Noites de Terror

Transcrição

Noites de Terror
Noites de
Terror
2
Noites de Terror
RUBENS PEREIRA JUNIOR
Capa por: Lucas Dallas
3
4
Este livro é para todos que me ajudaram a contar essa história, direta ou
indiretamente.
Para minha esposa Jaqueline, sem ela eu nunca voltaria a escrever, para
minha filha Sarah Morgana que me deu a alegria de poder sonhar
novamente e para meu amigo Lucas Dallas que sempre me ajudou com
sua empolgação por minhas histórias e sua amizade sempre presente.
5
6
Prefácio
“Mãe, para onde estamos indo? Esse lugar parece um pesadelo!”
Esse seria um bom começo para falar sobre o que senti lendo
esse livro. Mas antes...
Vamos falar um pouco sobre casas mal-assombradas.
Acredito firmemente que uma casa guarda um pouco mais que
argamassa entre seus tijolos. Entre as fiadas, com um pouco de tempo e
concentração, podemos encontrar traços de seus velhos moradores. Suas
esperanças, suas alegrias, e muitas vezes, seu ódio, rancor e tudo o que
fizeram de errado dentro do que comumente é chamado de lar. Acho que
devemos começar por aqui.
Rubens P. Junior trata em seu romance de estreia de temores
escondidos. Uma sombra que se move no canto dos olhos, o silvo do
vento em uma noite de tempestade, cortinas que parecem animadas por
mão deformadas e invisíveis, do mal que espreita o caminho dos bons
arregalando seus olhos vermelhos. Sua linguagem é simples, afiada;
Rubens tem um jeito carinhoso de lidar com seus leitores, mesmo nos
momentos mais aterrorizantes do livro (e não duvidem que eles existem
em cada página dessa obra). Rubens também nos surpreende nas
reviravoltas do livro — acredite em mim que você ficará preso até a
última linha —, nas deliciosas influências da literatura de terror mundial,
em seu jeito único de nos meter medo. Eu não poderia esperar menos. Se
ler muito é pré-requisito para qualquer escritor, Rubens está à frente de
muita gente talentosa que acompanho.
Conhecer a “Abelha Rainha”, personagem principal do livro, foi
um grande prazer. Confesso que conheci algumas adolescentes difíceis
em meu passado, mas poucas como Lucia Fernandes. A garota realmente
7
leva a sério a missão de ser a garota mais popular da história. Isso nos
coloca em dramas reais, coisas como loucura, bullying, anorexia, bulimia,
e o egoísmo que vez ou outro nos domina como uma doença contagiosa.
Desejo a você leitor uma ótima estadia no mundo sombrio de
Rubens P Junior, tenha a certeza de estar muito bem acompanhado. Mas
cuidado, quando a noite chegar, deixe uma luz acesa, uma bem
fraquinha, apenas para mostrar o caminho de volta.
Por Cesar Bravo, autor de “Além da Carne”,
“Calafrios da Noite”, “Caverna de Ossos” e “Ouça o que eu
Digo”
8
Prólogo
Depoimento de pessoas que se
relacionaram com Lucia Fernandes e a
casa da Floresta dos Carvalhos:
Detetive Leon:
“Aquela garota era problemática, ela
sempre causou problemas desde que se
mudou para aquela casa. Ela começou à
agir inocentemente mas eu sei que aquilo
tudo foi somente um pretexto para que ninguém desconfiasse dela.
Conheço esse tipo de gente, no começo se dizem os santos, mas, depois,
tiram suas máscaras e mostram a verdadeira face. Por isso eu sempre
digo, na MINHA CIDADE as pessoas devem ser normais. Não admito gente
como ela por aqui.”
Sra. Fontes:
“A menina estava realmente com muitos problemas, e eles começaram a
aumentar depois que ela se mudou para aquela casa. A pobrezinha já
nasceu com problemas na bagagem e tudo foi ficando cada vez pior.
Primeiro aconteceram coisas horríveis, depois tudo veio à tona, de uma
hora para a outra. Eu tentei ajudar, mas, ela não me ouviu. Tudo o que eu
queria era que nada daquilo tivesse acontecido. Teria sido melhor se ela
não tivesse nunca posto os pés naquela casa maldita.”
Doutor Raul:
“A jovenzinha se meteu em muitos problemas. Tudo culpa daquela casa.
Podem dizer que sou louco e tudo mais, mas sei o que estou dizendo,
aquela casa é perigosa. Ela já fez muitas vítimas e não parará até chegar
em seu verdadeiro alvo. Eu tentei ajudá-la, mas, meus conselhos não
foram bons o bastante para converse-la de sair daquela casa. Agora, não
há mais nada a fazer. Sinto muito.”
9
Cristiano Silveira:
“Pobre Lucia... eu sei o que ela passou naquela casa. Eu sei...” – Cristiano
parou por um momento e olhou vagamente para a janela da delegacia,
parecia muito impressionado – “Eu contei para ela, eu contei o que tinha
acontecido comigo. Ela não saiu a tempo daquela casa e agora...” –
Cristiano secou algumas lágrimas que escorreram pelo canto do olho –
“Eu sabia que isso tudo aconteceria de novo. Eu tinha que ter avisado ela
antes mesmo dela se mudar para aquela casa. Eu devia ter feito alguma
coisa antes de tudo isso acontecer. Foi tudo culpa minha... culpa
minha...”
A casa da Floresta dos Carvalhos está fechada e em fase de estudo,
organizado do Centro de Pesquisas Psíquicas EFEPP, para comprovar se
os fenômenos ocorridos lá são, de fato, acontecimentos paranormais
verídicos ou apenas fraudes.
10
1
- Podem entrar! – Afirmou morbidamente o homem de meia
idade e roupas escuras parado na porta da casa da Floresta dos
Carvalhos, abrindo-a ligeiramente e deixando uma visão escura de seu
interior.
O casal Vasconcelos estava paralisado na porta da casa em meio
àquela noite escura e fria ao seu redor, pois, eles sabiam qual era aquela
residência. A vizinhança inteira falava dela e ela havia se tornado a vilã
local. Os boatos e histórias de que aquela casa era assombrada eram
muitos e alguns eram de arrepiar os cabelos. Com todas essas histórias a
casa vivia desocupada, ninguém a comprava, alugava ou se quer passava
perto dela.
Mas, Natalia estava disposta a tudo para saber onde estava sua
filhinha, Julia, que havia desaparecido há alguns dias. A polícia não havia
conseguido resultado algum com suas incansáveis buscas durante o dia
todo. Foi quando seu marido, Ronaldo, chegou com uma idéia que a fez
pensar muito. Ele ficou sabendo de uma tal Madame Milleniun, uma
vidente com grande poder e que poderia ajudá-los. Foram ao encontro
dela, que, misteriosamente disse que o melhor lugar para se entrar em
contato com as forças dos mortos e se obter respostas seria em uma casa
assombrada.
11
E lá estavam eles, parados na frente da casa da Floresta dos
Carvalhos, que parecia encará-los, como se reservasse algo para eles.
- E então, Senhor e Senhora Vasconcelos? Não vão entrar? –
Repetiu o homem olhando-os e estendendo a mão para o interior da
casa.
O casal entrou calmamente na residência, que para o espanto
deles, estava muito bem cuidada. Toda limpa e arrumada, com alguns
móveis nos locais devidos e tudo mais. No meio da sala estava a tal
Madame Milleniun, sentada em uma cadeira perto de uma pequena
mesa redonda.
Natalia sentiu vontade de rir, pois, Madame Milleniun, de mais
ou menos uns 60 anos estava vestida tipicamente como uma vidente de
filmes hollywoodianos dos anos 40. Faltava somente o turbante em sua
cabeça. Um cheiro forte invadiu as narinas de Natalia, fazendo-a se
enjoar rapidamente.
- É só o incenso, moça. Preciso deles para entrar em conexão
com o mundo oculto. – Disse Madame Milleniun com uma voz muito
calma. – Sentem-se. Haroldo, feche a porta, por favor. Não queremos ser
incomodados.
O homem que abriu a porta para o casal fechou-a lentamente,
fazendo-a produzir o barulho clichê das portas de filmes de terror,
arranhando e gemendo sinistramente. Natalia e Ronaldo seguiram para a
mesa e sentaram-se junto à Madame Milleniun que os olhou diretamente
nos olhos e disse profundamente:
- Vou fazer o possível para localizar a filha de vocês. Para isso
preciso entrar em contato com os espíritos que vagam por essas paredes.
Isso fez Natalia se arrepiar dos pés à cabeça.
- Dêem as mãos, por favor. Vamos formar uma corrente
psíquica. Nossas energias juntas são muito mais eficientes. – Continuou
Madame Milleniun muito séria estendendo suas mãos enrugadas para
Natalia e Ronaldo.
- Você não vai precisar de velas, Madame Milleniun? –
Perguntou Ronaldo ainda achando tudo estranho.
- NÃO! – Gritou ela mais que depressa. – Os “outros” não gostam
de ser vistos. Muito bem, vamos começar. Concentrem-se na sua filha.
Pensem nela com o máximo de detalhes. E, façam o que fizer, aconteça o
que acontecer, nunca, nunca se levantem ou soltem as mãos. Podem
estragar tudo.
Todos ficaram quietos. Haroldo foi em direção ao corredor que
levava à cozinha e sumiu por lá. Madame Milleniun fechou os olhos
12
calmamente e ficou quieta. Um suave chiado vinha de longe, mas, Natalia
deixou de prestar atenção a ele e começou a olhar para Madame
Milleniun. Ela estava rígida como uma estátua, segurando as mãos de
Natalia, apertando-as.
O cheiro de incenso no ar se tornou escasso e parecia que a
temperatura caía a cada segundo, deixando o ambiente cada vez mais
frio e incomodo. Madame Milleniun abriu a boca e os olhos rapidamente.
Um gemido assustador e profundo veio de sua garganta e
impressionou o casal Vasconcelos. Ela falou com uma voz mórbida e
arrastada:
- Óh, guardiões dos portões da morte, senhores do além,
afastem seus gatos da frente, retirem as nuvens que cobrem meus olhos,
deixem-me obter o contato com os seres do além-vida.
Um porta-retrato em cima de uma mesinha de canto se
espatifou no chão, fazendo um barulho que chamou a atenção de todos.
Ela continuou:
- Eu vos suplico senhores da noite. Deixem-me travar contato
com os mortos. Eles têm as informações que preciso.
Um gemido distante soou na sala, fazendo Natalia se arrepiar. O
que estava fazendo aquilo? Como estaria Haroldo? O frio ficou ainda mais
intenso.
- Pronto. Consegui. Chamem pelo nome de sua filha. Se ela
responder é porque está morta. Se não obtiver nenhuma resposta, vou
suplicar para que os guardiões dos mortos me digam onde ela está. –
Madame Milleniun falava seriamente.
- Julia! Julia! É a mamãe. – Gritou instantaneamente Natalia,
esperando não ouvir a resposta da filha, pois ela tinha a esperança de
ainda encontrá-la viva.
O frio tornou-se insuportável. O vapor branco e chamativo saía
da boca de todos. Um gemido soou ainda mais alto dentro da sala.
Natalia estava começando a ficar assustada.
Foi quando ouviram a voz fina e assustada de uma criança.
Natalia começou a chorar desesperada ao ouvir os gritos apavorados de
sua filha:
- Mamãe, por favor, me ajuda. Eu estou aqui, preciso de você.
Me ajuda. Está escuro aqui.
- Ela ainda não fez a travessia. Sinto muito, Senhora Vasconcelos,
ela está morta. Mas... acho que posso trazê-la de volta. – Disse Madame
Milleniun, eufórica.
13
- O quê? Você pode trazer minha filha de volta? Por favor, faça
isso. Traga-a de volta. – Dizia Natalia desesperada. A idéia de sua filhinha
ter morrido era inconcebível e ela estava quase enlouquecendo com isso.
- Tudo bem. Só que vai custar um pouquinho mais caro. É que
esse tipo de serviço...
- Não me importa o quanto eu tenha que pagar para ter minha
filha de volta. Eu pago o que quiser. – Disse Natalia histericamente.
- Ok. Senhores do Mundo dos Mortos, peço-lhes um sacrilégio.
Peço para que libertem essa alma inocente e que ainda pertence a este
mundo. Peço para que a tragam de volta para este mundo. Deixem-na
viva. Não a permitam que faça a travessia para o mundo dos mortos. Não
é o momento dela. Com todo o meu poder, peço para que me ouçam e
lhe dêem mais uma chance no nosso mundo material.
Enquanto Madame Milleniun dizia suas frases e súplicas, Natalia
notou que tudo estava mais escuro do que nunca, o frio era de matar e
um ar pesado tomava conta do lugar. Foi quando uma perna da mesa
onde estavam com as mãos dadas quebrou-se do nada com um estrondo
assustador.
Madame Milleniun assustou-se, dando um pulo na cadeira, mas,
continuou fazendo suas súplicas. Outra perna da mesa se quebrou,
fazendo-a desabar totalmente no chão. Madame Milleniun gritou
apavorada. Natalia afastou-se da mesa ainda com as mãos dadas e olhou
assustada para ela que estava apenas com um pé inteiro caída no chão se
retorcendo toda, como se ainda estivesse viva.
Para o espanto de todos, a lareira que estava totalmente
apagada soltou uma enorme labareda no ar, fazendo Madame Milleniun
cair para trás no chão, desfazendo o círculo. Terríveis sons de sussurros,
gritos e risadas abafadas todos ao mesmo tempo surgiram em todo o
cômodo, aterrorizando a todos. O frio tornou-se sufocante.
As luzes da sala começaram a ligar e desligar muito rapidamente,
apavorando a todos. Os livros da estante voavam por toda a sala. Os
vasos de plantas se espatifavam nas paredes, as mesas levantavam-se no
ar e iam em direção à tudo. Os três se abaixaram no chão, apavorados.
Natalia chorava assustada. Ronaldo estava pasmo e Madame Milleniun
gritava desesperada.
- Haroldo, pare já com isso. Está me assustando. Quando foi que
você pôs esses controles na casa? Pare já – Gritava ela.
Haroldo surgiu no corredor com uma aparência terrível, como se
tivesse muito assustado:
14
- Todos os controles da casa queimaram e a mesa da cozinha
está flutuando no ar, quebrando tudo ao ser redor. O que é isso? Vamos
embora daqui.
- O QUE ESTÁ ACONTECENDO AQUI? – Gritou Natalia apavorada
agarrada a seu marido.
- Não percebeu ainda, mulher tola. É tudo armação. Fizemos isso
para conseguir dinheiro seu e de seu marido idiota. – Gritou Madame
Milleniun histericamente.
- Então por que não param com tudo isso? – Perguntou Natalia
pasma.
- Não somos nós. Isso... isso é a casa. – Disse Haroldo assustado.
Parecia que a casa queria destruir a todos ali dentro. Muitos
móveis flutuavam no ar se espatifando nas paredes e querendo acertar
alguém.
Foi quando um grito terrível ecoou por toda a sala.
Tudo parou.
Os móveis caíram no chão com um estrondo enorme. O frio
diminuiu rapidamente e o ar se tornou respirável novamente.
Todos se levantaram e olharam uns para os outros. Então, se
deram conta de que Madame Milleniun havia sumido.
- Vasculhamos tudo em todos os cantos dessa casa, mas não
encontramos a tal Madame Milleniun. Mas, descobrimos que o
verdadeiro nome de Madame Milleniun era Carolina, e que ela era uma
farsante que junto com Haroldo, armavam um plano para arrancarem
dinheiro das famílias que sempre procuravam seus “filhinhos queridos”
que eles mesmos sequestravam. Era sempre assim. Primeiro eles levavam
o casal para a casa, faziam alguns truques com controles espalhados pela
sala, como os ventiladores que faziam um leve ruído, mas deixavam o
ambiente frio, as caixas minúsculas de som onde colocavam barulhos de
gemidos e o dispositivo que derrubava os porta-retratos no chão. Depois
colocavam uma gravação da criança seqüestrada para tocar, assustando
aos pais que pagariam mais para Madame Milleniun trazê-la de volta do
mundo dos mortos. – Disse o policial para o detetive Leon que estava
perplexo. Tem gente que faz de tudo para ganhar dinheiro.
15
- Mas, uma coisa que não entendo foi como fizeram para a mesa
ficar daquele jeito, e os objetos voarem por toda a casa. – Disse outro
policial intrigado.
- Foi... foi a casa. Eu estou dizendo. – Disse Haroldo, preso por
algemas e detido por outro policial.
- Cale essa boca, farsante. – Rugiu o detetive Leon. – Levem esse
seqüestrador para a cadeia. Depois encontraremos essa tal de Carolina, a
vulga Madame Milleniun. Vou falar com a moça ali.
O Detetive Leon caminhou com seu jeito estranho e chamativo
em direção à Natalia Vasconcelos que estava abraçada a seu marido
Ronaldo e à sua recém-encontrada filha, Julia.
- E então? Como está a menina?
- Ela está bem. Só um pouco assustada. – Disse Ronaldo feliz por
terem encontrado sua filha.
- Vocês conseguiram ver como ela fez aquelas coisas lá dentro da
casa? – Perguntou o detetive Leon com sua voz ranzinza de sempre.
O casal Vasconcelos olhou-se por um momento e depois
disseram juntos:
- Foi a casa!
- Hum! Outros loucos. Escutem, o que aconteceu lá dentro foi
tudo armação. A casa não fez nada. Deixem disso. Assombrações não
existem.
- Detetive Leon, e quanto à Madame Milleniun? O que houve
com ela? – Perguntou Natalia.
- Provavelmente fugiu. Mas, vamos encontrá-la. Ela deve pagar
pelo que fez.
- E quanto à coisa que tem no porão? Vai prender ela também,
policial? – Perguntou Julia inocentemente.
O detetive Leon deu-lhe um olhar insignificante e de desprezo e
disse com rispidez:
- Não há nada no porão, menina. E não sou policial. Sou detetive.
Entendeu?
- S-Sim. – Respondeu Julia de cabeça baixa.
Natalia olhou o detetive se afastar e fez-lhe uma cara de nojo.
Como podem existir pessoas desse jeito?
O Detetive Leon foi em direção à casa, acompanhado de alguns
policiais, pois, pretendia dar a ordem a eles de limparem a casa, pois,
daqui a 12 dias se mudaria uma família para ela. O que era uma ótima
notícia, pois, assim a casa ficaria livre de invasões desse tipo de gente. E
depois ainda dizem que cidades pequenas têm poucas coisas assim. Na
16
mente do Detetive Leon, o Brasil sempre teria gente querendo se dar
bem às custas dos outros.
Ao entrarem na casa, todos paralisaram no chão, totalmente
espantados. Todos os móveis estavam nos seus devidos lugares, ainda
inteiros e sem nenhum arranhão.
Do lado de fora, a casa da Floresta dos Carvalhos parecia sorrir
satisfeita.
17
2
Lucia se via parada
em meio a um enorme
corredor, sem saber o que
fazer, sem saber para onde
ir.
- Ed! – Gritou, não
obtendo nenhuma resposta.
- Mãe, pai! – O
grito ecoou ao longo do
corredor, compondo uma
melodia infernal.
Uma infinidade de portas eram vistas à sua frente e não se era
possível ver o fundo do aposento que parecia tomado pela escuridão,
engolindo-o à distancia. O medo tomou conta de Lucia, que se
encontrava ali, paralisada, em meio àquele corredor enorme, com seu
pijama fino e fragil, tremendo de frio, sozinha. Como ela havia vindo
parar ali?
Isso confirmava que Lucia era sonâmbula e que poderia gritar
durante a noite, como seu irmão sempre dizia. Ela caminhou até a porta
mais próxima e girou a maçaneta, mas, nada aconteceu, a porta estava
trancada.
Caminhou mais para frente e girou a maçaneta da porta do
quarto seguinte e sem sucesso, o mesmo acontecera, ou melhor, nada
acontecera. A porta também estava trancada.
Seu coração começou a disparar. Por que será que as portas
estavam trancadas? Uma sensação horrível cresceu em seu interior,
deixando-a apavorada. O corredor à sua frente parecia se alongar a cada
vez que Lucia olhava para seu fundo, se assimilando a garganta de um
monstro gigante que lhe engolia em meio às trevas e ao frio cortante.
Seus pés lhe levavam para mais fundo do corredor, os dedos
levando choques de frio a cada toque de seus passos no chão gelado e
18
duro, seus olhos se enchiam de lágrimas que lhe embasavam a visão
tornando seu caminho ainda mais obscuro.
Sem que ela percebesse, seus pés iam lhe levando mais
rapidamente para o fundo, iam mudando de velocidade. Sem perceber,
ela estava correndo feito uma louca no corredor interminável, suas
lagrimas esvoaçavam para trás, deixando seus cabelos cada vês mais
molhados e despenteados, ela estava deixando de pensar e estava
começando à falar, à gritar, à berrar pelo corredor a mesma frase.
- Onde estão todos, cadê todos vocês?
Foi quando ela parou de repente.
Sentia que algo se aproximava, simplesmente sentia. Olhou por
cima do ombro, sentindo aquela sensação estranha que sentimos na
espinha quando algo nos observa pelas costas e viu que, bem no fundo
do corredor, atrás dela, uma fina névoa se erguia em meio à escuridão
faminta que engolia o corredor.
O frio se intensificou ainda mais, o chão do corredor se tornou
úmido e exageradamente gelado, o ar ficou pesado, difícil de respirar. O
coração de Lucia disparou, pareceu ter subido pela garganta, ela sentiu
um insuportável gosto de sangue na língua, suas mãos tremeram muito e
ficaram mais geladas do que estava, suas pernas se tornaram tremulas e
frias, pareciam que iam dobrar a qualquer momento, fazendo com que
Lucia desabasse no chão, seus olhos se arregalaram tentado ver algo na
escuridão. Ela procurava alguma reação, alguma ideia, mas
simplesmente, não conseguia pensar, seus ossos doíam incansavelmente,
deixando-a a beira da loucura. Ela não sabia o que fazer. Notou que
nenhum som era ouvido, o silencio era absoluto e a nevoa à sua frente
tornada o que era negro e escuro em branco e angustiante, avançando
cada vez mais em direção à garota.
Seu pescoço se virou automaticamente para trás, juntamente
com seu corpo, e seus olhos arregalados tiveram uma medonha visão. Do
outro lado do corredor, onde a névoa pálida e grossa já havia dominado
tudo, algo se levantava, se materializava em meio àquela neblina.
Lucia viu que algo totalmente negro e que se assemelhava à
fumaça começava a surgir entre a nevoa, formando uma enorme massa
de negrume no ar, que parecia ganhar consistência e forma. Então, um
som de respiração forçada ecoou por todo o corredor e eis que surge em
meio aquela sombra bizarra algo que aterrorizou a garota. Um psicótico e
ameaçador par de olhos tremendamente vermelhos que pareciam brilhar
em entre aquele que parecia ser seu corpo feito de trevas, destacando-se
de forma apavorante.
19
Foi quando ele encarou Lucia profundamente.
Um pânico inevitável invadiu todo o corpo da garota, temendo
pelo o que lhe poderia acontecer.
Ouviu-se então o choramingar de Lucia que se transformou em
horríveis berros de pavor. Dominada pelo pânico a garota se viu correndo
o mais rápido que podia sem saber para que direção estava indo, apenas
correndo, tentando fugir do medo, tentando fugir daquilo que a encarava
furiosamente.
Ela notou então que segurava uma lanterna, não sabia de onde
ela tinha surgido, mas, o caminho à sua frente se iluminou pelo fino feixe
de luz que o aparato emitia a sua frente. O corredor já não tinha mais
nenhuma porta, nenhuma janela, ele estava completamente limpo e mais
interminável do que nunca, se estendendo constantemente como se
crescesse a casa passo acelerado de Lucia, que corria desesperada pelo
cômodo infinito. A coisa às suas costas avançava ligeiramente, flutuando
no ar coberto de neblina, cada vez mais próximo da garota, os olhos
vermelhos totalmente fixos em seu alvo e uma aura aterradora ao seu
redor, deslizando pelo ar em uma velocidade sobrenatural.
Lucia corria desesperadamente, a toda velocidade tentando se
safar daquilo que a perseguia e começou a sentir o chão sob seus pés
começar a ficar escorregadio. Algo grosso e viçoso começava a cobrir
todo o piso que começou a mudar de cor, antes em tons marrons da
madeira velha e agora em vermelho vivo e chamativo.
Era sangue.
Todo o piso estava coberto por sangue.
O medo em Lucia crescia cada vez mais ao ver que seu horror
não tinha fim. Aquele ser lhe perseguindo estava cada vez mais próximo,
o frio estava lhe atrasando, as pernas doíam de tanto correr naquele
corredor sem fim que se estendia cada vez mais e mais e o chão agora
estava mais escorregadio do que nunca com todo aquele sangue o
banhando de forma horrenda.
Enquanto a garota corria, começou a notar que a neblina
começava a se dissipar e que o corredor à sua frente parecia aos poucos
se transformar em outro cômodo, algo mais rustico, mais simples e
obscuro. Lhe parecia com as paredes de um porão escuro e mofento.
Lá, “ele” não pode me pegar. Não pode me pegar. Não pode me
pegar.
Enquanto pensava, ela choramingava cada vez mais alto,
correndo em direção à escada, sua única salvação. Ao chegar nela,
desceu-a rapidamente e só parou quando estava no chão. Mas, isso
20
deixou Lucia em estado de choque, ela não saíra na sala de estar, ela
acabara de entrar no porão. As caixas estavam jogadas pelo chão e os
móveis haviam sido arrastados para um canto do porão, para limpar
espaço.
Por que os móveis foram arrastados?
Por que há esse espaço vazio no chão?
No local vazio, havia, traçado no chão, um símbolo estranho que
ela não conseguiu reconhecer naquele momento, em cada ponta do
símbolo havia varias velas já acesas, e no centro, havia uma vasilha com
coisas que Lucia não acreditava ser o que estava vendo.
Parecia que era sangue e havia em meio a esse sangue... olhos...
olhos humanos.
Um baú de livros, que Lucia suspeitou ser de magia negra, estava
escancarado bem ao lado do símbolo, os livros estavam jogados pelo
chão e abertos.
__ Lucccciaaaa...
Esse sussurrar fez com que o coração de Lucia gelasse, ela
paralisou no chão sem saber o que fazer. Foi quando sentiu uma mão em
seu ombro. Uma mão fria como o sopro da morte, segurando e
penetrando-a profundamente eu seu ser que se via paralisado diante de
tal toque.
Um grito agudo se fez ouvir e Lucia percebeu que tal som vinha
de sua garganta que doía ao produzir tal som com tanta força e pavor.
As cobertas se enrolavam em seu corpo, deixando-a confusa. Ela
então abriu os olhos, retirou o peso de seu rosto e percebeu que se
encontrava em sua cama.
Foi tudo um pesadelo.
- Você acha que é fácil dormir com você gritando a noite toda?
Tá doida é? Não posso com isso não Lu, estou em fase de crescimento,
preciso ter uma noite longa de sono. Isso vai acabar me deixando
baixinho e magrelo para sempre. – Resmungava Eduardo, o irmão mais
novo de Lucia e caçula da família Fernandes.
O dia já havia raiado e todos da casa já estavam se organizando
para o dia da mudança, que havia começado em meio à um vento forte e
frio e uma chuva grossa e insistente que não passava a algumas horas.
21
Todos estavam ansiosos para se mudar de casa, afinal, não era
todo dia que seu pai herdava uma casa da falecida, e desconhecida, digase de passagem, tia-avó que ninguém sem lembrava de ter conhecido em
vida. E isso ainda não era o melhor, a residência que eles haviam ganhado
era uma verdadeira mansão, um casarão localizado perto da saída da
cidadezinha de Vale Negro, distante de todo o movimento de onde eles
moravam, em um lugar tranquilo, seguro, sossegado e muito bem
valorizado. Diziam que as casas daquela região eram da classe rica do
município.
Quem não iria ficar animado em morar em uma residência
dessas?
Bom, uma pessoa não ficou. E essa pessoa é justamente a filha
mais velha da família Fernandes, Lucia, que desde o primeiro instante que
soube do presentinho que seu pai ganhou, já ficou toda queixosa.
Primeiro que ela teria que morar longe de seus amigos de escola e
segundo que ela sabia muito bem da fama que aquela casa tinha. Todos
da cidade diziam que a Casa da Floresta dos Carvalhos era mal
assombrada.
E o mais engraçado é que esse fato deve o efeito contrário no
irmão mais novo de Lucia, o pequeno Eduardo, carinhosamente
apelidado de Ed. O garoto vivia contando para todos os coleguinhas de
classe que iria morar em uma casa assombrada, que dormiria com
fantasmas, que andaria pelos corredores que caminham os mortos e
coisas do tipo. Típico de crianças com a mente fértil.
Eram apenas cinco e meia da manhã e a família já estava de pé,
arrumando as malas para a mudança. Lucia organizava seus pertences do
mais lentamente que podia, tentando, em vão, postergar sua mudança
para anova residência. Bem lá no fundo, algo não a deixava tranquila. E
não era o falatório da vizinhança não. A casa realmente parecia ter
alguma coisa estranha e que Lucia havia percebido desde o primeiro
momento que olhou a casa pela primeira vez. Ela nem quis entrar dentro
para poder ver os cômodos. Alguma coisa a incomodava.
Bom, é melhor esse incomodo passar logo, pois vou morar nessa
“Mansão da Família Addams”. Pensou Lucia enquanto arrumava seus
livros.
Lucia pegou alguns livros que estavam dentro de seu guardaroupas e os guardou dentro da mala onde se encontrava sua enorme
coleção de livros dos mais variados gêneros literários. Já, Eduardo se
empenhava em juntar sua coleção de revistinhas em quadrinhos, que
também era uma coleção notável, entre elas se encontravam os maiores
22

Documentos relacionados