ENQUADRAMENTO JURÍDICO DO "SOFTWARE" UMA

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ENQUADRAMENTO JURÍDICO DO "SOFTWARE" UMA
Clovis Silveira,
CREA 22270/D
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO DO "SOFTWARE" UMA ABORDAGEM HISTÓRICA, CRÍTICA
E PRÁTICA
Direitos autorais de Clovis Silveira - reprodução autorizada contanto que citada a fonte.
REVISTA DE DIREITO MERCANTIL, INDUSTRIAL, ECONÔMICO E FINANCEIRO ANO XXXI
N° 85 Jan-Mar/1992 (Ed. Revista dos Tribunais Ltda.)
ÍNDICE
I – Uma visão histórica: O Tao Te Ching
II – Uma visão crítica: Da natureza da luz
III – Uma visão prática: Curationes Quinque
I – Uma visão histórica
O Tao Te Ching
Lao Tse, fundador do Taoísmo, sintetizou sua filosofia no século VI A.C., em apenas 81
pensamentos; no quadragésimo-terceiro, encontramos, na tradução inglesa, “The
softest thing in the universe overcomes the hardest thing in the universe” ou seja,
vence o soft, perde o hard. E, em seu pensamento qüinquagésimo-sétimo,
encontramos, “The more laws and restrictions there are, the poorer people become ...
the more rules and regulations, the more thieves and robbers.”
Em 1946, a Convenção Interamericana de Direitos de Autor (da qual o Brasil é
signatário) reuniu-se em Washington e definiu os campos de aplicação dos direitos (em
seu artigo III). Nessa época o termo software ainda não era utilizado. Na década de 50,
quando as primeiras máquinas tabuladoras e os primeiros “computadores” comerciais
foram colocados no mercado, não havia nenhum problema com o software porque, até
então, nesse campo, tudo era corpus mechanicum.
Na década de 60, quando a “programação” dos computadores já deixava de ser feita
através de pinos e cabos elétricos e começava a ser realizada através de linguagens de
programação, tipo Fortran etc., o termo software passou a ter o significado de conjunto ou
de seqüência de instruções etc. utilizadas para produzir resultados de uma máquina.
Só em 1963 é que o computador e suas criações, pela primeira vez, se defrontaram com
juízes e tribunais devido a ter ficado claro ao Patent Office americano que um “método de
conversação de números de notação decimal para notação binária” não era patenteável,
por entenderem os examinadores estar a reivindicação no campo da matemática e não
no das chamadas artes-úteis. Foi o conhecido caso Benson.
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Algum tempo depois, o mesmo Patent Office aceitava o pedido de privilégio de invenção
para “uma solução de otimizar o uso do computador em ambiente de
multiprogramação”. Foi o caso Chatfield. O Patent Office acolheu essa reivindicação
porque tratava a questão como sendo de um novo método para operar um sistema
particular de máquina, de um modo também particular. Assim foi firmada uma
jurisprudência nos EUA acerca da privilegiabilidade das invenções denominadas
Computer Implemented.
Os casos Benson, Christiensen, Waldbaum, Richman e outros não obtiveram sucesso:
os inventores tiveram negada sua proteção por patente porque não reivindicaram
aplicações práticas para seus novos algoritmos; enquanto que nos casos Chatfield,
Dentsch e Flok, por exemplo, seus requerentes obtiveram sucesso: conseguíram os
privilégios, porque os inventores reivindicaram “novos algoritmos aplicados ao controle
das máquinas”.
Sucede que em 1964, o Copyright Office comunicou que passaria a aceitar copyrights
para programas de computador.
Em 1969 a IBM iniciou a sua política comercial, conhecida como unbundling, a saber, de
separar, em seus negócios, a comercialização do hardware da comercialização do
software, que antes era entregue gratuitamente aos clientes que adquiriam seu
hardware.
Esses fatos levaram a um considerável grau de confusão, controvérsias e debates a
respeito de ser ou não ser a programação de computadores digitais entendida como
pertencente ao campo das “artes-úteis”.
As discussões envolveram tribunais federais, a Suprema Corte dos EUA, os criadores
de hardware e de software, o Congresso Americano, o executivo e, particularmente, o
Patent Office.
Depois de longos debates, ações judiciais etc., parece que o entendimento vigente foi o
de que programas de computador seriam patenteáveis dentro de certas circunstâncias
(e, portanto, enquadráveis no Patent Act) (Tit. 35 do USC).
Em 1976 o Copyright Office emitiu circular definindo o que é um programa de
computador e estabelecendo requisitos básicos para seu registro.
Esses fatos ocorriam nos EUA em paralelo e se antecipando às diferentes conclusões
que iriam resultar das iniciativas da OMPI e da UNESCO que, já desde 1971, iniciavam
estudos, com a colaboração de um Grupo Internacional de Experts Governamentais,
cujos trabalhos tendiam à indicação de que o software merecia um regime especial de
proteção jurídica.
Como resultado de seis anos de trabalho, um Grupo Não Governamental de Experts, que deu continuidade aos trabalhos – concluiu, em 1977, pela necessidade de uma
proteção especial para o software (entendido o termo como compreendendo os
programas, as documentações, o meio físico, etc.) e também concluiu pela incorporação
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de um sistema de registro e de depósito específico do software; foi também debatida a
idéia de um Tratado Internacional para proteção do software. Além disso, o Grupo
produziu um Modelo de Provisões Jurídicas para a proteção do software, que foi
distribuído aos países membros da OMPI.
No mesmo ano, a Presidência dos EUA designou uma comissão especial, denominada
CONTU (Comissão Nacional de Novos Usos Tecnológicos de Trabalhos de Direito
Autoral) que, em seu relatório final, sugeriu que o sistema de copyright seria o mais
adequado à proteção dos programas de computador. O relatório foi encaminhado aos
diversos paises e é interessante aqui notar que, no ano seguinte, na chamada Letter
from Japan, o Vice-Presidente do Copyright Council, referindo-se ao relatório do CONTU,
embora tendo concordado com a idéia de ser o copyright o mecanismo mais adequado
à proteção do software, comunicou não considerar urgente a modificação da legislação
japonesa de copyright, por razões sociais, econômicas e legislativas.
Em 1977 ainda, a nova lei da propriedade industrial inglesa elencou expressamente não
privilegiáveis como invenções os programas de computador, possibilitando, todavia,
proteção de software quando se enquadrasse na figura das “computer-inventions”.
Em Junho de 1979, o “Grupo de Trabalho sobre Problemas de Direito de Autor
Decorrentes da Utilização de Computadores", formado pela OMPI/UNESCO, publicou
trabalho em que discutiu a utilização de computadores na criação de obras artísticas e
literárias, em particular a composição musical automática, e os aspectos jurídicos das
traduções automáticas. O grupo de trabalho recomendou uma revisão da Legislação de
Direitos de Autor.
No Brasil, em Outubro de 1979 foi criada a SEI – Secretaria Especial de Informática,
órgão complementar do Conselho de Segurança Nacional, diretamente vinculada ao
Presidente da República. Dentre outras atribuições, caberia ao novo órgão, manifestarse tecnicamente, na fase de exame, sobre pedidos de patentes que envolvessem
informática, sem prejuízo da competência do INPI.
À época, as preocupações principais da SEI eram a implantação de um sistema próprio
de registro do software e a limitação das importações de softwares estrangeiros, dentro
da nova Política Nacional de Informática vigente.
Em 1982, Ato Normativo da SEI dispôs sobre o cadastramento de programas de
computador, sendo necessário à sua comercialização no país.
Em 1983 a OMPI preparou minuta de um Tratado Internacional para Proteção do
Software e já levantava uma nova questão: a da proteção dos circuitos integrados (os
chips, ou microchips, que se constituem de hardware e software integrados).
Em Março de 83 a SEI impediu a venda no Brasil da conhecida planilha eletrônica
VISICALC, por considerar existir capacitação nacional para desenvolvimento de software
similar no país.
Em Maio de 83 a SEI preparou a primeira minuta de anteprojeto sobre a disciplina
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jurídica do software; estavam previstos direitos por cinco anos para a pessoa física ou
jurídica que desenvolvesse o software, sendo necessário seu registro ou cadastramento
na própria SEI, alem do exame prévio dos contratos de transferência de tecnologia que
envolvessem informática.
Ato Normativo da SEI definiu esdrúxulo conceito de Empresa Nacional, que veio a gerar
grandes polêmicas no Brasil e no Exterior.
No mesmo ano, nos EUA, o Tribunal Federal de Recursos de Filadélfia decidiu que o
software para os computadores APPLE, embutidos em chips, seriam protegidos pela
legislação de copyrights (75 anos de proteção!).
A inovação do tribunal americano foi a de que material não visualizável passou a ser
protegido por direito autoral.
A IBM, seguindo diferente estratégia empresarial, tornou públicas as especificações de
seus personal computers, dentro de sua chamada “filosofia de máquina de arquitetura
aberta”, na esperança de estimular as software-houses a desenvolverem softwares para
seus PC’S, concorrentes dos Apples.
No Japão, em dezembro de 83, o relatório “Aiming Towards Establishment of Legal
Protection for Computer software” preparado pelo subcomitê para a melhoria e o
fortalecimento dos fundamentos do software, do Industrial Structure Council, apresentou
importante conclusão: Nova legislação especial era necessária, associada aos
seguintes grandes objetivos: a promoção do desenvolvimento do software; a prevenção
contra a duplicação de investimentos e a promoção do uso do software. O relatório, com
sugestões claras e objetivas, foi encaminhada à OMPI, como contribuição ao Grupo de
Experts.
Em Janeiro de 84, no Brasil, o INPI começou a se movimentar contra o projeto de Lei de
software preparado pela comissão da SEI. O INPI não era favorável ao enquadramento
jurídico do software naquele momento, e se a SEI encaminhasse o seu projeto ao
Congresso, o INPI prepararia proposta alternativa. Logo em seguida a SEI divulgou sua
minuta de lei do software (até então mantida reservada) para ouvir as críticas da
comunidade brasileira.
Em Abril de 84, na Reunião da OMPI em Canberra, o chamado Grupo de Trabalho
Encarregado de Questões Técnicas relativas à Proteção Jurídica do Software ofereceu
novas definições para o termo e também considerou necessária a inclusão de proteção
para os circuitos integrados.
Em Junho de 84 foram lançados os produtos PROLOK, XLOK, LOGIMETRE, na França,
que ofereciam as chamadas proteções técnicas aos softwares, a despeito das eventuais
proteções jurídicas.
Em Junho de 84 a SEI promoveu em Brasília um seminário Internacional sobre o
Tratamento Jurídico do Software, onde estiveram presentes representantes da OMPI,
EUA, Alemanha, Japão, Brasil e Hungria.
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O objetivo foi fornecer subsídios a uma nova legislação brasileira que atendesse às
peculiaridades do novo produto: o software. No mesmo mês, em parecer encaminhado a
ASSESPRO, o Dr. Newton Silveira considerava: “o software constitui um meio técnico
para a consecução de um resultado. Esse resultado por sua vez, podendo constituir-se
em utilidade como também obra artística, como no caso de certos video-games,
pinturas, músicas etc.”.
O meio, afirmou, é sempre técnico e, portanto, deveria estar excluído da incidência da Lei
de Direito de Autor, sugerindo que legislação específica deveria ser desenvolvida para a
proteção do software no Brasil.
Em setembro de 1984 a FICPI Federação Internacional dos Consultores em Propriedade
Industrial relatou a situação de vários países a respeito da legislação de software.
Incluiu, em seu longo comentário, resumo do andamento da questão no Brasil. Em suas
conclusões encontramos: Discussões através de todo o mundo demonstram que as
leis existentes e as convenções internacionais não são adequadas para cobrir o
software em todos os seus aspectos. No Brasil a proteção por patentes parece estar
excluída e o tratamento sob os conceitos de trade secret oferecem limitada proteção. No
referente aos direitos de autor a proteção é considerada ineficaz e o entendimento final
foi o de que uma legislação específica deveria ser desenvolvida.
Em Novembro de 1984, o I Seminário Latino Americano sobre o Fomento, Difusão e
Proteção de Software, em Montevideo, recomendou a criação de um regime especial
para a proteção do software. Foi ele considerado como obra tecnológica e sugeriu-se
aplicar as mesmas regras do comércio de tecnologia, com um período de proteção
similar aos das patentes.
Por outro lado, no Rio de janeiro, em Maio de 1985, o Comitê Executivo do AIPPI,
Associação Internacional para a Propriedade Industrial, propôs que o software fosse
protegido de acordo com os sistemas nacionais e internacionais de direito de autor
(diga-se de passagem que, já nessa ocasião, também aprovou resolução na área de
biotecnologia, defendendo sua introdução nos inventos protegidos pelo CPI brasileiro).
Em Genebra, no mesmo mês, o subgrupo brasileiro do Grupo de Experts sobre
Aspectos Relativos aos Direitos de Autor da Proteção de Programas de Computador e
do Suporte Lógico informou estar preparando uma legislação sui generis para o Brasil. A
lei 7.232 promulgada em 29.10.84 já instituira a Política Nacional de Informática.
Em setembro de 85, no Brasil, uma empresa iniciou sua estratégia de ataque à
chamada pirataria de software, enviando notificações contra outras empresas,
acusando-as de usar cópias ilegais, isto com base na legislação nacional de Direitos de
Autor.
Em Maio de 86, nos EUA, a Apple notificou a Digital por cópias de telas, alegando, com
base na lei de copyright, estar a Digital copiando os outputs de seus programas
protegidos.
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No mesmo mês, Reagan ordenou retaliações contra o Brasil pela demora brasileira em
incluir o software dentro da legislação dos Direitos de Autor.
Muitos outros passos se sucederam no Brasil, até que a Lei 7.646/87 instituiu a proteção
da propriedade intelectual para os programas de computador e sua comercialização no
Brasil, regulamentada pelo Decreto 96.036/88.
Em linhas gerais, ficou instituído o regime de Direitos do Autor conforme a (da Lei
5.988/80), mas com modificações estabelecidas para atender às peculiaridades
inerentes aos programas de computador. Quanto ao conteúdo de toda essa legislação
para a proteção jurídica do software, no Brasil, resultou, em linhas gerais: o
estabelecimento de uma reserva de mercado quase que permanente, baseada em
definições subjetivas, uma definição de empresa nacional especial para os fins da
reserva; prazo de proteção de 25 anos no regime de direito autoral; registro e depósito
do software no INPI, de caráter declaratório; cadastramento na SEI (agora DEPIN, para
efeitos de comercialização no país).
Após novo período de pressões externas, a legislação referente à matéria está nesse
momento passando por nova revisão, da qual resultarão, provavelmente, se aprovadas,
modificações como a eliminação do exame de similaridade, o fim da reserva de
mercado na distribuição, o fim do cadastramento na DEPIN (antiga SEI) e novo
enquadramento do software, no conceito de serviço.
Parte substancial das sugestões oferecidas pela ABDI – Associação Brasileira de Direito
de Informática – deverão ser acatadas.
II – Uma visão crítica
Da natureza da luz.
Por séculos se procurou compreender a verdadeira natureza da luz. A conclusão foi a de
que, não importando qual fosse sua verdadeira essência, suas diferentes
manifestações, percebidas pelo homem, se explicam e se enquadram em teorias
antagônicas e coexistentes. O que importa é compreender qual a manifestação que
estamos presenciando.
O próprio título “Enquadramento Jurídico do software” sempre sugeriu a mim a idéia de
se tentar comprimir algo de dimensões definidas ou mesmo ilimitadas, dentro de um
corpo jurídico de fronteiras bem definidas.
Gostaria de fazer uma analogia com o que eu chamaria, aqui, data venia, de
“enquadramento físico da luz” ou poderíamos também propor “Luz: onda ou partícula?”.
Assim como no campo jurídico, os físicos desenvolvem suas teorias buscando explicar
os fenômenos que percebem, enquadrando-os, digamos assim, na teoria formulada.
As construções teóricas sempre evoluem, existindo até mesmo “modismos” de teorias,
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em função da evolução do pensamento humano, das ciências, da tecnologia etc.
A novela do “enquadramento físico da luz” teve, muito simplificadamente, o seguinte
script: Huyghens, em seu Tratado da Luz (1660), desenvolveu uma teoria ondulatória
para explicá-la, porque certas manifestações percebidas por ele não se explicavam
pelas anteriormente conhecidas. Algum tempo mais tarde, Einstein desenvolveu nova
teoria, desta vez uma teoria corpuscular (concebeu o fóton, a partícula de luz, o átomo de
luz, digamos assim) para explicar novos fenômenos que não se enquadravam nas
teorias anteriores.
E surgiu então grande controvérsia no plano teórico: luz é onda ou partícula? O fato é
que, o que se entendia por luz ora se comportava como onda e ora como partícula, idéia
inaceitável, à época, por sua aparente contradição. Um verdadeiro paradoxo.
Os mais importantes cientistas do mundo reuniram-se, mais tarde, para debater e
decidir sobre a verdadeira natureza da luz. O resultado, revolucionário, foi o de serem
estes cientistas compelidos a aceitar a idéia de que luz não é onda e não é partícula,
mas se constitui em um fenômeno físico que se manifesta de maneiras diversas que
são explicadas por teorias próprias, aparentemente contraditórias.
Poderíamos também imaginar que as teorias é que, por suas limitações intrínsecas,
não chegaram, cada uma, a abranger todas as possíveis manifestações do fenômeno.
Quero entender que o processo de compreensão da natureza da luz, se me permitem,
transcendeu o próprio desenvolvimento das teorias; e que a percepção de seus
fenômenos foi mais rápida do que a formulação das próprias teorias que tentavam
explicá-los.
Aliás, a coisa estava andando tão rápido, que foi o próprio Einstein, que, para explicar
ainda novos fenômenos observados na natureza, baixou um “decreto-lei” limitando a
velocidade da luz ao máximo de 300.000 km/seg (sem o que, aliás, não haveria a sua
famosa Teoria da Relatividade).
Mutatis mutandis, o software é um termo que, para mim, significa um conjunto muito
variado, no espaço e no tempo, de manifestações intelectuais e tecnológicas, que têm
sido parcialmente percebidas por observadores que tentaram enquadrá-las em teorias
ou doutrinas preexistentes e, portanto dentro as suas próprias limitações.
Observamos, pelo relato histórico, que as conclusões dos principais organismos
internacionais e também aquelas de trabalhos independentes foram no sentido do
desenvolvimento de novo regime jurídico para o novo fenômeno do software.
Apesar disso, tem prevalecido, gradativamente, em cada país, a adoção do sistema de
copyrights – ou de Direito de Autor.
Constata-se também que esse vetor de pensamento tem tido sua origem nos países
econômica e tecnologicamente mais avançados, sendo também fato sobejamente
conhecido que a tecnologia avança muito - e cada vez mais rápido - nesses centros.
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Essa a tendência que nos alcançou, aqui na periferia, dentro do conceito de centro e
periferia de Sunkel.
Em complemento aos comentários já feitos, considero interessante observar as
conclusões independentes de um Colóquio Franco-Soviético para a proteção do
software, ocorrido em Kiev, em 1975, que foram, em resumo, as seguintes: a) Trata-se
de uma questão velha, que necessita de soluções radicalmente novas; b) O software
apresenta uma ambigüidade característica, ora se manifestando no campo industrial,
ora no intelectual; c) A razão da grande confusão atual parece resultar da falta de um
entendimento rigoroso da natureza técnica informática; d) As máquinas informáticas
(entendidas como hardware e software) são máquinas a quatro dimensões (três no
espaço e uma no tempo); constituem máquinas de um nível de complexidade superior
às máquinas clássicas mecânicas, até então conhecidas, que são as três dimensões,
daí resultando a dificuldade de enquadrá-las nas proteções já estabelecidas desde os
tempos da termodinâmica; e) foi sugerida a realização de uma classificação
internacional dos tipos de software.
Para ir encerrando esse capítulo, quero destacar também a abrangente percepção das
“manifestações” do software, detectadas pelos grupos de trabalho da OMPI, que
entenderam constituir-se o software dos programas propriamente ditos, acrescidos de
seu material descritivo e de seus vários componentes a serem protegidos e, além disso,
também reconhecendo o software gravado nos chips.
Finalmente quero dar grande destaque à visão imparcial e desenvolvimentista, a meu
ver, do grupo japonês ligado ao MITI que, com sua viva abordagem estratégica, já
considerava as décadas de 80 e 90 como a segunda revolução da informática, dando
grande destaque ao uso dos micros para fins domésticos e de lazer em geral e,
identificando sua transição “para o mundo das commodities”. Além disso, adotou uma
definição simples e diferente para o software, a saber: uma tecnologia que torna os
computadores utilizáveis. O Grupo considerou também ser o software um bem
indispensável ao desenvolvimento industrial do país; este bem, o software, possuindo as
seguintes características principais: só tem valor quando em uso; é fácil de copiar e de
baixíssimo custo; produtos melhores podem ser obtidos através de sua incorporação;
esforços independentes podem chegar a resultados idênticos; e por tratar-se de produto
de tecnologia avançada tem obsolescência rápida. O Grupo propôs uma legislação que
fosse especialmente desenhada para proteger esse novo tipo de tecnologia, tão nova e
abrangente, e em constante evolução. Revendo os passos do enquadramento jurídico
do software no mundo, nos deparamos, como vimos, com interessantes estudos;
alguns, de um lado, tentaram demonstrar que o software deve ser submetido à proteção
das leis do Direito de Autor: por outro lado, estudiosos defenderam a tese de que o
software satisfaz à legislação destinada a proteger as invenções, no conceito e nas
condições do CPI. Outros ainda, demonstrando que o software, por não se enquadrar no
primeiro campo, o da produção das obras intelectuais (artísticas, literárias etc.), ou seja,
dentro do campo do desenvolvimento cultural; e nem no campo das invenções
patenteáveis, ou seja, no desenvolvimento industrial, sugeriam o estabelecimento de
novo arcabouço jurídico.
No meu entendimento, a proteção dos direitos de software envolve uma análise técnica
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mais complexa dos componentes a serem protegidos. Para se desenvolver uma
estratégia de proteção, um software deve ser analisado, tecnicamente, sob vários
aspectos, sendo que cada um, ou todos eles, tem um valor particular que merece ser
protegido adequadamente quanto, por exemplo, à sua funcionalidade (ou seja, o
resultado da relação input/output como é percebido pelo usuário), quanto ao uso do
sistema (ou seja, a função desempenhada pelo software no contexto de um determinado
sistema ou processo), quanto à sua arquitetura (ou seja, a modulação ou estrutura geral
do programa), quanto aos seus algoritmos (ou seja, a metodologia geral empregada no
programa para dotá-lo de funcionalidade), quanto às técnicas de manipulação de dados
(ou seja, a determinada maneira de implementar o algoritmo ou de processar ou
armazenar dados, que proporciona, por exemplo, economia de tempo de execução ou de
armazenamento), quanto ao seu código (ou seja, determinada seqüência de símbolos,
para leitura mecânica ou humana, a ser operada por hardware computadorizado, tais
como código objeto e código-fonte), quanto à base de dados (ou seja, o conjunto de
dados organizados, para ser usado junto com o programa – não devendo ser confundido
com a arquitetura, nem com as técnicas especificas de manipulação empregadas na
implementação de base de dados); e, finalmente quanto à sua documentação (ou seja,
a literatura explicativa para a leitura humana, como, por exemplo, os manuais de
usuários).
A título exemplificativo, não me parece terem a mesma natureza softwares como um
compilador Fortran; um software que simule um jogador de pôquer; um software para
folha de pagamento; um software que tem capacidade de aprender ensinando por uma
criança; um expert system que faz diagnóstico médico; um software que compõe
músicas em estilos de compositores clássicos; um software que é 5% programa e 95%
banco de dados da lista telefônica de NY, por exemplo; um software que dirige um míssil
ao seu alvo em constante deslocamento; um que converse em linguagem natural com
um interlocutor humano e responda na sua ou em outra língua (francês, japonês, inglês,
por exemplo); um software para video-game; um que simule o comportamento humano
de um esquizofrênico; um software que jogue xadrez em diversos níveis de inteligência;
um software que substitua um professor ou conferencista, sobre qualquer tema; etc.
Cada um requeria uma análise técnica adequada para protegê-los em cada etapa de
seu desenvolvimento.
Como vemos, o termo software compreende uma grande variedade de criações
intelectuais aplicáveis a muitos campos, tanto no das artes-úteis como no das artes
culturais.
III – Uma visão prática
Curationes Quinque:
Paracelso, um dos pais da medicina, por volta de 1500, no primeiro “prólogo” de seu
Livro de Prólogos (Libellus Prologorum) elaborado para, que de uma maneira pratica
formulasse uma solução para o complexo exercício da medicina, numa época em que
havia acirradas disputas doutrinárias, inclusive sobre Alquimia e a natureza das
doenças, escreveu: “É conveniente que se saiba previamente, que todas as
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enfermidades têm universalmente cinco tipos de tratamento diferentes e fundamentais. O
ponto principal e o primeiro argumento do nosso livro será a afirmação desses cinco
tratamentos (curationes quinque), o que deverá se aceitar como se fossem cinco ciências
da medicina, cinco artes ou cinco faculdades do entendimento.
Cada uma delas é capaz, per se, de formar um meio terapêutico completo para a cura de
todas as enfermidades (facultas medicinae) se nas mãos de um médico hábil,
competente e esperto, que deverá escolher a melhor para cada caso. Dessa maneira
será possível curar qualquer sofrimento ou doença, tanto numa como em outra medicina.
Assim sendo, será bom que cada médico se esforce, num estudo cotidiano e constante,
para alcançar a máxima ciência e experiência, em qualquer um dos cinco métodos, sem
esquecer, que tem tanta ou maior importância o conhecimento da alma do paciente do
que do seu corpo. A base da sua consciência estará nela mesma e não nesta ou naquela
subjetividade.
Com isto damos por terminada a exportação do nosso primeiro livro médico”.
O software tem sido entendido, ou identificado, quase sempre, como sendo sua
expressão escrita e impressa em páginas de papel, por um programador, resultante de
sua criação intelectual; dessa visão, que me parece restrita, é que surgiu,
provavelmente, a idéia de protegê-lo dentro do regime do direito autoral, por analogia
com outras criações do espírito.
Não há única e melhor abordagem. A meu ver, as diversas doutrinas de proteção legal
devem ser entendidas como instrumentos disponíveis que devem ser utilizados, caso a
caso, em função de um diagnóstico técnico dos componentes do software, entendido em
seu sentido mais abrangente e em função de seu estágio de evolução.
Quanto à questão do enquadramento, os “cinco tipos de medicinas”, quero dizer, as
proteções jurídicas disponíveis são: a proteção através do sistema de patentes, a
proteção através do segredo industrial, a proteção através dos direitos de autor, a
proteção pelos contratos e a proteção pelas marcas registradas.
De um ponto de vista pragmático, a melhor estratégia a ser adotada, na aplicação das
proteções legais ao software, será a de familiarizar-se profundamente com os
instrumentos disponíveis, compreendendo a eficácia de cada um e aplicá-los conforme
os objetivos pretendidos, utilizando-os, inclusive de forma combinada, de modo a
maximizar os resultados.
Para encerrar, passo a comentar, rápida e superficialmente cada instrumento:
1. O Sistema de Patentes, como proteção ao software, pode ser aplicado em certas
condições. Ao contrário do direito do autor, que protege a expressão de uma idéia
propriamente dita.
Sucede que sendo o ciclo de vida de um software ou de um chip muito menor de que o
prazo de obtenção da patente, esse método pode não se mostrar muito eficiente, sendo
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seus custos relativamente altos, e podendo haver atraso na obtenção dos direitos.
2. O Segredo Industrial pode também proteger o software em certas situações.
Programas de computador sempre incorporam informações confidenciais tais como
técnicas de programas originais, métodos mais eficientes para a solução de um
problema típico, um novo método de compactação de memória etc., que o autor ou o
proprietário quer manter em sigilo.
Como meio de proteção, é abrangente, porque protege idéias e conceitos que não foram
e não devem ser materializados, ficando sua proteção independente da forma de
expressão do próprio software.
Sempre foi a ferramenta de proteção preferida da indústria de software porque é simples,
prática e traz resultados imediatos. Contudo, a proteção pelo segredo industrial implica
em manter o segredo realmente “secreto”. Há dispositivos legais para sua
implementação, como é o caso dos contratos de non-disclosure.
Todavia, duas maneiras de se perder o segredo são a descoberta independente e a
utilização da chamada engenharia reversa.
3. O Direito de Autor, é claro, também protege o software.
Se, de um lado, patentes conferem monopólios temporários, a proteção por direito de
autor confere direitos por tempo longo, até demais, no caso do software. Mas o direito de
autor não protege as idéias e os conceitos como também não protege o autor contra
criações independentes, mesmo que similares. Além disso, duas criações
independentes idênticas poderiam obter proteções independentes para seus
respectivos autores. Apesar disso, muitos recomendaram sua utilização como proteção
ao software, como vimos.
Trata-se de proteção relativamente pouco onerosa, não havendo despesas para a
manutenção do direito. Não há atraso na criação do direito, poucas são as formalidades
envolvidas, e há proteção automática em muitos países.
Uma das vantagens na utilização do instituto do Direito de Autor é que, normalmente,
desencoraja a feitura de cópias e o comercio pirata.
4. Contratos também podem proteger software, consistindo-se em acordos formais que
definem direitos e responsabilidades entre as partes. Não eliminam a pirataria, mas
podem cobrir grande área de interesse, desde contratos de trabalho com
programadores, até contratos de licença de uso de software a distribuidores e usuários
finais.
Consistem em meios muito eficazes como método de proteção junto aos usuários,
sendo seu único ponto fraco não obrigar terceiros. O importante do contrato é definir as
condições em que o licenciado usufrui direitos referentes à propriedade intelectual do
licenciador.
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Clovis Silveira,
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Eng.
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5. Marcas registradas podem proteger o software, também, como é fácil de se perceber.
O propósito e uma marca é, basicamente, o de identificar origens e distinguir bens e
serviços. Embora o regime de direito de autor estenda a proteção do titulo da obra a ela
associado, na prática, o que identifica, no mercado, um software, é sua marca, que deve
estar registrada como tal, nas condições do CPI.
Conclui-se que o registro da marca que identifica um software no mercado pode ser de
grande utilidade para dar proteção ao próprio software (além de proteger a própria
marca), principalmente quando um licenciado para o uso de software seja também um
licenciado para utilização da marca correspondente e há mecanismos de controle de
sua utilização.
Quanto às doenças, que Paracelso classificava em dois grandes grupos: as que vêm
“de fora para dentro” e as que vão “de dentro para fora”, quero dizer, quanto ao software,
além de sua enorme variedade de tipos, apresenta também diferentes estágios de
desenvolvimento que requerem proteção adequada.
Esse aspecto (que jamais vi mencionado quando se fala em proteção) é relacionado às
etapas de desenvolvimento do software em seu ciclo de vida.
Desde o baby-system ao software adulto, as ferramentas de proteção e seus remédios
variam. Quando se fala na utilização da Lei de software, e do seu registro no INPI, está se
falando da obra acabada, pronta para ser depositada e registrada.
Na realidade um software passa, em seu ciclo de vida, por estágios de desenvolvimento
que vão desde a idéia básica do autor à aplicação de know-how específico para seu
projeto, ao estabelecimento dos parâmetros de projeto, ao desenvolvimento
propriamente dito dos programas componentes, à escolha das linguagens adequadas,
ao estágio de verificação e testes, à instalação, à chamada debugagem (ou eliminação
de erros), às modificações e adaptações, ao desenvolvimento da documentação, e ao
treinamento do pessoal usuário. É como proteger todo um empreendimento ou um
projeto, do início ao fim, e não apenas um de seus escritos, o programa.
Identificando-se então, tecnicamente, em que estágio se encontra, define-se o pacote de
soluções de proteção.
Em resumo, e finalizando: 1. Um software se desenvolve em etapas, num ciclo de vida
característico; 2. Há uma variedade muito grande de tipos de softwares classificáveis
num grande espectro; 3. Dependendo do tipo e da etapa em que se encontra necessita
certas proteções especificas; 4. Estes diferentes aspectos podem ser protegidos
legalmente por métodos diversos, de forma independente ou combinada; 5. O registro
do software, embora facultativo, é considerado fundamental para fixar a autoria no tempo
e no espaço; 6. Na busca de adequada proteção, seria ideal, em função dos objetivos,
realizar, preventivamente, uma análise técnica, e em seguida estabelecer um pacote de
proteções, implementando-o em paralelo com o desenvolvimento do software.
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A abordagem específica para se proteger um determinado software tem que ser
amoldada às suas características e à forma específica como ele será usado e colocado
no mercado, bem como à abordagem mercadológica e ao esquema de distribuição a
ser considerado.
Em alguns casos, diferentes mecanismos de proteção podem ser usados ao mesmo
tempo, em um único aspecto do sistema.
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