a história da estação ecológica do tapacurá
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a história da estação ecológica do tapacurá
A HISTÓRIA DA ESTAÇÃO ECOLÓGICA DO TAPACURÁ (SÃO LOURENÇO DA MATA, PE) BASEADA NO RELATÓRIO DE VASCONCELOS SOBRINHO DE 1976. ARGUS VASCONCELOS DE ALMEIDA MARIA ADÉLIA BORSTELMANN DE OLIVEIRA RECIFE 2009 2 A HISTÓRIA DA ESTAÇÃO ECOLÓGICA DO TAPACURÁ (SÃO LOURENÇO DA MATA, PE) BASEADA NO RELATÓRIO DE VASCONCELOS SOBRINHO DE 1976. Argus Vasconcelos de Almeida1 Maria Adélia Borstelmann de Oliveira2 Introdução A história da Estação Ecológica do Tapacurá confunde-se com a própria história da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Criada em 1975 por iniciativa do Professor João Vasconcelos Sobrinho, foi instalada nas terras onde funcionou entre 1917 a 1936 a antiga Escola Superior de Agricultura “São Bento”, que deu origem à Universidade Federal Rural Pernambuco (UFRPE) transferida em 1938 para o bairro de Dois Irmãos no Recife. A foto mais antiga da Escola em 1915, antes da construção da igreja em 1917. Do lado direito, ao fundo vê-se o outeiro de Pedro. (fonte Álbum das Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinária - 19131923. Friburgo/Alemanha: Tipographia Herder & Cia, 1923). 1 2 Professor Associado do Departamento de Biologia da UFRPE. [email protected] Professora Associada [email protected] do Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal da UFRPE. 3 Vista da EET feita da orla da mata do Camocim (1986). Prédio da Escola e seu jardim em 1922. (fonte Álbum das Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinária - 1913-1923. Friburgo/Alemanha: Tipographia Herder & Cia, 1923). 4 Ruínas do prédio da Escola em 2000 (foto de José Rodrigues Correia Filho). Grupo de estudantes e professores na escadaria do prédio da Escola, vendo-se no alto ao centro o Diretor Dom Pedro Bandeira de Melo em 1922. (fonte Álbum das Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinária - 1913-1923. Friburgo/Alemanha: Tipographia Herder & Cia, 1923). Na área da Estação, encontram-se as matas, capoeiras e terrenos vagos, além de uma bacia hidrográfica, representada pelo lago formado pelo 5 represamento do Rio Tapacurá. Existe alguma discrepância acerca da área total da EET, enquanto a página da UFRPE informa que sua área é de 776 hectares, estimativas recentes avaliam a sua área em 428 hectares e o próprio Vasconcelos Sobrinho em seu relatório afirme que a área da EET é de 330 hectares. Situada no município de São Lourenço da Mata, (antiga Estação de Tapera), na latitude 8 º 10 ', longitude 35 ° 11' e altitude 102 m. Atualmente sua área é dividida pelas águas do açude de Tapacurá em dois fragmentos remanescentes da Mata Atlântica, denominados de Mata do Toró e Mata do Camocim (LYRA-NEVES et al., 2007). A Estação é classificada como Área de Floresta Estacional Semidecidual de Terras Baixas, possui clima do tipo As’ com precipitação média anual de 1300 mm ao ano e seis meses com menos de 100 mm. Apresenta vegetação de mata seca predominantemente arbórea, atingindo cerca de 30 m de altura (LYRA-NEVES et al., 2007). Atualmente a Estação é um campus avançado da UFRPE, dirigida por Paulo Martins. Destina-se a pesquisas na área de Botânica, Zoologia e Ecologia. A Estação também realiza atividades de produção de mudas de espécies frutíferas e florestais de interesse da Mata Atlântica, tais como o PauBrasil, Pau-Jangada e Ipê. A Estação pretende incentivar a educação ambiental, através da realização de visitas ecológicas, é uma importante base de pesquisas, como o estudo da recuperação espontânea e orientada em solos fora de uso, reintrodução de espécies vegetais e animais extintos na região, funciona também como um banco permanente de sementes, dando suporte a setores de reflorestamento e silvicultura. De acordo com o Professor Osvaldo Martins F. de Souza3 (2008), em 1936, com a fundação do Aprendizado Agrícola de Pacas, em Vitória de Santo Antão, este foi transferido dois anos depois para o Engenho de São Bento, no mesmo local onde havia funcionado a Escola Superior de Agricultura “São Bento”. Já sob o nome de Escola Agrotécnica de São Lourenço da Mata, foi incorporado à Universidade em 1957 e foi novamente renomeada dez anos depois, em homenagem a um antigo monge beneditino que havia ensinado na 3 Professor aposentado da UFRPE, onde exerceu várias funções, destacando-se a Direção da Escola Agrotécnica, no período de 1958 a 1968. Idealizou juntamente com o Professor Roldão Siqueira Fontes e do Professor Vasconcelos Sobrinho a Campanha Nacional em prol da Preservação do Pau-brasil. 6 escola, passando a chamar-se Colégio Agrícola Dom Agostinho Ikas, que foi professor de Zootecnia, na Escola e na Escola Agrotécnica de São Lourenço da Mata. Na Escola desenvolveu um grande interesse pelo estudo das serpentes venenosas da região e também pela aplicação da diagnose com base no exame da íris na medicina veterinária, conhecida como iridiologia, como pode ser constatado pelo artigo de sua autoria intitulado “A diagnose iridiana na medicina veterinária” (IKAS, 1930) publicado no jornal estudantil da Escola “O Semeador”. Dom Agostinho Ikas, chamado pelo povo de “Pai dos Pobres”, era a figura mais conhecida e querida do Vale do Tapacurá. Muitas vezes enfrentando rigoroso inverno a qualquer hora do dia ou da noite. Protegido por capa e guarda-chuva, tendo em uma das mãos uma lanterna, saía da Escola anexa à igreja, subindo e descendo ladeiras, para dar extrema-unção a um moribundo, ou dar remédio a um enfermo, não importando se rico ou pobre, branco ou preto, crente ou ateu (SOUZA, 2008). Acometido de grave doença, foi transferido para o Mosteiro de São Bento, em Olinda, falecendo em 3 de setembro de 1968, sepultado no piso do pátio interno do Mosteiro, cuja laje contém os seguintes dizeres: “PA. D. In Sub, Augustino Ikas, Pater Pauperum Vocatus. Natus in Markelsheim die 20 febr 1893, obit die 3 sept 1968” (SOUZA, 2008). 7 Caricatura do acadêmico João Vasconcelos Sobrinho publicada no jornal estudantil “O Enigma”, ano I, n.III, 28/8/1928. Segundo Gaspar (2008) o Professor João Vasconcelos Sobrinho nasceu no dia 28 de abril de 1908, em Moreno, cidade da Região Metropolitana do Recife, Pernambuco. Pioneiro na área dos estudos ambientais no Brasil é considerado uma das maiores autoridades em ecologia da América Latina. Foi o primeiro diretor do Jardim Zoobotânico de Dois Irmãos, atual Parque de Dois Irmãos, inaugurado no dia 14 de janeiro de 1939, pelo então interventor de Pernambuco Agamenon Magalhães, no bairro de Dois Irmãos. Foi um dos responsáveis pela criação da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), onde introduziu as disciplinas Ecologia Conservacionista (primeira do gênero ministrada no Brasil) e Desertologia, além de ter exercido também o cargo de reitor (1963). Professor, engenheiro agrônomo e ecólogo conservacionista, Vasconcelos Sobrinho exerceu diversos cargos, entre os quais o de titular de Botânica da UFRPE; professor catedrático da cadeira de Botânica Tecnológica da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); diretor do serviço de Inspeção Florestal e Proteção à Natureza de Pernambuco; diretor do Serviço Florestal do Ministério da Agricultura - posteriormente denominado Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF); diretor do Centro 8 Pernambucano da Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza e consultor da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Foto do acadêmico João Vasconcelos Sobrinho publicada no jornal estudantil “O Semeador”, ano I, n.2, 21/4/1929. Membro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), foi um dos primeiros cientistas a alertar sobre a formação de deserto em algumas regiões brasileiras, sendo convidado para participar da Conferência das Nações Unidas sobre Desertificação em Nairóbi, no Quênia. Também muito se empenhou na campanha pelo reflorestamento do pau-brasil e fundou a Estação Ecológica de Tapacurá (UFRPE). O problema da desertificação passou a ser destacado a partir da década de 1970, quando Vasconcelos Sobrinho alertava que estaria surgindo no semiárido brasileiro um grande deserto com todas as características ecológicas que conduziriam à formação dos grandes desertos hoje existentes em outras regiões do globo. Segundo Meunier (2008) é impossível tratar de Desertificação no Brasil, e ainda mais em Pernambuco, sem associar esse tema ao ecólogo Vasconcelos Sobrinho. Vasconcelos Sobrinho não foi apenas convidado a participar da conferência sobre Desertificação de Nairobi, Quênia, em 1977. Depois da I 9 Conferência da ONU sobre Meio Ambiente em 1972, de Estocolmo, a ditadura militar no Brasil foi instigada a elaborar um relatório sobre os processos de desertificação no país. Ficou sob a sua responsabilidade a coordenação do “Relatório Nacional sobre a situação das áreas sub-úmidas e semi-áridas e as conseqüências da seca” a ser apresentado na Conferência em Nairobi, Quênia, em 1977. Publicou mais de vinte trabalhos, todos sobre ecologia e conservação dos recursos naturais, entre os quais podem ser destacados: Dicionário de termos técnicos de botânica (2. ed., 1945); As regiões naturais de Pernambuco, o meio e a civilização (1949), o seu livro mais conhecido; As regiões naturais do Nordeste, o meio e a civilização (1970); Ciência, religião sem dogmas (2.ed., 1973); O grande deserto brasileiro (1974); Catecismo da ecologia (1979); Processos de desertificação ocorrentes no Nordeste do Brasil: sua gênese e sua contenção (1982); Desertificação no Nordeste do Brasil (coletânea de trabalhos publicados pelo Departamento de Planejamento de Recursos Naturais da Sudene, em 2002). João Vasconcelos Sobrinho faleceu no dia 4 de maio de 1989, no Recife. O seu Relatório apresentado ao Conselho da Estação Ecológica do Tapacurá em 1976, hoje se constitui num documento importante para a história da EET e da própria UFRPE, razão por que o reproduzimos na íntegra no presente trabalho e tentamos discutir os seus aspectos históricos. RELATÓRIO APRESENTADO AO CONSELHO DA ESTAÇÃO ECOLÓGICA DO TAPACURÁ, REFERENTE AO PRIMEIRO ANO DE ATIVIDADES. Excelentíssimos Senhores Conselheiros INTRODUÇÃO Cumpre-nos, na qualidade de responsável pela implantação e administração da Estação Ecológica do Tapacurá, por designação do Magnífico Reitor Professor Humberto Carneiro, da Universidade Federal Rural de Pernambuco, e homologação do Magnífico Reitor Marcionilo Lins, da 10 Universidade Federal de Pernambuco, apresentar-vos o relatório das atividades desta Instituição no decorrer do primeiro ano do seu funcionamento. Certamente não esperais que um grande trabalho tenha sido já realizado, no entanto algo de positivo pode ser apresentado, o suficiente para conferir à Estação Ecológica do Tapacurá, uma estrutura definida e confirmar a sabedoria de sua criação. De fato, tem sido necessário um esforço imenso para imprimir aquele primeiro impulso indispensável à movimentação da máquina administrativa e vencer a inércia das circunstâncias que envolvem toda atividade pública. Mas o apoio e estímulo a toda prova que nos tem sido dado pelo Magnífico Reitor Prof. Humberto Carneiro, vem constituindo a mola mestra do êxito que já se pronuncia de futuro. Também cumpre ressaltar o apoio generalizado das demais autoridades e companheiros da Universidade Rural, notadamente do Professor Murilo Salgado, Diretor do Departamento de Administração, sempre pronto a encontrar soluções para os problemas do âmbito administrativo, aquelas pequenas coisas que apesar de pequenas constituem para quem administra, o motivo maior das frustrações psíquicas e dos enfartes do miocárdio. Nem poderemos esquecer a personalidade ilustre do Magnífico Reitor Paulo Maciel, que prestimosamente jamais se recusou a conceder-nos um pouco do seu precioso tempo sempre que o procuramos em função dos interesses da Estação Ecológica da qual é um dos fundadores e membro do seu Conselho. Cumpre, também, não esquecer os estímulos que de quando em quando nos têm sido dados por tantos dos nobres conselheiros, todos eles permanecendo sempre indagadores interessados das realizações da Estação. Entre eles manda a justiça salientar a personalidade impar de Gilberto Freyre, velho pioneiro da ecologia desde os tempos de Casa Grande e Senzala, indiscutivelmente o primeiro tratado já escrito evidenciando o relacionamento da sociologia com a ecologia, criando o que hoje se denominaria de Ecologia Sociológica, aspecto esse das ciências ecológicas que vem se firmando como extremamente válido e atual. E que diremos de Costa Porto, velho companheiro de lutas conservacionistas desde os tempos de sua profícua atuação no Departamento 11 das Cooperativas do Estado de Pernambuco, sempre tão interessado nas ilusões desse “Dom Quixote da ecologia” que somos, a lutar contra os “moinhos de vento” do poderio econômico e da política, com a espada franzina da proteção à vida, à natureza, ao ambiente. E assim, de cada um em particular e de quantos compõem este egrégio Conselho, tem sempre a Estação Ecológica do Tapacurá, recebido estímulos tantos que tem tornado tudo mais fácil em meio de dificuldades tamanhas. Se outras formas de estímulo não houvesse, bastaria para merecer a gratidão da nossa modesta Estação Ecológica, a imensa generosidade que ressalta da simples aceitação por vós de compartilhamento neste Conselho, conferindo, por esse modo, os altos méritos de cada um à humilde instituição tão modesta ainda na qual tudo são apenas promessas. Criada pela resolução n0 51/75 de 03 de março de 1975, a Estação Ecológica do Tapacurá teve sua instalação no dia 05 de abril do mesmo ano, em reunião do seu Conselho Consultivo, quando tomaram posse todos os membros presentes. A cerimônia foi realizada na sede da Estação Ecológica, no Município de São Lourenço da Mata, de tudo dando conta a ata que foi lavrada na ocasião e assinada por todos os presentes. Resultou a idéia da criação da Estação Ecológica do Tapacurá, de um encontro dos Magníficos Reitores Paulo Maciel e Humberto Carneiro e do Professor Marini Bettolo, os quais, de justiça, devem ser considerados seus fundadores. Possui a Estação Ecológica do Tapacurá uma área de 330 hectares, área relativamente pequena para os fins a que se propõe, porém bastante para construir um núcleo de atuação ativo, capaz de interferir beneficamente no sentido ecológico, em vastas áreas, e assim ampliar de muito seu âmbito de atuação. Para compreender esse aspecto de atividades da Estação Ecológica do Tapacurá fora de sua área, basta referir o fato que passamos a denominar de “Operação Tartaruga”. Nos primeiros dias de março último, chegou ao conhecimento da Estação Ecológica do Tapacurá a presença de imensos cardumes de tartarugas arribados às praias de Sirinhaém e outras praias próximas. 12 Estabeleceu-se um comércio predador de inusitado barbarismo. Um empresário cedia redes a um numeroso grupo de adventícios cuja função consistia em apanhar durante a semana as tartarugas, arribadas à praia para desova. Os animais permaneciam condenados à fome e sede durante toda a semana, imobilizados em posição dorsal, até o sábado, quando eram descarnadas para a venda da carne aos restaurantes. Com apoio integral do delegado do IBDF em Pernambuco, o Professor José Ferreira da Silva, membro deste Conselho, nos deslocamos para a área buscando tomar conhecimento pessoal do fato, daí decorrendo uma ação conjunta do IBDF e da SUDEPE, a responsável maior pelas soluções do caso. Em algumas tartarugas foram encontradas placas com referências de identificação, e solicitação para remessa da placa para Universidade da Flórida. Evidenciou-se, assim, que se tratava de uma espécie sob observação fenológica, habitante de uma estação biológica da referida Universidade, espécie, possivelmente, em processo de extinção. Tratava-se de um magnífico fenômeno de migração anual, buscando, milhares de indivíduos, praias mais quentes para a operação de desova. Nadaram, essas tartarugas, mais de 9.000 quilômetros, em busca da sobrevivência da espécie. Cumpria que encontrassem na orla marinha, a acolhida e o amparo de que careciam. Outra atuação da EET, refere-se à iniciativa da Prefeitura de Olinda doando toda uma praça no Bairro Novo para construção de um cinema. Solicitados por várias pessoas daquela cidade a tomar posição, e havendo concluído do relacionamento do assunto com as finalidades da EET, apresentamos um protesto através do Diário de Pernambuco, como entrevista. O assunto foi reproduzido pelo “O Estado de São Paulo”, repercutindo de imediato na Secretaria Especial do Meio Ambiente, de cujo titular, em Brasília, recebemos telefonema pedindo confirmação da entrevista. De imediato o Dr. Paulo Nogueira Neto, telegrafou ao Senhor Governador do estado e ao Prefeito de Olinda, pedindo sustar a referida iniciativa. A TV Globo, no Jornal Nacional, divulgou o assunto pelo País inteiro, conscientizando as populações para um tema em aparência desprovido de importância, mas que, 13 ecologicamente, constituiria uma infração ambiental desfavorável à população de todo um bairro. E promover essa conscientização, é uma das atribuições da Estação. Cumpre, também, relatar a tomada de posição da EET, relativamente à proteção das matas da área que vai desde a Universidade Rural, até às nascentes do Monjope. Essas matas devem ser preservadas com o maior empenho, visando a formarem a “Reserva Biológica do Recife”. No entanto, o impacto que vêm sofrendo de todas as áreas de interesses, torna extremamente difícil a solução desse grave problema. Antes do ano 2.000, o Recife será uma única conurbação4 habitacional, desde Itamaracá até Moreno, se na forem tomadas medidas seguras desde agora. Uma delas, seria a criação da “Reserva Biológica do Recife”, abrangendo a referida área. A Estação Ecológica vem nesse sentido prestando uma colaboração intensa à FIDEM, assessorando os seus trabalhos de sentido ecológico e utilização correta da Região Metropolitana do Grande Recife, com o empenho, justamente, de evitar a referida conurbação. Problemas de ordem em geral É compreensível que a administração da Estação Ecológica do Tapacurá, tivesse que enfrentar problemas de ordem geral, por vezes de difícil solução. De início, o problema maior, foi a presença nas terras da Estação, de 7 intrusos, com casas montadas, lavouras e criação de gado, como uma tentativa de colonização territorial compulsória. Em decorrência de ofício da Administração da EET, ao Magnífico Reitor, foi criada uma comissão para estudar a solução cabível e consultada a Procuradoria Jurídica, concluindo-se que aos intrusos não cabiam quaisquer direitos, devendo os mesmos abandonarem, de imediato, as áreas por eles ocupadas. Graças as medidas daí decorrentes tomadas pela administração da EET, até agora 6 intrusos já atenderam às determinações recebidas e 4 O processo de conurbação é caracterizado por um crescimento que expande a cidade, prolongando-a para fora de seu perímetro absorvendo aglomerados rurais e outras cidades. 14 deixaram as terras que ocupavam. O sétimo, pediu o prazo de mais um mês, o que foi concedido. Outro problema que vem interferindo na plena implantação da EET, resulta do grande número de moradores antigos, remanescentes dos funcionários que compunham a Escola Técnica e a Fazenda de Criação, outrora existentes antes da construção da barragem sobre o Rio Tapacurá. De certo imprescindível às modo, uma atividades grande da maioria Estação, desse prestando funcionalismo ótimos é serviços, principalmente na implantação das grandes sementeiras do Pau-brasil e outras espécies nativas, e também em atividades de vigilância e diversas outras tarefas. No entanto, todos eles, em decorrência de costume já firmado de longa data, possuem áreas cultivadas por vezes relativamente extensas, além de criação de gado, o que constitui, evidentemente, grave distorção das finalidades da Estação. Na impossibilidade de uma solução integral, a Administração da Estação vem providenciando a redução das áreas, visando a uma progressiva eliminação de quaisquer lavouras e criação de gado. Medidas preliminares Por ocasião da instalação da Estação Ecológica, foram convocados todos os moradores com suas famílias (mulheres, filhos e agregados), para receberem as primeiras informações sobre o significado e as finalidades de uma Estação Ecológica, e sobre a colaboração que de todos eles se esperava. Com este fim foram realizadas várias palestras de nível acessível ao entendimento de todos, resultando alguns compromissos aceitos por aqueles que quisessem continuar na área da Estação como seus funcionários. Esses compromissos foram os seguintes: 1 – não atear fogo em qualquer área da estação, 2 – não matar nenhum animal, 3 – não destruir ninhos, 4 – não possuir cães e espingardas de caça, 15 5 – não usar ou mesmo possuir bodoques, estilingues ou outros instrumentos de ataques à animais, 6 – não cortar árvores, arbustos, ervas e nem danificar seus galhos e folhas, 7 – enfim, não agir em detrimento de qualquer forma de vida existente na Estação Ecológica ou que nela venha procurar refúgio. É sobremodo grato para a Administração da EET, informar que esses compromissos vem sendo cumpridos integralmente, verificando-se o nascimento de uma consciência conservacionista de todos os moradores da Estação Ecológica, até mesmo das crianças. O regresso dos animais Os efeitos desta nova atitude de proteção à vida selvagem, vem se fazendo sentir de maneira evidente pelo reaparecimento de várias espécies de animais consideradas extintas na área, e pelo aumento populacional das remanescentes. Parece que o instinto natural, atuando sobre os animais, lhes informa que ali naquela área, eles podem encontrar segurança, tranqüilidade e refúgio. Trabalhos de implantação Cumpre trazer ao conhecimento deste Egrégio Conselho o que foi realizado no decorrer deste primeiro ano de existência da Estação Ecológica do Tapacurá. Iniciaremos pelas atividades administrativas para em seguida relatar o que existe em andamento no campo das pesquisas. Delimitação de rumos. Ao assumirmos as responsabilidades de implantação da Estação Ecológica do Tapacurá, sentimos de imediato a necessidade de serem definidos os limites com as propriedades vizinhas, um vez que o relativo abandono da propriedade decorrente das desapropriações de grandes áreas realizada pelo Ministério do Interior para construção de barragem e transferência do Colégio Agrícola e da Estação de Criação para outros lugares, convidava à invasão e apropriações indevidas. 16 Os rumos retificados já em mais de um terço da propriedade, com abertura de picadas de reconhecimento e localização dos antigos marcos. Esses marcos cortados em pedra, possuem na face voltada para a área da Estação, as inicias SB, abreviaturas das palavras São Bento. São marcos, implantados desde os tempos da redivisão da grande sesmaria doada pelo Rei à Ordem Beneditina, em mais de uma dezena de engenhos que hoje abrangem partes dos municípios de Paudalho e São Lourenço. De todos esse engenhos resultantes da redivisão da grande sesmaria, a Ordem Beneditina conservou apenas o Engenho São Bento, onde funcionou, por 19 anos a Escola Superior de Agricultura São Bento, e hoje funciona a Estação Ecológica do Tapacurá. Todos os demais engenhos foram arrendados em regime de foro perpétuo a diversas pessoas. O Engenho São Bento parece haver sido montado pelo célebre historiador Brandônio, pois nos seus Diálogos, há referências ao fato de haver ele criado um engenho comesse nome em área pertencente hoje ao município de São Lourenço. Possui, assim, a Estação Ecológica do Tapacurá, antecedentes de nobreza: situa-se na antiga “Mata do Pau-brasil”, em engenho montado por Brandônio, e onde a Ordem Beneditina criou o primeiro núcleo de investigação agropecuária no Norte do Brasil. Na parte já retificada dos rumos, está sendo construída uma cerca mista de estacas com arame farpado e essências florestais, densamente unidas, utilizando-se o plantio das sementes diretamente no local definitivo. Busca-se, assim, tornar toda a área da Estação, um refúgio inviolável para toda a vida selvagem que a habita e venha habitar. Portão de acesso. Foi construído um portão de entrada da estrada principal de acesso à Estação, na linha divisória com a propriedade Santo Antônio. Trata-se de um portão rústico, condizente com o ambiente natural, porém de amplas dimensões, capaz de permitir a passagem de ônibus e outros veículos de grande porte. O Curupira. Em ângulo adequado a oferecer uma visão perfeita a quem se aproxima do portão de entrada, foi construído o monumento ao Curupira, 17 bem no início da área da Estação, como a vigiá-la contra a presença de indesejáveis predadores da Natureza. O monumento foi obra de um modesto operário da Estação Ecológica, Francisco Xavier Soares, orientado apenas por sugestões e desenhos capazes de oferecer-lhe uma idéia da natureza e significado do monumento. Trata-se, assim, ao que nos parece, de uma obra de arte tipicamente popular. A expressão do moleque índio, montado no porco do mato, com o braço erguido, ameaçador, evoca, de fato a lenda índia do gênio protetor da floresta, hoje o emblema da ecologia e da proteção à Natureza do Brasil. É o único monumento ao Curupira de que se tem conhecimento e memória. Dele foram feitos alguns poucos cartões-postais que serão distribuídos neste Conselho. Posteriormente, com melhores recursos, pretendemos divulgar mais amplamente a lenda do Curupira, não apenas com a reprodução abundante desses cartões-postais, mas, também, confeccionando um pequeno folheto para distribuição nas escolas primárias, além de literatura em cordel. Quem sabe se algum ilustre membro deste Conselho nos poderá orientar como encontrar o poeta versejador de quadrinhas populares? Reparos e aberturas de estradas. Como atividade de infra-estrutura, foram realizados reparos por vezes de relativa importância, como por exemplo a construção de passagens de água e de tubulações de drenagem em mais de cinco quilômetros de estradas de acesso e de caminhos vicinais, terraplanagem geral e piçarramento de superfícies. Reparos e adaptações de edifícios. Uma das mais importantes finalidades da EET, segundo consta do seu Regimento, consiste em pesquisas no campo da ecologia geral e aplicada, e na ministração de cursos de extensão e de mestrado em ecologia. Visando à esta finalidade, já estão providenciadas as plantas para as edificações definitivas. Não existe, porém, além da área ocupada pela sementeira, nenhuma outra plana e suficientemente extensa que tenha escapado à inundação decorrente da construção da barragem. Por esta razão, tornou-se 18 imprescindível a terraplanagem de uma área com 5.000 metros quadrados, utilizando-se maquinaria alugada a COMAPE, encontrando-se os trabalhos quase terminados. Esta plataforma será destinada à construção dos edifícios dos laboratórios e da Administração, aproveitando-se os antigos prédios adaptados provisoriamente para estes fins, como alojamentos para professores, pesquisadores e alunos. Para as referidas construções, dispõe a EET de algum material resultante das demolições dos prédios da área inundada, tais como telhas, tijolos e madeira. Pesquisas em realização Anotações fenológicas. Desde os primeiros dias de criação da Estação, foi dado início às observações fenológicas tanto zoológicas quanto botânicas em fichários adequados. Estas observações constam de anotações detalhadas do comportamento dos animais constituintes da vida selvagem da Estação, tais como namoro, acasalamento, construção de ninhos ou de outros refúgios destinados a procriação. Idênticas anotações estão sendo realizadas sobre a vida vegetal, fixando-se as épocas de aparecimento das primeiras flores das diversas espécies vegetais, desde ervas até árvores, plenitude de floração, aparecimento e maturação dos primeiros frutos, maturação e queda das sementes, etc. A importância das observações fenológicas, cresce com o número de anos de observações realizadas, tornando possível um conhecimento mais detalhado da ecologia da área, da relação do comportamento animal e vegetal decorrente das estações do ano, do retardamento ou da antecipação das estações, intensidade pluviométrica, fotoperiodismo, dados estes que, a longo prazo, tornam-se crescentemente válidos para o uso dos recursos naturais sem dano para o processamento ecológico. Investigação científica e de interesse didático. Com êxito que pode ser considerado extremamente animador, já foram iniciadas por professores 19 das Universidades Federal Rural e Federal de Pernambuco, bem como de alguns pesquisadores e professores de outras instituições, algumas observações e pesquisas. De professores da Universidade Rural, encontram-se em andamento pesquisas no campo da entomologia, levadas a efeito pelos professores Mário Bezerra de Carvalho, Geraldo Pereira de Arruda e Eneida Bezerra de Arruda.5 As pesquisas entomológicas deste grupo de trabalho, visam a restauração do “Insetário Pickel”. Dom Bento José Pickel, foi um monge Beneditino que, por mais de 40 anos, viveu na antiga Escola de Agronomia São Bento, área hoje ocupada pela Estação Ecológica do Tapacurá, realizando uma coleção de imenso valor científico de insetos, todos devidamente classificados. Infelizmente esta preciosa coleção, encontra-se hoje dispersa, e daí o empenho da EET em restaurá-la como uma homenagem a um dos maiores pesquisadores científicos em Pernambuco, quando ainda a pesquisa científica encontrava-se entre nós na infância. As pesquisas botânicas vêm sendo realizadas por nós, pelo Professor Marcelo Athaide e pela Curadora de Museu Ida Brunes Pontual. Visa, também, este trabalho, a recuperação de uma memorável obra do referido cientista: o “Herbário Pickel”. Realizando coleta de plantas dessa área, igualmente por mais de 40 anos, aquele monge beneditino tornou-a a mais conhecida botanicamente do Brasil. Com a colaboração de botânicos eminentes, especialistas em vários grupos vegetais, da Alemanha, da Inglaterra e dos Estados Unidos, Dom Bento Pickel identificou e classificou mais de 7.000 espécimes vegetais. No entanto, hoje, tal como aconteceu com a sua coleção de insetos, seu precioso herbário encontra-se disperso em meio ao herbário do Instituto de Pesquisas Agronômicas e outros herbários. Cumpre reconstituí-lo. Para isto dispomos do material vivo, aquela mesma mata e aqueles mesmos campos nos quais Dom Bento Pickel fez suas preciosas coleções e também do fichário escrito por sua própria mão. Basta recoletar as plantas novamente, e identificá-las mediante essas antigas fichas. Restaurando estas duas preciosas coleções, o Insetário e o Herbário “Pickel”, estará a Estação Ecológica do Tapacurá proporcionando à ciência 5 Trata-se da Professora Eneide Carvalho de Arruda. 20 pernambucana um extraordinário instrumento de estudos, e que possui também imenso valor histórico. Nestes trabalhos vem tomando parte com intenso entusiasmo Professor Geraldo Mariz, da Universidade Federal de Pernambuco, membro deste Conselho. Observações sobre a recuperação da flora e da fauna. Como pesquisa de fundo especificamente ecológico, já estamos iniciando observações sobre os processos naturais de recuperação da cobertura vegetal e reconstituição da vida selvagem. Estas observações exigirão, em breve, a colaboração de vários pesquisadores especializados em áreas precisas, que deverão trabalhar a partir do mapeamento ecológico nas diversas áreas e anotações de campo. Sabedores de que o INCRA dispõe de um precioso acervo de dados concernentes à natureza e uso do solo e estado atual de sua cobertura, e outros dados capazes de oferecerem um substrato básico para os referidos estudos ecológicos, já foi providenciado ofício do Magnífico Reitor Humberto Carneiro ao Coordenador do INCRA, solicitando cópias dos referidos documentos. Sobre eles, montaremos os estudos ecológicos propriamente ditos da área da Estação e propriedades vizinhas. Cabe o mérito da obtenção destes documentos, ao Professor Osvaldo Martins, alto funcionário do INCRA e colaborador da Estação. Projeto de pesquisas em ecologia geral e aplicada. Um amplo projeto de pesquisas já foi elaborado, abrangendo todos os campos da ecologia, de acordo com as finalidades a que se propõe a Estação, especificadas em seu Regimento. Este projeto encontra-se exposto no documento anexo a este relatório, com 71 páginas, fotografias e mapas. Para sua realização se requer a importância de Cr$ 10.747.700, 59 (dez milhões, setecentos e quarenta e sete mil, setecentos cruzeiros e cinqüenta e nove centavos), encontrando-se em estudo de viabilidade no Departamento de Recursos Naturais da SUDENE. Situação financeira 21 É evidente que este Egrégio Conselho encontra-se interessado em tomar conhecimento dos recursos com que a Estação Ecológica do Tapacurá vem contando e espera contar para a plena realização das suas finalidades. De início pensamos em um amplo convênio entre as Universidades Federal e Rural de Pernambuco, contribuindo cada uma com a metade das despesas, porém, cedo concluímos ser isto extremamente difícil, cumprindo partir para um esforço de captação de recursos em instituições financeiras diversas. O referido Projeto de Pesquisa em Ecologia Geral e Aplicada, constituiria a solução indicada. A SUDENE, após cuidadoso estudo daquele documento, deverá tentar a captação de recursos. Até lá, continuaremos em passo lento, porém seguro, e com animadores resultados, como bem se esclarece neste Relatório. Convênios. A captação de recursos mediante convênios prossegue em ritmo acelerado apesar de não muito promissor. O primeiro convênio a ser solicitado, foi com a Universidade Federal de Pernambuco, mediante o qual a referida Universidade contribuiria com a importância de Cr$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil cruzeiros). Em decorrência, porém dos compromissos já anteriormente assumidos por aquela Universidade, encontra-se a minuta do referido convênio em reformulação pelos seus órgãos competentes. No entanto, cumpre ressaltar a extrema boa vontade do Magnífico Reitor Paulo Maciel, concedendo a verba de Cr$ 50.000,00 (cinqüenta mil cruzeiros) em dezembro findo. Essa verba recebida pelo Tesoureiro da Rural, foi, como de praxe, incorporada ao seu orçamento, com aplicação disciplinada pelo Conselho de Curadores como segue: Material permanente – Cr$ 25.000,00 Material de consumo – Cr$ 15.000,00 Serviços de terceiros – Cr$ 10.000,00 A aplicação destas verbas é subordinada às normas orçamentárias através do Departamento de Orçamento, mediante tomadas de preço pelos serviços de compra e material, cabendo-nos, apenas, determinar a sua aplicação. 22 Visando dar a maior rentabilidade e significado a esta doação da Universidade federal, providenciamos sua aplicação na recuperação do Herbário e do Insetário “Pickel”, pelo menos o impulso inicial. Acreditamos que melhor aplicação não haveria pra tão generosa doação da Universidade irmã. Convênio do Pau-brasil. Já antes da criação da Estação Ecológica, funcionava um convênio da Universidade Rural com o Departamento Nacional de Saneamento, visando o plantio de 50.000 mudas de Pau-brasil na faixa de terras entre a margem do açude e a cota 110 m da área desapropriada pertencente àquela autarquia. Para este convênio o DNOS contribui com a verba total de 300.000,00 (trezentos mil cruzeiros), durante cinco anos. Constitui, este convênio, um êxito completo, estando já plantadas, até esta data, mais de 35.000 mudas de Pau-brasil. É o primeiro plantio de uma essência florestal brasileira em grande escala. O mérito desta iniciativa e dos trabalhos realizados, cabe aos professores Osvaldo Martins e Roldão de Siqueira Fontes. Podemos afirmar sem receios de desmentidos, que foram eles que evitaram o desaparecimento do Pau-brasil no Brasil. Convênio com o INCRA. Estamos tentando um convênio com o INCRA no valor de Cr$ 512.000,00 (quinhentos e doze mil cruzeiros), visando a criação de um “Banco de Sementes”, de árvores florestais para distribuição com serviços públicos e venda a empresas particulares de silvicultura. A importância de um “Banco de Sementes” de árvores florestais, evidencia-se quando se descobre que a nossa flora nativa vem sendo destruída rapidamente e substituída por plantas exóticas, principalmente por falta de sementes disponíveis para o seu replantio. Convênio com o IBDF. Já foi encaminhada uma proposta de convênio com o Instituto Brasileiro de desenvolvimento Florestal no valo de Cr$ 400.000,00 (quatrocentos mil cruzeiros). Tem por finalidade esse convênio, promover a reconstituição da vida selvagem na área da Estação Ecológica. Já desapareceram quase 60% dos animais selvagens do Nordeste. Apenas em algumas poucas áreas encontra-se a fauna primitiva intacta. A mais 23 importante dessas áreas situa-se na Chapada das Mangabeiras, nos confins do Piauí com a Bahia, Maranhão e Goiás. Convênio com o DNOS. Além do convênio já referido com o Departamento Nacional de Obras de Saneamento, para o plantio do Pau-brasil, já foi assinado um convênio mediante o qual a Estação Ecológica tem livre acesso às águas da represa do Tapacurá, para realização de estudos ecológicos, notadamente de limnologia. Manutenção da Estação. É evidente que os convênios referidos, quase todos ainda em estudo, não oferecem o suporte financeiro de que necessita a Estação Ecológica do Tapacurá, e assim é a Universidade Federal Rural de Pernambuco a fonte financiadora, mesmo porque constitui a Estação, um dos seus órgãos componentes, segundo estabelece o seu Regimento. Examinemos. Por ocasião da criação da Estação, existiam 65 funcionários pertencentes à antiga Escola Técnica, os quais vêm prestando inestimável contribuição aos trabalhos de sua implantação, como trabalhadores de campo, vigias de mata, artífices diversos. Sem eles, a Estação encontrar-seia, ainda na estaca zero. Este funcionários custam à Universidade mais de Cr$ 1.600.000,00 (um milhão e seiscentos mil cruzeiros), anualmente. Além destas despesas com o pessoal, a Universidade Rural vem atendendo, na medida do possível, a despesas com aquisição de materiais diversos, tais como cimento, tintas, ferramentas de campo, despesas de pronto pagamento e outras várias. Ao todo, foi dispendido pela Universidade Rural com a Estação Ecológica, no primeiro ano do seu funcionamento, mais de Cr$ 1.650.000,00 (um milhão seiscentos e cinqüenta mil cruzeiros). Necessidades mais urgentes. Entre as necessidades da Estação Ecológica, que cumpriria atender por indispensáveis à sua implantação e funcionamento, duas se apresentam como das mais urgentes. A primeira é a obtenção de um trator, a segunda de um veículo de transporte de passageiros. Acreditamos que estas necessidades somente poderão ser atendidas mediante 24 doações de entidades particulares ou públicas tais como o INCRA, o IBDF, cujas atividades se relacionam estreitamente com as da Estação Ecológica. Visitantes Para conhecimento das instalações e das finalidades da Estação, bem como para coleta de dados informativos e noticiosos, visitaram a Estação Ecológica do Tapacurá as seguintes pessoas: Dom Conrado e Dom Eugênio do Mosteiro de São Bento de Olinda; TV Globo; Revista Veja; Revista Manchete; Atlântica Cinematográfica; estudantes do Colégio São Bento de Olinda; Padre Miguel Dankers da Congregação do Sagrado Coração; Professor Zadoc da Fonseca, da Universidade Católica; Professor Evado Machado, da Universidade de Minas Gerais; Professor Geraldo Mariz, da Universidade Federal de Pernambuco; Dr. Elpídio Dias, do Departamento Estadual de Estradas e Rodagens. + + + Acreditamos, Senhores Conselheiros, que a Estação Ecológica do Tapacurá, não vos desapontou nesse esforço imenso de decolagem em seu primeiro ano de existência. Temos boas razões para esperar que o próximo Relatório vos apresente bem mais abundantes realizações, principalmente no campo do ensino. No próximo ano serão implantados cursos de extensão em ecologia e também de mestrado e acreditamos que em futuro próximo, tornar-se-á viável a criação de um curso de profissionais em ecologia. Aliás, já este ano deverá ser dado início a um curso preliminar de ecologia para o professorado do magistério primário e secundário do Estado, atendendo a solicitação do Senhor secretário de Educação. São 8.000 professores a atenderem a esse curso, sendo necessário nos deslocarmos para os centros administrativos do interior. Não sabemos se teremos energias e tempo para tanto, sabemos sim que não nos podemos negar a uma tal solicitação. Recife, 23 de abril de 1976. 25 Prof. J. Vasconcelos Sobrinho. Aspectos históricos das terras da EET A origem do Engenho São Bento, descrita por Vasconcelos Sobrinho, no item “delimitação de rumos” do seu relatório, as evidências históricas realmente indicam que o mesmo tenha pertencido a Ambrósio Fernandes Brandão (e não a “Brandônio” que é um dos personagens dos “Diálogos”) no final do século XVI como escreve o historiador José Antônio Gonsalves de Mello (1997) na introdução aos “Diálogos”, informa o autor que o engenho sob a invocação de São Bento teria sido levantado antes de 1590 sendo o seu senhorio Ambrósio Fernandes Brandão. No século XVII, durante a ocupação holandesa o documento conhecido como “Breve discurso” datado de 14 de janeiro de 1638, relaciona os engenhos de Pernambuco, entre os da freguesia de São Lourenço da Mata, está o Engenho São Bento cujo proprietário era Francisco Nunes Barbosa e acrescenta “é d´água e mói”. Outro engenho da mesma freguesia era o “Engenho São Bento de Musurepe”, pertencente à Ordem dos Beneditinos Mello (2004). Já o relatório sobre o Estado das Capitanias conquistadas no Brasil, de autoria do Conselheiro Adriaen van der Dussen datado de 4 de abril de 1640, informa que o Engenho São Bento, pertencente a Francisco Nunes Barbosa, tinha como lavradores: João de Matos, Jacob Vermeulen, Bastião Ferreira, Isabel Vieira e Manuel Filipe Soares (MELLO, 2004). Quanto à posse do engenho pelos beneditinos existem problemas na sua interpretação histórica, pois as “sesmarias” da região doadas pelo Rei à Ordem, não sabemos se estas incluiriam o Engenho São Bento. Além do mais, o Livro de Atas da Congregação (1915-1930) registra na nona sessão de 6 de maio de 1914 que D.Pedro Roeser, diretor e fundador das Escolas, comunicou à congregação a intenção do Mosteiro de São Bento de “adquirir uma fazenda no interior do Estado” para a instalação da Escola Agrícola. Ficamos sabendo, através da leitura das atas de sessões posteriores, que esta propriedade comprada pelo Mosteiro era o Engenho São Bento, para o qual a Escola Superior de Agricultura “São Bento” foi transferida em abril de 1917. 26 Ora, se o Mosteiro de São Bento de Olinda desde o início do século XVII, era proprietário das terras de Tapacurá, como então entender a razão da compra do Engenho São Bento em 1914? Como as Escolas pertenciam ao Mosteiro como afirmado enfaticamente nas atas da Congregação, pode-se concluir que as terras compradas no século XVII não abrangiam as terras do Engenho São Bento. Portanto, a afirmação de que “de todos esse engenhos resultantes da redivisão da grande sesmaria, a Ordem Beneditina conservou apenas o Engenho São Bento” carece de fundamento. Souza (2009) também dá a entender que o Engenho São Bento fazia parte das terras, que nos idos de 1606 D. Isabel de Albuquerque, prima de Duarte Coelho de Albuquerque e filha de Jerônimo de Albuquerque, vendeu aos beneditinos, "meia légua de terra, nos limites de Jaboatan na Matta do Brazil, onde chamam de Tapacura". Esta venda é comprovada através documento datado de 21 de abril de 1606 das terras “em quadra nos Limites de Jaboatam na matta do Brasil, onde chamam o rio de Tapacora”. (LIVRO DE TOMBO, 1948, p.486). Aliás, esta obra não só registra a citada compra de terras em Tapacurá, mais muitas outras sesmarias na mesma região. Relacionadas com o colonizador Jerônimo de Albuquerque (“O Adão Pernambucano”), existem pelo menos três mulheres com o nome de Isabel de Albuquerque. A primeira era sua irmã casada com D.Manoel de Moura; a segunda era a mameluca filha de Jerônimo e da índia tabajara Maria do Espírito Santo Arcoverde, casada com seu primo Felipe de Moura, filho de Manoel de Moura e da sua tia Isabel de Albuquerque e a terceira era filha de Jerônimo e de Dona Felipa de Melo. Esta Isabel “faleceu em 1643 sem tomar estado, na cidade da Bahia, para onde se retirou por ocasião da entrada dos Holandeses, deixando por seu herdeiro ao dito Mosteiro de São Bento de Olinda” (BORGES DA FONSECA, 1935, p.354). Trata-se, portanto desta Dona Isabel de Albuquerque, religiosa que faleceu na Bahia sem deixar herdeiros, a dona das terras de Tapacurá. Isto significa que o Mosteiro terminou herdando todas as terras de Dona Isabel quando esta veia a falecer em 1643 na Bahia. Ao contrário de Dona Isabel o seu contemporâneo, Ambrósio Fernandes Brandão nunca teve pretensões à “nobreza de sangue”. Muito ao contrário, 27 vivia como colono no Brasil na semiclandestinidade como cristão-novo perseguido pela Inquisição. A sua obra Diálogos das grandezas do Brasil escrita no início do século XVII, permaneceu anônima até o século XIX, quando o historiador Capistrano de Abreu conseguiu identificar a sua autoria. Portanto, a sua nobreza era intelectual, pelo mérito das suas agudas observações e precisas descrições da nossa região e natureza. Muito mais interessante sobre a história dessas terras e por conseqüência da própria história da Estação Ecológica do Tapacurá, é o documento de demarcação do início do século XVII das terras de Tapacurá pertencentes à Dona Isabel de Albuquerque, por isso o transcrevemos na íntegra na linguagem da época: ROTEIRO E MEDIÇAM DAS TERRAS DE TAPACORÁ Por quanto na cabeceira da terra de Manoel Leitam, e a do Licenciado se nam achavam marcos das demarcaçoens, para dahi começar a terra da dita Dona Izabel de Albuquerque, nos fomos ao principio da terra de Manoel Leitam, e a terra do dito Gaspar Rodrigues Covas, o qual nos foi mostrado pelo dito Manoel Leitam, e por Diogo da Costa, que prezente estava na dita demarcação, na estrada de huma campina junto de uma matta, o demarcador começou a correr pelo rumo de Loeste a legoa de terra de comprido, e no cabo da dita legoa de terra, por se nam acharem marcos, o demarcador meteo quatro marcos de pedra, os quaes fazem por Manoel Leitam, e o Licenciado Covas, e por Diogo da Costa Calheiros, e a dita Dona Izabel de Albuquerque, os quaes quatro marcos dous delles guiados ao norte, e Sul, e dous Leste e Oeste, e destes ditos marcos o demarcador começou a dita legoa de terra da dita Dona Izabel de Albuquerque pelo rumo de Loeste, o qual fas pela dita Senhora, e o dito Diogo da Costa, e chegamos com quinhentas e trinta braças em hum tezo asima de huma ribeirinha de agoa, que corre no inverno, que ao prezente estava secca, e da banda de Loeste da dita ribeira metteo o demarcador hum marco de pedra com suas testemunhas couza de huma braça de hum Pao que chamam Bacuru Bujabo. E fomos adeante com o dito rumo, e com seis centas, e noventa e duas braças, chegamos a hum caminho que vay da Moribara para Tamaramirim, e da banda de Loeste do dito junto a elle metteo o demarcador hum marco de pedra grande com suas testemunhas 28 guiado ao dito rumo de Loeste, e com outro marco pequeno da banda de Leste do dito caminho, e fomos adeante com o dito rumo de Loeste, e com mil, e duzentas braças, que he meia legoa de terra, pôs o demarcador dous marcos de pedra a entrada de umas Tabocas em huma meia ladeira descendo para hum ribeirinho, aonde havia algum Brazil junto a hum pao grande, que chamam Supopira Mirim, e destes ditos ...cos de meya legoa correo o demarcador pelo dito rumo de Loeste quatro centas, e des braças, e chegou com ellas o dito demarcador a hum outeiro de Tabocas, que tinha muitas pedras cor de ferro, e no cume do outeiro meteo o demarcador hum marco, ...por um marco de pedra encostada a outra fixa com quatro testemunhas, e couza de tres braças para a banda de Suloeste esta, hum pao de arco grande, e fomos adeante com o dito rumo de Loeste, e com oito centas, e trinta braças dos marcos da meya legoa chegamos ao rio Tapicuerahi entre dous engâs com huns coragatazes em cima e do dito rio fomos correndo com o dito rumo, e com nove centas, e vinte braças chegamos a uns penedos que estam na dita demarcaçam, e com mil e duzentas braças, que he outra meya legoa, e com outra meia meya legoa atras, fazem somma de dous mil, e quatrocentas braças, que he uma legoa de terra, e chegou o demarcador com ella a hum caminho que vay para a matta do Brazil, e no cabo della metteo o demarcador dous marcos de pedra grandes, hum da banda do Sul do dito caminho, outro da banda do Norte, hum marco com duas letras D.I. por marca, e por esta maneira ficou chea a legoa de terra por este dito rumo. E ficaram dentro desta legoa alguns curraes que estam apozentados nella, assistio a esta demarcaçam Diogo da Costa hereo nella, que possue a terra de Francisco Fernandes do Porto: e destes ditos marcos o demarcador foi correndo a segunda quadra pelo rumo do Norte por huns outeiros de Tabocas, e com nove centas, e noventa braças chegamos a hum outeiro, que tinha uma lagea alta da bando do Sul, e raza da banda do Norte, aonde se descobria o curral dos Padres de Sam Bento, e outros ahi chegados, a qual lagea fica por marco, e do dito marco, foi o demarcador correndo pelo dito rumo do Norte, com nove centas, e quarenta braças, e chegamos ao cume do dito outeiro, e outra lagea que fica Leste o este com o dito curral, e da banda de Loeste da dita lagea esta um penedam muito alto, e grande que descobre por sima de todo o matto couza de dês braças, pouco mais, ou menos, da banda de Loeste da demarcaçam, o qual penedo fica tambem 29 Leste, Oeste com o dito curral dos Padres da Ordem do Bemaventurado Sam Bento: e fomos adeante com o dito rumo Norte, e com mil, e duzentas braças que he meia legoa, chegamos a um outeiro razo de Tabocas, aonde metteo o demarcador hum marco de pedra com duas testemunhas, o marco guiado ao rumo do Norte, e deste dito marco de meya legoa foi o demarcador correndo com o dito rumo do Norte, e depois de se acharem os Tabocas, entramos em uma matta e com mil e trinta braças alem da meia legoa, que vem de ser duas mil, e duzentas, e trinta braças, chegamos a um caminho de carro, que serve de tirar pao Brazil, e da banda do Norte do dito caminho metteo o demarcador hum marco de pedra com suas testemunhas guiado ao dito rumo do Norte, e do dito marco, e caminho foi o demarcador correndo pelo dito rumo do Norte com mais cento, e setenta braças, que vem a ser duas mil, e quatrocentas braças, que he uma legoa, e passamos com as cento, e setenta braças por huma covoada, que no cabo dellas faz como vargea, e se acabaram em sima de hum outeiro em sima da vargea, aonde se acabou a legoa de terra da segunda quadra, aonde metteo o demarcador hum marco guiado ao rumo do Leste, e outro guiado ao rumo do Sul pegado ao de Leste, e por esta maneira foi chea, e enteirada esta segunda quadra: e dos ditos marcos o dito demarcador foi correndo a terceira quadra pelo rumo de Leste, e com trezentas e vinte braças chegou o demarcador a hum rio de muitos penedos, e passando o dito rio pelo dito rumo de Leste com quinhentas, e sincoenta braças, chegamos a hum caminho de carro, por onde se tira pao Brazil, que era o mesmo que havíamos passado com o segundo rumo, e da banda de Leste do dito caminho de carro metteo o demarcador hum marco de pedra com suas testemunhas, o marco guiado ao dito rumo, e do dito marco foi o demarcador correndo o rumo de Leste, e com mil, e duzentas braças, que he meya legoa de terra, chegamos com ella a uma matta, aonde estava hum pao muito grosso, e fes o demarcador nelle umas moças por baliza, por haver muita chuva nam foi o demarcador mais por diante, e por ser pouco necessario, e daqui vai cortando a demarcaçam a Leste athe dar nos marcos da demarcaçam da terra do dito Licenciado Gaspar Rodrigues Covas, e por essa maneira ficou esta dita terra demarcada, e enteirada, sem haver duvida, nem embargo algum, e o dito demarcador a deo por medida, e acabada a dita medicam da terra aos vinte e sete de Janeiro da dita era, e a requerimento da 30 dita Dona Izabel de Albuquerque passamos este assento, em que se assignou o demarcador, e eu Bras Vicente, escrivam das datas, e demarcaçoens desta capitania de Pernambuco pelo Senhor Duarte de Albuquerque, como capitam, e Governador desta dita capitania por El Rey nosso Senhor que escrevy. Brás Vicente, Gaspar Varella. (LIVRO DE TOMBO, 1948, p.496-499). Embora que neste documento de demarcação das terras não conste do ano da sua realização, é de se presumir que tenha sido feita antes da venda de meia légua aos beneditinos, isto é, antes de 1606. Pois no referido documento de escritura de venda existe referência a esta demarcação: “que hora tem demarcado pelos demarcadores desta capitania por autoridade de Justiça, e esta de posse pacificamente da qual legoa de terra vende, como logo de feito vendeo a metade della aos ditos Padres...” (LIVRO DE TOMBO, 1948, p.486). O documento de demarcação também se refere a um “curral dos Padres da Ordem do Bemaventurado Sam Bento” existente nas terras de Tapacurá. O documento de venda também se refere “a banda, onde hora tem suas cazas, e curral que ficara dentro da dita meya legoa de terra”. Podemos concluir que os beneditinos já tinham a posse de terras na região com um curral de vacas e “um negro vaqueiro por nome Luiz Angola” em Tapacurá. Pois, antes da compra de meia légua de terras de Dona Isabel, em 30 de maio de 1603 os beneditinos requeriam e obtinham uma sesmaria de uma légua em quadra no “Rio Tapacora, onde esteve o Paço Velho, e pelas Alagoas, que chamam Alagoa Cumprida e Alagoa Redonda, athe a matta do Brazil tanto de largo, como de cumprido, de modo que fique em quadra” (LIVRO DE TOMBO, 1948, p.494-495). Os beneditinos alegavam uma terra para o seu gado e “pera plantarem mantimentos pera sustentaçam do Mosteyro”. Seriam estas terras mencionadas como o “curral” dos beneditinos no documento de demarcação. Geralmente estas demarcações de terras no período colonial nos séculos XVI, XVII e XVIII, eram feitas por um piloto náutico munido de uma bússola, acompanhado pelas autoridades cartoriais e interessados na demarcação. Como se pode constatar o documento é muito minucioso na delimitação com marcos de pedra e procura uma objetividade que visava dirimir as dúvidas quanto aos limites das propriedades. Um outro aspecto interessante destes documentos coloniais é o uso de árvores de porte nas demarcações. 31 Para quem conhece a EET, parece familiar determinados acidentes físicos tais como o da seguinte descrição: “chegamos a hum outeiro, que tinha uma lagea alta da bando do Sul, e raza da banda do Norte, aonde se descobria o curral dos Padres de Sam Bento, e outros ahi chegados, a qual lagea fica por marco, e do dito marco, foi o demarcador correndo pelo dito rumo do Norte, com nove centas, e quarenta braças, e chegamos ao cume do dito outeiro, e outra lagea que fica Leste o este com o dito curral, e da banda de Loeste da dita lagea esta um penedam muito alto, e grande que descobre por sima de todo o matto couza de dês braças, pouco mais, ou menos, da banda de Loeste da demarcaçam, o qual penedo”. Estes penedos citados no documento devem ser o que hoje se denomina de “Pedra Grande”, local de onde se descortina uma ampla e bela paisagem da Estação e dos seus arredores, de lá o documento se refere que se avistava o “curral” dos beneditinos. Seria esta a localização do Engenho São Bento? Por que então sendo tão antigo (final do século XVI) não está referido nos documentos? É provável então que o referido engenho não fazia parte da sesmaria de Dona Isabel de Albuquerque. Ruínas da Escola vistas da Pedra Grande em 1977. 32 Ruínas da Escola vistas da Pedra Grande em 2000 (foto de José Rodrigues Correia Filho). Ruínas da Escola com a represa completamente seca, vendo-se à direita a ponte sobre o rio Tapacurá que dava acesso à Escola (Foto de M.A.B. de Oliveira, 1994). Esta sesmaria que Dona Isabel requereu e obteve em 1577 de Dona Beatriz de Albuquerque, que na época governava a capitania, para fundar um engenho de açúcar, de uma légua de terra “em quadra nos limites de 33 Jaboatam, partindo com a terra de Francisco Fernandes Porto” (Livro de Tombo, 1948, p.481-485). Neste documento também não existe nenhuma referência ao Engenho São Bento. Como se pode constatar, em nenhum dos documentos de posse de terras do Mosteiro em Tapacurá, cita o Engenho São Bento, levantado nos finais do século XVI e que teria pertencido a Ambrósio Fernandes Brandão que viveu no Brasil entre 1583 e 1618, e depois `a Francisco Nunes Barbosa, que na época um engenho d´água ainda moente. Tais documentos não poderiam ignorar esta posse e caso seu senhor o tivesse vendido, como é provável que aconteceu, o fato deveria ser mencionado nos documentos. No início do século XVII Brandão era senhor de três engenhos na Paraíba, onde se estabeleceu antes de 1613, o Santos Cosme e Damião, o São Gabriel ou do Meio e um outro na região do Gargaú. Quando faleceu, seus herdeiros voltaram a Portugal e os engenhos foram confiscados pela Companhia das Índias Ocidentais e vendidos ao holandês Isac de Rosière. Depois da restauração, passaram a pertencer a João Fernandes Vieira. Organizada de acordo com o modelo alemão, a Escola Superior de Agricultura “São Bento” funcionou sob a direção dos beneditinos até dezembro de 1936, quando sofreu intervenção estadual. Em 1938, já com a denominação de Escola Superior de Agricultura de Pernambuco (ESAP), foi transferida para o arrabalde de Dois Irmãos, transformando-se, posteriormente, na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) (MAGALHÃES et al., 2008). A história oficial esquece vários aspectos importantes para uma compreensão mais abrangente das circunstâncias e condicionantes que conduziram ao surgimento de duas Escolas Superiores em Olinda. Em primeiro lugar, não podemos esquecer que a Ordem Beneditina, durante vários séculos de existência na Europa, aliou a missão de conservar e transmitir a herança cultural greco-romana ao cultivo de imensas propriedades territoriais. Em segundo lugar, a iniciativa de D. Pedro Roeser conciliava-se perfeitamente com os interesses dos amigos do mosteiro de São Bento. As duas instituições ligadas à agricultura e à pecuária surgiam como uma alternativa para soerguer a agricultura em Pernambuco, que vinha em declínio há varias décadas, sobretudo a canavieira (MAGALHÃES et al., 2008). 34 Além disso, essas instituições de ensino superior constituíam mais uma porta de acesso aos altos cargos da República, mesmo que não pudessem competir com as faculdades formadoras de bacharéis. Por coincidência, há 85 anos antes da criação dessas instituições, esse mesmo Mosteiro já abrigara, em suas dependências (onde hoje funciona a sua biblioteca) os Cursos Jurídicos de Olinda, os quais foram pioneiros no ensino superior da província, formando gerações de bacharéis nos seus 27 anos de existência (MAGALHÃES et al., 2008). Durante o período beneditino, de 1912 a 1936, a Escola formou 124 agrônomos. Mesmo considerando-se um número baixo de formandos quando comparado aos dias de hoje, é preciso enfatizar que o objetivo da escola não era formar quadros massivamente. Ao contrário, esta formação era dirigida a uma elite, formada em sua grande maioria por filhos dos grupos dominantes agrários de senhores de engenho, usineiros e grandes pecuaristas do Nordeste (MAGALHÃES et al., 2008). Foto da primeira turma de formandos de Engenheiros Agrônomos e Agrônomos de 1917 da Escola Superior de Agricultura “São Bento”, no Engenho São Bento, Tapera, São Lourenço da Mata, 35 Pernambuco: no alto no centro Dom Pedro Roeser, diretor geral; à direita Dom Pedro Bandeira de Melo, diretor; à esquerda Dom Hildebrando Schafer, secretário; à esquerda o homenageado Conselheiro João Alfredo Correa de Oliveira; à direita o orador da turma Eng. Agr. Ulisses Cavalcanti de Melo; abaixo, a direita o Eng. Agr. Felipe Carneiro Vieira da Cunha e à esquerda o Eng. Agr. Manuel Carneiro Leão; abaixo da direita para a esquerda, o Eng. Agr. Renato Elísio de Gusmão Neves, Eng. Agr. Fernando da Rocha Cardoso, Agr. João Higino de Carvalho, Agr. Salvador Nigro, Agr. João Gonçalves Carneiro, abaixo à direita Eng. Agr. Gabriel Castelo Branco e à esquerda o Eng. Agr. Otávio Cabral de Vasconcelos. Alguns dos formandos desse período tornaram-se quadros que iriam gerenciar propriedades agrícolas familiares ou se tornar dirigentes nas carreiras estatais ligadas à agricultura. O exemplo mais notável é o de Apolônio Jorge Salles, que foi o Secretário de Agricultura do Estado de Pernambuco no período compreendido entre 1937-1942 e posteriormente Ministro da Agricultura no governo Vargas (1942-1947). Outros fizeram carreira como docentes da ESAP, tais como João de Deus de Oliveira Dias, Ivan Tavares e João Vasconcelos Sobrinho (MAGALHÃES et al., 2008). Pelo decreto n.82 de 12 de março de 1938 do interventor a ESAP foi transferida do Engenho São Bento para o bairro de Dois Irmãos no Recife. Os professores Ivan Tavares e João de Deus de Oliveira Dias foram encarregados da transferência de todo o material didático para o Recife e proceder a instalação do mesmo nas salas e gabinetes do edifício principal da projetada e malograda Escola de Recuperação de Menores, obra do então governador Carlos de Lima Cavalcanti. O pavilhão central em estilo moderno com “partido arquitetônico em leque” foi projetado e construído pelo engenheiro Gerson Carneiro Leão. A ESAP então ficou pronta para funcionar em abril de 1938 (PLAQUETE, 1962). O Engenho Dois Irmãos foi levantado em terras que pertenceram ao antigo Engenho Apipucos, na primeira metade do século XIX, pelos irmãos Antonio Lins Caldas e Thomas Lins Caldas, por herança paterna e conhecidos pelos apelidos domésticos de Toné (Antonio) e Coló (Thomas). Toné foi militar desde 1824 e era conhecido como Capitão Antonio Lins Caldas Toné. Coló participou ativamente na Revolução de 1817, como guerrilheiro da coluna comandada pelo Padre Antonio de Souto Maior. Caindo prisioneiro na batalha de Pindoba em 28 de maio de 1817, foi enviado preso para a Bahia, junto com outros companheiros, lá permanecendo até 1821. Quando voltou a liberdade foi 36 vereador do Recife, entre 1829 a 1831, e em 1834 exerceu o cargo de escrivão da Alfândega (PEREIRA DA COSTA, 1966). Conta o historiador Alberto Lins Caldas (2003), descendente de Thomas, que este “engravidou uma escrava chamada Balbina, conhecida familiarmente por Babá, seguindo seu obscuro caminho familiar com a esposa real. Dessa união gilbertofreyriana nasceu Francisco Lins Caldas (1825-1907), criando um ramo dos Lins Caldas que não teve direito as terras, aos escravos nem tampouco a paz de espírito de quem nasce bem”. Da amizade dos dois irmãos Toné e Coló nasceu a denominação do Engenho Dois Irmãos que depois deu nome ao atual bairro. O Engenho Dois Irmãos era um engenho d’água e moia de uma levada proveniente do grande açude da propriedade que percorria as suas terras e iam desaguar na margem esquerda do Capibaribe. Nas imediações deste, no vasto terreiro do engenho (hoje Praça Faria Neves, inaugurada em 1957 com projeto do paisagista Roberto Burle Marx), ficavam as duas casas grandes dos irmãos, separadamente dispostas. O engenho funcionou até 1875, sendo comprado pela antiga Companhia do Beberibe, para utilizar as águas do açude e dos mananciais do Prata, para garantir o abastecimento de água do Recife, aí foi construída uma usina para impulsionar as águas, cujas edificações existem até os dias de hoje (PEREIRA DA COSTA, 1966). O Açude do Prata tem a sua denominação de uma lenda do século XVI sobre Branca Dias, rica senhora do Engenho Apipucos e Camaragibe que tendo sido denunciada ao Santo Ofício pelo crime de judaísmo, na ocasião de ser intimada a ordem de prisão, lançou no açude toda a sua baixela e mais jóias de prata que possuía (PEREIRA DA COSTA, 1966). A descida de comunicação entre Apipucos e Dois Irmãos, chamada hoje de rua de Dois Irmãos, vem do antigo caminho, estreito e irregular, a que se dava o nome de Estrada do Engenho, que partindo de Apipucos chegava ao vasto terreiro da extinta fábrica, hoje Praça de Dois Irmãos (PEREIRA DA COSTA, 1966). Entre o engenho e a mata ficava o arruado de Pedra Mole, que recebeu esta denominação devido à presença de grandes bancos de uma pedra muito mole, misturada com seixos. Em 30 de novembro de 1848 aí se refugiou uma coluna do exército revolucionário praieiro, quando foi desalojado pelo exército 37 do Engenho Dois Irmãos onde estavam acampados. O que resta do antigo arruado hoje está localizado na estrada ao lado da Biblioteca Central e do Lapa ainda com antigas moradias (PEREIRA DA COSTA, 1966). Durante o governo do general Dantas Barreto, em 1916, o Jardim ZooBotânico de Dois Irmãos foi inaugurado nas terras de Pedra Mole e do Riacho da Prata. Em 14 de janeiro de 1939 foi criado o Jardim Zoobotânico de Dois Irmãos. A partir de 1969, passou a ser administrado pela Empresa Pernambucana de Turismo - EMPETUR, vinculada à Secretaria de Turismo, Cultura e Esportes. Em 1987, foi transformado em Reserva Ecológica. O Jardim Zoobotânico de Dois Irmãos passou a denominar-se Parque Dois Irmãos em 7 de julho de 1997, abrangendo uma área de 387,4 hectares, incluindo os açudes do Prata, do Meio e o de Dois Irmãos, além de 14 hectares do Horto Zoobotânico de Dois Irmãos. Em 29 de dezembro de 1998, o governador Miguel Arraes transformou a Reserva Ecológica de Dois Irmãos em Parque Estadual Dois Irmãos. Atualmente está subordinado à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente. Aspectos históricos dos trabalhos de pesquisa desenvolvidos na EET Vasconcelos Sobrinho se refere no relatório às coleções de plantas e insetos organizadas por Dom Bento Pickel quando foi professor da Escola entre 1917 a 1936 no item do seu relatório intitulado “Investigação científica e de interesse didático” Embora o autor afirme que Pickel trabalhou por 40 anos na área, pelas datas da sua permanência na Escola podemos constatar que foi na verdade foi durante 19 anos que organizou as suas coleções. Como escreve Almeida (2008) o professor Dom Bento Pickel foi um personagem estreitamente ligado à história da EET. Nascido como Dom Agostinho Ikas, em Markelsheim, sul da Alemanha, a 28 de julho de 1890, filho de Luiz Pickel e Margarida Schieser. Cursou o primário em sua cidade natal e o ginásio na cidade vizinha de Mergentheim. Emigrou para o Brasil em 14 de novembro de 1908, desembarcando no Recife aos 18 anos de idade. É provável que tenha vindo para Pernambuco já na condição de noviço da Ordem de São Bento, pois naquela época os mosteiros beneditinos do Brasil receberam um grande contingente de religiosos alemães chamados "reformadores". Desde 1895, por determinação do Papa Leão XIII, a 38 restauração dos mosteiros beneditinos do Brasil foi desencadeada sob os auspícios da Congregação Beneditina de Beuron (Alemanha) e já em 1896, os reformadores alemães começaram a chegar em Olinda, pois, no final do século, o alemão D.Gerardo Van Caolen foi o septuagésimo segundo abade do Mosteiro de Olinda. Assim, Dom Bento Pickel fez a sua profissão religiosa no Mosteiro de Olinda em 15 de janeiro de 1910. Aí também cursou Filosofia e Teologia, concluindo os seus estudos em Roma, no ano de 1913. De volta a Olinda, recebeu a sua ordenação sacerdotal em 02 de fevereiro de 1915, com 25 anos incompletos. Pickel participou desde o início da fundação e organização da "Escola Agrícola e Veterinária do Mosteiro de São Bento de Olinda", núcleo inicial que originou a atual Universidade Federal Rural de Pernambuco, fundada a 03 de novembro de 1912 pelo Abade D.Pedro Roeser (1870 - 1955), que reuniu um grupo de jovens monges, cuja maioria era formada pelos “reformadores” alemães, por suas origens ligados à agricultura, filhos de camponeses do sul da Alemanha, porém com pouca ou nenhuma formação acadêmica em agricultura. Daí a necessidade de contratação de instrutores alemães, sendo escolhidos, o veterinário Dr.Hermann Hehaag e o agrônomo e naturalista Dr.Johan Ludwig Nikolaus, com a função de preparar os monges para a docência e supervisionar a instalação dos gabinetes e laboratórios da Escola. Pickel foi um dos presentes na sessão inaugural da Congregação da Escola, realizada em 03 de novembro de 1912, como consta na subscrição do Livro de Atas da Congregação. No curso preparatório aos cursos de Agronomia e Veterinária, Pickel foi professor de Francês e substituto de Inglês no primeiro ano de funcionamento em 1913, e professor de História e substituto de Francês no segundo ano de funcionamento do preparatório em 1914. No início dos cursos regulares, começou a lecionar Botânica em 1914, sendo a sua docência estendida em 1915 para Anatomia e Fisiologia das Plantas e em 1916, a sua docência envolvia a Botânica Morfológica e Especial, Anatomia e Fisiologia das Plantas, Agricultura Especial, Pomi-Horti-Silvicultura e Fitopatologia. 39 Em 1916 e 1917 foi designado como vice-diretor da Escola de Agricultura, mantendo suas atividades docentes durante o período. Foi também diretor da Escola Superior de Medicina Veterinária no ano de 1922, exercendo no curso suas atividades docentes, lecionando as disciplinas de Bacteriologia, Histologia e Botânica Médica. A 07 de janeiro de 1917, realizou-se a transferência do curso de Agricultura para o Engenho São Bento, na Estação de Tapera, município de São Lourenço da Mata (hoje Estação Ecológica do Tapacurá). As aulas de Agricultura foram iniciadas, sob regime de internato, a 03 de março de 1917. Nessa localidade, cercada por florestas, Pickel realizou um intenso programa de coletas sistemáticas de plantas e insetos com o objetivo de organizar coleções didáticas relacionadas com as suas disciplinas, que, mais tarde, vieram a se constituir num importante herbário e numa das mais importantes e representativas coleções entomológicas da região. O herbário, depois da sua partida para São Paulo, ficou sob a guarda da Seção de Botânica do Instituto de Pesquisas Agronômicas de Pernambuco (IPA), constituindo o denominado "Herbário Pickel", com cerca de 4.600 números, sendo a maior parte das classificações feitas, antes da segunda guerra mundial, por Pilger, professor e pesquisador do Museu Botânico de Berlim-Dahlem e a parte não classificada foi, posteriormente, posta em ordem pelo botânico e Professor Dárdano de Andrade Lima. A coleção entomológica, com mais de 5.000 exemplares, inicialmente ficou sob a guarda da Seção de Entomologia do IPA e, posteriormente, foi depositada na Universidade Federal Rural de Pernambuco. Esta coleção, de valor inestimável para a região, até hoje cumpre a sua função, sendo a visita e a consulta obrigatória aos entomologistas. Em 1924, substituindo Dom Anselmo Fuchs (1893 - 1952), Pickel assumiu, pela primeira vez, a docência de Entomologia Agrícola, a qual dedicou-se intensamente ao ensino e a pesquisa, até o ano de 1936. Em 1926 tomou parte ativa na organização do Congresso da Lavoura, realizado no Recife, onde apresentou alguns trabalhos. Em 1927 foi designado como membro da comissão técnica para estudo e combater a uma moléstia da cana-de-açúcar em Pernambuco; assume 40 também a chefia da Comissão de Estudos do "Piolho Vermelho"do Estado da Paraíba e a chefia do Serviço de Defesa do Café no Estado de Pernambuco. O ano de 1927 foi uma época das mais produtivas de Pickel, tendo publicado dez trabalhos, científicos e de divulgação, em periódicos nacionais. De 1927 a 1935, consolidou sua linha de pesquisa em Entomologia agrícola, estudando importantes pragas das nossas principais culturas, como do algodoeiro, do cafeeiro, do tomateiro e da cana-de-açúcar; insetos vetores de interesse médico e análise da ação de alguns agrotóxicos. Professor Dom Bento Pickel (1927). Em 1935 foi designado pelo governo da Paraíba para estudar a flora agrostológica do interior do Estado. Em 1936 participou como examinador do concurso para provimento de cargos técnicos do Instituto de Pesquisas Agronômicas de Pernambuco. 41 Naquela época, tomou a iniciativa e orientação do plantio de um bosque de pau-brasil (Caesalpinia echinata Lamarck, 1789), árvore que deu nome ao Brasil e que atualmente ainda se encontra ameaçada de desaparecimento. O referido bosque, constituído por 200 árvores, foi depois tragado pelas águas da barragem do Tapacurá em 1970. Antes disso, porém, forneceu as sementes, em 1969, para a produção de mudas para o plantio de outros bosques, por incansável iniciativa de uma vida inteira do Prof. Roldão de Siqueira Fontes e do Prof.. Osvaldo Martins F. de Souza. Dom Bento Pickel em São Paulo (1947). Durante o ano de 1937, em plena ditadura do Estado Novo, ocorreu a desapropriação da Escola Superior de Agricultura "São Bento" pelo Governo Estadual de Pernambuco. Os professores fundadores beneditinos foram então praticamente escorraçados, pois se alegou que não possuíam títulos de graduação nas disciplinas que ministravam. Tal cegueira legalista e burocrática 42 não reconheceu o notório saber do naturalista Dom Bento Pickel, do economista Dom Gabriel de Vasconcellos Beltrão (1897 - 1970) e do químico Dom Pedro Bandeira de Mello (1894 - 1972), que por quase vinte anos foi diretor da Escola Superior de Agricultura. Amargurado, Pickel transferiu-se então para São Paulo e instalou-se no Mosteiro de São Bento. Deu início a um intenso estudo sobre os trabalhos botânicos de Piso e Marcgrave, realizados no Nordeste do Brasil no início do século XVII. De 1937 a 1949 traduziu do latim e comentou sobre diversas plantas úteis da obra Historia naturalis Brasiliae e De Indiae utriusque re naturali et medica, antecipando-se desta forma às próprias edições brasileiras do Museu Paulista de 1942, com a parte da obra de Marcgrave e de 1948 a parte da obra de Piso. Os comentários sobre o livro IV, que trata das propriedades dos simples, foram realizadas pelo erudito Dr. Olympio da Fonseca Filho, à época, professor catedrático da Faculdade Nacional de Medicina, que mais tarde confessou ter consultado intensamente Pickel para a identificação das plantas pisonianas. Provavelmente o resultado destas consultas tenha servido de fundamento ao seu trabalho de 1949, intitulado: "Piso e Marcgrave na Botânica Brasileira" e mais tarde, na década de 60, para o tratado “Flora do Nordeste” que permaneceu inédito até 2008. Em 1938 assumiu em São Paulo o modesto cargo de assistente técnico do Instituto Biológico e participou da Primeira Reunião Sul-americana de Botânica. Quando a segunda grande guerra eclodiu, Pickel naturalizou-se cidadão brasileiro a 17 de fevereiro de 1941, tirando o seu certificado de reservista em 1942. Naquele mesmo ano, foi promovido a biologista auxiliar do Instituto Biológico e em 1947 a biologista do quadro da mesma instituição. A partir de 1950, começou a interessar-se pelos problemas florestais brasileiros e naquele mesmo ano fez um curso intensivo sobre a questão florestal e madeireira no Brasil, ministrado na Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Naquele mesmo ano, foi agraciado com as medalhas do Cinqüentenário do Instituto Oswaldo Cruz; do V Congresso Internacional de Microbiologia; da Campanha de Educação Florestal e do Departamento de Inválidos D.Pedro II. 43 Em 1951 foi designado como diretor do Museu Florestal "Octávio Vecchi" do Serviço Florestal do Estado de São Paulo, ao mesmo tempo em que participava como membro da Comissão Permanente de Estudos de Plantas Brasileiras, Medicinais e Tóxicas. Durante o ano de 1952, tomou parte do curso de Histologia e Identificação de Madeiras do Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo, ao mesmo tempo em que foi designado pelo governo federal como examinador do concurso para provimento de cargo de naturalista do Ministério de Agricultura. Em 1955 foi membro ad hoc da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo no concurso para cátedra de Botânica. Durante o ano de 1958, fez a sua última visita a Pernambuco e a Universidade Rural, instituição da qual foi um dos fundadores e professor durante 25 anos, encontrando-se emocionado com seus antigos alunos. Dom Bento Pickel (1958). Em 1960 foi aposentado compulsoriamente como biologista do Serviço Florestal do Estado de São Paulo. 44 Em 1962, finalmente num ato de reconhecimento, seus antigos alunos prestaram-lhe uma homenagem, agraciando-o com o título de "Professor Benemérito e Emérito" da Universidade Rural de Pernambuco. Por aquela época, ainda era um ativo membro da Sociedade dos Amigos da Flora Brasileira e da Sociedade Botânica do Brasil. Pickel publicou mais de 130 trabalhos científicos e de divulgação, desde 1918 até 1963. Existem em torno de doze espécies vegetais e igual número de insetos que receberam o epíteto científico pickeli em sua homenagem. No Serviço Florestal do Estado de São Paulo, Pickel organizou um herbário com 5.468 números, tendo descrito aí seis novas espécies vegetais. Pickel veio a falecer na madrugada do dia 04 de abril de 1963, no Sanatório Santa Catarina em São Paulo e foi sepultado no passeio do claustro do tradicional Mosteiro do Largo de São Bento. Jaz numa anônima e humilde sepultura de monge, porém cercado pelas plantas que tanto amou, de um jardim silencioso de claustro. Sua maior obra, entretanto, é a "Flora do Nordeste" que foi publicada pela UFRPE em 2008. Cremos que esta foi a mais justa homenagem que se fez à memória do incansável pesquisador e do nosso primeiro naturalista. Por outro lado, não há como negar, foi pela vontade expressa de Pickel (ALMEIDA, 1998) que o herbário e o insetário não permaneceram na Escola. Visando a sua manutenção e conservação ele escolheu o Instituto de Pesquisas Agronômicas para sua guarda. As duas coleções tiveram destinos diferentes. Enquanto o herbário teve garantida a sua manutenção dentro da instituição, como até hoje se encontra. O insetário, devido a freqüentes mudanças de sede do IPA, durante os anos 70 do século passado não tinha mais espaço físico para abrigá-lo. Existindo inclusive uma proposta da diretoria do IPA para dividir o insetário em diversas partes e distribuí-las pelas diversas estações do IPA no Estado. Caso esta proposta tivesse sido aprovada a coleção de insetos iniciada por Dom Bento Pickel e continuada pelo Prof. Mário Bezerra de Carvalho e pelo agrônomo Ambrósio Oliveira de Freitas, teria decretado o seu fim. Graças à iniciativa de dois professores da UFRPE, Dr. Antonio Fernando de Souza Leão Veiga (na época chefe da seção de Entomologia do IPA) e Dr. Geraldo Pereira de Arruda (na época diretor do Departamento de Biologia da 45 UFRPE), em 1977 celebrou-se um convênio de comodato entre a UFRPE e o IPA e a coleção de insetos veio para a área de Entomologia da UFRPE, onde se encontra até hoje, tendo sido mantida inicialmente sob os cuidados dos professores Geraldo Pereira de Arruda, Eneide Carvalho de Arruda, Arlene Bezerra Rodrigues dos Santos e Argus Vasconcelos de Almeida e atualmente encontra-se aos os cuidados de uma curadora, a bióloga Luci Duarte da Rosa Borges Regis. A coleção atualmente se encontra em processo de digitalização de dados e criação de uma página na Internet para divulgação de fotos e dados dos diversos grupos de insetos que formam as coleções do IPA e do Departamento de Biologia em projeto coordenado pela Professora Auristela Correia de Albuquerque. É necessário reconhecer que se tivessem ficado na Escola ou mesmo na EET, tais coleções teriam se perdido. Devemos entender que na compreensão de Vasconcelos Sobrinho ele não reivindicava a permanência dessas coleções no local depois da extinção da Escola beneditina em 1937. Ele propôs uma recuperação e continuidade das coleções e para tanto denominou de “Insetário Pickel” e “Herbário Pickel” quando novos exemplares deveriam ser organizados nas novas coleções. Apesar do esforço e da iniciativa dos professores de Entomologia, durante os anos 80 do século passado, esse trabalho não teve continuidade, em trabalhos de pesquisa e ensino realizados na EET, durante os anos 80 e 90 do século passado, ainda chegamos a ver os armários da coleção do “Insetário Pickel”, com as caixas de insetos em completo abandono e sem nenhuma manutenção; bem como os armários com exsicatas do “Herbário Pickel” e armários com animais taxidermizados completamente estragados. 46 Caixa de lepidópteros do “Insetário Pickel” (1997). Armário com exsicatas do “Herbário Pickel” (1997). 47 Exsicata do “Herbário Pickel” (1997). Gavetas com animais taxidermizados (1997). Vasconcelos Sobrinho em seu relatório nas “medidas preliminares” se refere a uma série de compromissos assumidos pelos funcionários da Estação e moradores locais para com a preservação da natureza na Estação. Entretanto, dez anos depois da fundação da Estação, estes compromissos parecem que foram esquecidos. Pois em trabalhos de pesquisa e ensino com estudantes na Estação, durante os anos 80 do século passado, constatamos que muitos dos moradores mantinham lavouras de cana-de- 48 açúcar, milho, feijão, inhame e mandioca em áreas da estação, que pela sua extensão não pareciam lavouras de subsistência. Por outro lado a presença de animais domésticos era muito freqüente, tais como cães, aves canoras engaioladas, bois, vacas e cavalos. Presença de um estábulo na Estação (1986). Lavoura de milho na Estação (1986). A EET criada em 1975, neste mesmo ano recebia a visita científica da Dra. Miranda Stevenson do Departamento de Zoologia da University College of Wales, Aberystwyth, UK. Dra. Miranda iniciou, na Estação, o primeiro estudo brasileiro sobre ecologia e comportamento do sagüi-do-Nordeste, desenvolvido 49 em ambiente natural (STEVENSON & RYLANDS, 1988). Em 3 meses de trabalho de campo (dez. de 1975 a fev. de 1976) ela coletou uma boa base de informações sobre dieta, território, composição de grupos e padrões comportamentais, auxiliada pela familiaridade com a espécie que os seus estudos com colônias de saguis em cativeiro puderam proporcionar (STEVENSON & POOLE, 1976). Os dados sobre uso dos recursos exsudativos, marcação de cheiro e alta proporcionalidade da classe adulta, tanto de machos quanto de fêmeas, na composição dos grupos sociais dessa espécie, provocaram um redirecionamento das técnicas de manejo até então usadas no cativeiro. A introdução de gomas artificiais na dieta, o aumento na dimensão dos recintos das colônias – para abrigar famílias mais numerosas – e a intensificação dos estudos sobre comunicação olfatória e sobre fisiologia reprodutiva nos saguis e tamarinos, são exemplos de procedimentos e novas linhas de pesquisa estimulados pelos achados da Dra. Miranda Stevenson, na EET. No início do ano de 1985 foi a vez da Dra. Catherine E. Scanlon, orientada de pós-doutoramento do Dr. Neil Chalmers da The Open University (TOU), Milton Keynes, UK começar seus estudos sobre o desenvolvimento infantil e os cuidados familiares dispensados aos filhotes de Callithrix jacchus. Um convênio de cooperação científica bilateral foi assinado entre a UFRPE e a TOU. Esta foi a primeira investigação científica de longa duração e envolveu a participação de professores e estudantes brasileiros (do Nordeste), tendo se extendido até 1988. (Scanlon et al., 1988 e 1989). Uma equipe formada pelos doutores Alan Dixon do Centro Internacional de Pesquisas Médicas de Franceville, Gabão e o Gustl Anzenberger, do Departamento de Psicologia da Universidade de Zürich, Alemanha, esteve por um curto período, utilizando-se da infraestrutura já montada na EET, para coletar amostras sangüíneas e realizar análises genéticas com membros dos grupos sociais nativos de primatas brasileiros (Dixon et al. 1992). Em 1992 iniciaram-se as discussões sobre projeto “Estratégias reprodutivas em uma população de saguis do Nordeste na EET” que deu origem à tese de Monteiro da Cruz (1998). Este só se viabilizou graças à base de informações geradas pelos estudos anteriormente desenvolvidos na área, com a espécie em apreço. A Professora Maria Adélia Borstelmann de Oliveira a 50 partir de 1993 desenvolveu um projeto de doutorado que deu continuidade ao trabalho desenvolvido por Catherine Elizabeth Scanlon. Ao longo dos anos 90, junto com um expressivo número de estudantes orientados, a pesquisadora desenvolveu uma série de atividades de pesquisa com sagüis na EET, resultando em monografias de graduação, dissertações de mestrado e um número expressivo de artigos científicos publicados e divulgados em eventos científicos. Entre os artigos podem ser citados os de MONTEIRO DA CRUZ, SCANLON & RYLANDS (1987); SCANLON, CHALMERS & MONTEIRO DA CRUZ (1988); SCANLON, CHALMERS & MONTEIRO DA CRUZ (1989); MONTEIRO DA CRUZ (1995); SANTOS & MONTEIRO DA CRUZ (1997); CAMAROTTI & MONTEIRO DA CRUZ (1997); MELO, MONTEIRO DA CRUZ & FERNANDES (1997); MONTEIRO DA CRUZ & SCANLON (1997); MONTEIRO DA CRUZ (1998); MONTENEGRO, OLIVEIRA & MONTEIRO DA CRUZ (1998); VALENCA et al. (2000); FAULKES, ARRUDA & MONTEIRO DA CRUZ (2003); LYRA-NEVES et al. (2007). A partir daí importantes excursões científicas à EET foram realizadas, pelos Drs: John P. Hearn, à época do WRPRC da University of Wisconsin, Madison, USA; do Dr. Christophen G. Faulkers do Zoology Institute of Royal Society of London e da Dra. Hillary Box, do Departamento de Psicologia da Universidade de Reading. Novos estudos sobre a estrutura genética das populações desse primata foram realizadas, utilizando técnicas de sequenciamento da região de controle do DNA mitocondrial, com resultados estimulantes (Faulkers et al., 1996). Um programa de colaboração científica com pessoas e instituições acima citadas e a UFRN (através do programa de pós-graduação em Psicobiologia) foi iniciado com o objetivo de fortalecer as linhas já estabelecidas da pesquisa primatológica e alargar o espectro dos estudos. Novas abordagens teóricas e metodológicas foram testadas e o programa cooperativo buscou melhor compreender os fatores biológicos relacionados à evolução dos sistemas sociais dos calitriquídeos e dos demais primatas. Entre outros trabalhos de Zoologia realizados na EET, destacam-se os da Professora Zenilde Moreira Borges de Morais e seus orientados em pesquisas de herpetologia e cursos de extensão sobre ofídios peçonhentos; os da Professora Luzinalva Mendes Revoredo Mascarenhas Leite e seus 51 orientados sobre masurpiais e aulas de campo e coletas e levantamento preliminar de mamíferos da Estação. A Professora Ednilza Maranhão dos Santos (na época estudante de graduação que desenvolvia seu projeto de monografia) procedeu a um levantamento de anfíbios na Estação (SANTOS, 1998). Trabalhos de pesquisa em ornitologia foram empreendidos pelo Professor Severino Mendes de Azevedo Júnior (chefe da EET no período de 1987-90) e seus orientados e pelo Professor Artur Galileu de Miranda Coelho (UFPE), que em 1987 apresentou uma lista de espécies de aves da Estação, além dos trabalhos do Professor Deoclécio de Queiroz Guerra (UFPE) com quirópteros6. Durante os anos 80 e 90 do século passado, professores e técnicos da área de Entomologia (Professor Argus Vasconcelos de Almeida, técnicos7 Pedro Monteiro Correia, Marco Aurélio Paes de Oliveira e os monitores de Entomologia Paulo Santos Dutra e Roberta Araújo Cisneiros) com os estudantes dos cursos de Agronomia e Ciências Biológicas da UFRPE, desenvolveram um intenso programa de pesquisas e aulas de campo de Entomologia na Estação. A duração destas aulas de campo exigia pernoites na Estação para o acompanhamento e uso de armadilhas luminosas e durante o dia um programa de coletas e preparação de insetos para coleções didáticas. Na época a Estação oferecia plena condição para a realização destas aulas de campo, sendo avaliadas como muito proveitosas para a aprendizagem dos métodos e conteúdos de Entomologia. Neste período destaca-se a visita científica à EET feita pela Dra. Christiane Amedegnato e seu assistente Simon Poulain acridologistas do Laboratório de Entomologia do Museu Nacional de História Natural de Paris, que realizaram coletas e pesquisas com gafanhotos da Estação. Dentre os trabalhos de pesquisa em Entomologia originados deste programa de coletas na EET, destacam-se os da coleta de espécimes de insetos destinados à 6 Durante os anos 70, os professores Galileu e Deoclécio em pesquisas de campo eram sempre acompanhados pelo indispensável Mariola, técnico com imensa experiência de campo que armava as redes de captura de aves e morcegos, realizava a marcação ou a taxidermia dos exemplares capturados. 7 Uma importante presença na EET nesta época era a do técnico e taxidermista Paulo Francisco da Silva (da Zoologia da UFRPE), que acompanhava o trabalho de campo de todos os pesquisadores e que além de conhecer todas as áreas da Estação, tinha um vasto conhecimento da fauna local. 52 Coleção Entomológica do Departamento de Biologia da UFRPE, que foi enriquecida com os exemplares da Estação e um levantamento ecológico das espécies de gafanhotos ocorrentes em diversas áreas da EET (ALMEIDA & CÂMARA, 2008). Coleta de gafanhotos na EET em 2005 (de costas com a rede entomológica o Professor Cláudio Câmara e o Professor Argus V. de Almeida). Estudantes em coleta de insetos no campo da EET (1986). 53 Preparação e montagem de insetos no Laboratório da EET (1986). Grupo de estudantes no portão de entrada da EET, vendo-se ao fundo o monumento ao Curupira (1986). Embora que não tenhamos feito um levantamento bibliográfico das pesquisas botânicas na EET, temos citados os trabalhos de pesquisas fenológicas do próprio Professor Vasconcelos Sobrinho, Professor Geraldo 54 Mariz (UFPE), Professor Marcelo Ataíde e da botânica Ida Brunes Pontual (citados no relatório de 1976), além das pesquisas que poderemos citar de memória dos professores Osvaldo Carneiro de Lira (UFPE), Judas Tadeu de Medeiros Costa (UFPE), Célia Marinho, Maria Jesus Nogueira Rodal e Maria Rita Cabral Sales de Melo. Considerações finais Na difícil conjuntura política do país nos anos 70 do século passado foi fundada em 1975 a Estação Ecológica do Tapacurá, em plena ditadura militar, que entre os seus objetivos tinha o desenvolvimento econômico do país a qualquer preço, mesmo que este resultasse em impactos ambientais gigantescos como foi o caso da construção das usinas nucleares de Angra e na construção da estrada transamazônica. Era o tempo do chamado “milagre brasileiro” com altíssimo índice de crescimento econômico ou da palavra de ordem: “Brasil: ame-o ou deixe-o!” como um aviso aos insatisfeitos. Era o tempo em que o governo oficialmente comemorava as conquistas da seleção brasileira de futebol e, ao mesmo tempo, praticava o assassinato e a tortura de milhares de presos políticos nos porões dos órgãos de repressão. Era o tempo em que os representantes da ditadura em encontros internacionais faziam arrogantes declarações de que o Brasil preferia ter um forte desenvolvimento econômico mesmo que isso representasse a destruição do meio ambiente. Era o tempo das universidades amordaçadas e ameaçadas constantemente pelo decreto 477, que cassava professores, pesquisadores e funcionários, prendendo estudantes até nas salas de aula. A própria Universidade Rural sofreu ações repressoras, tais como a ocupação do campus de Dois Irmãos por tropas para reprimir protestos estudantis, prisão e assassinato de estudantes (como Odijas de Carvalho), cassação de funcionários, tutela e controle dos órgãos superiores de deliberação universitária e a presença constante de um órgão de informação dentro do campus como a famigerada ASI (Assessoria de Segurança e Informação) que se imiscuía na contratação de professores e funcionários fazendo o 55 levantamento das chamadas “folhas corridas” e na recomendação da expulsão de estudantes com base no decreto 477. Criada pela em março de 1975, a EET teve sua instalação no dia 05 de abril do mesmo ano Quatro meses depois aconteceu a maior catástrofe ambiental que já atingiu Pernambuco no século passado, a cheia de 1975. A enchente ocorreu entre os dias 17 e 18 de Julho de 1975, deixando 80% da cidade do Recife sob as águas. Outros 25 municípios da bacia do Capibaribe também foram atingidos. Morreram 107 pessoas e outras 350 mil ficaram desabrigadas. Na capital e interior, 1.000 km de ferrovias foram destruídos, pontes desabaram, casas foram arrastadas pelas águas. Só no Recife, 31 bairros, 370 ruas e praças ficaram submersos; 40% dos postos de gasolina da cidade foram inundados; o sistema de energia elétrica foi cortado em 70% da área do município; quase todos os hospitais recifenses ficaram inundados. No Recife, a cheia atingiu seu ponto culminante às 04 da madrugada do dia 18. Na manhã do dia 21, quando as águas baixaram e a população começava retomar a vida, foi a vez do pânico tomar conta das ruas do Recife, em decorrência do boato de que a Barragem de Tapacurá havia estourado e que a cidade seria arrasada pelas águas. Segundo o jornalista Homero Fonseca (1996) testemunha dos fatos, o Recife viveu uma situação de pânico jamais registrada em sua história. Não se sabe como nem por que, espalhou-se o boato de que a barragem de Tapacurá havia estourado e que a cidade seria arrastada pelas águas. A população entrou em desespero e as autoridades, com ajuda da imprensa, tiveram trabalho para acabar a correria. Tudo ocorreu às 10 horas da manhã: de repente, a multidão corria de um lado para outro sem saber aonde ir; mulheres desmaiavam; os carros não respeitavam sinais nem contra-mão; guardas de trânsito abandonavam seus postos; várias pessoas foram atropeladas; bancos, casas comerciais e a agência central dos Correios fecharam as portas; no Hospital Barão de Lucena várias pessoas pularam do primeiro andar; enquanto o boato se espalhava de boca em boca. As emissoras de rádio passaram imediatamente a divulgar insistentes desmentidos. A Polícia Militar divulgou nota oficial informando que prenderia 56 quem fosse flagrado repetindo o alarme. A Polícia Federal anunciou que estava investigando a origem (nunca descoberta) do boato e fontes do governo do Estado alegaram que o boato fora espalhado por terroristas. O pânico durou cerca de duas horas, mas seu momento de maior intensidade teve cerca de 30 minutos. Mais de 100 pessoas foram atendidas nos serviços de emergência dos hospitais. Passada a correria, técnicos da Companhia de Abastecimento de Água informaram que um rompimento da Barragem de Tapacurá (que tem capacidade para acumular 94 milhões de metros cúbicos de água em nada sofrera com a enchente) traria conseqüências imprevisíveis para a cidade do Recife. Foi neste contexto que se deu a fundação da Estação Ecológica do Tapacurá em 1975. O acontecimento em si não representava nenhuma ameaça ao “status quo”. O próprio Vasconcelos Sobrinho e o conjunto de autoridades universitárias e governamentais citado no relatório possuía um perfil politicamente conservador. Entretanto, era uma iniciativa que “remava contra a maré”. Ainda não fazia parte da ideologia do “Brasil Grande” a organização e manutenção de Unidades de Conservação. Basta ler o relatório de Vasconcelos Sobrinho para perceber, por trás da retórica, as suas dificuldades de administração, para conseguir verbas mínimas para a manutenção da Estação e para educar e convencer os antigos funcionários em adotar uma postura conservacionista. Por outro lado, torna-se evidente no seu relatório, a compreensão que tinha sobre uma política ecológica, que poderíamos classificar de militante. Como ele próprio se via como um “Dom Quixote da ecologia” que somos, a lutar contra os “moinhos de vento” do poderio econômico e da política, com a espada franzina da proteção à vida, à natureza, ao ambiente.” Na sua compreensão, as ações conservacionistas da EET não deveriam limitar-se à Estação, mas deveriam estender-se à toda sociedade, como ele próprio escreveu: “para construir um núcleo de atuação ativo, capaz de interferir beneficamente no sentido ecológico, em vastas áreas, e assim ampliar de muito seu âmbito de atuação”. Como nas ações descritas por ele em seu relatório, contra a pesca das tartarugas em Serinhaém, contra a construção de um cinema em uma praça do Bairro Novo em Olinda e a posição da EET sobre 57 a proteção das matas do grande Recife. Nestas ações, não era só o militante ecológico que agia, era também um representante da EET. Será que o Conselho da Estação teria compreendido as idéias de Vasconcelos Sobrinho sobre o papel da EET? Duvidamos muito, com a composição descrita no relatório, poucos membros poderiam ter compreendido as suas idéias, tais como Gilberto Freyre, Costa Porto e Geraldo Mariz. Então o que restou das intenções de Vasconcelos Sobrinho para a EET? Se a Estação, ao longo dos seus 34 anos, não chegou a se transformar num centro articulador das ações conservacionistas em Pernambuco, como almejava Vasconcelos Sobrinho, tornou-se, em compensação, uma importante Unidade de Conservação como área de pesquisas biológicas, como ele próprio preconizava. Por outro lado, é preciso reconhecer, que as idéias de Vasconcelos Sobrinho como militante das causas ambientais influenciou, direta ou indiretamente, diversos movimentos e organizações ambientalistas no Recife, tais como a Associação Pernambucana de Defesa da Natureza (ASPAN), o movimento ecológico estudantil “Curupira” que atuou no campus da UFRPE durante os anos 80 do século passado e atualmente o Grupo Árvores da UFRPE, que congrega professores, técnicos e estudantes em ações ambientais visando a proteção das árvores do campus, e que recentemente prestou uma homenagem ao ecólogo. O grupo é coordenado pelas professoras Maria de Fátima Vieira Santos (Departamento de Biologia) e Isabelle Meunier (Departamento de Ciência Florestal). Referências Bibliográficas ÁLBUM das Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinária - 19131923. Friburgo/Alemanha: Tipographia Herder & Cia, 1923. ALMEIDA, Argus Vasconcelos de. Introdução histórico-biográfica. In: PICKEL, D. Bento José. 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