a gente mesmo! Ele está
chamando a gente!
Enquanto isso. no interior da viatura, a sonolência já havia se
dissipado e as primeiras gargalhadas soavam mais alto que o próprio ronco
do motor da inusitada aeronave que voava baixo, cortando os ares daquela
madrugada nevoenta no planalto central catarinense. Com ou sem intenção,
a pegadinha havia pegado. O Operador da Central estava mesmo
acreditando que se tratava de um avião. Diante da constatação, o
Comandante, não resistindo a tentação, resolveu colocar um pouco mais de
emoção no contato seguinte:
__ Negativo torre, negativo torre! A mensagem não está chegando
clara. Nossa situação não é boa, estamos com péssima visibilidade e com o
combustível no limite, já estamos em procedimento de pouso, liberem a
pista.
Desta feita a resposta foi imediata, alta, pausada e aflita:
__ A-ten-ção ! A-qui não é u-m a-e-ro-por-to ! A-qui é um quar-tel
de Bom-bei-ros ! Não tem pis-ta pa-ra pou-sar ! Re-pi-to: não tem pis-ta
pa-ra pou-sar ! En-ten-de-ram bem ?
Se dentro da viatura da viatura seus ocupantes chegavam às lágrimas
de tanto de rir, na Central de Operações, o inusitado da situação deixava
atônitos seus ocupantes, com alguns já se dirigindo para fora olhando para
o alto, com os olhos e ouvidos atentos em busca de algum sinal que
pudesse indicar a presença do tal avião. Enquanto isso, mais que
rapidamente, o Operador, faz veemente chamado, via rádio, ao Sargento
Chefe de Socorro:
__ Atenção Chefe de Socorro, atenção Chefe de Socorro, comparecer
urgente na Central !
Diante dessa última chamada, prevendo que o Trem de Socorro
certamente seria acionado para um possível deslocamento em direção ao
velho e abandonado aeroporto municipal, o Comandante resolve abortar a
operação, tornando a chamar a central, desta feita dentro dos padrões
normais de comunicação da Corporação:
__ Atenção Central: ATM-42 chamando!
__ Prossiga ATM-42
__ Estamos retornando da viagem à Florianópolis, já próximos ao
trevo de acesso à cidade!
Do outro lado sai uma resposta apressada:
__ Tá OK ! Tá Ok!
Estava evidente que a prioridade continuava sendo o avião e que a
rispidez e a rapidez da resposta tinham como objetivo, deixar o canal
disponível para a emergência que ameaçava abater-se sobre o quartel. Foi
necessária nova intervenção para que o caso fosse definitivamente
esclarecido:
__ Atenção central aqui é a ATM-42. A Central poderia informar se
a nossa aeronave já foi captada pelo radar?
Só depois dessa associação do prefixo oficial da viatura com a
desconhecida e perdida aeronave, é que o Operador compreendeu e
convenceu-se de que não havia nenhum avião.
Este foi o terceiro avião que não pousou e que, como os demais,
sequer existiram, mas foram e provavelmente continuam sendo mais
notícia do que qualquer outro que, de fato, já tenha pousado naquele
município.
Sensibilidade
Tragédias acontecem umas anunciadas, outras não. Aquela se
anunciava.
Bombeiro da reserva, acometido de grave enfermidade, encontravase internado em unidade de tratamento intensivo. Todos os Bombeiros
conheciam a situação, que era grave e que o paciente estava em estado
terminal. Menos a sua esposa que, naquele dia, estava no quartel buscando
orientações junto ao Comando sobre encaminhamento de documentação
para o pagamento de despesas hospitalares. A situação do companheiro
enfermo era acompanhada de perto por todos. O Comandante havia
orientado para que fosse imediatamente informado no momento em que o
inevitável viesse a acontecer. E acabou acontecendo justamente naquele
dia. A comunicação chegou à Central de Operações, via telefone, onde por
acaso se encontrava o responsável pelo Almoxarifado. Ele mesmo que
havia acabado de receber e conduzir a esposa do Bombeiro internado para a
sala do Comandante. Lépido e prestativo, no afã de cumprir a ordem
estabelecida, entra na sala do Comandante e sem a menor cerimônia vai
logo disparando:
__ Comandante ! O Cabo “véio” acabou de morrê!
De uma tragédia anunciada, quase acontece outra. A esposa, agora
viúva, praticamente desmaia com a notícia. Foi o que resultou do choque
entre um momento da mais absoluta falta de sensibilidade do comunicante,
com outro momento de extrema sensibilidade da eminente viúva. Mas o
episódio ainda reservaria outras lições a respeito desse mesmo tema que o
intitula.
As preocupações agora estavam todas voltadas para o funeral. Era
desejo da família que o seu ente querido fosse sepultado fardado. A cargo
do nosso desastrado mensageiro, estava a tarefa de providenciar o
fardamento. O que tratou de fazer com a devida diligência. Afinal agora o
assunto era mesmo da sua alçada. Se não havia sido muito feliz como
mensageiro, tinha agora, de certa forma, uma chance de se redimir. Nas
velhas fichas conferiu os tamanhos certos e saiu prateleira acima
procurando as peças. Pouca demora, saindo do almoxarifado se dirige
direto para a sala do Comandante:
__ Chefia! Tamô com um problema! Calça do tamanho tem, camisa
não!
__ Você tem certeza do que está falando? Pois não foi ontem mesmo
que chegou fardamento da Capital? Pelo que consta nada ainda foi
distribuído, e deve, no mínimo, ter vindo um número de cada tamanho!
__ Ah Chefia! Isso lá veio mesmo, mas o problema é calor, Chefia!
__ Mas o que é que o calor tem a ver com isso? Vai ver foi o calor
que está fazendo que andou amolecendo os teus miolos!
__ Ô Chefia, dá um desconto né! Errar é humano! Tudo bem que eu
dei a maior bobeira lá quando dei a notícia de que o homem bateu as botas.
Mas agora estou caprichando para fazer tudo certinho né! O problema é
que as camisas que chegaram são todas de manga comprida. São pro
inverno Chefia. Estamos em pleno verão. Tá fazendo um calor dos infernos
...!
Antes mesmo de terminar a frase, cai em si, mas o Comandante não
perde a deixa e emenda direto:
__ Pois é, com esse calor que está fazendo, se a gente enterrar ele
com manga comprida, periga mesmo o homem morrer de calor, né?
Decididamente, sensibilidade não era o forte daquele bombeiro. Num
primeiro, a falta foi absoluta, no outro, absolutamente fora de contexto..
A caçada
Esse negócio de apelido é coisa engraçada, sem maldade, mas tem
hora que acaba em confusão.
Naquele quartel tinha um com apelido de Jacuzinho. Ave comum na
região. Também tinha outro que chamavam de Besouro. Um inseto voador
na definição popular da bombeirada.
Numa certa manhã, uma turma resolveu aprontar para cima do
Jacuzinho. Ficou combinado que assim que ele chegasse ao quartel, o
mentor intelectual do trote, se esconderia atrás do caminhão e imitaria o pio
de um Jacu, enquanto os demais, se passando por caçadores, atirariam
todos juntos: Bam! Bam! Bam!
Saiu quase tudo conforme o combinado. Só que algumas armas
falharam. Para ser mais preciso, apenas a arma do Besouro foi que
funcionou. Mas o pior foi que tiro acabou saindo pela culatra. Jacuzinho
partiu para cima do Besouro, que nem teve tempo de voar para longe, e
desferiu-lhe um soco no rosto, digo, uma “bicada” na “fuça”. O Besouro,
por sua vez, um pouco zonzo, revide com um pontapé, digo, com uma
“ferroada”, na bunda, quer dizer, no “rabo” do Jacuzinho.
Para piorar a situação, tanto da ave quanto do inseto, havia naquela
floresta, quer dizer, naquele quartel, um caçador mor que atendia pelo
nome de Chefe de Socorro e que a tudo havia presenciado.
Feitas as devidas comunicações, o resultado final da caçada foi que
ambos ficaram presos por quatro dias. O Besouro foi recolhido à uma caixa
de sapatos e o Jacuzinho, é claro, trancafiado numa gaiola. O Besouro foi
punido por desrespeito à cadeia alimentar: Jacu nunca foi alimento de
Besouro. Jacuzinho foi punido por ter voado para cima do Besouro, coisa
que no quartel não é permitida.
Já o verdadeiro Jacu, aquele que ficou piando atrás do caminhão,
tratou foi de permanecer por ali, bem quietinho, até que o caçador mor
saísse de cena, pois caso fosse descoberto, corria o risco de ser deportado
para outro quartel, quer dizer, para outro “viveiro”.
Tudo por um turista
Bombeiro sempre foi pau para toda obra. Depois então que capturam
uma mensagem na rede mundial de computadores, que diz que o Bombeiro
“não prega a solidariedade, mas a pratica”, depois que também colocaram
em sua missão “prestar serviços profissionais e humanitários”, fica difícil
descartar qualquer solicitação de ajuda, mesmo que não esteja relacionada
entre centenas de ocorrências oficialmente catalogadas. A par disso é
preciso levar em consideração no presente caso, toda a preocupação com a
vocação turística do nosso Estado. Preocupações que chegaram aos nossos
quartéis em forma de cursos de conscientização turística e até de língua
espanhola.
Foi dentro desse contexto que numa cidade do extremo oeste do
Estado, um Bombeiro de folga, em noite inspirada, depois de alguns copos
de chope, de posse de um rádio portátil, resolveu testar o espírito
humanitário dos seus colegas de plantão, ao mesmo tempo em que tentaria
exercitar as noções de espanhol que haviam recebido, mas que não passou
de um sofrível “portunhol”:
__ Atencione, atencione Bomboneros Brazilianos ! A cá soy uno
grindo portenho em dificuldad. Estoi siendo compreendido ? estan a mi
escuta ?
A solidariedade internacional se manifesta imediatamente:
__ Positivo ! Estamos na escuta, prossiga adelante ermano ! Qual é a
dificuldad de usted ?
__ Bueno, estoy com my vehículo mui caliente. La fervura arribando
para riba, estoy sem lac´qua nel radiador. Remeta una camionete tanque
para abasteciemento. Estoy no cientro da cidad. Por la fumacera poderan
determinar my posición !
Consta que não houve nenhum retardo. O atendimento foi
confirmado e a viatura deslocou. Rodou pelo centro em busca da tal
“fumacera” e nada. O turista havia se escafedido, explodido, ou então sido
atendido por populares. Além de velhos e noctívagos conhecidos,
encontraram apenas uma alegra dupla de colegas de trabalho, que á
passagem da guarnição, os saudaram levantando seus copos de chope.
Estamos ricos
Fazer apostas na loteria até que era uma coisa normal para aquele
grupo de Bombeiros. Menos para um dos participantes daquele bolão, mais
precisamente seu mentor intelectual e atual agenciador que ultimamente
estava com a idéia fixa que mais cedo ou mais tarde haveria de ganhar.
Soldado antigo, já quase concluindo o seu tempo de serviço. Atuava mais
nos serviços internos do quartel. Era o encarregado da horta e da barbearia,
além, é claro, do bolão da loteria. Há quem diga até que as duas funções
oficiais não eram lá muito compatíveis. Há quem garanta que muitas vezes,
pelo resultado dos serviços executados, mais parecia que aparava as
hortaliças e roçava a cabeleira da turma. Tudo por conta da idéia fixa na
loteria que roubava a sua concentração.Tão religioso era em sua fezinha
que tinha lá a sua rotina que cumpria religiosamente. Nos dias de sorteio,
tinha hora marcada para telefonar para a lotérica para pegar os números
ainda quentinhos recém saídos do forno.
Naquele dia anteciparam a ligação para ele:
__ Ô Fulano, aproveita que a lotérica está na linha, traz o bilhete e
confere os números!
__ Alô?De onde é? É da Zebrinha da Sorte mesmo? Vocês tão aí
com os número? É mesmo? Foi é, tava acumulada sim! Rapaz, só teve um
acertador mesmo? Mas então o sortudo lavou foi a égua! Bom, mas vamos
ao que interessa, manda daí que eu pego aqui: ... 19 ... tenho;... 22 ...
tenho; ... 29 ... tenho!
__ Olha aí turma, eu nem acredito, ta dando tudo certinho, já temos
um terno: ... 32 ... tenho ...
Se com um terno já estava nervoso, com a quadra, acabou de ficar
transtornado a ponto de não poder continuar:
– Ô Siclano continua aqui pra mim que se conferir o último número
vou tê um troço ...
O tal Siclano assume o telefone e canta o último número: ... 47! Foi o
que bastou para o nosso aficionado e agora tresloucado amigo não se conter
em si e sair gritando pelo quartel:
__ Estamos ricos! Estamos ricos!
Ao mesmo tempo em que tratava de tranqüilizar os integrantes do
bolão, garantindo:
__ O cartão está comigo, mas vou dividir tudo bem certinho !
Abraçava a todos que encontrava. Até chegou a fazer as pazes com
recente desafeto, desavença pouca, coisa pequena, mas fez as pazes, tudo
por conta de uma nova vida que se anunciava.
Tão fatal quanto à boa notícia, caiu-lhe sobre a cabeça a verdade
cruel. A ligação não era da lotérica, era de um ramal interno e os números
cantados eram os números jogados que alguém havia copiado exatamente
com a intenção de fazer o que foi feito.
Dizem que depois dessa, nosso amigo desistiu de jogar, pelo menos
em bolão no quartel. Teria ainda ficado curado daquela idéia fixa e que
agora, por conta disso, tanto as hortaliças quanto às cabeleiras do quartel,
voltaram a crescer mais exuberantes do que nunca, posto que voltaram a
serem tratadas com a devida atenção pelo insubstituível e inesquecível
titular daquelas funções.
Pagando o mico
Aquele mesmo Jacu, o verdadeiro, do episódio da Caçada, embora
fosse um aprontador de marca maior, era na verdade, dono de uma alma
caridosa e de um coração sem tamanho. Porém mesmo quando estava bem
intencionado, acabava por vezes colocando os outros em fria.
Pois esse nosso amigo, como trabalhava no rancho, tratava sempre de
recolher as sobras ainda aproveitáveis de comida e, com a devida
permissão, levava para as famílias carentes do Bairro onde morava. E não
tinha nenhum constrangimento em fazê-lo. Ao término do seu turno de
serviço, lá ia ele, todo fardado, com um baldinho de plástico pela mão,
pegar o seu ônibus lá no terminal e cumprir a sua boa ação quase que
diariamente. Tanto era diário e costumeiro, que até o motorista do ônibus,
que talvez não o conhecesse pessoalmente, já o identificava pelo tal
baldinho.
Aconteceu porém, que num determinado dia, o nosso bom
samaritano, acabou esquecendo o baldinho dentro do ônibus. Conseqüência
de muito trololó, de muita conversa fiada, a que era chegado como poucos.
E o tal baldinho, abandonado, ficou lá, por alguns dias, bem atrás do banco
do motorista.
Tão zeloso e solidário quanto o proprietário do balde, o motorista,
pacientemente, esperou pelo dia em que o tal Bombeiro retornasse a
embarcar no seu ônibus. Como tudo indicava que iria demorar, decidiu
então, entregar a mercadoria ao primeiro Bombeiro que, devidamente
fardado, fosse como tal por ele identificado.
Acabou sobrando exatamente para o Sargento responsável pelo
serviço de Aprovisionamento. Logo ele, um exemplo de conduta ilibada, de
uma apresentação e postura impecáveis, recebeu aquele baldinho, que a
essa altura do campeonato já começava a feder, entregue solenemente pelo
motorista:
__ O Senhor é do Bombeiro né? Pois tenho aqui algo que pertence a
um amigo seu, um moreno alto, o Senhor deve conhecer, ele costuma pegar
essa linha, o Senhor poderia entregar para ele?
O breve discurso não passou despercebido pelos muitos escolares
que lotavam o ônibus, que mal se contiveram em risos, deixando ainda
mais constrangido nosso exemplar Sargento que acabou pagando o maior
mico da sua vida.
Atropelamento atropelado
Estão lembrados daquele nosso personagem do episódio “Estamos
ricos”? Pois é. É ele mesmo que também protagoniza esse episódio, onde o
atropelado é apenas o coadjuvante.
Caminhavam ambos rumo ao quartel, para mais um dia de serviço,
ainda bem cedo, numa típica manhã nevoenta da serra catarinense, quando
de repente, não mais que de repente, nosso personagem coadjuvante é
colhido, em plena calçada, por uma carreta que o arrasta por uma dezena de
metros, para depois jogá-lo prostrado ao solo, onde imediatamente é
socorrido pelo nosso protagonista e por populares que o conduzem ao
hospital.
Devidamente assistida e encaminhada a situação do companheiro,
restava agora, com a devida urgência, comunicar o fato ao Comandante, o
que o fez assim que chegou ao quartel, todo esbaforido e da forma mais
atabalhoada possível, aos gritos e gesticulando mais do que falava:
__ Comandante! Comandante! Uma carreta atropelou o Tio
Juventino – era como todos chamavam o personagem coadjuvante – lá na
avenida, Comandante, uma carreta pegou ele na calçada!
__ Uma carreta, na avenida, minha Nossa Senhora! Matou o
Juventino!
Foi só o que conseguiu pronunciar o Comandante, por que todos
passam a perguntar e falar ao mesmo tempo, o que só fazia com que as
explicações ficassem ainda mais difíceis, para o nosso assustado
protagonista. A aflição e a preocupação de todos eram visíveis. O estado de
nervosismo do companheiro era prenúncio de que o pior havia acontecido,
afinal tinha sido atropelado por uma carreta numa avenida de trânsito
rápido. O Comandante resolve por fim à desordem e ao mistério,
sobrepondo a voz sobre aquela balburdia toda, indagando:
__ Fala logo, que é feito do homem?
__ Está no hospital, tá em “acha” Comandante, mas tá vivo!
__ Menos mal, – suspira o Comandante, no que é acompanhado
pelos demais presentes – e a carreta? Parou para prestar socorro? Pegaram
a placa?
__ Olha! Parar parou, mas demorou, por que o problema foi
justamente no breque, agora placa, não tinha não, Comandante!
__ Não tinha placa e ainda negou-se a conduzir o nosso Tio
Juventino para o hospital?
__ Olha, pra falar a verdade, a gente nem pediu isso pra ele por que
se a gente fosse levar o Tio Juventino para o hospital com a carreta, ia
demorar demais né Comandante !
__ Demorar por que, não tava ele disparada pela avenida? Não era
uma carreta possante?
__ Olha, Comandante, disparado, disparado ele não tava não, tava no
máximo num trote ligeiro e quanto ao nome do animal, não sei se chamava
“possante. Não tinha jeito não, era meio fracote...
Depois de mais um pouco de confusão, tudo ficou esclarecido. E par
ficar ainda claro e específico vamos fazê-lo em cinco tempos distintos:
Primeiro: A carreta era apenas uma carroça.
Segundo: A causa do atropelamento foi o breque da carroça.
Terceiro: O breque da carroça, para quem nunca viu um, possui uma
manivela de acionamento, que se projeta além do alinhamento lateral da
carroça.
Quarto: A manivela do breque enganchou-se exatamente no bolso da
japona militar do Tio Juventino, arrastando-o por alguns metros causandolhe leves escoriações.
Quinto: O Tio Juventino, assim como a carroça, também possuía um
excesso lateral. Um bem cuidado pneuzinho abdominal e um bolso de
japona bem esgaçado.
Moral da história: Bem feito viu! Andar de mão no bolso, além de
não ser regulamentar, é perigoso porque esgaça o bolso e bolso esgaçado é
um perigo. Quem tem um, tem que ficar de olho nos breques das carroças.
Atrapalhada e meia
A história é outra, porém o personagem principal é o mesmo do
episódio anterior. Sabe como é, tem sujeito mesmo que parece atrair
confusão, que está sempre se metendo em enrascada.
Daquele nosso amigo, já é sabido que era chegado numa fezinha, que
era responsável pela barbearia e pela horta do quartel. Pois fiquem sabendo
agora que ele também era proprietário de duas vaquinhas, que criava num
ranchinho nos fundos da sua propriedade. Tratava as mimosas no capricho,
a base de ração concentrada que trazia direto do moinho. Esforço e
dedicação redobrados. Trazia a mercadoria de ônibus mesmo, no braço, em
cada um, um saco, pesando, sabe-se lá quantos quilos.
Naquele dia chegou atrasado no terminal urbano, arfando com peso
dos sacos. Vislumbrando o ônibus que já partia, sem o menor
constrangimento, sai gritando aos quatro ventos:
__ Espera, espera!
O motorista recompensa tamanho esforço e dedicação aguarda o
embarque e a acomodação daquele esbaforido e suado passageiro. O ônibus
estava lotado. Lá pelas tantas nosso personagem localiza mais ao fundo um
outro Bombeiro, colega seu, a quem, sem a menor cerimônia, por
curiosidade, interpela em voz alta:
__ Ô Fulano, tu não tá largando o serviço? O que é que tu vai fazer lá
pras banda do meu Bairro, tu não vai para casa não?
O outro Bombeiro, não conteve o riso e tratou logo de matar a
curiosidade do especulativo colega:
__ É claro que eu estou indo para casa. Eu é que quero saber o que tu
vais fazer no meu bairro com esses dois sacos de ração! Rapaz, tu não viu
que pegasses a condução errada?
Imediatamente, percebendo o engano, novamente sem o menor
constrangimento, sai gritando de novo, ao mesmo tempo em que puxava a
cordinha da sineta:
__ Pare, pare, motorista, pare, que eu peguei a geringonça errada!
Ao riso incontido dos passageiros, desembarca. Retorna a pé, carga
as costas. Sua preocupação era mais com as mimosas, que daqui a pouco já
estariam mugindo de fome, do que com os dois quilômetros de caminhada
que tinha pela frente até o terminal.
Uma brasa mora
Tempos idos, tempos difíceis. Não se tem referência sobre a época
em que teria acontecido este fato. Os contadores do caso comentam que
teria sido mais ou menos na época em que um tal seriado de lutas marciais
denominado “Kung Fu” fazia sucesso na televisão. Mais ou menos quase
na mesma época em que também de certo ainda fazia algum sucesso uma
certa expressão criada pelo rei Roberto Carlos que intitula este episódio. A
alusão ao seriado faz sentido pela relação que estabeleceram entre o
ocorrido e certa habilidade do personagem principal daquele seriado.
Era uma noite chuvosa, havia uma ocorrência de incêndio em
andamento. Naquele tempo não se tinha o equipamento de proteção que se
tem hoje em dia, de tal sorte que, por conta do tempo reinante, estavam
todos equipados com capas de chuvas comuns e botas de borracha.
Controlado o incêndio, já na operação de rescaldo, removendo os
escombros com o gadanho, acontece o inusitado: uma brasa, das grandes,
uma das últimas remanescentes, acabou caindo dentro do cano da bota de
um Bombeiro.
Contam seus companheiros que o pobre infeliz deu um triplo salto
mortal, no melhor estilo “Kung Fu”. Deu sucessivos saltos e que só parou
de pular quando enfim enfiou o pé num tanque de água que tinha por lá.
Para quem duvida, dizem, a marca ainda está lá no pé do pobre
infeliz. Dizem também, as más línguas, que de tão traumatizado que ficou,
até hoje, sempre que faz rescaldo, leva junto, bem perto, alguns baldes de
água, para inundar a bota e afogar o inimigo, caso tal desgraça venha a se
repetir. Afinal aquela história de sucessivos saltos pode não dar mais certo.
Até por que, nem ele se encontram com a mesma forma física e também
por que aquele seriado nem faz mais sucesso na televisão mesmo.
O Laudo
Implantar cultura prevencionista tem lá o seu preço. Ainda mais
numa cidade do interior. É tudo novidade. É muito choque de cultura.
Afinal nunca aconteceu nada de mais grave e de repente, chegam os
Bombeiros na cidade e de uma hora para outra, passam a fazer mil alertas,
exigindo uma dezena de coisa. É mais ou menos essa a impressão que por
vezes nossa atuação, nessa área, tem por certo, causado por tantos rincões
catarinenses.
Este episódio é bastante pitoresco e dispensa maiores comentários ou
narrativas. A transcrição da carta endereçada ao Corpo de Bombeiros é o
que basta:
“Ilmo Sr Comandante do Corpo de Bombeiros
Tendo recebido o Laudo de Exigências nº 349/95, eu, o Padre
Diretor do Instituto, venho lhe responder com muita responsabilidade, mas
com muita preocupação.
Veja bem: O Instituto nasce aos 13 de agosto de 1980 com os três
primeiros meninos e desde aquela primeira hora foi alimentado por
doações e sustentado por doações e verbas dos órgãos públicos.
E cresceu: Hoje conta com 159 alunos internos com uma estrutura
que garante os direitos humanos dos menores, vivendo bem, com uma boa
escola e aprendendo uma profissão para um futuro melhr.
Mas hoje as coisa são difíceis: a ajuda diminui.
Nesta dificuldade me chega ao meu conhecimento o LAUDO.
Mas por que agora ?
Agora, ou cumpro com as exigências do LAUDO, mas de onde tiro o
dinheiro ? Ou fecho o Instituto e onde vão estes pobres meninos e
meninas?
A cidade não ajuda !
O governo na ajuda !
O Senhor acha que é fácil manter 159 criaturas ?
Na verdade eu não tenho condições para cumprir com as exigências
do LAUDO. Mas tenho uma coisa bonita para lhe dizer: neste 15 anos os
meninos do Instituto experimentaram a proteção divina: nunca tivemos um
incêndio!
Deus é a nossa proteção !
Porém sei que precisa cuidar e não deixar tudo para Deus, por isso
eu irei equipar o Instituto de todo sistema de segurança logo que
melhorar, pois sem dinheiro não se faz nada. Lhe peço encarecidamente de
dar tempo, pois esta é a situação.
Conto com sua compreensão e com a sua ajuda: OBRIGADO
Atenciosamente
Padre Diretor do Instituto”
Dizem que foi depois desse episódio que começou a amadurecer a
idéia do estabelecimento de um tratamento diferenciado quando se tratasse
de implantar os serviços de atividade técnicas em um novo município.
Dizem também que as adequações levaram tanto tempo, que Deus,
que até então desconhecia dessa sua responsabilidade, depois que leu o
laudo, chegou a pensar em se matricular em um curso de brigadas de
incêndios.
O Veredicto
Época de chuva é sinônimo de trabalho redobrado, durante e até
depois das tempestades. Para durante ficam os atendimentos de
emergência, aqueles em há comprometimento de vidas, para depois, ficam
as averiguações, as constatações dos riscos potenciais remanescentes.
A tempestade havia passado. Vivia-se o depois. As solicitações de
averiguações não eram poucas. A central de operações despachava as
guarnições conforme ordem pré-estabelecida.
Uma determinada guarnição recebe a incumbência de verificar um
muro que, segundo informações do solicitante, estaria prestes a cair. A
guarnição chega ao local, olha aqui, olha ali, ninguém por perto, nada de
solicitante, apenas o muro.
__ Central, aqui é o Comandante da Guarnição, olha o muro esta
firme que nem uma rocha!
__ Vocês têm certeza mesmo que estão no lugar certo olhando para o
muro certo?
O Comandante é categórico em confirmar o seu veredicto:
__ Tenho sim, nunca vi esse muro mais forte. A central pode
encerrar esta ocorrência, ou foi trote ou o endereço foi registrado errado!
A central acusa ciência e antes mesmo que pudesse reconferir o
endereço, recebe nova chamada do mesmo comandante de guarnição:
__ Central é eu de novo – declara-se já meio constrangido.
__ Pois não prossiga!
__ Sabe o que é, dá ultima forma no encerramento dessa ocorrência!
__ Por que? O solicitante apareceu? Descobriram qual é o problema
do muro?
__ Não central, não é nada disso, o que aconteceu foi que o muro
inteirinho acabou de desabar...
Decididamente, avaliar muro não era a especialidade daquele
Bombeiro.
Uma pérola do manezês
Na Ilha de Santa Catarina, o ilhéu auto apelidou-se de manezinho.
Uma das principais características que identifica um manezinho é o
sotaque, cujo linguajar, também já ganhou a alcunha de “manezês”. Entre
os Bombeiros da Ilha, evidentemente, também existem alguns manezinhos,
pessoal mais antigo, já quase em final de carreira.
Este episódio envolve um deles. Talvez um dos mais antigos e
remanescentes manezinhos. Como todo manezinho tinha lá um nome
bastante diferente. Chamava-se Índio. Não sei se por sugestão do próprio
nome, mas que o seu rosto lá tinha alguma coisa do perfil daqueles índios
apaches que se via nos filmes americanos, isso lá tinha mesmo.
Foi numa ocorrência no bairro do Itacorubi. Um incêndio de
proporções médias queimava parte da floresta nativa da encosta no morro
da Lagoa. Várias guarnições são acionadas, formam-se várias equipes e
frentes de trabalho. Após horas de exaustivo combate, o fogo é finalmente
debelado. As equipes retornam, uma a uma, embarcam nas viaturas e já se
encontram em deslocamento, quando via rádio, ouve-se uma gutural e aflita
voz:
__ Índio para Central! Índio para Central !
__ Prossiga Indio! Central na escuta!
Era a versão, mais que original, do filme “Esqueceram de mim”. O
Índio havia de tal modo se embrenhado na floresta, que acabou se
desgarrando da sua equipe e quando se deu conta já era tarde. Não só não
mais localizou a equipe, como também, não mais achou o caminho de volta
ao ponto de reunião:
__ Positivo Central, ! “Aviusa” aí que eu “tô peudido” aqui no
“Tracobi” ... ah “aviusa” ainda também que não to ouvindo bem por que o
“ráidio” tá com muito “chuvisco”!
Que belo Índio afinal acabara ele se revelando. Além de se perder na
selva, seu habitat natural, teve que fazer uso de um meio de comunicação
nada usual para o seu povo, quando o mais natural fosse que utilizasse
sinais de fumaça, afinal, um pouquinho mais de fogo, não iria fazer
nenhuma diferença mesmo, no balanço final dos estragos.
Provou, portanto, que é muito mais mané do que índio e que de índio
tem apenas o nome e a cara um pouco parecida.
EPÍLOGO
Devo terminar a edição desse segundo volume transcrevendo uma
história que andou circulando pela rede mundial de computadores. Têm
sido contada como verdadeira e não falta quem acredite nos fatos. Se esta é
verdadeira, então não há por que não crer que as nossas histórias também
sejam. Está relacionada à atividade de Bombeiro e teria acontecido nos
Estados Unidos da América.
Segue a transcrição da maneira como recebida:
As autoridades de combate a incêndios da Califórnia encontraram
um cadáver em uma seção de floresta queimada, enquanto avaliavam os
estragos de um grande incêndio florestal.O falecido estava vestido com
um traje completo de mergulho, mais cilindro de oxigênio, pés-de-pato e
máscara. A autópsia revelou que causa da morte não foram as
queimaduras, mas sim maciças lesões internas.O registro dental permitiu a
identificação do corpo. A partir dai iniciaram-se investigações para
determinar como um mergulhador, com traje completo de mergulho, foi
parar no meio de um incêndio florestal. Finalmente descobriram que, no
dia do incêndio, a vítima tinha ido para uma viagem de mergulho em alto
mar, aproximadamente a 20 milhas de distância de vôo da floresta. Os
bombeiros, procurando controlar o fogo o mais rápido possível,
embarcaram em uma frota de helicópteros equipados com baldes enormes.
Os baldes eram baixados ao oceano, para enchimento rápido, e em
seguida, eram carregados suspensos até a floresta, onde a água era
despejada.
Você pode imaginar isto? Num segundo nosso mergulhador estava,
como um golfinho mergulhando no Pacífico, e no outro estava preso
dentro de um balde de incêndio, balançando e chacoalhando a 1.000 pés
de altitude, até ser jogado com a água na floresta em chamas...
Se der para acreditar nessa história, então dá para continuar
escrevendo outras.
O AUTOR