QUER SER “EMPREGÁVEL”? Esqueça a técnica. O que vale é uma

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QUER SER “EMPREGÁVEL”? Esqueça a técnica. O que vale é uma
QUER SER “EMPREGÁVEL”?
Esqueça a técnica. O que vale é uma formação humanista.
CARO SIMON: tenho 16 anos e estou cursando o último ano do ensino médio. Penso em
cursar a faculdade de engenharia de telecomunicações, por ser uma área que me interessa e
de amplo mercado de trabalho. Li uma reportagem relatando que um curso profissionalizante
(no meu caso, para técnico em telecomunicações) seria o suficiente para arrumar um bom
emprego e que as faculdades não fazem dos alunos bons profissionais. Gostaria, se possível,
de uma opinião sua sobre isso. Também gostaria de saber se as oportunidades no vasto
mercado de trabalho das telecomunicações são temporárias ou se em longo prazo teremos
uma longa demanda de empregos. (Éverton Petró Alexandre, Porto Alegre – RS).
Meu jovem leitor: mesmo antes de ingressar no mercado de trabalho, você já apresenta
uma questão que merece reflexão aprofundada de todos os profissionais, de qualquer idade.
Você pergunta se não basta um curso profissionalizante para formar alguém capaz de
conseguir um grande emprego. De forma semelhante, recebo dezenas de cartas de pessoas
perguntando: “Um MBA é bom para minha carreira?” ou “Devo fazer outra faculdade para ter
mais espaço no mercado de trabalho?” Essas formulações, no fundo, trazem embutida uma
questãozinha básica: se eu fizer essas coisas, vou ganhar mais dinheiro ou não? Não há nada
de errado em querer ganhar mais, ter uma vida melhor. O problema é pensar a própria
formação do ponto de vista exclusivo da profissão. Uma faculdade tem a obrigação de formar
bons profissionais (algo que nem todas cumprem).
Mas será que uma faculdade serve só para isso? Claro que não. Insisto sempre que um
curso tem o dever de formar “pessoas livres”, “cidadãos”, fornecer experiência de vida e não a
mera formação profissional. Aliás, formação para valer é formação humanista. Do ponto de
vista do saber técnico, é muito mais um treinamento. As faculdades não servem apenas para
fazer alguma coisa, mais para ensinar a pensar. Isso vale também para um MBA, para uma
pós-graduação, para um curso de inglês. Esse último exemplo é muito bom: saber inglês não
serve apenas para ser “mais empregável”. O inglês possibilita o acesso à outra cultura, à outra
visão de mundo. Aliás, muita gente se acha proficiente em inglês, mas nunca leu a literatura
nessa língua e nem seria capaz de fazê-lo.
Os bons empregos e as maiores remunerações estão destinados às pessoas que não se
preocupam apenas com o que é preciso fazer para ter um bom emprego. Eles estão destinados
às pessoas que fazem tudo isso, mas de maneira aprofundada, interessadas em desenvolver
uma capacidade mais ampla, uma cultura maior, um domínio verdadeiro das línguas
estrangeiras, uma visão de mundo cosmopolita (e não simplesmente “globalizada”). Um curso
técnico pode ser uma boa entrada para o mercado de trabalho. No caso brasileiro, há uma
grande carência de profissionais de nível médio, e as oportunidades são muitas. Se você tiver
condições, deve ir além disso. É possível que o mercado de telecomunicações se mantenha em
crescimento.
Mas, se daqui a dez anos houver uma grande inovação tecnológica, os conhecimentos
técnicos adquiridos num curso médio podem ficar obsoletos. Você precisará se manter em
constante atualização, sempre. E isso só será possível se tiver desenvolvido capacidades e
habilidades que estão além dos conhecimentos técnicos. Você precisará ter aprendido a pensar
com a própria cabeça, a se desenvolver por conta própria. Aos leitores que se afogam em
dúvida entre fazer ou não fazer pós-graduação ou MBA: perguntem-se por que fariam isso. Se
acharem que é uma fórmula certa para crescer na carreira, correm o risco de ter desilusões.
Se perceberem que são experiências capazes de torná-los pessoas melhores, e não apenas
profissionais melhores, então, devem ir em frente. Pensem em si mesmo e por si mesmo. O
sucesso profissional será decorrência disso.
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Simon franco é diretor geral de desenvolvimento estratégico na América Latina da TMP
Worldwide.
Revista EXAME de 21 de março de 2001