Discurso sobre o Colonialismo

Transcrição

Discurso sobre o Colonialismo
“Discurso sobre o Colonialismo”
Uma civilização que se revela incapaz de resolver os problemas que seu funcionamento suscita, é uma
civilização decadente.
Uma civilização que prefere fechar os olhos aos seus problemas mais cruciais, é uma civilização ferida.
Uma civilização que ilude seus princípios é uma civilização moribunda.
Os fatos são: primeiro, a civilização dita <<europeia>>, a civilização <<ocidental>> tal como dois séculos de
regime burguês a talharem, é incapaz de resolver os dois problemas maiores aos quais sua existência deu origem:
o proletariado e seus problemas, e o problema colonial; segundo, quer no campo da <<razão>>, quer no campo da
<<consciência>> a Europa é importante para se justificar; terceiro, que cada vez mais ( a Europa) se refugia numa
hipocrisia tanto mais odiosa quanto cada vez menos tem possibilidades de se enganar.
A Europa é indefensável!
Parece que é isto que intimamente constatam os estratagemas americanos. Isto, em si, não é grave.
O que é grave é a Europa ser, moral e espiritualmente indefensável.
E hoje constata-se que não são apenas as massas europeias que incriminam, mas que a acta de acusação
é lavrada no plano mundial por dezenas de milhões de homens que, do mais baixo da sua escravidão se erguem
os juízes.
É permitido matar na Indochina, torturar em Madagascar, prender na África Negra e seviciar nas Antilhas.
Mas os colonizados sabem, doravante, que tem uma vantagem sobre seus colonialistas: sabem que seus senhores
mentem.
Portanto, que os seus senhores são fracos (...) vamos direto à mentira principal a partir da qual proliferam
todas as outras.
Colonização e civilização?
A acusação mais comum nesta matéria é a de ser-se enganado de boa fé por uma hipocrisia colectiva, hábil
em mal expor os problemas para melhor legitimar as soluções odiosas que lhes propõe.
Equivale isto a dizer, aqui, o essencial é ver claro, pensar claro, ouvir perigosamente, e responder
claramente à inocente questão inicial: o que é em princípio a colonização? É de convir que não é nem
evangelização, nem empreendimento filantrópico, nem vontade de fazer recuar as fronteiras da ignorância, da
doença e da tirania, nem a expansão em nome de Deus, nem do Direito; Há que admitir de uma vez por todas, sem
receio de tropeçar em consequências, que, neste caso, o gesto decisivo pertenceu ao aventureiro e ao pirata, ao
grande mercador e amador, ao que buscava o ouro e ao merceeiro, ao apetite e à força, tudo seguido pela sombra
negra e maléfica de uma forma de civilização que, a um dado momento da sua história se vê obrigada,
internamente, a estender à escala mundial, a concorrência as suas economias antagônicas.
Prosseguindo minha análise, acho que a hipocrisia é de recente data; porque nem Cortez descobrindo o
México do alto do grande teocalli, nem Pizarro frente a Cuzco (e ainda Marco Pólo frente a Cambaluc), afirmam ser
os mandatários duma ordem superior;e matam; e pilham; e tem capacetes, lanças e cupidez; os hipócritas só
vieram mais tarde (...)às quais só podiam seguir-se as abomináveis consequências coloniais e racistas que
vitimaram os índios, os Amarelos, e os Negros. (...)
A colonização foi realmente contacto? Ou se preferem, de todas as maneiras de estabelecer o contacto vai
uma distancia infinita; que, em todas as expedições coloniais, em todos os estatutos coloniais elaborados, em todas
as circulares ministeriais expedidas, não se consegue encontrar um único valor humano.
CÉSAIRE, Aimé. Discurso sobre o Colonialismo. Ed.Cadernos para o diálogo, Porto, 1971. P 5-9.
1) Segundo o autor, o que seria a colonização em seu discurso?
2) Conforme o discurso de Aimé Césaire, quais as consequências do colonialismo? Essas consequências são
perceptíveis no nosso cotidiano? Exemplifique.