Reavaliação da Efetividade da Terapia do uso
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Reavaliação da Efetividade da Terapia do uso
OmniPax Editora Rev Bras Terap e Saúde, 2(1):13-20, 2011 Reavaliação da Efetividade da Terapia do uso Forçado em um Paciente Portador de Acidente Vascular Encefálico Review of Effectiveness of the Use of Forced-Use Therapy in a Stroke Patient Luciana Vieira Castilho-Weinert∗, Angelina de Carvalho Saloni, Cláudia Diehl Forti-Bellani Universidade Federal do Paraná – Setor Litoral, Matinhos, PR Resumo: Contextualização: A terapia do uso forçado consiste na imobilização e na restrição do uso do membro superior não parético do indivíduo com hemiparesia, geralmente causada por um Acidente Vascular Encefálico. Esta terapia tem o objetivo de estimular a maior utilização do membro superior parético e desta forma reverter as possíveis sequelas. Objetivo: Este estudo avaliou a permanência dos ganhos funcionais de um indivíduo com diagnóstico de AVE 10 meses após ter sido submetido a Terapia do Uso Forçado. Verificou-se se esta permanência foi total ou parcial, e, analisou-se a necessidade de acompanhamento e de novas intervenções para que o ganho se perpetue. Material e Métodos: O estudo foi um relato de caso, de caráter quali-quantitativo. Avaliou-se um sujeito com hemiparesia a esquerda, secundária a um AVE, submetido a Terapia do Uso Forçado por 6 horas diárias, durante 2 semanas consecutivas. Este voluntário participou de 3 momentos de avaliação, uma inicial, outra após 2 semanas de tratamento e outra após 10 meses. O protocolo de avaliação incluiu a Escala de Função Brunnstrom, a Escala Modificada de Ashworth, a Escala de Oxford, a goniometria de movimentação ativa, e o tempo de execução do movimento. Resultados: O tempo de execução das atividades e a função manual se apresentaram melhores apenas que a avaliação inicial, o tônus muscular aumentou, e a força muscular e a amplitude de movimento melhoraram. Conclusão: Os resultados foram significativos se comparados com aqueles obtidos na avaliação inicial, em todas as escalas. A Terapia do uso Forçado demonstrou-se eficiente na funcionalidade do membro superior parético, mesmo após 10 meses de sua realização. Para a obtenção de melhores resultados necessita-se de uma intervenção continuada durante este período. Palavras-chave: Terapia do uso forçado, Acidente vascular encefálico, Hemiparesia. Abstract: Contextualization: The forced-used therapy is the immobilization and use restriction in the upper limb not paretic in stroke. This therapy aims to stimulate the larger use of paretic upper limb and minimize the dysfunction. Objectives: This study evaluated de functional acquisition permanence in stroke ten months after the forced-used therapy. We verified if this permanence was total or partial and the necessity of monitoring and new interventions to this acquisition maintenance. Methods: The study was a case relate with quali-quantitative features. It was assessed an individual with left hemiparesis, secondary to a stroke, submitted to forced-used therapy six hours a day, during two weeks. The volunteer participated of three assessments, an initial, other after the two weeks of forcedused therapy, and another ten months after this intervention. The assessment protocol included Brunnstrom Function Scale, Ashworth Modified Scale, Oxford Scale, active movement goniometry and movement time execution. Results: The movement time execution and the manual function were better if compared with the initial assessment, the muscle tone enhanced and the muscle strength and the movement extent were better. Conclusion: The results were significant when compared with those before the therapy. The forced-used therapy application was efficient in the functionality of the paretic upper limb after ten months. However, to obtain better results it is necessary continuous intervention during this period. Keywords: Forced-used therapy, Stroke, Hemiparesis. 1. Introdução A terapia do uso forçado tem várias denominações como terapia por contenção induzida, terapia da restrição, terapia do movimento induzido, no entanto a terapia consiste na imobilização e na restrição do uso do membro superior não parético do paciente portador de uma hemiparesia, geralmente causada por um Acidente Vascular Encefálico (AVE). Visando estimular a maior utilização do membro superior que possui seqüelas neuro-sensório-motoras oriundas de um AVE. O AVE é uma das principais causas de morte no Brasil com 51% das causas de ∗ Autor correspondente: E-mail: [email protected] morte específica do aparelho circulatório em 2004. Na Região Sul o número de óbitos foi de 15.893 no ano de 2005 11 . Vários autores citam a importância da Terapia do uso forçado. Ekman 5 descreve que os movimentos induzidos por contenção melhoram a função dos membros superiores em pessoas com hemiparesia de evolução lenta. Para Assis et al. 1 esta forma de terapia é um tratamento adjunto a fisioterapia convencional, pois tem como objetivo principal a reabilitação do membro superior parético. A eficiência, da Terapia do Uso forçado foi documentada em vários estudos, porém quase não existem dados concretos sobre a permanência nos ganhos de funcionalidade adquiridos. Desta forma, ISSN 2177-9910 14 entende-se como necessária realização de estudos que demonstrem a persistência dos efeitos terapêuticos desta intervenção passado algum tempo de sua aplicação. Esta terapia se iniciou com pesquisas pré-clínicas em primatas machos jovens e possui embasamento teórico pela superação da teoria do desuso (learned nonused), pela qual os primatas voltaram a utilizar o membro superior parético nas atividades cotidianas após o uso forçado do membro superior nãoparético durante duas semanas 19 . Por se basear na superação da teoria do desuso do membro superior lesado, os pacientes submetidos à terapia do uso forçado adquirem o hábito de usar o membro superior parético em suas atividades de vida diária. E, portanto, entende-se como importante a verificação da permanência deste hábito de utilizar o membro superior lesado, bem como verificar se o quadro motor é capaz de evoluir ou regredir após a interrupção da terapia. Taub et al. 20 baseam sua intervenção na teoria de que a contribuição da terapia do uso forçado para a disfunção do membro afetado seria promover o uso não aprendido. Ekman 5 relata que os ganhos funcionais com a reabilitação podem continuar depois de uma longo tempo de lesão, pois a plasticidade do sistema nervoso continua a ocorrer e responde pelos ganhos tardios. Assim, este trabalho visa responder a seguinte problemática: A eficiência da Terapia do uso forçado do membro superior parético tem sido demonstrada em diversos estudos, mas os ganhos adquiridos no final da terapia persistirão o suficiente para que haja efetivamente o aprendizado da função motora ? Logo, o principal objetivo deste estudo é avaliar a permanência dos ganhos da funcionalidade da reabilitação da Terapia do Uso Forçado após 10 meses de tratamento em um indivíduo com diagnóstico de AVE. Os objetivos específicos são: 1. Comparar através de um protocolo de avaliação os ganhos adquiridos após dez meses de terapia do uso forçado; 2. Verificar se esta permanência é total ou parcial; 3. Analisar se há necessidade de acompanhar o paciente com orientações e novas intervenções para que o ganho se perpetue; 4. Analisar a utilização funcional do membro parético em atividades de vida diária; 5. Discutir os resultados de acordo com a literatura. 2. Acidente Vascular Encefálico O AVE é uma patologia do Sistema Nervoso Central que ocorre devido a uma interrupção do fluxo de Castilho-Weinert et al. sangue para uma região do encéfalo, podendo ocorrer por uma obstrução (tipo isquêmico) ou por uma ruptura de vaso (tipo hemorrágico) 4 . Os efeitos da interrupção do fluxo sanguíneo dependem da etiologia, localização e tamanho da área lesional, podendo resultar em uma breve perda de função, comprometimentos permanentes, limitações funcionais e morte 5 . Entre as dificuldades que podem ser apresentadas em pacientes que sofreram AVE pode-se citar: perda de controle voluntário dos movimentos normais, problemas sensoriais, dificuldades para deglutir, problemas com a linguagem, controle de esfincteres prejudicado, entre outros 13 . Segundo Ekman 5 as sequelas neurológicas em pacientes que sobreviveram são: hemiparesia (redução da força em um hemicorpo), afasia (perda da capacidade e das habilidades de linguagem falada e escrita), disartria (incapacidade de articular as palavras de maneira correta), deficiências sensoriais, comprometimento cognitivo e déficits de memória. Dentre os fatores de risco para o desenvolvimento do AVE podem ser considerados em cinco categorias: doenças de vasos, anormalidade anatômica dos vasos, cardiopatia, infecções e redução da perfusão cerebral. Estes fatores podem atuar individual ou combinadamente resultando na redução focal do fluxo de sangue ao tecido cerebral 7 . Os tipos de AVE incluem isquêmico quando um êmbolo ou trombo localiza-se no vaso impedindo a passagem de sangue e hemorrágico quando há ruptura de um vaso causada por um trauma ou malformações anatômicas, como aneurismas 5 . Conforme Ribeiro Sobrinho 15 , a espasticidade, que está presente na maioria dos pacientes, é a resistência aumentada à movimentação passiva, que dificulta ou impossibilita a movimentação ativa, sendo mais evidente em padrões que envolvem os grupos musculares antigravitacionais como grupos flexores de membro superiores e extensores de membros inferiores. O padrão de comprometimento de espasticidade, que é causado pelo tônus muscular aumentado nos músculos antigravidade, caracteriza em alterações como: cabeça lateralizada para o lado acometido, escápula retraída, ombro protuso, rotação interna de úmero, cotovelo flexionado, punho fletido, desvio ulnar, dedos flexionados e aduzidos, e polegar incluso na mão 4 . Para Bobath 2 a espasticidade geralmente se desenvolve, com uma predileção para os músculos flexores de membros superiores e para os extensores dos membros inferiores. Os grupos mais afetados são os depressores da cintura escapular, flexores laterais de tronco, adutores de ombro, flexores e pronadores do cotovelo, punho e dedos. Nos membros inferiores a espasticidade ocorre nos grupos extensores de quadril, joelho e tornozelo. O desenvolvimento desta espasticidade nos mús- Reavaliação da efetividade da terapia do uso forçado em um paciente portador de AVE culos, junto com a incapacidade de executar movimento do lado hemiparético é responsável por assimetria, coordenação anormal, ausência de movimentos rotacionais, inadaptação do corpo em relação à gravidade, ausência de graduação do movimento e de extensão protetora do braço. Com a espasticidade os movimentos são difíceis, lentos, realizados com maior esforço e maior gasto energético, devido ao estado de contração muscular contínua 13 . Os movimentos associados (sincinesias) aparecem como reações associadas nos padrões anormais e inibem a função, desencadeando alterações no padrão de movimento 15 . Devido a persistência de sinergismos o indivíduo perderá a habilidade de movimentar seletivamente os segmentos individuais, prejudicando as atividades de vida diária (AVD’s) 2 . As AVD’s prejudicadas são 13 : • Vestuário: colocar uma camisa, abotoar botões, colocar calçados; • Higiene: tomar banho, escovar os dentes, pentear os cabelos; • Locomoção: marcha independente principalmente em terrenos irregulares, subir escadas e rampas; • Alimentação: comer, segurar uma colher, segurar uma xícara, deglutir alimentos sólidos e beber líquidos. 3. Terapia do Uso Forçado No Brasil a Terapia do Uso Forçado tem sido aplicada no tratamento de pacientes portadores de AVE. Esta terapia apresenta outras denominações como: Terapia da Restrição e Contenção Induzida. Porém, independente da denominação o intuito é o mesmo: restringir o uso do membro não lesionado, isto é, estimular o uso do membro lesionado. 5 descreve que na Terapia do Uso Forçado o membro superior não parético é restringido e o indivíduo é forçado a utilizar o membro parético. A terapia do uso forçado tem como foco principal a desprogramação do desuso motor e não apenas da disfunção motora. Nesta terapia, o paciente tem seu membro não afetado imobilizado, recebe treino do uso do membro superior parético e é estimulado a reproduzir os movimentos nas suas atividades cotidianas. Esta terapia baseia-se no fundamento de que o uso forçado do membro superior parético irá favorecer o aprendizado motor 12 . Desta forma, a técnica de tratamento possui como características: o uso máximo do membro afetado, a inserção do sujeito em atividades funcionais e a restrição do membro superior saudável nas tarefas do dia a dia 10 . 15 Para 4 esta técnica consiste no uso forçado do braço afetado pela restrição do uso do braço não afetado, durante um período de 10 a 15 dias e o paciente faz neste período de tempo treinamento de 6 horas diárias com o braço afetado. A Terapia do Uso Forçado baseia-se no fato de que o uso não aprendido é importante para a recuperação da função do membro parético, pois após o AVE ocorre uma perda da função de uma região do cérebro que foi atingida, perdendo assim a capacidade de movimentação, onde o paciente utiliza mais o membro contralateral, ou seja, o não lesado. Após a recuperação de áreas adjacentes à lesão, os efeitos da lesão não estão mais tão presentes, mas o paciente aprendeu que o membro parético não é mais funcional 5 . Acredita-se que isto pode ser evitado através da referida técnica. Segundo Assis et al. 1 a base teórica da terapia está na superação da teoria do desuso e sua superação ocorre com o treinamento intensivo, assim promovendo reorganização cortical uso-dependente. Devido o uso aumentado do membro superior durante esta terapia acredita-se que a área encefálica correspondente aos movimentos treinados é estimulada. Desta forma, aumenta-se a representação cortical e melhora-se a funcionalidade motora. Um estudo demonstrou a combinação da terapia do uso forçado com a terapia convencional. Nesta pesquisa obteve-se melhor desempenho comparandose a um tratamento de fisioterapia convencional isolado. Anteriormente ao tratamento, a área de representação cortical da mão parética foi significativamente menor do que o lado contralateral, conforme visualização por meio de ressonância magnética. O aumento no córtex motor foi acompanhado por uma melhoria significativa na destreza 8 . Em outro relato da literatura, foram estudados 12 indivíduos com sequelas de AVE com 12 dias de restrição do membro não parético. Após a aplicação da Terapia do Uso Forçado, realizou-se exames de ressonância magnética que demonstraram mudanças mais acentuadas no hemisfério afetado comparado com o lado não afetado. Os testes motores de função também indicaram uma melhora em todos os participantes do estudo13. Em estudo recente também evidenciou-se que a técnica é um tratamento potente para melhorar a movimentação funcional do membro hemiplégico do indivíduo com sequelas de AVE 6 . Outro estudo realizado antes e após o tratamento com a terapia do uso forçado, a imagem por ressonância magnética revelou mudanças nas estruturas cerebrais das áreas sensórias e motoras do cérebro, acompanhadas pela melhora da função motora espontânea do membro com hemiparesia. Também foram identificadas mudanças no hipocampo que é uma estrutura que se relaciona com o processo de 16 aprendizagem e memória 9 . 4. Materiais e Métodos Esta pesquisa foi do tipo estudo de caso, descritiva e qualitativa, através da comparação e observação de dados. Sua área de pesquisa abrangeu a Fisioterapia, mais especificamente a Fisioterapia Neurológica, com contribuição expressiva para área de Reabilitação Neurológica de indivíduos adultos. A mesma se deu após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Instituto Brasileiro de Therapias e Ensino (CEP-IBRATE), e foi realizada de acordo com a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, respeitando a autonomia do indivíduo, a beneficência, a não maleficência, a justiça e a equidade. Para obtenção dos dados avaliou-se um sujeito que foi submetido ao tratamento da Terapia do Uso Forçado no ano de 2008, de sexo masculino, de faixa etária entre 50 a 60 anos, com diagnóstico clínico de AVE crônico (estável) e portador de hemiparesia esquerda, sem patologias associadas. Nesta ocasião o mesmo recebeu uma avaliação inicial, e então foi submetido à 6 horas diárias de treinamento sendo 3 horas contínuas no período da manhã e 3 horas contínuas no período da tarde, durante duas semanas consecutivas. Durante a terapia o voluntário era orientado a permanecer com o membro superior não parético imobilizado através de uma tipóia que restringia a movimentação de ombro e cotovelo e através de um enfaixamento que restringia a mão e o punho. Após as horas de terapia o sujeito era incentivado pelo terapeuta e pelos seus familiares a permanecer com a utilização do membro parético em suas atividades de vida diária mesmo sem a imobilização. Ao final das duas semanas o sujeito da pesquisa foi reavaliado. Então transcorreram-se 10 meses em que o voluntário não obteve nenhuma intervenção terapêutica, e após este período realizou-se uma nova reavaliação (terceira avaliação) com o objetivo de verificar se os ganhos funcionais permaneciam. As avaliações foram feitas com a utilização de materiais de mensuração goniômetro e cronômetro. O protocolo utilizado neste estudo possui cinco itens e embasa-se nos instrumentos propostos no estudo de Veron & Oliveira 21 : 1. Tempo de movimento de atividade na Terapia do Uso Forçado 21 ; 2. Escala de Função Brunnstrom 16 ; 3. Tônus muscular pela Escala Modificada de Ashworth 3 ; 4. Força muscular pela Escala de Oxford 17 ; 5. Goniometria de movimentação 21 . Castilho-Weinert et al. 5. Resultados Os resultados referentes a tempo de execução de movimentos foram demonstrados na Tabela 1 que apresenta dados pré-terapia (avaliação 1), pósterapia (avaliação 2) e após 10 meses (avaliação 3). Tabela 1: Tempo de atividade na terapia do uso forçado 21 . Atividade Feijão e colher Massa de modelar Argolas Blocos em cima da caixa Bolas de ping-pong Varal Cone Bola de tênis Encaixe na vertical Amassar massa com os dedos Prono-supinação Torre de Hanói Fichas no feijão Manipulando clips de papel Virando dominós Teclado Quadro de formas Bolinhas de gude Rosquear Amassando a massa de modelar Pinos coloridos Tabua de parafusos Avaliação 1 Avaliação 2 Avaliação 3 NR NR NR NR NR NR NR NR 0,13 min 0,28 min 0,10 min 0,9 min NR NR 1,52min NR 1,6 min NR NR NR 0,5 min NR 0,2 min NR 0,13 min 0,14 min 0,15 min NR 0,20 min NR NR 0,4 min NR 1,1 min NR 0,2 min NR 0,3 min 0,17 0,24 0,29 0,10 0,5 min NR 1,25 min 0,6 min 0,43 min NR 0,2 min NR 0,5 min 0,2 min 0,2 min NR 0,9 min NR NR 0,20 min 0,36 min NR 0,26 min NR 0,2 min NR 0,7 min NR min min min min NR = Não realizou Segundo os parâmetros estudados neste item avaliado, o sujeito obteve melhora no desempenho nas atividades cronometradas comparando-se pré-terapia (avaliação 1) e pós-terapia (avaliação 2). Porém o resultado após 10 meses de terapia (avaliação 3) foi inferior em relação ao resultado pós-terapia (avaliação 2). No entanto, apesar da melhora não ter se mantido, em muitos itens, o resultado após 10 meses de terapia (avaliação 3) supera a condição inicial do indivíduo (avaliação 1) Os resultados referentes à função de mãos e membros superiores foram analisados com base na Escala de Função de Brunnstrom 16 . As Tabelas 2 e 3 mostram os parâmetros da escala e a Tabela 4 apresenta os resultados pré-terapia (avaliação 1), pósterapia (avaliação 2) e após 10 meses (avaliação 3). Na avaliação da função das mãos observa-se que os resultados da avaliação pós-terapia (avaliação 2) foram melhores em relação aos resultados pré-terapia (avaliação 1), mas na avaliação após 10 meses de tratamento (avaliação 3), o resultado manteve-se a Reavaliação da efetividade da terapia do uso forçado em um paciente portador de AVE Tabela 2: Escala de função de Brunnstrom para mãos 16 . Grau 1 Grau 2 Grau 3 Grau 4 Grau 5 Grau 6 Não realiza movimentos em membros superiores e inferiores. Apenas sinergias – movimentos discretos. Flexão de dedos e pequena extensão reflexa. Flexão e extensão reflexa de dedos. Movimento individual dos dedos; prono e supino com dificuldade. Realiza todos os movimentos com as mãos. Tabela 3: Escala de Brunnstrom para membros superiores 16 . Grau 3 Grau 4 Grau 5 Grau 6 Eleva a mão na orelha (mesmo lado). Flete o braço a 90o e leva até a região lombar. Extensão completa e prono e supino com dificuldade. Normal. Grau 5 Grau 2 Grau 6 Grau 4 -terapia (avaliação 1). Na avaliação após 10 meses de terapia (avaliação 3) obteve diminuição de força muscular em alguns grupos, mas em outros conseguiu manter o mesmo resultado que possuía no período pós-terapia (avaliação 2). Em um único grupo muscular obteve aumento progressivo de força muscular comparando os dados das 3 avaliações. Para análise da Amplitude de Movimento (ADM) utilizouse a Goniometria de movimentação ativa (Tabela 9). Neste item avaliado é usado o goniômetro que é um instrumento de medida de movimento articular podendo ser graduado 0o a 180o dependendo do ângulo de movimento fisiológico de cada articulação. Na avaliação pós-terapia (avaliação 2) obteve-se aumento de ADM em todos os grupos musculares em relação aos dados pré -terapia (avaliação 1) . Após 10 meses de terapia (avaliação 3) percebe-se aumento de amplitude de movimento em relação às avaliações 1 e 2, porém em alguns grupos musculares a ADM manteve-se igual a pós-terapia (avaliação 2). Portanto, não houve perda. 6. Discussão Tabela 4: Resultados alcançados. Escala de Avaliação 1 Avaliação 2 Avaliação 3 Brunnstron Para Mãos Para Membros Superiores 17 Grau 5 Grau 3 condição pré-terapia. Na avaliação de membros superiores, a avaliação 3 mostra que ouve melhora em relação à avaliação 1, porém houve pequena perda da melhora obtida quando comparado o resultado após 10 meses com aquele obtido imediatamente após a terapia. O tônus muscular foi analisado pela Escala Modificada de Ashworth 6 apresentada na Tabela 5. E os resultados obtidos nas avaliações pré-terapia (avaliação 1), pós-terapia (avaliação 2) e após 10 meses (avaliação 3) são demonstrados na Tabela 6. Neste item avaliado houve aumento do tônus muscular após 10 meses (avaliação 3) de terapia comparados tanto com a avaliação pré-terapia (avaliação 1), quanto com a avaliação pós-terapia (avaliação 2). A melhora na força muscular foi analisada pela Escala de Oxford 17 , que possui os parâmetros conforme a Tabela 7, e cujos resultados estão descritos na Tabela 8. Nesta avaliação o sujeito da pesquisa obteve aumento de força muscular pós-terapia (avaliação 2) na maioria dos grupos musculares e outros grupos manteve-se igual com relação a avaliação pré A terapia do uso forçado baseia-se na teoria do desuso para contribuição da disfunção do membro superior parético, sendo que após o AVE o indivíduo utilizaria mais o membro superior não lesado por ser mais eficiente e seus movimentos facilmente controlados. Assim tendo consequências e alterações a longo prazo, no hemicorpo afetado, como: atrofia de fibras musculares e diminuição de input sensorial 19 . A dificuldade inicial para o movimento inibe a atividade voluntária do membro acometido 14 . No entanto a recuperação das lesões encefálicas é lenta e a capacidade motora deve ser cada vez mais estimulada, mas os indivíduos que sofreram a lesão entendem que o membro não está funcional e acabam por não utilizá-lo. Desta forma, o quadro motor do paciente apenas piora, pois o déficit contínuo de movimentação ativa após uma lesão encefálica pode levar a perda da função em áreas adjacentes não lesionadas 14 . Como no cérebro as regiões corticais se ajustam constantemente processando informações e conservando a capacidade de obter novas funções, as alterações de sinapses podem promover reorganização cortical e ter consequências funcionais. As áreas de representação cortical podem ser transformadas decorrentes de estímulos sensoriais, experiências e aprendizado após lesões encefálicas sugerindo o envolvimento de áreas adjacentes cérebro 5 . O aprendizado motor e a memória motora ocorrem através de alterações persistentes e contínuas nas conexões sináptica 5 . Se uma tarefa motora é executada continuadamente a representação cortical das áreas responsáveis pela função irá aumen- 18 Castilho-Weinert et al. Tabela 5: Escala modificada de Ashworth 3 . Valor Avaliação da Condição do Tônus Muscular 0 1 1+ 2 3 4 Nenhum aumento no tônus muscular Leve aumento do tônus muscular, manifestado por uma tensão momentânea ou por resistência mínima, no final da amplitude de movimento articular (ADM), quando a região é movida em flexão ou extensão Leve aumento do tônus muscular, manifestado por tensão abrupta, seguida de resistência mínima em menos da metade da ADM restante Aumento mais marcante do tônus muscular, durante a maior parte da ADM, mas a região é movida facilmente Considerável aumento do tônus muscular, o movimento passivo é difícil Parte afetada rígida em flexão ou extensão Tabela 6: Resultados referentes à qualidade do tônus muscular. Movimento Tônus Tônus Tônus Tônus Tônus Tônus Tônus Tônus Tônus de de de de de de de de de ombro em flexão ombro em extensão ombro em abdução ombro em adução cotovelo em flexão cotovelo em extensão punho em flexão punho em extensão dedos Avaliação 1 Avaliação 2 Avaliação 3 1 0 0 0 1+ 0 1 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 2 0 1 0 2 0 1+ 0 0 Tabela 7: Escala de Força de Oxford 17 . Grau Força 0 1 2 3 4 5 Ausência de contração Tremulação de movimento Movimento com a gravidade contrabalançada Movimento contra a gravidade Movimento contra a gravidade e contra a resistência Quando a força do músculo pode ser considerada normal tar como demonstrado pelo estudo de Liepert et al. 9 . O uso forçado do membro superior parético com a utilização de atividades cotidianas favorecem o aprendizado motor, pois as experiências já estavam registradas no engrama motor 18 . Desde os primeiros experimentos realizados com macacos na década de setenta, diversos trabalhos foram publicados demonstrando a eficácia da técnica da terapia do uso para lesões encefálicas. Porém há poucos relatos e estudos publicados sobre a permanência de ganhos de funcionalidade. Acredita-se que, nesta pesquisa, na avaliação 3 houve melhora da ADM (Tabela 9) de alguns movimentos, bem como da força muscular em flexores dos dedos (Tabela 8), porque tais músculos e amplitudes sejam bastante requisitados durante as atividades cotidianas do paciente. Sobre o aumento do tônus muscular (Tabela 6), este parece benéfico, pois a evolução até o grau 2 da escala de Ashworth garante que o segmento seja movido mais facilmente (Tabela 5). Outro fator considerado importante é a dor referida durante a rotação externa, na terceira avaliação. Entende-se que a maior utilização do membro parético e as alterações de tônus podem causar sobrecargas articulares e lesões tendinosas. Estas questões precisam ser consideradas e mais bem avaliadas em estudos futuros. 19 Reavaliação da efetividade da terapia do uso forçado em um paciente portador de AVE Tabela 8: Evolução da força muscular. Movimento Avaliação 1 Avaliação 2 Avaliação 3 3 3 3 2 3 2 4 3 3 3 4 2 3 3 3 4 4 3 3 4 3 4 3 4 4 4 3 4 4 4 3 4 3 3 4 dor 4 3 4 3 4 3 3 5 3 Flexão de ombro Extensão de ombro Adução de ombro Abdução de ombro Rotação interna de ombro Rotação externa de ombro Flexão de cotovelo Extensão de cotovelo Flexão de punho Extensão de punho Pronação de cotovelo Supinação do cotovelo Extensão dos dedos Flexão dos dedos Abdução dos dedos Tabela 9: Goniometria de movimentação ativa. Movimento (ADM ativa) Flexão de ombro Abdução de ombro Rotação interna de ombro Rotação externa de ombro Extensão de cotovelo Flexão de cotovelo Extensão de punho Flexão de punho Pronação Supinação Avaliação 1 Avaliação 2 Avaliação 3 40o 50o 20o 0o 80o 110o 20o 55o 90o 0o 60o 60o 40o 10o 80o 120o 40o 65o 90o 15o 50o 70o 40o dor 80o 150o 28o 60o 90o 90o Neste estudo os resultados após 10 meses de terapia (avaliação 3) foram inferiores em relação aos resultados alcançados na avaliação pós-terapia (avaliação 2). No entanto, em muitos itens avaliados o resultado após 10 meses de terapia (avaliação 3) ainda superou a condição inicial do indivíduo (avaliação 1). Isto responde a questão inicial levantada por este estudo. Os ganhos funcionais com a intervenção da terapia do uso forçado permanecem, porém não se mantêm na mesma proporção daqueles verificados logo após a terapia. 7. Considerações Finais Este estudo permitiu concluir que a Terapia do Uso Forçado é eficaz na reabilitação em indivíduos com sequelas de AVE e também evidenciou a permanência de ganhos de funcionalidade do membro superior parético no período de após de 10 meses de intervenção. Porém os ganhos funcionais não permaneceram na mesma proporção, e conclui-se que há necessidade de se realizar intervenções com esta terapia periodicamente, com caráter de manutenção. Então, os resultados sugerem que a terapia do uso forçado por si só não é elemento fundamental para os processos de aprendizagem motora. Também, as teorias modernas de controle motor, embasado na teoria dos sistemas dinâmicos, referem o quão importante é para o comportamento motor a prática de atividades funcionais, que auxiliam a formar os mecanismos automáticos do movimento funcional, bem como a importância do meio ambiente para tal. Assim, sendo, o fato do sujeito da pesquisa ter ficado 10 meses afastado da terapia, sugere que a repetição adequada do ato motor funcional com o membro superior afetado, pode ter vindo a ser prejudicada por desatenção do paciente e ou desmotivação do mesmo por parte dos seus familiares. Ainda, fatores ambientais podem ter influenciado negativamente no uso apropriado do membro superior em questão. É indispensável ressaltar que o fator motivacional é importante para que o indivíduo continue encorajado a utilizar o membro superior parético em suas atividades de vida diária, assim mantendo os ganhos de funcionalidade adquiridos através terapia. 20 Assim sendo, parece que a referida técnica deve ser encarada como mais um recurso terapêutico coadjuvante no tratamento do membro superior parético, e deve ser realizada com supervisão periódica do profissional responsável. Há necessidade de realização de futuros trabalhos sobre a reavaliação da Terapia do uso Forçado, correlacionando está técnica com os mecanismos da plasticidade neural e da aprendizagem motora. Castilho-Weinert et al. [19] Taub, E., Movement in nonhuman primates deprived of somatosensory feedback. In: Keogh, J.F. (Ed.), Exercise and sports science reviews. Santa Barbara, EUA: Journal Publishing Affiliates, p. 335–374, 1977. [20] Taub, E.; Miller, N.E.; Cook, E.W.; Flemig, W.C.; Nepomuceno, C.S.; Connel, J.S. & Crago, J.E., Technique to improve chronic motor deficit after stroke. Archives of Physical Medicine and Reabilitation, 74(4):347–354, 1993. [21] Veron, C.D. & Oliveira, V.F., Terapia da constrição induzida no tratamento de membro superior parético de pacientes vitimados por acidente vascular cerebral. Trabalho de conclusão de curso, Associação Catarinense de Ensino, Joinville, SC, 2007. 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Notas Biográficas Luciana Vieira Castilho-Weinert é fisioterapeuta (PUC-PR, 2003), tem especialização em Fisiologia Humana e da Nutrição (PUCPR, 2006), mestrado e Doutorado em Ciências (UTFPR, 2004 e 2010). Atualmente é docente do curso de Fisioterapia da UFPR, setor Litoral, em Matinhos (PR) e tem atuado nas áreas de Fisioterapia em Neurologia e Neuropediatria, Bioética, Informática em Saúde e na Fisioterapia. Link para o currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6193820960253190. Angelina de Carvalho Saloni é fisioterapeuta (ACE-SC, Ano?) e tem especialização em Neurologia com ênfase em Neuropediatria (IBRATE , Ano?). Claudia Diehl Forti-Bellani é Fisioterapeuta (ULBRA-RS, 2001), Mestre em Ciências Biológicas – Neurociências (UFRGS, 2005) e tem formação pelo Conceito Neuroevolutivo Bobath. Atualmente é coordenadora do curso de especialização em Neurologia com ênfase em Neuropediatria do IBRATE. Link para o currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7960878669942175. Histórico Submetido em 29/03/2011 Revisado em 07/12/2011 Aceito em 07/12/2011 Publicado on-line em 29/02/2012