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Origens do direito de asylum nas ecclesiae primitivas: O problema do asilo junto a estátuas de imperadores romanos Marcos José de Araújo Caldas ______________________________________________________________ Doutor em História Antiga, Letras Clássicas e Literatura Iberoromânica pela Universidade de Bonn. Professor Associado I de História Antiga e Teoria da História. IM\UFRRJ. E-mail: [email protected]. ______________________________________________________________ Resumo. O direito de asylum eclesiástico nos remete a uma prática com extensa tradição histórica cuja origem remonta a uma época anterior a Igreja primitiva. Este artigo tem por objeto realizar algumas reflexões sobre o instituto do asilo primitivo, apresentar como hipótese o uso do ius imaginum romano, como uma das fontes para a compreensão das origens do asilo nas ecclesiae primitivas. ______________________________________________________________ Abstract. The Ecclesiastic Law of asylum refers to an ancient custom with a long historical tradition which roots date back to a time earlier than the ancient church. This article intents to set down thoughts about the ancient Asyl Law and presents the use of the roman ius imaginum as one of the sources to understanding of the rise of asyl’s right in early Churches. ______________________________________________________________ Palabras chave. Asilo; Igreja Primitiva; Religião Romana; ius imaginum. ______________________________________________________________ Key words. Asyl; Early Church; Roman Religion; ius imaginum. ______________________________________________________________ Até fins da década de 70, o asilo eclesiástico figurava entre as práticas vigentes legalmente no Código de Direito Canônico de 1917 (CIC, §1179), 6 mas com a entrada em vigor do novo Código, promulgado em 1983, o direito de Asilo foi suprimido; não obstante, segue sendo uma prática Igreja Católica, embora seja reconhecido pelo atual direito canônico1. Com o desenvolvimento do Estado Moderno as igrejas perderam progressivamente a tradicional imunidade e a capacidade de outorgar indultos à margem da legislação secular, ainda que a Igreja, nos países europeus, continue acolhendo refugiados em busca de asilo2. O número de pessoas que buscaram asilo na Europa nos últimos é impressionante: para se ter idéia da tragédia humana em curso, desde o início da crise na Síria, cerca de 2.800.000 (dois milhões e oitocentas mil) pessoas buscaram refúgio na Europa, mas apenas 96.000 (noventa e seis mil) alcançaram o continente Europeu em 20143. Esta é uma prática que causa frequentes disputas e tensões entre a Igreja e o Estado em numerosos países pois várias igrejas procuram acolher imigrantes a despeito da legislação de seus respectivos Estados ou mesmo em franco descumprimento à legislação da União Européia. Em alguns casos ocorridos na Alemanha, padres paroquianos recebem imigrantes à margem da legislação, e o fazem de modo velado omitindo informações a seus superiores a respeito do acolhimento de imigrantes, ou, como ocorre frequentemente, à pessoa que exerce a autoridade eclesiástica em uma Igreja é sugerido não informar à comunidade local sobre a presença de um asilado, o que demonstra a tensão no que diz respeito ao direito de Asilo disputado entre a Igreja e o 1 No novo Código de Direito Canônico os capítulos dedicados aos lugares e tempos sagrados (De loci et temporibus sacris) se encontram no livro IV, parte III, Titulo I, §§1205-1213, não há menção do direito de asilo como no CIC de 1917 (Cf. Retzbach, 1953, 254). 2 Não há números exatos mas se calcula que cerca de 43,3 milhões de refugiados pediram asilo em 2009. Dados da Agencia da Organização das Nações Unidadas ONU para refugiados. Disponível em: http://www.unhcr.at/navigation-oben/presse/einzelansicht/article/31/unhcr-weltfluechtlingsstatistik-2009433-millionen-auf-der-flucht.html?PHPSESSID=e39d3d79c470ee0bb597c99623bce2b5 3 http://www.amnistiainternacional.pt/files/Relatoriosvarios/SOSEurope_HumanCostOfFortress_Europe_Report.pdf. Pg. 06 7 Estado.4 Na França foi constituída uma comissão episcopal para tratar do tema, com importantes avanços para a Igreja5. O asilo eclesiástico já aparece no Codex Theodosianus (CTh. IX, 44 y 45 sqq.) promulgado por Theodosio II (408-450 d.C.) e confirmado no Codex Iustinianus (527-565), embora tenha sido somente instituído, quer dizer considerado um Instituto pela Igreja, no Concílio de Orleans (511 d.C.) sob Clodoveo I (466-511), e na ocasião dizia respeito diretamente ao espaço (local) de refúgio do asilado, comprendendo não apenas o interior do recinto sagrado (espaço da Igreja), mas também seus arredores6. Para muitos autores modernos, o asilo sagrado remonta à tradição bíblica, onde já está presente no Antigo Testamento (Ex 21, 13-14, Núm. 35, 9-34, Dt.19 1sqq, 1Rs 1, 50; 2, 28-34 y Js 20, 1 sqq.), passando diretamente ao âmbito da Igreja no período theodosiano em 392 d.C. (C. Th. 1, IX, tit. XLV, 1; UNDABARRENA, 1997, p. 209-232)7. Depois de um grande desenvolvimento durante a Idade Média, sobretudo em territórios de maior influência romana, o direito de asilo foi fixado como uma prerrogativa da Igreja ante o poder do Estado. O Instituto jurídico do asilo eclesiástico teve uma participação efetiva na construção do 4 Disponível em: http://www.kirchenasyl.de/ Wird ein »Kirchenasyl« öffentlich gemacht? Ein öffentlich gemachtes »Kirchenasyl« wird in der Regel den Schutz der Betroffenen vor staatlichem Zugriff verstärken und darüber hinaus Mängel im Asylverfahren und Asylrecht verdeutlichen. Deshalb ist es wichtig, mit dem »Kirchenasyl« an die Öffentlichkeit zu gehen. Im Einzelfall aber kann es sinnvoll sein, sich für ein »stilles Kirchenasyl« zu entscheiden, das erst nach Beendigung mediale Aufmerksamkeit erlangt. In jedem Fall aber ist ein »Kirchenasyl«, ob öffentlich oder »still«, den Behörden bekannt zu machen. (grifos meus) 5 Disponível em: http://www.eglise.catholique.fr/conference-des-eveques-de-france/textes-et-declarations/lesenjeux-de-la-reforme-du-droit-dasile-.html. 2003. 6 CONCILIA – CONCILIA AEVI MEROVINGICI (CAM) – T.I. recensuit. F. Maassen. Concilium aurelianense. a. 511, Iul. 10 (CA). In: MONUMENTA GERMANIAE HISTORICA (MGH) inde ab anno Christi quingentesimo usque ad annum millesimum et quingentesimum. Hannover: Ed. Societas Aperiendis Fontibus rerum germanicarum medii aevi. Legum Sectio III Concilia. Tomus I. 1893. §§ 1-3. A grande inovação deste concilium não é tanto o abrigo da Igreja ao suplicante e as proibições de violação do recinto sagrado, pois estas existiam também previstas no Codex Theodosianus, mas antes as sanções contra os que violassem quaisquer normas dispostas, tais como a obrigação de afastar-se da comunidade católica e não poder receber os sacramentos da Igreja. 7 . Numeros 35:11 H¡L¥W¦N I¤X¡R (cidades de refúgio). Não se trata exatamente de um espaço de asilo e sim de um local para ocultar-se de crimes de sangue como, p.ex., homicídio. 8 Direito Internacional Moderno cristalizada na noção sine vi, sed verbo (sem violência mas antes com a palavra) (HOLZ, 1998, passim.). Não obstante e sem menosprezar a existência de uma tradição veterotestamentaria incontestável, o direito de asilo eclesiástico tem também fortes raízes na tradição pagã, mais exatamente greco-romana e, posteriormente, visigótica (OSABA, 2006, p. 299 – 322). A presença do direito de asylon em santuários e templos está documentada no mundo grego desde a época arcaica, quando se garantia a inviolabilidade do recinto sagrado (BELLONI, 1984, p. 164-180; DREHER, 1996, p. 79-96; LANDAU, 1994, p. 47-61). Delinquentes de toda sorte, fugitivos da justiça, escravos, devedores, estrangeiros ali domiciliados buscavam refúgio e asilo em templos e santuários gregos. No mundo romano, a prática do asilo está presente no mito de fundação da cidade de Roma por Rômulo e em inscrições desde o período helenístico, até a época da influência romana na Ásia Menor (T.Liv. ab urbe condita I, 8,5). O termo latino asylum procede da palabra griega a)/suloj, -on (asylos, -on), mas em latim é um substantivo, ao passo que em grego se classifica como um adjetivo; ou seja, trata-se de uma condição - supostamente temporal - de um suplicante em busca de refúgio. Há, no entanto, um substantivo em grego que pode aplicar-se a condição de asilado: h( a)suli/a (he asylia) ou a inviolabilidade, a imunidade, o princípio que acompanhará o protegido de seus detratores (DREHER, 1996, p. 80). Os romanos conheceram o direito de asylia grego já no período helenístico. Quando os romanos penetraram no leste, nas províncias da Ásia Menor, pouco a pouco se fez presente a instituição do asilo. Apesar disso, o costume da inviolabilidade do asilo ou as leis sagradas que protegiam os santuários não evitou o assassinato das tropas romanas no santuário de Apolo 9 em Tanagra, durante o conflito militar com os selêucidas (192 a.C.). Tito Livio em sua Historia de Roma rememora, com um ar de protesto, a sorte das tropas romanas, já que o lugar gozava do status de asylia. Templum est Apollinis Delium, imminens mari; quinque milia passum ab Tanagra abest; minus quattuor inde milium in proxima Euboeae est mari traiectus. Ubi et fano lucoque ea re(ligione) et eo iure sancto quo sunt templa quae asyla Graeci appellant. (TITI LIVI – ab urbe condita, XXXV 51, Sttutgart 1991) « Delio é um templo de Apolo situado sobre o mar; dista cinco milhas de Tanagra, e a partir daí até a costa de Eubea mais próxima há uma travessia de menos de quatro milhas por mar. Ali (se encontram) o templo e o bosque sagrado, lugares protegidos pelo caráter religioso e o direito dos santuarios que ampara os recintos chamados ‘asilos’ pelos gregos». (T.LIVIUS – ab urbe condita, XXXV 51, Stuttgart, 1991.). Porém situações como estas são excepcionais e não correspondem à tradição grega helenística. Uma razão comum para a concessão de asilo no período helenístico era a ameaça constante contra as poleis (cidades-Estados) gregas, por toda uma série de estados piratas (DREHER, 1996, ibidem ; van BERCHEM, 1960, p. 21-33). Estas cidades buscavam proteger o comércio de mercadorias e eran amparadas pela segurança jurídica intergovernamental, ao garantir às cidades envolvidas e as seus respectivos cidadãos o direito de asylãn ("não arrancar por força" o “não tirar"), quando o assunto eram os estrangeiros (STENGEL, 1896, p. 181-186). A crença de que aquele que violassem a lei sagrada do templo seriam castigados pela ira do Deus local, manteve-se viva ao longo de toda la antigüidade (MORANI, 1983, p. 19-32). A fórmula grega hieros kai asylos ("sagrado e inviolável") se encontra frequentemente em decretos de asilo (STENGEL, 1896, ibídem; DREHER, 10 1996, ibidem). A adjudicação do asilo, assim como de outros privilégios, na cultura grega, era por este motivo, uma ferramenta de política de poder, com a qual alguns estados buscavam lograr um grau de imunidade - ao menos para seus santuários - e um reconhecimento oficial ante um poder mais forte (PRICE, 1984, p.191-206; BELLONI, 1984, p. 164-180). Uma manifestação particular do direito de asilo é aquela que se praticava junto às estátuas dos imperadores romanos. Uma prática que nos obriga a aprofundar duas questões. A primeira se refere ao processo de desenvolvimento histórico do direito de asilo a partir de sua origem grega; a segunda, o antigo costume do uso de imagens imperiais como objeto de culto. Questões que contam com abundante bibliografía (BELLONI, idem; DREHER, 1996, ibídem; LANDAU, 1994, p. 47-61) e que têm grosso modo sido tratadas a partir três perspectivas diferentes: A) De uma perspectiva jurídica: Em particular os historiadores-juristas, especialmente italianos, se inclinam a analisar a concessão do asilo, na antiguidade, sob as estátuas do imperador, como um conflito entre o direito civil e, em especial, o direito costumeiro, e a realidade histórica. É uma opinião comum entre estes que a elite recorreu, em situações de emergencia, a common law, quer dizer, às leis antigas para garantir e manter seu poder (BRUCK, 1949, p. 1-25; BRUTTI, 1973, p. 536-559; GIOFFREDI, 1946, p. 187-191; MANFREDINI, 1986, p. 39-58). B) A partir de uma segunda perspectiva, a dos estudos religiosos, alguns investigadores da religião romana afirmam que o ponto central no direito de asilo é um problema de divisão entre o direito sagrado e o secular. Com a 11 expansão romana em direção ao oriente, a partir do século III a.C., cultos orientais foram importados, o que se traduziu em importantes mudanças nos valores e referências da população romana. O período romano ‘imperial’ é visto como uma fase de restauração destes velhos valores, que favoreceram os conflitos entre as diferentes culturas do Imperio Romano (FALK, 1979, p. 318-319; LANDAU, 1979; p. 319-327; WIßMANN, 1979; p. 315-318)8. C) A partir de uma perspectiva histórica que considera que o direito de asilo era um mero pretexto para os intereses econômicos. Para muitos ‘scholars’ as representações imperiais em imagens de césares serviram aos grupos de poder local, na Grécia e na Ásia Menor, para manter as relacões "diplomáticas" com Roma com o objetivo de garantir seu status quo e desta maneira manter a estabilidade do comércio local (BELLONI, 1984, p. 172-173; van BERCHEM, 1960, p.21-23). Theodor Mommsen em seu livro sobre o direito penal romano assinala que a expressão asylia na época republicana não tinha um uso comum e que, inclusive, no período imperial, teve um uso muito restrito. Afirma o erudito alemão: “O direito romano conheceu a paz dos templos, ou seja uma inviolabilidade especial reconhecida a casa de Deus e a tudo o que nela se encontrasse; assim, se compreende a circunstância por meio da qual o roubo dos templos, o sacrilegium, era condenado com uma pena maior do que aquele de casas particulares e aquele das casas da comunidade. Não obstante, a extensão dos asylia à proteção da pessoa ante o poder penal, quer 8 Segundo T. Liv. Ab urbe condita I, 8, 4-7 se encontra já o asylum na fundação da cidade de Roma. 12 dizer, a não permissão de deter um culpado enquanto permanecesse em lugar sagrado, foi um abuso provocado pela constante insegurança jurídica da política grega; abuso em que não incorreu a República romana" (MOMMSEN, 1899 [1955], p. 458-459)9. De fato, o primeiro caso de asilo junto a uma estátua foi documentado no ano de 42 a.C., no templo do Divus Julius (Júlio divino) em Roma (PEKÁRY, 1985, p. 107-115, 130-131). Alguns autores modernos crêem, no entanto, que o Senado romano, anteriormente, no ano de 73 a.C., já havia tido a necessidade de enfrentar uma questão similar para o santuário de Didyma em Mileto, na Ásia Menor (Orientis Graeci Inscriptiones Selectae OGIS 473; DREHER, 1996, p. 92; WEINSTOCK, 1971, p. 241-249, 391-413). Em todo caso parece seguro que o direito de asilo junto a imagens de césares, isto é, de imperadores romanos, se introduziu mais tarde, quiçá entre os anos 43-42 antes de Cristo. Sobre estes fatos, o culto ao imperador morto, praticado largamente em todo o imperio, também merece um breve comentário (FISHWICK, 1987, Vol. p. 1, 56-82, 150-168 y Vol. II 1, 388-396, PEKÁRY, 1985, 107-115 y 130-131; WEINSTOCK, 1971, passim). O Asilo era um elemento essencial da nova ordem política conhecida como Principado, o qual será fundado por Augusto em 27 a.C. O ponto de partida foi deificação de Júlio César no ano 42 a. C., a primeira deificatio que se tem notícia, quando um defunto romano 9 MOMMSEN Th., Römisches Strafrecht, Darmstadt 1955, unveränd. photomechan. Nachdr. d. Ausg. Leipzig, Duncker Humblot, 1899. - Graz: Akad. Dr.- u. Verl.-Anst.,1955. pp. 458-459.“Den Tempelfrieden, die besondere Unverletzlichkeit des Gotteshauses und alles dessen was in demselben sich befindet, kennt das römische Strafrecht wohl insofern, als die Beraubung des Tempels, das sacrilegium schwerer geahndet wird als diejenige des bürgerlichen und des Gemeindehauses; aber die Ausdehnung dieser asylia auf den Schutz der Person vor der Strafgewalt, die Unzulässigkeit der Verhaftung eines Angeschuldigten, so lange er in dem Heiligtum verweilt, ist ein durch die dauernde Rechtsunsicherheit der griechischen Politien hervorgerufener Missbrauch, von dem die römische Republik sich frei gehalten hat“ 13 foi inscrito como um divus. A partir de então, com o culto imperial, e com crescente autoridade do princeps, se associará a instituição do asilo. Aqui é o momento em que o IUS IMAGINUM, quer dizer, o costume das grandes famílias romanas de venerar os antepassados, se estabelece e se mantém nos funerais públicos. Porque, apesar de o ius imaginum ter sido um privilégio quase exclusivo da nobleza, - ao menos da nobreza curulis (curul - cargo dos magistrados superiores como os cônsules, pretores, os mais altos edis, censores, ditadores)-, também temos documentada a adoração de retratos e estátuas de políticos populares para os populi Romani. A este respeito se pode ver o exemplo do praetor para o ano 85-84 a.C., Marcus Marius Gratidianus, relatado por Sêneca no livro De ira, ou por Cícero no De officiis (CRAWFORD, 1968, p. 1-4; BLANK, 1983, p. 536; ROLLIN, 1979, p.94195). -M. Mario, cui vicatim populus statuas posuerat, cui ture ac vino supplicabat (...). -“M. Mario a quem o povo havia erigido estátuas em todas as ruas, a quem se fazia súplicas com incenso e vinho” (Sêneca, de ira, III 18). -Et ea res, si quaeris, ei magno honori fuit; omnibus vicis statuae, ad eas tus, cerei; quid multa? Nemo umquam multitudini fuit carior. -“Não há dúvida de que isto lhe serviu de grande glória. Em todos os bairros levantaram para ele estátuas, e diante delas queimavam incenso e cera, e não houve jamais homem mais amado pelo povo” (Cícero, de officiis, III, 20, 80)10. Para a nobreza era particularmente importante, com consequências sociológicas e políticas, o ius imaginum. A procissão com as imagines 10 .Tradução de D. Manuel Blanco Valbuena. http://www.archive.org/stream/losoficiosdecic00cicegoog#page/n8/mode/1up Diponível em: 14 maiorum (as imagens dos ancestrais) foi um excelente meio de propaganda para a classe alta. A presença das representações dos familiares defuntos de grandes famílias se interpretava como uma reaparição destes (redivivus) na vida pública romana, consolidando, assim, seu papel como legítimos ancestrais (maiores) da comunidade ante o povo de Roma (BLANK, 1983, ibídem; PEKÁRY, 1985, 107-115, 130-131). As imagens, bustos e estátuas foram, na Antigüidade, veneradas em muitas localidades. Era, pois, um costume popular muito conhecido. Mas só através da consagração (consecratio), as estátuas eram objeto de culto. A consecratio e a dedicatio eram noções próximas e em alguns casos complementares. Segundo G. Wissova, a consecratio era "a transferência válida e permanente de uma coisa ou de uma pessoa, da esfera da lei do ‘ius humanum’ até a do ‘ius divinum’, que tem por conseqüência sua classificação na categoria do sacrum. A ‘consecratio’ foi também no período imperial um dispositivo cada vez mais freqüente" (WISSOWA, 1900, p. 896). Pelo ato da dedicatio o oficiante do culto devia entregar um votum a uma divindade. Para que isso pudesse ocorrer, as estátuas eram decoradas e limpas, oferecendo-lhes comida, presente e mesmo moedas, No último período imperial era considerado delito de lesa-majestade -crimen maiestatisa ação de fundir, causar dano ou vender estátuas consagradas ao imperador (C. Th. 9, 23, 1).11 Após a consagração e a dedicação, as estátuas, agora residência dos deuses, poderia "fazer milagres", tais como mover-se, curar, chorar, suar etc. Segundo Andreas Alföldy, durante o último século da República o ius imaginum foi perdendo importância em Roma, mas, ao mesmo tempo, ganhou notoriedade entre os romanos fora da Itália, em especial no exército: os 11 C.Th. 9, 23, 1. 15 soldados portavam os retratos de seus generais rodeados por símbolos de felicidade e salvação (ALFÖLDY, 1970, p. xiii). Não obstante, podemos afirmar que a simples existência de velhos costumes na época da expansão romana em direção ao oriente não foi suficiente para manter o direito de asilo tradicional, já que desde aquele momento houve uma mudança definitiva dos valores tradicionais (mos maiorum). Os velhos hábitos e valores foram se transformando e se adaptando aos novos tempos. O direito de asilo se modificou, incorporando agora as imagens dos Césares e não apenas o templo ou o bosque sagrado como em épocas anteriores. Com a instituição da consecratio, após a morte do Imperador -uma decisão privativa do Senado romano-, suas estátuas adquiriam o mesmo caráter que outros objetos sagrados. Apenas um ano e meio depois de sua morte, em janeiro de 42 a.C., César foi elevado pelo Senado romano e pela assembléia da plebe ao panteão dos deuses e Octavio, seu filho adotivo, aproveitou políticamente de sua posição como tal para ganhar legitimidade perante o senado romano. Em razão do fato de que César tornara-se um divus (um ser divino, mas não um deus), Octavio (40 a. C.), filho do agora divus César, se converteu assim imediatamente em Divi Filius, ‘filho do divino’. (FISHWICK, 1987, Vol. I p. 11, 56-82, 150-168 y Vol. II, 388-396; WEINSTOCK, 1971, p. 399). Os Divi Imperatores (imperadores divinos) têm agora em comum com os nobiles mortos, a circunstância de que a pessoa falecida fica ao serviço da ideologia política em curso e favorece com isso a propaganda imperial. Octavio Augusto utilizou claramente sua circunstância de Caesar Divus Filius (filho do divino César) em sua luta por construir sua propia posição política. Na ideologia política do principado os mortos reapareceriam com força e pujança. Agora eran muito mais poderosos do que nunca haviam sido como 16 nobiles mortos. Os Césares (imperadores) mortos eran agora os Divi Imperatores: eram elevados a categoria de quase deuses. O respeito à Tradição e à Religião era, de fato, uma característica essencial na época de Octavio e o título Divi Filius caesar foi um passo importante nessa direção, uma vez pertencia a tradição mais antiga e com grande alcance entre as classes sociais, e permitiu a Augusto (Octavio) estabelecer uma nova orden baseada em velhos valores, enquanto, ao mesmo tempo, outros desapareciam lentamente. O direito de asilo nas estátuas dos Césares, e também o valor do asylon no templo grego, se convertiam, desta forma, nos dois gumes de uma mesma espada: de uma parte o ius imaginum, e de outra o asylon. Estes são os dois elementos que encontramos no livro As Instituições de Gaio : “Sed et maior quoque asperitas dominorum per eiusdem principis constitutionem coercetur; nam consultus a quibusdam praesidibus prouinciarum de his seruis qui ad fana deorum uel ad statuas principum confugiunt, praecepit ut, si intolerabilis uideatur dominorum saeuitia, cogantur seruos suos uendere. (GAIUS, INSTITUTIONES, I 53). “Não apenas, mas também a maior aspereza dos senhores foi restringida por outra constituição deste mesmo Imperador [Antonino Pío]; pois ele havia sido consultado por alguns Governadores de Província a respeito de escravos que haviam fugido para templos de deuses e estátuas do Imperador, e ordenou que se a crueldade dos senhores parecesse intolerável, eles deveriam ser compelidos a vender seus escravos.” 17 Por último, um fato também digno de menção é que séculos mais tarde, no Codex Theodosianus (438 d. C.) se cristalizou este processo, que é considerado como a síntese da velha lei de Asilo. Mais do que uma “compilação legal do direito imperial e da norma jurídica geral” (MAYERMALY, 1979, p. 1237-1238), o direito de Asilo no Codex mostra a força das tradições antigas. Não menos digno de referência, contudo, é a menção do direito de asilo na Igreja no mesmo Codex (CTh.9.45.0 y sqq. De his, qui ad ecclesias confugiunt). É fácil sentir e saber que a lei da Igreja e dos lugares santos de ius antiquum (direito antigo) já se fazem presentes. A partir de então, vislumbra-se no horizonte da Idade Média outra lei sagrada (C.Th.9.45.0.sq). 12 XLIIII. DE HIS, QVI AD STATUAS CONFVGIVNT VT et rel. – iust. 1, 25 C. Th. IX, 44, 1 (386 Iul. 6). IMPPP. VAL(ENTINI)ANVS, THEOD(OSIVS) ET ARCAD(IVS) AAA. CYNEGIO P(RAEFECTO) P(RAETORI)O: Eos, qui ad statuas vel evitandi metus vel creandae invidiae causa confugerint, ante diem decimum neque auferri ab aliquo neque discedere sponte perpetimur; ita tamen, ut , si certas habuerint causas, quibus confugere ad imperatoria simulacra debuerint, iure ac legibus vindicentur; sin vero proditi fuerint artibus suis invidiam inimicis creare voluisse, ultrix in eos sententia proferatur. DAT. PRID.NON. IVL. CONSTANTINOP(OLI) HONOR(IO) N.P. ET EVOD(IO) V. C. CONSS. Dos que se refugiam nas estátuas 12 CTh.9.45.0.sqq. De his, qui ad ecclesias confugiunt. 18 “Imperadores Augustus Valentiniano, Theodosio e Arcadio a Cinegio, prefeito do pretório. Aqueles que se refugiam nas estatuas dos imperadores, seja com o objetivo de evitar o perigo (medo), seja por criar hostilidade, não pode ser levado à força (arrancado do lugar) antes do décimo dia por qualquer pessoa, nem admitimos afastar-se por sua própria conta. Da mesma forma que se estas pessoas tiverem causas justas pelas quais tiveram que fugir para as estátuas dos imperadores, eles serão protegidos por leis e estatutos. Mas se também for revelado que eles desejaram por artimanhas criar hostilidades contra seus inimigos, que seja proferida contra eles uma sentença vingadora. Dado na véspera da nona de Julho (dia 6 de Julho) em Constantinopla, no ano do Consulado do Imperador nobilíssimo designado Honório e de Evódio homem ilustríssimo Conclusão: No período imperial o direito de asilo reconhecia outras classes de refugiados, que buscavam asilo ao pé das estátuas dos césares ou junto aos templos dos deuses (FISHWICK, 1987, Vol. I 1, 56-82, Vol. II. 1, 388-396; PEKÁRY, ibídem; WEINSTOCK, idem). Em muitos casos, no período imperial romano o direito de asilo concedido em templos (como faziam os gregos) ou em estátuas e imagens (ius imaginum) dedicadas ao culto imperial, poderia sobrepor-se ao direito da autoridade local e até provincial ou ainda sobre o direito familiar (ROMAN, 2003, p. 349-361; CRAWFORD, ibídem; BLANK, idem; ROLLIN, idem). A justaposição de varias tradições revela 19 uma concepção distinta do poder do Imperador que respeitava a inviolabilidade do recinto sagrado. A hipótese deste trabalho foi apontar as contribuições decisivas da experiência grega com relação ao asilo político e a influência do ius imaginum para a construção do direito de asilo eclesiástico, demostrando assim que el espaço de asilo não se restringia, ao menos ideológicamente, ao poder da autoridade ad hoc, ou seja com fins específicos Por outro lado, o direito de asilo in situ era considerado como un ‘espacioausente’ daquele do poder imperial e, mais tarde, eclesiástico, em províncias distantes de Roma; condição que, por mais incrível que possa parecer, era necessária ao domínio do poder central. Bibliografia ALFÖLDY A., Die monarchische Repräsentation im römischen Kaiserreiche, Darmstadt 1970, p. XIII. BELLONI G.G., ‚Asylia‘ e santuari greci dell’Asia Minore al tempo di Tiberio, in SORDI M. (Hg.), I santuari e la guerra nel mondo classico, Milano 1984, p. 172-173; Van BERCHEM D., Trois cas d’asylie archaïque, in ‘Museum Helveticum’ 17, 1960, pp. 21-33. 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