ATA4_soares_art_DAC - Seminário Temático

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Zoltan Dienes e as Diferentes Bases de Numeração: apropriação
ao tempo da Matemática Moderna
Elenir T. Paluch Soares
Neuza Bertoni Pinto
O presente estudo aborda a problemática da compreensão do Sistema de Numeração
Decimal – SND, considerando sua permanência nas discussões de pesquisadores da área,
dentre eles Kamii (2001) e Brizuela (2006), que reconhecem a sua incompreensão como um
dos complicadores para o bom desempenho dos alunos em conhecimentos matemáticos mais
elaborados.
No final da década de 1950, esse conteúdo curricular, que normalmente era tratado
metodologicamente, pela maioria dos autores de manuais didáticos para as séries iniciais
escolares, de modo sistematizado, a partir de regras e procedimentos para leitura e escrita de
números, ganhou um enfoque diferenciado em experiências pedagógicas desenvolvidas pelo
matemático e pesquisador húngaro Zoltan Paul Dienes e outros dois pesquisadores, em salas
de aulas do Condado de Leicester, na Inglaterra.
Veiculando proposições teórico-metodológicas para a aprendizagem do SND
pautadas na compreensão do valor posicional, por meio de agrupamentos e reagrupamentos
em diferentes bases de contagem, esse projeto parece ter ganho reconhecimento
internacional e, na década de 1960, ideias pedagógicas que o fundamentavam passaram a ser
conhecidas no Brasil, por meio de publicações desse autor e, mais acentuadamente, no início
da década de 1970, quando ele visitou o país, e participou de experiências com classes-piloto,
encontros e cursos para professores, organizados por Grupos de Estudo, envolvidos com a
disseminação do Movimento da Matemática Moderna.
Este estudo contempla, mais detalhadamente, as proposições metodológicas
inovadoras de Zoltan Dienes para o processo aprendizagem do Sistema de Numeração
Decimal, pautado na compreensão do valor posicional, a partir de atividades de agrupamento
e reagrupamento dos elementos de uma coleção contados em diferentes bases, bem como, a
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apropriação 1 dessas ideias explicitada em coleções didáticas elaboradas por componentes de
dois dos grupos disseminadores da Matemática Moderna, no Brasil.
Tempos de MMM no Brasil
Esse momento histórico, dentre outras formas, é assim referido: “nas décadas de 1960
e 1970, um acontecimento que marcou a história da Educação Matemática e provocou
mudanças significativas nas práticas escolares foi o Movimento da Matemática Moderna”
(PINTO, 2005, p. 26).
Desencadeado em nível internacional nos meados do século XX, esse movimento
vem recebendo especial atenção de pesquisadores que buscam sua historiografia,
principalmente desde a primeira década do século XXI, conforme pode ser lido na
compilação dos estudos feitos pelo Grupo de Estudos de História da Educação Matemática
- GHEMAT, sob o título O Movimento da Matemática Moderna: história de uma revolução
curricular (OLIVEIRA, LEME DA SILVA, VALENTE, 2011).
Em poucas palavras, esse movimento pode ser assim explicado:
No período do pós-guerra e ao longo dos anos 50, em muitos países da Europa e
também em países desenvolvidos do outro lado do Atlântico, muito em particular
os Estados Unidos da América, começou a tomar corpo a ideia de que se tornava
necessário e urgente uma reforma no ensino da Matemática. Na verdade, durante
toda a década de 50, foram tendo lugar numerosas iniciativas e realizações de
natureza variada e com propósitos diversificados, que tinham em comum a
intenção de modificar os currículos do ensino da Matemática visando à atualização
dos temas matemáticos ensinados, bem como a introdução de novas
reorganizações curriculares e de novos métodos de ensino (...) (GUIMARÃES,
2007, p. 21).
Essa polêmica questão, segundo Guimarães, parece ter culminado com o Seminário
de Royaumont realizado na França, em finais de 1959, com a duração de duas semanas e a
participação de 50 delegados de dezoito países.
1
Apropriação entendida da no sentido atribuído por Chartier (1995, p.184), como uma noção que “enfatiza a
pluralidade dos usos e dos entendimentos” e que “visa à elaboração de uma história social dos usos e das
interpretações, relacionados às suas determinações fundamentais e inscritos nas práticas específicas que os
constroem”.
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Tal seminário é considerado por esse autor, como “a realização mais emblemática de
todo o movimento reformador de grande influência internacional que recebeu o nome de
Matemática Moderna e, também uma das mais conhecidas na história da evolução curricular
recente do ensino da Matemática” (GUIMARÃES, 2007, p. 22).
Explica, ainda, que os relatórios da Organização Europeia de Cooperação Econômica
– OECE, referentes a esse seminário e ao seu desdobramento em 1960, em Dubrovnik 2,
apontam, dentre outras discussões, para “a valorização da compreensão” e criticam o modo
rotineiro e mecânico com que a Aritmética até então era ensinada, visando essencialmente à
memorização de regras e fatos, recomendando a “manipulação de objetos materiais”.
Essas indicações referentes à aprendizagem da Aritmética parecem coadunar-se com
a perspectiva sob a qual Dienes vê o processo de aprendizagem matemática e com as
proposições teórico-metodológicas que defende, naquele momento histórico, sobre o
Sistema de Numeração Decimal.
Segundo Lima (2006, p. 31-32), no Brasil, as ideias desse movimento renovador
assumiram proporções acentuadas após um curso de férias em que Osvaldo Sangiorgi _
conhecido professor brasileiro e autor de livros didáticos, desde a década de 1950 _
participou em 1960 nos Estados Unidos, onde tomou conhecimento mais aproximado das
ações referentes ao MMM que lá já estavam sendo desenvolvidas.
Em 1961, Sangiorgi desencadeou a criação e assumiu a coordenação do primeiro
grupo, formado por professores e matemáticos, voltado a estudos e discussões sobre a
Matemática Moderna, que recebeu a denominação de Grupo de Estudo do Ensino de
Matemática _ o GEEM de São Paulo; em 1962, segundo Pinto e Ferreira (2006, p. 116) foi
criado em Curitiba, pelo Professor Osny Antônio Dacol (in memoriam), o Núcleo de Estudos
e Difusão do Ensino de Matemática _ NEDEM.
Em 1970, segundo Fischer (2006, p. 103) foi criado por um grupo de professores
comprometidos com a educação matemática, o Grupo de Estudos sobre o Ensino da
Matemática de Porto Alegre - GEEMPA, tendo como uma de suas mais ativas participantes,
a Professora Esther Pillar Grossi. Com finalidades aproximadas, outros grupos foram criados
em alguns Estados brasileiros.
2
Dubrovnik, situada na antiga Iugoslávia e atual Croácia.
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Esse movimento atingiu também as séries iniciais de escolarização, agregando, além
da inclusão de novos conteúdos de ensino, discussões sobre as questões metodológicas,
propostas pedagógicas alicerçadas nos estudos epistemológicos da época, como as de Jean
Piaget e aquelas que pleiteavam aperfeiçoar os métodos educativos de matemática, tais como
as de Zoltan Paul Dienes.
Períodos como esse são considerados por Chervel (1990, p. 192) como privilegiados
para o historiador, que além de possibilitar uma massa documental totalmente explícita, pode
desencadear um “turbilhão de iniciativas”, lançando os docentes por “caminhos ainda não
trilhados”. tal como os propostos por Dienes naquele momento histórico.
Zoltan Paul Dienes: um cidadão do mundo
O Educador húngaro, Zoltan Paul Dienes (1916-2014) teve uma carreira longa e
frutífera, desbravando novos caminhos e ganhando muitos seguidores com suas idéias
revolucionárias de aprendizagem de conceitos matemáticos, sendo apresentado como um
verdadeiro “cidadão do mundo” 3, que se sentiu em casa na Grã-Bretanha, França, Itália,
Austrália, Nova Guiné, EUA, Canadá, Chile, Brasil e Argentina, dentre outros países, onde
desenvolveu trabalhos voltados à educação matemática, com o entendimento de que o
desenvolvimento cognitivo de todas as crianças, não importa de qual canto do mundo, tem
se apresentado como um grande desafio aos educadores.
De acordo com a homepage da Família Dienes4, sua escolarização básica dividiu-se
entre a Hungria, França e Inglaterra, concluindo com honrarias, em 1937, na Universidade
de Londres sua graduação em Matemática Pura e Aplicada, onde também obteve o máximo
grau acadêmico com a tese que versa sobre bases construtivistas de Matemática.
Desenvolveu experiências de ensino em vários países, reorganizando o trabalho
matemático em algumas salas de aula de escola primária, transformando-as em laboratórios
de construção e descoberta, usando materiais especialmente por ele concebidos, dentre eles
3
Essa expressão é utilizada na apresentação da tradução húngara de Dienes (1999) do título Memoirs of a
Maverick Mathematician e está disponível a partir de SHL Hungria Kft, Budapeste, Hungria.
4
Disponível em http://www.dienes.hu/page_biographies_DZ.html. Acesso em 05/07/2010.
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o conhecido como Material Multibase, especialmente indicado para a compreensão dos
agrupamentos e reagrupamentos em diversas bases, considerados por Dienes como
fundamental para a compreensão do valor posicional, princípio que rege o Sistema de
Numeração Decimal.
No início da década de 1960 foi pesquisador no Centro de Estudos Cognitivos da
Universidade de Harvard, trabalhando ao lado de Jerome Bruner 5; nessa mesma década,
trabalhou no Departamento de Psicologia da Universidade de Adelaide, na Austrália, com
Malcolm Jeeves, desenvolvendo experimentos na formação de estruturas matemáticas. De
1964 até 1975, foi diretor do Psychomathematics Research Centres da Universidade de
Sherbrooke, Quebec, Canadá, onde desenvolveu investigações sobre as relações entre
abstração, generalização, representação, simbolização e formalização. Atuou como
consultor de matemática em diversos países (Itália, Alemanha, Hungria, Nova Guiné,
Estados Unidos) e para organizações diferentes (OECE, UNESCO), tendo, também, fundado
o International Study Group for Mathematics Learning (ISGML), que passou a emitir
boletins periódicos sobre os avanços obtidos por diferentes projetos em várias partes do
mundo.
Na década de 1980 e no início da década de 1990, além de desenvolver trabalhos na
Itália, Espanha, EUA, Hawai Grécia e a Hungria, voltou para o Canadá, ingressou na Acadia
University, em Wolfville, Nova Escócia.
Em 2008 foi publicado, pelo editor Bharath Sriraman, da Universidade de Montana,
nos Estados Unidos, um conjunto de artigos sob o título Mathematics Education and the
Legacy of Zoltan Paul Dienes, cujo editorial aponta Dienes como “uma lenda viva no campo
da educação matemática, por seu trabalho pioneiro que se estende por 50 anos" e por ter
influenciado educadores matemáticos que entraram no campo no final dos anos 1960 e 1970
e permanecem clássicos até hoje. Esse editorial refere-se, também, às suas criações, tais
como o material multibase 6, materiais algébricos e blocos lógicos, como sementes de usos
contemporâneos de materiais manipulatvos no ensino de Matemática.
5
Jerome Seymour Bruner (1915 -), psicólogo e pedagogo norte-americano, conhecido como o pai da psicologia
cognitiva. Foi professor e pesquisador por muitos anos na Universidade de Harvard. Possui uma obra muito
diversificada e traduzida na área da educação, pedagogia e psicologia, tendo ganhado grande notoriedade no
mundo da educação graças à sua participação no movimento de reforma curricular, ocorrido, nos EUA, na
década de 60.
6
Material estruturado para auxiliar a escrita de números em diversas bases, de acordo com Dienes (1970, p.
51).
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Segundo esse autor:
Dienes ocupa um lugar único no campo da educação matemática não só por causa
de sua teoria sobre como as estruturas matemáticas podem ser efetivamente
estudadas desde os primeiros graus usando peças manipuláveis, jogos, histórias e
dança (por exemplo, Dienes, 1973), mas também por causa de suas tentativas
incansáveis de mais de 50 anos para informar a prática escolar através de seu
trabalho de campo no Reino Unido, Itália, Austrália, Brasil, Canadá, Papua Nova
Guiné e os Estados Unidos. (...) Na idade de 90, Zoltan continua a escrever e
publicar inúmeros artigos em revistas na Nova Zelândia e Reino Unido (...).
Dienes defendeu o uso do trabalho em grupo colaborativo e materiais concretos,
bem como metas, tais como o acesso democrático à miríade de processos de
pensamento matemático, muito antes de as palavras "Construtivismo" e
"equidade" e "democratização" tornarem-se moda. (...) (SRIRAMAN, 2008,
editorial, tradução nossa).
A participação de Dienes no cenário mundial de Educação Matemática, a
partir da década de 1960, pode ser percebida através de suas publicações7 e, dentre outros
documentos, em um Guia de Discussão, para um simpósio na Hungria, com o título On some
problems the learning of mathematics8, de 1962.
Esse documento, contendo vinte e oito páginas (28 p) foi elaborado em Paris, 30 de
abril de 1962, época em que Dienes já fazia parte do Departamento de Psicologia da
Universidade de Adelaide, Austrália.
Discussion Guide No. 1 - Prepared for use as a discussion guide at the Research
Symposium on School Mathematics, Budapest, 27 August – 8 September 1962,
organized by the Hungarian National Commission for UNESCO (DIENES, 1962,
p. 2).
A leitura desse testemunho do passado organizado por Dienes, com a finalidade de
subsidiar as discussões no referido simpósio na Hungria e manter a UNESCO a par dos
projetos, experimentos e discussões sobre a matemática escolar, que estavam sendo
desenvolvidas em vários países, permite supor seu entrosamento com a comunidade
internacional de investigadores da educação matemática, seu potencial de liderança e a
confiabilidade conquistada junto a organismos de porte mundial.
7
Segundo informações na homepage da Família Dienes, a primeira divulgação de Zoltan Paul a respeito de
suas experiências sobre formação de conceitos, em uma amostra representativa, foi no artigo Sulla Relazione
Fra Ia Formazione dei Concelti Astratti e Ia struttura Della Personalitd, 1957, no Bollettino de Psicologia e
Sociologia Applicata, Firenze, na Itália. Disponível em: www.dienes.hu/page_biographies_DZ.htm. Acesso
em 01 mai. 2014.
8
Sobre alguns problemas da aprendizagem de matemática.
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Neste documento, Dienes aborda as diferentes finalidades da aprendizagem
matemática e as diferenças entre o observado e as formas desejadas de aprendizagem, e
comunica que há uma grande quantidade de pesquisas que vem acontecendo em muitos
países, mas que se deteve nos centros com tentativas mais radicais, acreditando na utilidade
de discuti-las no Simpósio, com vistas às intervenções construtivas. Identifica e classifica
esses grupos em investigações sobre currículo e investigações de métodos, bem como
resume o trabalho que cada grupo está desenvolvendo, além de, em um momento seguinte,
identificar como fundamentais algumas pesquisa, discorrendo sobre elas.
Dienes apresenta grupos voltados às pesquisas de curriculo, mas, parece atribuir
especial significado aos grupos voltados às “researchs into methods” 9, comentando que “é
inútil imaginar que novos currículos podem ser introduzidos sem repensar alguns dos
princípios de ensino aceitos” (DIENES, 1962, p. 8, tradução nossa). Esta não parece ser uma
perspectiva particularmente restrita a esse autor, vista a apresentação, nesse Guia de
discussão, de vários centros voltados à investigação de métodos para o processo de ensino e
aprendizagem da matemática.
Um dos centros destacados neste documento é o Leicestershire Mathematics
Project10, sob a direção de Sealey, Dienes e Oldridge, iniciado em 1958, que introduziu
mudanças evolucionárias no condado de Leicester, na Inglaterra, trabalhando com crianças
a partir dos sete anos de idade com sistemas de numeração em diversas bases, e introduzindo
progressivamente as quatro operações fundamentais da aritmética, também, usando
diferentes bases, através de materiais especialmente concebidos para ajudá-las desenvolver
os necesarios conceitos com o grau de generalidade desejado.
Informa, também, que mais da metade das escolas em Leicester são afetados pelo
projeto em 1958 e 1959, que é oficialmente aprovado e mantido pelas autoridades
educacionais locais. Muitas das informações e discussões referentes ao Projeto de
Matemática de Leicester encontram-se diluídas no livro Building Up Mathematics,
9
Investigações em métodos.
Esse projeto é referido por Dienes (1970, p. 14), como sendo praticamente “o único na tarefa de reformular
o ensino da Matemática nas escolas primárias”, interessando sobremaneira ao estudo agora apresentado, pois
parece ter sido neste contexto que as proposições teórico-metodológicas para o Sistema de Numeraçao
Decimal, que mais tarde Dienes explicitou em algumas das suas obras, publicadas originalmente em Londres
e Paris, que começaram a ser traduzidas para o português e circular no Brasil na segunda metade da década de
1960.
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publicado por Dienes, originalmente em Londres em 1960, que na tradução para o Brasil,
em 1970, recebeu o nome Aprendizado moderno da Matemática.
De acordo com esse autor, “há um grande número de outros centros onde a
investigação de vários problemas da metodologia de ensino da matemática está em
andamento” (DIENES, 1962, p. 11, tradução nossa). Ressalta, ainda, que grande parte desse
trabalho está sendo coordenado pelo recém-formado International Study Group for
Mathematics Learning (ISGML) - Grupo Internaconal de Estudos para a Aprendizagem da
Matemática- que irá relatar o trabalho dos vários centros em edições do International
Mathematics Bulletin, admitindo que e a educação ainda está muito longe de ser uma
disciplina verdadeiramente científica, e que antes disso, muita pesquisa fundamental sobre
o processo de aprendizagem terá de ser feito.
Reconhece, no entanto, que já existe investigação dos processos cognitivos inerentes
à aprendizagem de conceitos matemáticos, e algumas dessas tentativas de se confrontar com
o problema estão sendo contempladas pela The Geneva School, famosa escola liderada por
Jean Piaget 11, desenvolvendo uma grande quantidade de pesquisas, detalhando o processo
de formação de nossos conceitos numéricos e que os trabalhadores de Genebra vêm tentando
há algum tempo conciliar a estrutura formal dedutiva dos números naturais com as formas
de desenvolvimento desta estrutura no pensamento das crianças.
A discussão sobre materiais estruturados direcionou-se para formas de analisar
maneiras em que as crianças podem ser ajudadas a abstrair, destacando-se as possibilidades
disso acontecer, colocando-as artificialmente em uma série de situações diferentes que são,
no entanto, matematicamente idênticas12.
Segundo Dienes, durante o estágio de operaçações concretas, aproximadamente entre
as idades de sete e onze anos, tais situações são mais bem concebidas em situações reais e
se o material usado é bastante variado, essas situações permitem progressistas saltos
indutivos, seguindo-se de abstração e generalização. Segundo Dienes 13:
11
A forma como Dienes se refere à Escola de Genebra e ao epistemólogo suíço Piaget, sugerem um especial
interesse pelo trabalho que lá estava sendo desenvolvido.
12
Dienes dá ênfase na importância de se variar o material, para que a aprendizagem realizada não seja do tipo
associativa. Nesse discurso esboça-se a defesa que mais tarde (nos livros que escreveu) ele enuncia como
Princípio da Variabilidade Perceptiva.
13
Esta colocação de Dienes parece corresponder à sua defesa posteriormente pulicada em Aprendizado
Moderno da Matemática (1970) sob a forma de dois dos Princípios que o autor defende para serem observados
no processo de ensino e aprendizagem de matemática, com o nome de Princípio da Variabilidade Perceptiva e
Princípio da Variabilidade matemática.
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A amplitude da abstração é susceptível de ser proporcional à riqueza da variação
dos tipos de situação da qual as crianças são chamadas a abstrair, e a força e a
extensão das generalizações dependerão em grande parte das situações
engenhadas pelo professor, para que padrões globais possam ser discernidos a
partir do exame de regularidades de casos individuais (DIENES, 1962, p. 17,
tradução da autora).
Segundo o autor, materiais estruturados podem ser criados com estes fins, mas,
pondera sobre suas vantagens e perigos. Comenta que a utilização de um único material
estruturado pode criar bloqueios na transferência da aprendizagem realizada, com o perigo
de a matemática aprendida ligar-se inteiramente ao material utilizado.
Prosseguindo na apresentação do tema, cita os Blocos Aritméticos Multibase
distribuidos pela Fundação Nacional de Pesquisas, como exemplo de material estruturado
para a aformação do conceito de ‘valor lugar’, princípio que rege o Sistema de Numeração
Decimal.
O Multibase Aritmética Bloocks, distribuído pela mesma Fundação, é um exemplo
de uma variação total do conjunto de variáveis matemáticas inerentes a um
conceito (neste caso o de "valor lugar"), cujo objetivo é maximizar o grau de
generalidade dos conceitos a serem aprendidos (DIENES, 1962, p, 18, tradução da
autora) 14.
Nas considerações finais, deixa claro que este documento não se destina a apontar
para conclusões definitivas, e que ao descrever muito brevemente alguns dos esforços
voltados para a melhoria do ensino da matemática e levantando uma série de questões
fundamentais, espera-se que através do debate livre, seja alcançado um progresso real na
formulação de estratégias futuras para a educação matemática.
Muitas das informaçõe e discussões apresentadas nesse relatório, tal como o Projeto
de Matemática de Leicester, encontram-se diluídas no livro Building Up Mathematics,
publicado por Dienes, originalmente em Londres em 1960, que na tradução para o Brasil,
em 1970, recebeu o nome Aprendizado moderno da Matemática.
14
The Multibase Arithmetic Bloocks, distributed by the same Foundation, are an exemple of a full variation
of all the mathematical variables inherent in a concept (in this case that of ‘place value’), whose aim is to
maximize the extent of generality of the concepts to be learnt.
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Ao estudar as origens do Movimento da Matemática Moderna e seu desenvolvimento
no mundo, Soares (2001, p.33-34), apoiada em diversos autores, apresenta uma visão
panorâmica mundial dos trabalhos que vinham sendo desenvolvidos em tempos do
Movimento da Matemática Moderna, comenta que na Hungria, após um simpósio
internacional organizado com a colaboração da UNESCO, em 1962, desencadearam-se
projetos, programas e classes experimentais até a década de 80, com influência direta, dentre
outros, dos trabalhos e metodologia de ensino de Z.P. Dienes.
Esse comentário de Soares ilustra o alcance do Simpósio da Hungria em 1962, cujo
Guia de Discussão foi elaborado por Dienes, sugerindo sua participação no amálgama de
concepções que nortearam a educação matemática desde a década de 1960.
Zoltan Paul e o Sistema de Numeração Decimal
Para compreender melhor as proposições de Dienes para a aprendizagem do Sistema
de Numeração Decimal é fundamental conhecer a perspectiva sob a qual ele entende a
matemática, ou seja, que “não deve ser considerada como um conjunto de técnicas, embora
tais técnicas sejam claramente essenciais para a utilização efetiva da Matemática. Esta deve
ser vista antes como uma estrutura de relações” (DIENES, 1970, p. 30).
No que se refere ao sistema de numeração usual, esse autor considera que:
Os fatores biológicos e culturais fizeram finalmente surgir uma notação de número
que usa valor de posição, com a base dez como um meio de comunicar números,
e é essencial que as crianças aprendam o significado dessa comunicação tão
eficazmente quanto possível. Aprender a contar até 50 ou 100 não implica em nada
que aprendemos a significação de notação. (...) Uma criança pode ter aprendido o
conceito de que, para somar dois números, temos de ‘contar seguidamente’, do
primeiro número, com tantos números intermediários quanto indicado no segundo.
Contudo, ela poderá ficar muito longe de conceber a complicada estrutura da tarefa
de 27 + 35, em que se deve realizar o agrupamento e reagrupamento de dez em
dez, para executar economicamente a tarefa. (DIENES, 1970, p. 48).
Defende que a compreensão do valor de posição é alcançada a partir da contagem em
várias bases dos elementos de determinada coleção, com a formação de agrupamentos e
reagrupamentos e das possíveis trocas entre eles, ilustrando tal pensamento com a figura 1.
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Figura 1: Contagem em base 3
Fonte: DIENES, 1969, p. 61-62.
Segundo Dienes, para uma criança, “17 é apenas associado à palavra número
dezessete, e não é, certamente, decomposto em um dez e um sete. O mesmo se aplica aos
conceitos de ordem mais elevada, da adição e das quatro operações” (DIENES, 1970, p. 48).
Para esse autor, a escrita da “figura numérica”15 de uma coleção em diferentes bases
possibilita que os alunos percebam que o valor do algarismo ocupado em cada ordem
representa o resultado de agrupamentos e reagrupamentos obtidos a partir da base escolhida
para a contagem.
Na perspectiva desse educador e pesquisador húngaro, ao representar a “figura
numérica” com algarismos, a criança vai percebendo, por exemplo, que quando escreve 21
em uma contagem em base três como na figura 1, o dois não representa dois elementos, mas
dois grupos de três elementos. Analogamente, quando escreve 21 em uma contagem em base
4, o 2 não representa dois elementos, mas, dois grupos de 4 elementos. Assim, numa
contagem em base dez, que normalmente é utilizada, o 2 do 21 não representa 2, mas, dois
grupos de dez elementos, ou seja, um total de 20 unidades.
Para Dienes, esse tipo de atividade, em que a mesma estrutura conceitual, ou seja, o
valor de posição aparece “vestido” sob diferentes formas, possibilita a formação do conceito
de valor posicional, princípio fundamental do SND.
Segundo esse autor, “para consolidar os fundamentos matemáticos da numeração
convém fazer muitos exercícios de contagem em todas as bases possíveis” (DIENES, 1967,
15
Dienes denomina “figura numérica” de uma coleção, à quantidade de elementos dessa coleção, utilizandose algarismos.
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p. 72), também para que a criança possa ver as diferentes figuras que podem representar uma
mesma propriedade numérica
Entende, também, que “é conveniente ensinar a contar
numa base qualquer, a fim de fazer aparecer em toda a sua generalidade o conceito de
agrupamento por sucessivas potências da base, de maneira que o processo de notação
posicional não surja como mera receita arbitrária para comunicar de uma pessoa a outra
informações quantitativas” (DIENES, 1967, p.74-75).
Segundo esse autor, outra forma de dinamizar a formação do conceito desejado, e de
ganhar tempo na construção de conjuntos que representem as diferentes potências, é por
meio da utilização do material especialmente concebido por ele para a manipulação das
várias bases de numeração, como é o caso do Material Multibase, que vem em várias caixas,
cada um representando um diferente valor da base.
Na base 4, por exemplo, haverá peças como mostrado no na figura 2.
Figura 2: Blocos Multibase – Base 4
Fonte: DIENES, 1967, p.107.
Com esse material estruturado, segundo Dienes, a criança realiza trocas que a
predispõe à compreensão do valor posicional dos algarismos na escrita numérica.
Dienes mantém essa proposição para a aprendizagem do SND, em um artigo escrito
mais de 40 anos após o desenvolvimento do Projeto de Leicester, com o título O que é uma
base? 16
O fato biológico que temos dez dedos tornou quase inevitável que contemos em
dezenas. E é mesmo um fato neurológico que a parte do nosso cérebro que controla
o movimento dos dedos é muito perto da parte que usamos para a matemática, em
particular para a contagem. Um professor dizer a uma criança para não contar nos
dedos é na verdade dizer: ‘ Não faça matemática’. (...) Quando atingido o dez na
contagem chega-se a uma nova ordem de valor; quando temos dez lotes de dez,
16
What is a base? Talvez tenha sido o último artigo que Dienes escreveu refletindo suas preocupações com a
aprendizagem do SND e o material estruturado que organizou com tal finalidade. Disponível em:
<www.zoltandienes.com/wp-content/uploads/2010/05/what_is_a_base.pdf>, Acesso em: 18 jan. 2014
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obtemos novamente uma nova ordem de valor; e continuando-se desse jeito vão
surgindo as potências de dez que permitem expressar números cada vez maiores.
(...) A posição dos dígitos escritos em um número, é que nos dizem se eles são
unidades, dezenas, centenas ou possuem valores superiores. E por isso que o nosso
sistema de numeração, introduzido na Idade Média pelos árabes, é chamado de
sistema de valor lugar. Meu argumento é que, a fim de entender completamente
como funciona o sistema, nós temos que entender o conceito de potência. (...) Na
escola quando as crianças aprendem a escrever números, eles usam
exclusivamente a base dez e apenas os expoentes zero e um (ou seja, denotando
unidades e dezenas), já que por algum tempo, eles não vão além de números com
dois dígitos. Assim, nem o expoente e nem a base são variadas, e não é de admirar
que as crianças tenham dificuldades em compreender a convenção do valor lugar.
Então, venho sugerindo, no último meio século, que as bases diferentes devem ser
usadas no início; e, para facilitar a compreensão do que está acontecendo,
materiais físicos incorporando as potências de várias bases devem ser
disponibilizados para as crianças. Tal sistema é um conjunto de blocos Multibase,
que eu introduzi na Inglaterra, Itália e Hungria em 1950. Educadores usam hoje os
"blocos MultiBase”, mas a maioria deles só usam a base dez, e ainda eles chamam
o conjunto” multibase”. Esses educadores perdem a potencialidade do material
completo. Os professores que têm utilizado o material desde o início juram por ele
e que nunca iriam voltar a ensinar ‘apenas na base (DIENES, 2002, tradução
nossa).
A queixa explícita de Dienes sobre a utilização de o material Multibase deslocar-se
da proposta original, por ele definida, remete à Chartier (1990), quando fala do uso
diferenciado que é feito dos produtos que circulam em uma sociedade. Tal como esse autor
se refere, a apropriação dos textos e objetos culturais pode ocorrer por meio de desvios, de
reempregos singulares, constituindo um grande desafio para os historiadores culturais.
Ou, como alertam Chervel (1990) e Julia (2001) sobre não nos deixarmos enganar
com a ideia inocente de que tudo que está previsto ou proposto é realmente feito, ou
realmente acontece.
A disseminação e a apropriação das proposições de Dienes para o SND
Os argumentos construídos por Soares (2014) 17, a partir de fontes bibliográficas e
documentais, permitem supor que as proposições teórico-metodológicas de Zoltan Paul
Dienes referentes ao processo de ensino e aprendizagem do Sistema de Numeração Decimal,
apoiado em contagens, agrupamentos e reagrupamentos em diversas bases
foram
disseminadas no Brasil, não apenas por meio das obras do autor, mas, principalmente,
17
Tese de doutoramento em Educação pela PUC/PR, defendida por uma das autoras do presente artigo.
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pelos Grupos que difundiram o Movimento da Matemática Moderna no país, especialmente
o GEEM de São Paulo e o NEDEM do Paraná, de forma direta, em encontros e cursos de
atualização para professores ministrados por alguns de seus
componentes e pelos
documentos escritos produzidos por eles, bem como, por meio das coleções didáticas
elaboradas, por componentes desses Grupos, que veicularam as proposições de Dienes, não
apenas aos professores, mas diretamente aos alunos.
A coleção Curso Moderno de Matemática para a escola elementar, lançada ainda na
década de 1960, elaborados pelas autoras Manhúcia Perelberg Liberman, Lucilia Bechara e
Anna Franchi, ativas participantes do GEEM de São Paulo explicita a apropriação que essas
autoras fizeram das proposições pedagógicas de Dienes para o Sistema de Numeração
Decimal, contemplando agrupamentos e reagrupamentos em diferentes bases de contagem,
denotando a intenção das autoras em conduzir a aprendizagem do SND, pautada na
compreensão do valor posicional.
Essa nova perspectiva de tratamento pedagógico para o SND, fundamentado nas
proposições metodológicas de Dienes para esse componente curricular pode ser observada
no Guia do Professor anexo da Coleção Curso Moderno de Matemática para a Escola
Elementar, conforme figuras 3 e 4.
Figura 3 – Orientações metodológicas para agrupamentos em diferentes bases - 1970
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Fonte: LIBERMAN, FRANCHI E BECHARA. Curso Moderno de Matemática para a
Escola Elementar - Guia do Professor, 3º Volume (p/2º Ano) – 1970, p. 21.
Figura 4 – Agrupamentos e reagrupamentos em base 3
Fonte: LIBERMAN, FRANCHI E BECHARA. Curso Moderno de Matemática para a
Escola Elementar – 3º Volume (p/2º Ano) – 1970, p. 63.
Tal como o GEEM, o NEDEM, representado pelas autoras Clélia T. Martins, Esther
Holzmann, Gliquéria Yaremtchuk e Henrieta D. Arruda, lança gradativamente, a partir de
1973, a coleção Ensino Moderno da Matemática: ensino de primeiro grau, em quatro
volumes, resultante da elaboração, ainda no final da década de 1960, de cadernos
experimentais que foram testados em escolas de Curitiba.
Todos os quatro volumes dos cadernos experimentais do NEDEM, apontam entre as
referências utilizadas pelas autoras, publicações de Zoltan Paul Dienes, Piaget, Liberman,
Franchi e Bechara (GEEM) e Grossi (GEEMPA), sinalizando atenção para as pesquisas
psicogenéticas e metodologias inovadoras, bem como, para as publicações didáticas de
componentes de outros Grupos que disseminaram a Matemática Moderna no Brasil.
No Livro do Mestre que acompanha o 1º volume da referida coleção, onde as autoras
fornecem orientações metodológicas a respeito das atividades propostas no manual didático,
é possível identificar apropriação das autoras da proposição metodológica de Dienes para a
formação do conceito de valor posicional, conforme pode ser observado na figura 5, com
indicações para o professor, e 6, com atividades indicadas para os alunos.
Figura 5 – Orientações metodológicas para contagens e agrupamentos em diferentes bases
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Fonte: NEDEM. Ensino Moderno de Matemática- 1º Volume- Livro do Mestre. 1973, p. 61-62.
Figura 6 - Atividades de agrupamentos e a escrita da “figura numérica” na base 5
Fonte: NEDEM. Ensino Moderno de Matemática- 1º Volume- 1973, p. 117.
Além dessas coleções elaboradas por componentes do GEEM e do NEDEM, outros
manuais didáticos editados a partir da segunda metade da década de 1960 18, embora nem
sempre utilizando a contagem em diversas bases propostas por Dienes, passaram a apresentar
metodologicamente o Sistema de Numeração Decimal, numa perspectiva notoriamente
diferente dos manuais didáticos editados anteriormente a esse período, os quais
18
A partir da segunda metade da década de 1960, houve uma ampliação na produção de manuais didáticos de
matemática para as séries escolares iniciais, talvez pelas mudanças curriculares advindas do MMM.
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majoritariamente tratavam esse componente curricular a partir de regras a serem
memorizadas e seguidas para a leitura e escrita de números, conforme figura 7.
Figura 7 - SND em livro didático para o Ensino Primário - 1941
Fonte: ZANELLO 19, H. Aritmética Primária, 1941. Repositório da UFSC, 2013.
Os manuais editados em tempos de Matemática Moderna, além de utilizar figuras
para ilustrar sugestões de atividades manipulativas com agrupamentos, mesmo que apenas
na base dez, passaram a contemplar, também, tal como Dienes (1970) propõe, a realização
dos algoritmos das operações fundamentais apoiados no princípio do valor posicional, tal
como pode ser observado em produção didática paranaense, conforme figura 8.
Figura 8 – Ilustrações de manipulação para o SND e Adição apoiada no valor posicional
19
Hipérides Zanello - Doutor em Ciências Físicas e Matemáticas, Catedrático da Faculdade de Engenharia do
Paraná, do Instituto de Química do Paraná e da Faculdade de Filosofia, professor do Ginásio Paranaense e do
Colégio Iguassu, de 1941. Essa obra teve sua adoção oficializada no Distrito Federal, Bahia e no Paraná.
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Fonte: CAVALCANTE, L. G. Ensino Moderno da Matemática –
2º Ano Primário. 1968, p. 21-23.
Porém, as coleções didáticas de matemática destinadas às séries iniciais escolares,
elaboradas por Holzmann, Martins, Yaremtchuk, Arruda e Humphreys, componentes do
NEDEM, e por Liberman, Franchi e Bechara, do GEEM, correspondem aos manuais
didáticos que evidenciaram, em suas páginas para os alunos e nos Guias para os Professores,
uma apropriação com maior aproximação às proposições teórico-metodológicas de Dienes
para o SND, por incluírem em suas propostas metodológicas, contagens, agrupamentos e
reagrupamentos em diferentes bases, com vistas à compreensão do valor posicional.
Considerações Finais
O presente estudo aborda a participação efetiva de Zoltan Paul Dienes, desde os
meados do século XX, em pesquisas e discussões internacionais referentes à educação
matemática, destacando sua especial atenção para o processo de aprendizagem do Sistema
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de Numeração Decimal, pautado na compreensão do “valor posicional”, princípio
fundamental desse sistema, por ele entendido como passível de compreensão a partir de
contagens, agrupamentos e reagrupamentos em diferentes bases, dos elementos de uma
coleção.
Admite que, no Brasil, muitos autores de manuais didáticos, desde a segunda metade
da década de 1960, redimensionaram o tratamento metodológico do Sistema de Numeração
Decimal, nas séries escolares iniciais, numa perspectiva voltada à compreensão do Valor
posicional dos algarismos, essência das proposições pedagógicas de de Zoltan Paul Dienes
para esse componente curricular.
No entanto, especificamente, a proposição metodológica contemplando diferentes
bases de contagem foi disseminada, principalmente, por dois dos Grupos que difundiram o
Movimento da Matemática Moderna no país _ o GEEM de São Paulo e o NEDEM do Paraná
– por meio da apropriação que componentes desses grupos fizeram dessa proposição,
veiculando-a por meio de coleções didáticas, fornecendo indícios do papel do livro didático
na difusão de propostas metodológicas inovadoras para o processo de ensino e de
aprendizagem de matemática.
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