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301 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE COORDENADORA CIENTÍFICA Lívia Gaigher Bósio Campello ORGANIZADOR Gustavo Santiago Torrecilha Cancio TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE 2016 São Paulo Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-PUBLICAÇÃO T278 Nossos Contatos São Paulo Rua José Bonifácio, n. 209, cj. 603, Centro, São Paulo – SP CEP: 01.003-001 Acesse: www. editoraclassica.com.br Redes Sociais Facebook: http://www.facebook.com/EditoraClassica Twittter: https://twitter.com/EditoraClassica Temas contemporâneos de direito ambiental e sustentabilidade / organização Gustavo Santiago Torrecilha Cancio; coordenação Lívia Gaigher Bósio Campello. 1. ed. - São Paulo: Clássica Editora, 2016. 300 p. Referências ISBN 978-85-8433-037-9 1. Direito cultural. 2. Educação ambiental - ecofeminismo - ética. I. Cancio, Gustavo Santiago Torrecilha. II. Campello, Lívia Gaigher Bósio. CDD: 341.2 EDITORA CLÁSSICA Conselho Editorial Allessandra Neves Ferreira Alexandre Walmott Borges Daniel Ferreira Elizabeth Accioly Everton Gonçalves Fernando Knoerr Francisco Cardozo de Oliveira Francisval Mendes Ilton Garcia da Costa Ivan Motta Ivo Dantas Jonathan Barros Vita José Edmilson Lima Juliana Cristina Busnardo de Araujo Lafayete Pozzoli Leonardo Rabelo Lívia Gaigher Bósio Campello Lucimeiry Galvão Equipe Editorial Editora Responsável: Verônica Gottgtroy Produção Editorial: Editora Clássica Capa: Editora Clássica Luiz Eduardo Gunther Luisa Moura Mara Darcanchy Massako Shirai Mateus Eduardo Nunes Bertoncini Nilson Araújo de Souza Norma Padilha Paulo Ricardo Opuszka Roberto Genofre Salim Reis Valesca Raizer Borges Moschen Vanessa Caporlingua Viviane Coelho de Séllos-Knoerr Vladmir Silveira Wagner Ginotti Wagner Menezes Willians Franklin Lira dos Santos Apresentação Com imensa alegria e satisfação apresentamos a presente obra coletiva, composta por artigos científicos motivados pelos debates e resumos expandidos submetidos ao IV Congresso Nacional da Federação dos Pós-Graduandos em Direito - FEPODI, ocorrido entre 01 e 02 de outubro de 2015, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP, sobre o tema “Ética, Ciência e Cultura Jurídica”. Os 18 (dezoito) artigos, abaixo sintetizados, que compõem a presente obra coletiva, mais do que discutir temas atuais do direito ambiental, refletem a sensibilidade e disposição dos (as) autores (as) para transformar a cultura da sociedade contemporânea em favor de um mundo melhor, mais digno e sustentável. Dentro dessa análise, no artigo “Da necessidade de respeito à cultura indígena nas políticas de desenvolvimento econômico: do multiculturalismo e aspecto cultural do conceito de desenvolvimento econômico sustentável”, Lorena Silva de Albuquerque discute a necessidade de se observar o elemento cultural em políticas públicas, defendendo que o conceito de desenvolvimento sustentável também abrange o aspecto cultural, no qual estão inseridas as tradições indígenas. Por seu turno, Paulo Silva Nhemetz e Leonardo Raphael Carvalho de Matos propõem-se, no artigo “Solidariedade cogente: percepção de direitos às futuras gerações (o princípio da solidariedade infinda)”, a analisar o princípio constitucional da solidariedade aplicado àquele que ainda não existe, ou seja, às futuras gerações, dando origem ao princípio da solidariedade intergeracional e transgeracional. Já em “O meio ambiente do trabalho e o adicional de insalubridade sob uma análise fraterna”, Luana Pereira Lacerda e Lafayette Pozzoli enfocam 4 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE na análise crítica da problemática que envolve o meio ambiente do trabalho e o enquadramento do adicional de insalubridade e sua agressão à saúde do empregado. Carla Judith Cetina Castro apresenta em “O ecofeminismo e as relações de poder de Foucault” uma visão geral sobre o ecofeminismo, uma corrente filosófica feminista, que não tem impedido sua adopção como forma de luta na degradação ambiental, por parte de ecofeministas no redor do mundo. No artigo intitulado “Procedimento administrativo de liberação dos OGM’S”, as autoras Elisângela Assayag Neves e Suame da Costa Tavares incitam o debate sobre os organismos geneticamente modificados (OGMs), cuja realização ainda fomenta incertezas na área do Biodireito, quanto à análise de risco à segurança humana e ao meio ambiente. Cyro Alexander de Azevedo Martiniano e Ygor Felipe Távora da Silva introduzem em “A educação ambiental e a função da comunicação social conforme a ordem constitucional brasileira” a ideia de que o contexto constitucional da comunicação social exerce um papel importante para a efetivação da Educação Ambiental. Trazendo um outro enfoque, o artigo “A competência ambiental concorrente do manejo do pirarucu no Estado do Amazonas”, de Adriana Almeida Lima e Rayanny Silva Siqueira Monteiro, discorre sobre a nova competência concorrente do Estado do Amazonas para legislar sobre o manejo do Pirarucu, investigando a aplicaçao da lei e eficácia bem como descrição de um novo modelo que se desenha. Ao tratarem da “Ameaça à sustentabilidade das unidades de conservação: o caso da reserva extrativista chico mendes”, Paulo Fernando de Britto Feitoza e Idelcleide Rodrigues Lima Cordeiro aborda os principais fatores que vêm ameaçando a sustentabilidade Reserva Extrativista Chico Mendes - RESEX, localizada no sudeste do Estado do Acre, criada para garantir a exploração autosustentável e a conservação dos recursos naturais renováveis. O estudo sobre o “Regime sui generis de proteção jurídica transnacional dos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade: possibilidade a partir da região amazônica”, realizado por Ana Carolina Couto Lima de Carvalho, trata da tutela jurídica dos conhecimentos tradicionais dos povos da Amazônia e sua imprescindível interrelação com a sustentabilidade ambiental e a transnacionalidade. Andrea Cláudia Sales Silva e Cristine Cavalcanti Gomes apresentam uma análise sobre os “Possíveis impactos do licenciamento ambiental único estabelecido pela Lei Complementar n. 140, de 08 de dezembro de 2011”, enfocando, dentro da repartição de ações administrativas dos entes federados e o exercício do licenciamento ambiental, a figura do licenciamento ambiental 5 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE único, caracterizada como um instrumento capaz de evitar sobreposição de atuações entes os componentes da Federação. Por sua vez, Mayara Ferrari Longuini e Rafael Junqueira Buralli, no artigo “Participação social em decisões políticas ambientais: dimensões e efetividade”, buscam analisar as dimensões jurídicas e efetividade da participação da sociedade em decisões políticas que envolvam questões ambientais dentro do contexto do Estado Democrático de Direito. Em “A Constituição Federal e a proteção ao direito socioambiental: o caso da reserva indígena Raposa Serra do Sol no Supremo Tribuinal Federal”, Bárbara Dias Cabral e Juliana Soares Viga aduzem, em síntese, que o Supremo Tribunal Federal, ao analisar o caso da demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, embasou uma nova ideia jurídica denominada Direito Socioambiental. Marcelo Pires Soares e Elisa Oliveira da Silva Bentes apresentam em “O plantio de organismos geneticamente modificados no entorno de unidades de conservação” uma análise da validade do Decreto 5.950/2006, que autoriza o cultivo de organismos geneticamente modificados (OGMs) no entorno de unidades de conservação, tendo como ponto de partida a função das zonas de amortecimento, as incertezas quanto ao plantio de OGMs e a aplicação do Princípio da Precaução. No artigo “O princípio do poluidor-pagador e a responsabilidade civil do estado por omissão no dever de fiscalização e proteção ambiental”, Laís Batista Guerra e Juliana de Carvalho Fontes tratam da responsabilidade civil do Estado por omissão no dever de proteção e fiscalização ambiental, à luz da aplicação do princípio do poluidor-pagador e das normas constitucionais e legais vigentes. Em “Importância da educação ambiental para efetivação da sociedade sustentável”, a autora Tereza Cristina Mota dos Santos Pinto traz a relevância do papel da educação ambiental para a mudança na forma de se posicionar do ser humano, de modo a permitir a efetivação do desenvolvimento sustentável preceituado constitucionalmente no artigo 225. Carlos Antonio de Carvalho Mota Júnior e Guilherme Gustavo Vasques Mota, ao discorrem sobre “Os igarapés da cidade de manaus: degradação e remédios legais”, esclarecem que a cidade de Manaus possui fartos braços d´água conhecidos como “igarapés”, os quais atualmente encontram-se em estado de grande degradação, sem qualquer uso para a população exceto o lançamento de dejetos residenciais, comerciais e industriais. Já os autores Narcisa Batista Lunguinho Silva e Leonardo Raphael Carvalho de Matos apresentam uma visão sobre a “Responsabilidade social no direito ambiental internacional e os refugiados ambientais”, levantando as 6 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE consequências advindas da problemática da degradação ambiental cada vez mais crescente e indicando o surgimento de uma nova categoria de refugiados: os refugiados ambientais, também conhecidos como (refugiados climáticos). Por fim, em “Educação ambiental: as ações pedagógicas da Secretaria Municipal de Educação de Manaus/AM”, Bárbara Dias Cabral e Erivaldo Cavalcanti Silva Filho apresentam um estudo sobre as ações que corroboram a educação ambiental na Secretaria Municipal de Educação de Manaus/AM (SEMED). Feita essa breve introdução aos artigos que constituem a presente obra coletiva, acreditamos que, pela dinâmica do livro, haja uma excelente fluidez na compreensão e exame dos estudos aqui apresentados. Boa leitura! Lívia Gaigher Bósio Campello Coordenadora Científica Gustavo Santiago Torrecilha Cancio Organizador 7 Sumário DA NECESSIDADE DE RESPEITO À CULTURA INDÍGENA NAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: DO MULTICULTURALISMO E ASPECTO CULTURAL DO CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO SUSTENTÁVEL 10 Lorena Silva de Albuquerque ......................................................................... SOLIDARIEDADE COGENTE: PERCEPÇÃO DE DIREITOS ÀS FUTURAS GERAÇÕES (O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE INFINDA) 22 Paulo Silva Nhemetz e Leonardo Raphael Carvalho de Matos ........................... O MEIO AMBIENTE DO TRABALHO E O ADICIONAL DE INSALUBRIDADE SOB UMA ANÁLISE FRATERNA 39 Luana Pereira Lacerda e Lafayette Pozzoli .................................................... O ecofeminismo e as relações de poder de Foucault 57 Carla Judith Cetina Castro .......................................................................... Procedimento Administrativo de liberação dos OGM’s 75 Elisângela Assayag Neves e Suame da Costa Tavares ........................................ A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A FUNÇÃO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL CONFORME A ORDEM CONSTITUCIONAL BRASILEIRA 87 Cyro Alexander de Azevedo Martiniano e Ygor Felipe Távora da Silva ............... A COMPETÊNCIA AMBIENTAL CONCORRENTE DO MANEJO DO PIRARUCU NO ESTADO DO AMAZONAS Adriana Almeida Lima e Rayanny Silva Siqueira Monteiro ............................... 105 AMEAÇA À SUSTENTABILIDADE DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO: O CASO DA RESERVA EXTRATIVISTA CHICO MENDES Paulo Fernando de Britto Feitoza e Idelcleide Rodrigues Lima Cordeiro .......... 116 8 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE REGIME SUI GENERIS DE PROTEÇÃO JURÍDICA TRANSNACIONAL DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS ASSOCIADOS À BIODIVERSIDADE: POSSIBILIDADE A PARTIR DA REGIÃO AMAZÔNICA Ana Carolina Couto Lima de Carvalho .......................................................... POSSÍVEIS IMPACTOS DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL ÚNICO ESTABELECIDO PELA LEI COMPLEMENTAR N. 140, DE 08 DE DEZEMBRO DE 2011 Andrea Cláudia Sales Silva e Cristine Cavalcanti Gomes ................................. PARTICIPAÇÃO SOCIAL EM DECISÕES POLÍTICAS AMBIENTAIS: DIMENSÕES E EFETIVIDADE Mayara Ferrari Longuini e Rafael Junqueira Buralli ...................................... A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A PROTEÇÃO AO DIREITO SOCIOAMBIENTAL: O CASO DA RESERVA INDÍGENA RAPOSA SERRA DO SOL NO SUPREMO TRIBUINAL FEDERAL Bárbara Dias Cabral e Juliana Soares Viga ..................................................... O PLANTIO DE ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS NO ENTORNO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO Marcelo Pires Soares e Elisa Oliveira da Silva Bentes ..................................... O PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO NO DEVER DE FISCALIZAÇÃO E PROTEÇÃO AMBIENTAL Laís Batista Guerra e Juliana de Carvalho Fontes ........................................... IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA EFETIVAÇÃO DA SOCIEDADE SUSTENTÁVEL Tereza Cristina Mota dos Santos Pinto .......................................................... OS IGARAPÉS DA CIDADE DE MANAUS: DEGRADAÇÃO E REMÉDIOS LEGAIS Carlos Antonio de Carvalho Mota Júnior e Guilherme Gustavo Vasques Mota .. RESPONSABILIDADE SOCIAL NO DIREITO AMBIENTAL INTERNACIONAL E OS REFUGIADOS AMBIENTAIS Narcisa Batista Lunguinho Silva e Leonardo Raphael Carvalho de Matos ........ EDUCAÇÃO AMBIENTAL: AS AÇÕES PEDAGÓGICAS DA SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE MANAUS/AM Bárbara Dias Cabral e Erivaldo Cavalcanti Silva Filho .................................. 133 153 171 188 199 223 243 261 274 291 9 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE DA NECESSIDADE DE RESPEITO À CULTURA INDÍGENA NAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: DO MULTICULTURALISMO E ASPECTO CULTURAL DO CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO SUSTENTÁVEL THE NECESSITY OF RESPECT THE CULTURE OF INDIGENOUS PEOPLES IN POLICY OF ECONOMIC AND SOCIAL DEVELOPMENT: THE MULTICULTURALISM E CULTURAL ASPECT IN CONCEPT OF SUSTAINABLE DEVELOPMENT Lorena Silva de Albuquerque Mestranda em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas. Procuradora do Estado do Amazonas. Resumo: Na implementação de programas de crescimento econômico é possível que haja choques com diferentes formas de viver. Considerando que o Brasil adotou o multiculturalismo como diretriz constitucional e assumiu compromissos internacionais de respeito aos costumes e tradições indígenas, é necessário observar o elemento cultural em políticas públicas. Outro reforço a tal obrigatoriedade foi o fato de o Brasil ter adotado o chamado desenvolvimento econômico sustentável. Defende-se que o conceito de desenvolvimento sustentável também abrange o aspecto cultural, no qual inseridas as tradições indígenas. Assim, a partir de pesquisas em doutrina pátria, análise do ordenamento jurídico brasileiro e documentos internacionais, será demonstrado que o Brasil não pode se descuidar do aspecto cultural em seu desenvolvimento econômico. Palavras-Chave: Desenvolvimento Sustentável. Cultura. Índios. Abstract: In the implement of economic growth plan is possible shocks with diferentes ways of life. Whereas Brazil has adopted multiculturalism as a constitutional guideline and made international commitments to respect the customs and indigenous traditions, is necessary to respect cultural element in public politics. Another demonstrative of this obligation is the fact that Brazil adopted the concept of sustainable development. The concept of sustainable development also covers the cultural aspect, in which indigenous traditions are inserted.Thus, from research in doctrine, as well as analysis of Brazilian law and international documents, it will be demonstrated that Brazil can not neglect the cultural elemente in economic development. Keywords: Sustainable Development. Culture. Indigenous people. 10 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE INTRODUÇÃO O Brasil busca constantemente o crescimento econômico. Para tanto, faz investimentos em usinas hidrelétricas, expande rodovias, realiza transposição de rios, o que em geral contribui para baratear custos e facilitar escoamento de produção. Ao mesmo tempo em que busca se agigantar economicamente, possui uma realidade da qual não pode se afastar: é um país formado por diversos povos, um verdadeiro mosaico de várias formas de viver. Disso resulta que medidas consideradas essenciais para o desenvolvimento econômico por vezes agridem a cultura de determinados povos. Justifica-se a pesquisa em decorrência da atual política de crescimento econômico brasileiro e do fato de que muitas obras em andamento, em especial a construção de usinas hidrelétricas, motivam diversas manifestações de indignação de povos indígenas, que alegam afronta a seus direitos. O objetivo do presente trabalho será demonstrar que o aspecto cultural deve estar atrelado ao desenvolvimento. Além da necessidade de proteção à cultura indígena, o Brasil adotou o modelo do desenvolvimento econômico sustentável, no qual se integra tal proteção. Para tanto, será realizada pesquisa na doutrina pátria, Constituição Federal e legislação infraconstitucional, além de documentos internacionais. A primeira etapa da pesquisa consistirá em abordar a proteção da cultura. Posteriormente será demonstrada a proteção constitucional dos direitos indígenas. Em seguida, será apresentado o conceito de desenvolvimento sustentável, para, ao final, ser realizada conclusão sobre o tema. 1. DA PROTEÇÃO À CULTURA O Brasil foi destino de vários povos. Aqui já residiam os índios. Após vieram os portugueses, africanos, italianos, espanhóis e diversos outros. Como resultado, há uma mistura de povos, com diversas formas de viver e pensar. A diversidade da população brasileira é fato notório. O contraste entre as diversas regiões demonstra a relevância e existência de variadas formas de identidade cultural. Fisicamente, já há indício de diversidade cultural. Em cidades como São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, a presença indígena é marcante. Já no Nordeste, em várias cidades da Bahia a presença negra anos é inegável. O aspecto cultural, no entanto, ultrapassa os caracteres físicos e alcança os costumes e crenças de cada grupo. Afinal, como não imaginar demonstrativo de cultura o infanticídio em aldeias indígenas ou a farra do boi em Santa Catarina? 11 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Como ignorar que num mesmo país há os que seguem Deus, alguns que temem os espíritos da floresta e outros que referenciam os Orixás do Candomblé? Tais exemplos, alguns mais questionáveis que outros, demonstram as diversas formas de pensar. Além das crenças, integra a cultura os diversos meios pelos quais os grupos empregam suas forças e obtém alimentação. Considerando o tema do presente artigo, cabe enfatizar a diferenciada forma de vida dos indígenas. Nela, há grande ligação com a natureza. Das águas, das florestas e da terra saem diretamente os alimentos para saciar fome e também as necessidades espirituais. Os rios são fontes de peixe, mas também símbolos sagrados. A necessidade de caça implica a reserva uma ampla área de terra para a sobrevivência indígena, o que também é reformado pela agricultura e coleta das quais o povo tira alimentos básicos. Assim, ao se falar em cultura indígena, fala-se em todos os seus costumes, hábitos, crenças e símbolos que fazem o índio se reconhecer como ser na terra. Fácil concluir que o direito de proteção à cultura não consiste na simples fixação de um dia de proteção ao índio. A a reserva de 19 de abril para comemoração do dia do índio não contribui diretamente com a proteção de sua cultura. Os trabalhos realizados em escolas não mata a fome ou eleva a autoestima desta minoria. Protege-se a cultura quando se possibilita que os povos perpetuem sua forma de viver. Possibilita-se a perpetuação da forma de viver quando protegidos os meios que permitem tal continuidade. Quando se permite o acesso à agua para a permanência de busca de alimentos. Quando mantidas as terras para a prática de atividades de subsistência e reprodução de modos de vida, por exemplo. Sabe-se que a relação entre a natureza e a cultura é direta e interdependente. A respeito do tema, transcreve-se lição de DERAMI (2001 p.72): Toda formação cultural é inseparável da natureza, com base na qual se desenvolve. Natureza conforma e é conformada pela cultura. De onde se conclui que tantas naturezas teremos quão diversificadas foram as culturas e, naturalmente, pelo raciocínio inverso, as culturas terão matizes diversos posto eu imersas em naturezas diferentes Nos povos indígenas tal relação é bem acentuada. A proteção à cultura, assim, perpassa pela proteção à natureza que permite a perpetuação dos símbolos culturais, o que está diretamente ligado ao respeito e seu território. 12 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Há de se observar, ademais, que o conjunto de práticas e valores integrantes da cultura de um povo está diretamente ligado à identidade do povo e autoafirmação do indivíduo perante a sociedade. O direito à cultura, por conseguinte, constitui em verdadeiro direito fundamental, possuindo ligação direta com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o direito à busca da felicidade. Uma triste realidade é comprobatória do quão grave é a deterioração cultural para fins de se alcançar tal direito à felicidade. Atualmente, as maiores taxas de suicídio entre os jovens ocorre justamente entre os indígenas. O ranking é liderados por cidades com forte presença indígena, como São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, e cidades de Amambai, Dourados e Paranhos do Mato Grosso do Sul. Os choques culturais a que estão submetidos os indígenas em tais cidades por certo contribui para a fatalidade. Tamanha a importância da cultura, a mesma recebeu proteção constitucional. O capítulo III, Seção II da CF/88 disciplinou o tema Cultura. Nos termos do art.215, caput, da Constituição Federal, o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. O §1° do citado artigo determina que o Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. O patrimônio cultural, como conjunto de bens de valor cultural, também foi disciplinado. Foi constitucionalmente conceituado, no art.216, caput, como bens de natureza material e imaterial, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem as formas de expressão, os modos de criar, fazer e viver, as criações científicas, artísticas e tecnológicas, as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais e os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. A respeito do tema, vale a menção aos ensinamentos de FEITOZA (2012, p.43): “Para que melhor se explique, considere-se que somente pode ser considerado bem cultural aquele que simbolizar uma evocação, representação 13 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE ou lembrança, sendo conclusivo que, tirante a materialidade da coisa erigida à condição de bem cultural, outra existe por uma vertente, que não é palpável nem material, mas imaterial ou mesmo psicológico, que emana de cada ser e converge para promover especial importância para determinado bem, alando-o à condição de cultural. A importância maior do bem está aí, na maioria das vezes, não na coisa em si, mas na lembrança que ocasiona A proteção da cultura, no entanto, ultrapassada a previsão da Seção II, na qual inclusa a proteção da cultura de forma genérica e do patrimônio cultural. Tal proteção também tem como fonte a previsão do art. 1°, III, de que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana. Não se pode olvidar, ademais, que constitui, ainda, objetivo fundamental da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, conforme art. 3°, IV, da Carta Magna. Ainda em termos de Constituição federal, determina o art.5° da CF/88 que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias, além de ser livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. A proteção à cultura, então, como direito fundamental que é, possui ampla proteção constitucional. 2. DO MULTICULTURALISMO E PROTEÇÃO AOS DIREITOS INDÍGENAS A diversidade cultural existente no Brasil é realidade. Na verdade, considerando a globalização, é realidade comum a quase todos os países. Disto surgem seguintes indagações: Como proceder diante de tal diversidade? Aceitar as diferenças, com todos os conflitos que poderia surgir ou padronizar comportamentos, exterminando o “diferente”? Com a evolução dos direitos e proteção de direitos fundamentais caminha-se para um respeito às diferenças. Este reconhecimento das diversidades e valorização do outro, com a exclusão de idéia de homogeneidade é que dá corpo ao multiculturalismo. 14 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE O conceito de multiculturalismo designava, originalmente, a coexistência de formas culturais ou de grupos caracterizados por culturas diferentes no seio de “sociedades modernas’. Rapidamente, contudo, o termo se tornou um modo de descrever as diferenças culturais em um contexto transnacional e global. (BOAVENTURA, 2003, p.26). O conceito aponta, simultaneamente, para uma descrição e um projeto. Conforme, novamente, lição de BOAVENTURA (2003, p.28) : Enquanto descrição é possível falar de: 1. A existência de uma multiplicidade de culturas no mundo; 2. A co-existência de culturas diversas no espaço de um mesmo Estado-nação; 3. A existência de cultuas que se influenciam tanto dentro como além do Estado-nação. O multiculturalismo pode ser visto também como uma forma de atuar, intervir e transformar a dinâmica social. As sociedades estão permeadas de grupos minoritários que exigem reconhecimento de suas diferenças culturais. Esta forma ativa do multiculturalismo impõe ao Estado brasileiro a necessidade de intervir de forma a preservar e fomentar a diversidade. O Brasil também é multicultural e pluriétnico porque protege e estimula o convívio harmônico das várias formas de viver, dos diversos costumes e crenças. Não objetiva uma padronização, que todos usem os mesmos trajes, possuam os mesmos deuses, tenham a mesma relação com a natureza, submetam-se à mesma organização ou alimentem-se da mesma forma. No desenvolvimento das Políticas Públicas e na implementação de obras para incremento econômico tais valores devem ser preservados, considerando a já exposta proteção constitucional à cultura. Em relação aos povos indígenas, há proteção ainda mais específica que as genéricas previstas na Constituição. A nova ordem constitucional destinou-os capítulo específico (capítulo VII), no qual, em seu art. 231, caput, determinou que são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. Há de se observar, em consonância com BARRETO (2011, p.100), que antes da Constituição Federal de 1988, os direitos indígenas eram basicamente restritos aos direitos de posse sobre a terra. Após, houve uma mudança de paradigma, com ampliação de seus direitos e reconhecimento de suas organizações, costume, tradições. 15 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE O avanço no reconhecimento da diversidade cultural indígena não ocorreu somente em termos de Constituição. O Estado Brasileiro assumiu compromissos internacionais de respeito aos direitos indígenas. Está submetido a documentos mais genéricos de proteção a direitos humanos como a Declaração Universal dos Direitos e Convenção Internacional sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. Além disso, assinou convenções específicas sobre direitos indígenas, dentre as quais a Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre os Povos Indígenas e Tribais, que alterou a perspectiva integracionista presente na Convenção n. 107 sobre populações indígenas e outras populações tribais e semitribais em países independentes. A mudança de paradigma na segunda convenção é expressa em suas considerações iniciais, ao citar, como fundamento, que as mudanças sobrevindas na situação dos povos indígenas e tribais em todas as regiões do mundo fazem com que seja aconselhável adotar novas normas internacionais nesse assunto, a fim de se eliminar a orientação para a assimilação das normas anteriores. É fácil observar, então, o objetivo de se distanciar da visão integracionista da cultura indígena ao padrão geral de comportamento, de forma a se alcançar o fortalecimento da cultura indígena e preservar sua identidade. Assim, ao assinar a Convenção 169 da OIT, o Estado Brasileiro assumiu um compromisso internacional de direitos humanos no sentido de respeitar a cultura indígena e tomá-la em consideração em politicas de desenvolvimento do país. Ainda a nível de documentos internacionais, é interessante frisar a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, que, desde de seus considerando, frisa a necessidade de respeito às diferenças. É de conhecimento geral que atualmente os compromissos internacionais de direitos humanos possuem proteção constitucional. Os tratados de tal natureza integram o que se chama de “bloco de constitucionalidade”, com base no art. 5º, § 2º, da Constituição Federal, que determina que os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Há de se observar que existem doutrinadores que inclusive defendem o status constitucionais de tais normas independentemente do procedimento de aprovação previsto no §3º do supracitado artigo constitucional, conforme se extrai abaixo: A Constituição de 1988 recepciona os direitos enunciados em tratados internacionais de que o 16 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Brasil é parte, conferindo-lhe natureza de norma constitucional. Isto é, os direitos constantes nos tratados internacionais integram e complementam o catálogo de direitos constitucionalmente previstos, o que justifica estender a esses direitos o regime constitucional conferido aos demais direitos e garantias fundamentais. (PIOVESAN, 2009, p.58) A despeito do compromisso internacional, no entanto, nem sempre dado o devido valor aos costumes indígenas. A título de exemplificação, cita-se que a construção das diversas hidrelétricas no Rio Telles é fonte de forte objeção pelos povos indígenas Munduruku, Kayabi, Apiaká e Rikabatsa. Segundo manifesto apresentado1, as usinas de Sinop, Colíder, Teles Pires e São Manoel estão mudando radicalmente o rio Teles Pires e afetando o modo de vida tradicional de tais povos, tanto no aspecto físico como cultural. Segundo alegam, com tais construções seriam afetadas áreas sagradas, como a Cascada das Sete Quedas. Ora, os símbolos culturais das áreas para os indígenas não devem ser levados em consideração? Os mesmos não integram, como já exposto, o conceito de cultura? Esta não está protegida constitucionalmente? Trata-se de indagações essenciais cuja resposta decorre na disciplina constitucional e internacional da matéria. 3. DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E O ASPECTO CULTURAL Na intenção de impulsionar o desenvolvimento econômico, o Estado pode irregularmente descuidar das proteções constitucionais ao direito à cultura. Ocorre que esta se trata de mais uma afronta à Constituição, vez que nos termos do art. 170, caput, da Constituição Federal, a ordem econômica tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. Como visto, a proteção à cultura indígena guarda relação direta coma dignidade humana. Além disso, hoje o desenvolvimento econômico deve ser analisado à luz do conceito de desenvolvimento sustentável. O conceito de desenvolvimento sustentável não perpassa somente pelo aspecto ecológico. Trata-se de um conceito que engloba diversas facetas de um todo que seria um meio ambiente adequado para vivência. http://amazonia.org.br/2015/05/munduruku-kayabi-apiak%C3%A1-e-rikabatsa-selamalian%C3%A7a-contra-usinas-no-mato-grosso/ 1 17 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Um marco da conceituação de desenvolvimento sustentável foi o Relatório de Brundtland, chamado de “Nosso futuro comum”, elaborado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. Em tal documento internacional, o desenvolvimento sustentável é conceituado como “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”. Em 1992, foi realizada a Conferência de Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, chamada Rio 92, que reafirmou e popularizou o conceito de desenvolvimento sustentável tendo por objetivo vincular desenvolvimento e ambiente, conciliando equidade social, prudência ecológica e eficiência econômica (SAISSE, 2014, p.105). Em atenção ao tema do artigo, observa-se que o art. 22 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável previu que os Estados devem reconhecer e apoiar de forma apropriada a identidade, cultura e interesses dessas populações e comunidades, bem como habilitá-las a participar efetivamente da promoção do desenvolvimento sustentável. Em 2012, foi realizada nova Conferência no Rio de Janeiro, a Rio + 20, da qual resultou o documento “O futuro que queremos”. Em tal documento, os Chefes de Estado comprometem-se a obter uma maior integração entre os três pilares de desenvolvimento sustentável – o econômico, o social e o ambiental. Sobre tema, relevante ainda são as seguintes previsões: 16. Nós reconhecemos a diversidade do mundo e reconhecemos que todas as culturas e civilizações contribuem para o enriquecimento da humanidade e a proteção do sistema de suporte à vida da Terra. Enfatizamos a importância de cultura para o desenvolvimento sustentável. Pedimos uma abordagem holística para o desenvolvimento sustentável que guiará a humanidade para viver em harmonia com a Natureza. 21. Nós reconhecemos a importância da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos de Povos Indígenas na implementação global, regional e nacional de estratégias desenvolvimento sustentável. Também reconhecemos a necessidade de refletir as perspectivas de crianças e jovens de questões que estamos abordando exercerá um profundo impacto sobre os jovens de hoje e sobre as gerações vindouras. 18 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE É necessário observar que o debate a respeito do desenvolvimento levou, como citado, à tradicional identificação de três elementos essenciais e interdependentes, quais sejam, o econômico, o social e o ambiental. A terminologia, no entanto, acabou por estar sempre sujeita a crítica e interpretações, vez que busca um desenvolvimento capaz de compatibilizar crescimento econômico, conservação e manutenção da natureza e justiça social, o que pareceria improvável numa economia de mercado (IRVING, 2014, p.20). O fato, no entanto, é que não se poderia conceber um planeta desenvolvido se nele há pobreza, desigualdades sociais, ou esgotamento de recursos naturais. A própria pobreza e falta de educação acarreta danos ao meio ambiente. Da mesma forma, a conservação das diversidades de cultura igualmente é relevante ao desenvolvimento, vez que preserva conhecimentos e conduz ao bem-estar. Neste aspecto, o art.6° da Convenção sobre a proteção e promoção da diversidade das expressões culturais determina que a diversidade cultural constitui grande riqueza para os indivíduos e as sociedades e a proteção, promoção e manutenção da diversidade cultural é condição essencial para o desenvolvimento sustentável em benefício das gerações atuais e futuras. Assim, ao se vincular a tais documentos, o Brasil adotou um modelo de desenvolvimento sustentável no qual se preserva o meio ambiente para futuras gerações e se respeita a identidade, cultura e interesse de povos indígenas. CONCLUSÃO A cultura consiste num conjuntos de costumes, crenças, símbolos, organização social, modos de vida em geral que tornam determinados grupos dotados de singularidade ao meio de tantos outros que o circundam. O Brasil, por sua história, é de grande riqueza de cultural, existindo regiões com prevalência de costumes indígenas, outras com influência africana e, mais ao sul, influência européia. Os chamados grupos minoritários, no qual se enquadram os índios, reclamam uma proteção maior por parte do Estado Brasileiro. No desenvolvimento de suas políticas públicas, por vezes o Estado Brasileiro se depara com manifestos de minorias, como os indígenas. A diferenciação cultural dos mesmos não raramente se choca com interesse econômico-político do país, o que deve ser solucionado a partir do regime jurídico adotado pelo Estado Brasileiro. O Brasil é um país multicultural, tanto pela realidade fática de diversidade entre seus integrantes, quanto pela diretriz constitucional de preservação de tais singularidades. 19 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE A Constituição Federal determinou expressamente a proteção da cultura, do patrimônio cultural, nas quais inclusas as diversas manifestações e crenças. O Estado brasileiro está obrigado constitucional e internacionalmente ao respeito às instituições. A Constituição Federal, em seu art. 231 da Constituição Federal e compromissos assumidos em documentos internacionais, em especial a Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho, fixam a obrigação de tal proteção. A construção de hidrelétricas, por afetarem diretamente o meio ambiente e os meios de vida dos que dependem das áreas por ela afetadas, são questionadas pelos indígenas. Além da própria subsistência física, por vezes ocorre um desastre cultural, como no exemplo citado de destruição de lugares considerados sagrados. Ora, a partir do momento em que o Brasil adotou o multiculturalismo e comprometeu-se a proteger tradições indígenas, nas quais inclusas crenças que envolvem as águas sagradas, não pode se esquivar de tal proteção. Além disso, a busca pelo desenvolvimento engloba por si só a proteção à diversidade cultural. Na medida em que o Brasil aderiu a um conceito de desenvolvimento sustentável, na qual insertos os aspectos econômicos, ecológicos e sociais, a busca pelo crescimento econômico deve estar atrelada à satisfação de necessidades culturais, nas quais se incluem o exercício de costumes e tradições indígenas. Pelo exposto, conclui-se o pela obrigação de o Brasil, no planejamento de desenvolvimento econômico, observar a cultura indígena. 20 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE REFERÊNCIAS BARRETO, Helder Girão. Direitos indígenas: vetores constitucionais. Curitiba: Juruá, 2011. DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. 2ª ed. São Paulo: Max Limonad, 2001. FEITOZA, Paulo Fernando de Britto. Patrimônio cultural – proteção e responsabilidade objetiva. Manaus: Editora Valer, 2012. IRVING, MARTA DE AZEVEDO. Sustentabilidade e o futuro que não queremos: polissemias, controvérsias e a construção de sociedades sustentáveis. Sinais Sociais, Rio de Janeiro, v.9, n.26. p.11-36, 2014. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. RIBEIRO, Wagner Costa. Geografia Política da Água. São Paulo: Annablume Editora, 2008. SALSSE, Maryane Vieira. Sustentabilidade e Justiça social. Sinais Sociais, Rio de Janeiro, v.9, n.26. p. 97-121, 2014. SANTOS, Boaventra de Sousa. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. SARLET, Ingo Wolfgang, FERNSTERSEIFER, Thiago. Princípios do Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2014. SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo. 10 ed. Editora Malheiros. 2013. SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. O Renascer dos POVOS INDÍGENAS para o Direito. Curitiba: Juruá, 2012. VILLARES, Luiz Fernando Villares. Direito e povos indígenas. Curitiba: Juruá, 2009. 21 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Solidariedade Cogente: percepção de direitos às futuras gerações (o princípio da solidariedade infinda) Imposed Solidarity: constitutional perception of rights to future generations (the principle of endless solidarity) Paulo Silva Nhemetz Graduando em Direito pela Universidade Nove de Julho - UNINOVE; Aluno do Programa Escola da Ciência 2014/2015 pelo Mestrado em Direito da Universidade Nove de Julho - UNINOVE; Pesquisador do Programa de Educação Tutorial PET/MEC dos cursos de Administração e Direito (PETADi) da Universidade Nove de Julho - UNINOVE; Membro da Comissão do Acadêmico de Direito da OAB/SP. Leonardo Raphael Carvalho de Matos Mestre em Direito pela Universidade Nove de Julho - UNINOVE; Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP; Secretário Executivo da Federação Nacional de Pós-graduandos em Direito - FEPODI (biênio 2015-2017). Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-MA; Colaborador no do Programa Escola da Ciência 2014/2015 pelo Mestrado em Direito da Universidade Nove de Julho - UNINOVE; Professor da Graduação em Direito da Universidade Nove de Julho – UNINOVE. Resumo: este estudo se propõe a analisar do princípio constitucional da solidariedade aplicado àquele que ainda não existe, ou seja, às futuras gerações, dando origem ao princípio da solidariedade intergeracional e transgeracional; as indagações norteiam-se pelo instituto dos direitos humanos principalmente em seus aspectos de direitos fundamentais, entra no campo do direito consuetudinário e em conceitos referenciais de alguns pensadores; a metodologia utilizada para este estudo, é dedutiva por meio de pesquisa exploratória, qualitativa e teórica. Traça ao final, um contorno contemporâneo de solidariedade intergeracional e transgeracional, suas possibilidades e consequências diante de uma necessidade emergente de sustentabilidade global, incitando a indigência de uma solidariedade infinda. Palavras-Chave: solidariedade futura, direitos humanos, sustentabilidade. Abstract: the objective of this study is to analyze the constitutional principle of solidarity applied to the future generations; the inquiries are guided by the human rights institution, primarily in their issues of fundamental rights, 22 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE penetrate in the customary law field and reference concepts from some authors. The methodology used to this study is deductive by an exploratory research, both qualitative and theoretical. At the end, this study delineate a contemporary design on intergenerational and transgenerational solidarity, its possibilities and consequences due emerging needs for global sustainability, prompting indigence to an endless solidarity. Keywords: future solidarity, human rights, sustainability. INTRODUÇÃO Ao acordar para a problemática da efetiva existência do “princípio da solidariedade” em seu caráter intergeracional e transgeracional identificar-se-á a emergente necessidade da cultura sustentável como projeção garantista de direitos às futuras gerações, capazes de gerar condições mínimas aos próximos 300 anos ou mais. Transformações significativas ao longo dos últimos séculos influenciaram o modo de pensar o viver e o conviver com o restante do planeta; perceber-se-á que alguns direitos de 3ª geração são desprovidos de real eficácia, sinalizando necessidade de mudanças; deste modo, caberá ao Estado de forma positivada, contribuir para a busca de novo paradigma sustentável em conjunto com os diversos stakeholders: os indivíduos, a sociedade, as empresas, as organizações sociais. Descrever aspectos contemporâneos de solidariedade intergeracional e transgeracional tem relevância neste estudo para prognosticar possibilidades e consequências relativas aos escassos recursos e a perenidade sustentável; incitando a indigência de uma solidariedade infinda. Neste estudo tratar-se-á, de forma geral, descrever como a solidariedade, enquanto dispositivo social constitucional, garantirá direitos fundamentais e recursos naturais às gerações futuras; e de maneira específica, (i) entender a solidariedade contemporânea; (ii) identificar a penetrabilidade do instituto; (iii) analisar dispositivos internacionais e constitucionais nas questões garantistas às futuras gerações. Metodologicamente é um estudo dedutivo por meio de pesquisa exploratória, qualitativa e teórica: revisão bibliográfica, observações e apreciações de políticas públicas e de organizações sociais, dos veículos de notícias e do embasamento normativo positivado; estabelecimento de recortes; organização das informações analisadas e discutidas de forma descritiva e dissertativa.. Estruturado em três partes, primeiramente abordar-se-á algumas características e entendimentos sobre solidariedade na preocupação de trazer um recorte do contexto contemporâneo a ser trabalhado neste estudo. 23 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Por sua vez, no segundo momento, o tema posicionar-se-á no espaço tempo do ordenamento jurídico nos limites constitucional e internacional do dispositivo solidariedade, incitando o princípio constitucional e o seu grau de sua penetrabilidade no ordenamento. Em derradeiro, concatenar-se-á uma discussão entre os pontos convergentes dos direitos humanos em seus aspectos de direitos fundamentais aos da solidariedade intergeracional e transgeracional, ponderados por questionamentos e exemplificações atuais. Deste modo, ter-se-á relevância, examinar as possibilidades e consequências diante dos recursos existentes no planeta, descrever os aspectos contemporâneos sobre solidariedade que tenham como efeitos questões intergeracionais e transgeracionais, incitando posteriormente a reflexão de existência de algum tipo de solidariedade mais profunda e cogente, muito além dos pensares familiares em bisnetos e tataranetos e, que perfaz, a indigência de uma solidariedade infinda2. 1. SOLIDARIEDADE Solidariedade3 ou solidarité4, forma contrária do vocábulo egoísmo, é palavra derivada de termo latino obligatio in solidum, que seja, a obrigação na íntegra, no todo, que do direito romano compreende-se como uma obrigação comunitária ou social onde existe a indicação das responsabilidades que cada cidadão deverá ter em relação aos círculos aos quais pertence. Ainda da etimologia, Roberto Patrus (2003) em referência ao verbo solidare (consolidar, fazer sólido), conceitua que: “Exercer a solidariedade implica fazer-se parte de algo maior, com vistas a solidificar, consolidar, tornar algo sólido”. Léon Duguit (2006, p. 23) conceitua que o ideal de solidariedade foi construído partindo do pressuposto que, vivendo em sociedade, os homens precisam ser solidários entre si, seja em razão de necessidades comuns ou pela necessidade de trocar experiências em decorrência de possuírem diferentes aptidões. Tipo de solidariedade com característica infinita, ou seja, que sempre se deverá economizar ao máximo, utilizar menos ou o mínimo de recursos para que outros possam também utilizá-los. Esta questão vai por vezes na contramão de outros direitos e garantias conquistados. (Nota do autor). 3 Dicionário Houaiss: [...] Compromisso pelo qual as pessoas se obrigam umas às outras e cada uma delas a todas; Sentimento de simpatia ou piedade pelos que sofrem; Manifestação desse sentimento, com o intuito de confortar ou ajudar; Cooperação ou assistência moral que se manifesta ou testemunha a alguém em certas circunstâncias; [...] 4 Origem francesa, “responsabilidade mútua”, cunhada em 1765, de SOLIDAIRE, “inteiro, completo, interdependente”, de SOLIDE, do Latim SOLIDUS, “firme, inteiro, sólido”. Fonte: site Origem da palavra, acessada em 09/07/2015: http://origemdapalavra.com.br/site/pergunta/ solidariedade/ 2 24 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Nesta concepção pressupõem que o indivíduo solidário, no campo das virtudes, é alguém “x” que fez algo de bom a um alguém “y”, sendo este bem, algo de que “y” necessite, ou então, que “x” queira lhe oferecer. Também, pode indicar que “x” fez este algo de bem sem saber ou se importar quem será o seu beneficiado, tendo assim uma atitude solidária favor de um desconhecido. Porém, este entender solidário deve ir mais além, pois, o dispositivo social solidariedade tem atributos mais profundos, não devendo, equivocadamente, ser comparado ao dispositivo social caridade. Portanto, em linhas gerais, enquanto a caridade se propõe a sanar ou amenizar determinada situação sem o envolvimento de saber os porquês ou entender os resultados alcançados, por sua vez, a solidariedade procura sanar ou amenizar de forma comprometida, constante e eficaz, ou seja, procurando investigar os porquês, e/ou se preocupar com os resultados alcançados, e/ou dar continuidade na conduta solidária até a extinção desta necessidade, ou então, que se perda o interesse pela causa, de seu comprometimento inicial. A existência de um comprometimento maior em relação ao simples ato de se dispor de algo, de valores, de esforço físico ou de tempo para sanar ou amenizar determinada situação é o que faz da solidariedade uma ferramenta importante para a sustentabilidade do viver e do conviver com o planeta. Deste modo, solidariedade é um estágio posterior, superior, ao da caridade, é algo que nasce da vontade natural do indivíduo ou de sua percepção de carência de algo tangível para outrem, sendo este outrem um indivíduo ou uma coletividade. Afirma-se que a solidariedade é uma das características mais importantes para a evolução humana e que nos distinguiu dos outros animais. Sobre este pensamento, Otávio B. R. da Costa (2009), acompanha o entendimento de Edgar Morin ao descrever o fato em sua obra “O Método III”: [...] a solidariedade se encontra na raiz do processo de hominização. Os ancestrais hominídeos ao saírem em busca do alimento, não o consumiam individualmente, mas o traziam ao grupo para repartilo solidariamente. Foi à solidariedade que permitiu o salto da animalidade à humanidade [...] (MORIN, o método lll p. 32 apud COSTA, 2009, p. 153). Vera Herweg Westphal (2008, p. 44) faz a percepção que a solidariedade é uma categoria dos tempos modernos e, na sua concepção atual, surgiu no início 25 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE do século 19, como resposta às realidades decorrentes da sociedade industrial e mais adiante, sobre os diversos conceitos existentes sobre o tema constrói o seguinte entendimento: [...] nas mais diversas exposições teóricas, podem ser identificados dois aspectos comuns: a) um substrato descritivo da solidariedade, constituindo-se na idéia da relação de reciprocidade entre os membros de um grupo e b) um outro substrato, uma base normativa da solidariedade, presente no cotidiano da política, da filosofia moral e em parte também na sociologia [...] (WESTPHAL, 2008, p. 44). A ideia de dois grandes sentidos de solidariedade apontados por WESTPHAL (2008) nos mostra no contexto contemporâneo um importante norte para a questão cerne deste estudo, ou seja, como será possível garantir por intermédio da solidariedade direitos fundamentais e recursos naturais às gerações futuras. Vera Herweg Westphal (2008) sugere que um dos aspectos mais comuns seria a relação de reciprocidade de indivíduos de grupos afins, percebendo-se desta forma características inerentes aos valores humanos, morais, éticos ou por simples condicionamentos dos grupos onde os indivíduos estão inseridos, como exemplo ilustrativo, podemos citar o metrô de São Paulo em seu horário de pico, em determinado eixo onde o transporte é oferecido, as pessoas se acotovelam e demonstram um certo grau de hostilidade frente aos indivíduos próximos durante o trajeto; por sua vez, quando este mesmo público faz a transferência para outro eixo do sistema, estes mesmos indivíduos se comportam de maneira diferente, fazem filas, entram ordeiramente na composição, se tornam gentis e solidários com os demais passageiros. WESTPHAL (2008) apresenta como segundo aspecto uma abordagem normativa solidária, composta de outros agentes presentes de nosso cotidiano, neste ponto presume-se enquadrar questões como a obrigação solidária no Código Civil, que perfaz forma cogente de solidariedade, o posicionamento sociológico sobre solidariedade de Émile Durkheim. Outro exemplo, o documento assinado por senadores de 6 países com intuito solidário de garantir direitos sociais, dentre os 157 senadores que assinaram o documento estavam: Brasil (32), Chile (12), Colômbia (57), Costa Rica (25), Estados Unidos (18) e Peru (13); em síntese o documento demandava eleições livres, transparentes e democráticas na Venezuela ao presidente Nicolás Maduro, ou seja, uma tentada no âmbito da solidariedade transnacional ao povo Venezuelano. 26 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Tendo como base as diferenças dos indivíduos, quer sejam culturais, raciais, religiosas, políticas, sociológicas, etc., surge uma dúvida: o que nos assemelha e o que nos torna diferentes? Para responder a esta questão indispensável para a compreensão do escopo de pesquisa se faz necessário refletir sobre a percepção do sociólogo Zygmunt Bauman5: [...] O aspecto em que somos semelhantes é decididamente mais significativo que o que nos separa; significativo bastante para superar o impacto das diferenças quando se trata de tomar posição. E não que “eles” sejam diferentes de nós em tudo; mas eles diferem em aspecto que é mais importante que todos os outros, importante o bastante para impedir uma posição comum e tornar improvável a solidariedade genuína, independente das semelhanças que existam. [...] (BAUMAN, 2001, p. 220). Na percepção de BAUMAN (2001) as diferenças são pontos chaves para o entendimento desta questão, pois quando é percebido estes fatores de diferença eles acabam se tornando mais importantes que as relações de semelhanças, gerando conflito e estranhamento, sendo este um ponto importante dentro do entendimento que se espera ter por solidariedade, pois nas diferenças não é possível se trabalhar ou se promover a solidariedade como dispositivo social. Portanto, não caberá tratar o tema com aspectos virtuosos, mas sim pela forma positivada. Por fim, solidariedade é algo complexo de se perceber quando é arrazoada pelo segundo aspecto, que seja, pela legiferação de normas, existindo portanto forma distinta daquela comumente entendida como valores inerentes aos indivíduos ou grupos sociais. 1.1 SOLIDARIEDADE MECÂNICA E ORGÂNICA Émile Durkheim6 em seus estudos sobre a divisão do trabalho social propõe para entender a sociedade complexa a sua divisão a partir do trabalho, sugerindo a lei superior das sociedades humanas e a condição do progresso. Estes estudos vislumbram uma solidariedade nascente do indivíduo e outra que nasce da coletividade e a forma como elas interagem e se relacionam Bauman utiliza o termo “nós” para as pessoas que são iguais a nós e “eles” as pessoas diferentes de nós. Sociólogo francês (1858-1917), responsável por tornar a sociologia uma ciência social e disciplina acadêmica; suas obras: Da divisão do trabalho social, 1893; Regras do método sociológico, 1895; O suicídio, 1897; Sociedade e trabalho, 1907; As formas elementares de vida religiosa, 1912. 5 6 27 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE com os indivíduos e com a coletividade dará existência a outras duas espécies de solidariedade a mecânica e a orgânica. A solidariedade mecânica, aquela percebida nas relações de semelhança entre os indivíduos em sua forma mais primitiva e generalista, a exemplo da família, dos costumes, da religião, das tradições, ou então, onde existir relacionamentos sociais formadores de algum tipo de vínculo que interfira na conduta humana. O exemplo corriqueiro de solidariedade mecânica é compará-lo a uma máquina, um relógio, algo que possua engrenagens onde, cada indivíduo corresponde a uma destas engrenagens funcionando perfeitamente, trabalhando sincronizados, sempre da mesma maneira, assim, quando uma desta engrenagens falha ou se quebra, esta será substituída e tudo voltará a ser como sempre foi. Por sua vez, a solidariedade orgânica, é baseada nas diferenciações que existem entre os indivíduos, principalmente na divisão social do trabalho, ou seja, são gerados vínculos hierárquicos e destes, uma existência de interdependência, o reconhecimento da importância de todos na cadeia social. Um dos exemplos mais comuns é um organismo vivo, um corpo humano7, onde cada indivíduo, dentro da questão do trabalho, ocupará a função de um órgão ou membro deste corpo funcionando cada qual para a sua finalidade, porém, mesmo que cada uma destas partes falhe ou execute novas funções (dentro dos seus limites) o todo continuará funcionando e se adaptando. Deste modo, para existência de harmonia na complexidade social, haverá a predominância da solidariedade orgânica, garantidora da coesão social, que por sua vez não estará determinada por valores sociais, religiosos, costumes ou tradições, ela estará baseada no ordenamento jurídico, ou seja, nas normas e regras que estabelecem a maneira como se deverá agir, os direitos e seus deveres enquanto indivíduos de uma coletividade. A conduta humana. Nota-se que ao refletir sobre a existência de um pensamento solidário intergeracional em Durkheim (1977), na solidariedade mecânica, percebe-se que questões valorativas provenientes da religião, costumes ou valores sociais podem talvez não garantir um pensamento altruísta massificado, talvez elevando o resultado pretendido a uma esfera de saberes duvidosos, questionáveis e frágeis. Contudo, de forma orgânica, ou seja, por meio da solidariedade positivada nas normas, ser possível garantir recursos às futuras gerações, a exemplo da Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente e da Lei nº 9.605/98 que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, Alguns sociólogos utilizaram os conceitos das ciências biológicas, para compreender as sociedades complexas, entre estes podemos destacar Humberto Maturana, Francisco Varela, Niklas Luhmann, Émile Durkhaim, Edgar Morin, entre outros. 7 28 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE ou seja, determinar a necessidade de ser solidário e punir aqueles que não tem postura solidária de preservação. Deste modo, é possível entender porque a expressão: futuras gerações, é referida em tratados e declarações internacionais e na própria Constituição Federal, logo, a sua positivação é preceito fundamental para que o fator solidariedade seja pensado mais além do que as garantias de sobrevivência dos filhos, netos e bisnetos. 2. OS LIMITES CONSTITUCIONAL E INTERNACIONAL DA SOLIDARIEDADE O princípio da solidariedade é uma positivação do direito natural e costumeiro, que na Constituição Federal de 1988 é expresso por meio do artigo 3º, constituindo objetivo fundamental da República, conforme Paulo Sergio Rosso (2008) “o princípio encontra-se tacitamente presente em toda a Constituição8, servindo não apenas como mecanismo de interpretação ou reafirmação de outros princípios, mas também como fundamento da própria ordem constitucional”. Ives Grandra da Silva Martins (2005) em suas considerações sobre a ineficácia do governo no que tange a solidariedade, indica o abrandamento de parte desta tarefa pelas ONGs, onde o cidadão interage de forma solidária, realizando mais trabalho social que o governo. Seguindo a mesma linha de raciocínio da solidariedade orgânica, este é positivado quando na contrapartida o Governo oferta incentivos tributários para o indivíduo ou organização social que pratica a solidariedade, assim: Como benefício, vocês terão a imunidade tributária. Vocês trabalharão para a sociedade, preencherão o vácuo do Estado, fortalecendo a democracia e ajudando a criar uma sociedade livre, justa e solidária. Por essa razão, vocês são imunes de tributos. (MARTINS, 2005). 2.1 A SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL E TRANSGERACIONAL E A SUSTENTABILIDADE A questão garantista de direitos às futuras gerações prevista no artigo 2259 da Constituição Federal de 1988 demanda solitária de cunho ambiental e sustentável, é o mecanismo pelo qual é tutelado um mínimo de recursos naturais ao indivíduo que ainda não existe. Nesta visão constitucional, deverá existir, em tempo futuro, um meio ambiente ecologicamente equilibrado e sustentável para Exemplificação: artigos 40, 194, 195, 196, 203, 227, e 230 (ROSSO, 2008) Todos têm direito ao meio Ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defende-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (grifo nosso) 8 9 29 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE garantir a sobrevivência dos que virão, uma percepção solidária axiológica em relação a dignidade humana daqueles que ainda não existem. Nesta mesma corrente de pensamento Andreas Joachim Krell, (CANOTILHO, MENDES, et al., 2013), faz comentários ao Art. 225 da Constituição Brasileira, alertando o constituinte e o legislador do cuidado que devem ter com o tema: A consagração de um direito fundamental ao meio ambiente na Constituição do País significa uma importante decisão axiológica em favor de um bem imaterial, [...] Tornam-se imprescindíveis também profundas alterações no uso dos instrumentos normativos e administrativos bem como nas próprias atitudes de compreensão dos conflitos envolvidos, a partir da perspectiva de solidariedade (benefício e responsabilidades comuns).10 A visão de sustentabilidade e preservação do ecossistema terrestre, já era preocupação mundial desde a Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano11, na década de 70, onde destaca-se os princípios 1, 2 e 5, que estabelecem uma série de preocupações inerentes ao meio ambiente, por parte dos países membros da ONU - Organização das Nações Unidas: Princípio 1 - O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna, gozar de bem-estar e é portador solene de obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente, para as gerações presentes e futuras. [...] Princípio 2 - Os recursos naturais da Terra, incluídos o ar, a água, o solo, a flora e a fauna e, especialmente, parcelas representativas dos ecossistemas naturais, devem ser preservados em benefício das gerações atuais O autor faz referência ao termo - benefício e responsabilidades comuns – de autoria de Patryck de Araújo Ayala no artigo: O novo paradigma constitucional e a jurisprudência ambiental no brasil. In. CANOTILHO, J. J. G.; LEITE, J. R. M. Direito Constitucional Ambiental Brasileiro, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 363-402. 11 Declaração publicada pela Conferência das Nações Unidas (ONU) sobre o meio ambiente humano, realizada em Estocolmo de 5 a 16 de junho de 1972. 10 30 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE e futuras, mediante um cuidadoso planejamento ou administração adequada. Princípio 5 - Os recursos não renováveis da Terra devem ser utilizados de forma a evitar o perigo do seu esgotamento futuro e a assegurar que toda a humanidade participe dos benefícios de tal uso. (grifo nosso). No sentido contrário deste pensamento verifica-se o desenvolvimento tecnológico e o consumo desenfreado da população mundial, principalmente dos países mais ricos e desenvolvidos atestando a impotência das observações estipuladas no Tratado de Estocolmo. Independente da forma como cada nação se organiza e estabelece suas estratégias, nota-se que o sistema econômico capitalista, em sua corrida para o desenvolvimento, não procurou no passado concatenar suas ações com elementos como a sustentabilidade e por consequência a solidariedade. Ademais, organizações ambientalistas e de preservação como o Greenpeace12 e a WWF13 e tornaram públicas questões importantes sobre o planeta reservado ao futuro, a exemplo disso, o Greenpeace em diligência na floresta amazônica aponta como são retiradas a madeira na região do Pará: A investigação revelou que o descontrole no setor é tão grande que nem o documento oficial é capaz de garantir a origem legal da madeira. E que o trânsito de caminhões carregados de toras trazidas de áreas sem manejo florestal até as serrarias é completamente livre. (GREENPEACE, 2014, p.4). Pelo Fundo Mundial para a Natureza, WWF Brasil (2010), nas percepções de como anda a saúde do planeta, de acordo com seu relatório, Planeta Vivo de 2010, estudos da Organização das Nações Unidas apresentava projeções de que até 2030 a humanidade precisaria da capacidade de dois planetas Terra para absorver os resíduos de CO2 tendo como fatores: o consumo, o crescimento populacional global e o aumento climático. Ainda, no sumário executivo do relatório Planeta Vivo de 2014 foram publicadas considerações O Greenpeace é uma organização global cuja missão é proteger o meio ambiente, promover a paz e inspirar mudanças de atitudes que garantam um futuro mais verde e limpo para esta e para as futuras gerações. (grifo nosso) 13 World Wide Fund for Nature (Fundo Mundial para a Natureza), no Brasil é uma organização não-governamental dedicada à conservação da natureza com os objetivos de harmonizar a atividade humana com a conservação da biodiversidade e promover o uso racional dos recursos naturais em benefício dos cidadãos de hoje e das futuras gerações. (grifo nosso) 12 31 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE sobre o planeta, contendo entre os seus dados a pegada ecológica14: Há mais de 40 anos, a demanda da humanidade sobre a Natureza ultrapassa a capacidade de reposição do planeta. Seria necessária a capacidade regenerativa de 1,5 Terras para fornecer os serviços ecológicos que usamos atualmente. Esta “sobrecarga ocorre porque nós cortamos as árvores mais rápido do que elas são capazes de crescer e florescer; nós pescamos mais peixes do que os oceanos podem repor e nós emitimos mais carbono do que as florestas e oceanos podem absorver. (WWF, 2014, p. 10) (grifo nosso). 3. OS DIREITOS HUMANOS E A SOLIDARIEDADE A maneira como a coletividade emprega o dispositivo solidariedade em suas ações cotidianas pode dar algumas pistas de como ela é exercida, exemplo: a 20 anos ou mais era comum qualquer indivíduo ao presenciar um cidadão idoso, abdicar seu lugar em um assento público; na atualidade, são necessárias dezenas de placas informativas e de sinalização para garantir a dignidade humana necessária aos idosos em seus direitos mais simples15. O indivíduo não tem a percepção clara em seus direitos e deveres o que é boa ação e o que é boa educação. O indivíduo deve ser estimulado e motivado ao exercício de um papel solidário, e assim, conhecer a realidade alheia evitando que padeça num estado de natureza hobbesiano16. Na pesquisa do World Giving Index 2014 divulgada pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social17, pesquisa esta que estabelece o ranking mundial dos países mais solidários, o Brasil está estampado na 90ª posição. Segundo o Instituto, “os dados mostram que 22% dos brasileiros entrevistados afirmaram ter doado dinheiro para organizações da sociedade civil, 40% ajudaram desconhecidos e 16% fizeram algum tipo de trabalho voluntario”. (IDIS, 2014). A Pegada Ecológica mede a quantidade de terra biologicamente produtiva (ou biocapacidade) necessária para prestar os serviços ou gerar produtos que usamos: áreas de cultivo, pastagens, áreas urbanizadas, estoques pesqueiros e produtos florestais. Também inclui a pegada de carbono, que é a quantidade de floresta necessária para absorver as emissões adicionais de dióxido de carbono que os oceanos não conseguem absorver. (WWF, 2014, p.10) 15 Este tipo de questão já havia sido consolidada no direito consuetudinário, mas que na atualidade parece dar novo viés paradigmático. 16 A guerra de todos contra todos. 17 IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, fonte: http://idis.org.br/worldgiving-index-brasil-sobe-uma-posicao-em-ranking-global-de-doacoes/, acesso em 15/07/2015. 14 32 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Estados Unidos e Mianmar18 compartilham o primeiro lugar no ranking do World Giving Index, mas a liderança de Mianmar se deve principalmente a uma incidência muito alta de doações de dinheiro. Nove em cada dez pessoas em Mianmar seguem a escola Theravada de budismo, com uma forte cultura de solidariedade, o que contribui para que o país esteja na primeira posição em doação de dinheiro, conforme fonte do instituto IDIS. Tomando como base Mianmar, outras duas aparentes mostras de direitos humanos com viés de solidariedade, recortadas do portal de notícias G1 (2015), podem ser analisadas: o primeiro recorte19, junho/2015, apresenta uma forma negativa de solidariedade, onde um grupo de 608 homens, 74 mulheres e 45 crianças migrantes que desembarcou na costa ocidental de Mianmar junto à fronteira com Bangladesh. Mianmar tenta então deportá-los para o país vizinho e afirma que não são da etnia rohingya e sim migrantes originários de Bangladesh, gerando grande confusão entre os dois países. Os rohingyas são apátridas de origem muçulmana vítimas de discriminação em Mianmar, não têm acesso à educação e à saúde e o país nega-se a reconhecê-los como cidadãos. O presidente norte-americano, Barack Obama, também colaborou nas tratativas de negociações solicitando que Mianmar acabasse com a discriminação à etnia rohingya e a reconhecer seu êxodo. O segundo recorte20, julho/2015 (G1), expõe um governo mais humanitário, onde o presidente de Mianmar, Thein Sein, concedeu a graça presidencial do indulto a 6.966 prisioneiros daquele país com intento de uma motivação humanitária e objetivo de uma reconciliação nacional, o fato coincidiu com uma festa religiosa budista e indiretamente como pré-campanha das eleições gerais previstas para novembro. Entre os prisioneiros 155 chineses condenados à prisão perpétua por exploração madeireira ilegal e tráfico de madeira, presos a apenas uma semana. Solidariedade ou oportunismo? Deduz-se nestes recortes que os contextos culturais, sociais, ideológicos e políticos consuetudinários influenciem questões como a solidariedade, visto que, ao mesmo passo que o indivíduo doa com uma das mãos, com a outra a fecha para uma etnia não reconhecida dentro de seu próprio país. Por outro lado, também observa-se interesses políticos travestidos de ações solidárias voltados para o relacionamento político interno e externo, pois, Mianmar ou Birmânia, capital Naypyidaw, língua Birmanês, tornou-se independente do Reino Unido em 04/01/1948, situada ao sul do continente asiático, IDH 0,524 (150.º), República Presidencialista. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Myanmar. Acessada em 30/07/2015. 19 http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/06/mais-de-700-imigrantes-desembarcam-no-norte -de-mianmar.html - Acessado em 30/07/2105. 20 http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/07/mianmar-liberta-milhares-de-prisioneirosincluindo-estrangeiros. html - Acessado em 30/07/2105. 18 33 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE a despeito dos trabalhadores chineses presos, vale destacar que na atualidade a China é um dos maiores investidores naquela região. Percebe-se uma solidariedade condicionada e seletiva, ou seja, notada quando o ato solidário envolve ou não um parente, um amigo, uma comunidade próxima, ou os interesses pessoais ou coletivos, ou ainda que tenha um certo grau de afinidade ou de repulsa sobre o assunto. Decodifica-se os recortes em Durkheim, percebe-se que a solidariedade motivada por elementos virtuosos e morais é determinada por elementos sociais mecânicos, principalmente pelo budismo ou ainda de reflexos mecânicos da cultura Estatal condicionada por décadas, gerando um conformismo natural. Por sua vez, a solidariedade positivada organicamente pelo Estado seja por norma motivadora ou norma cogente: esta nas questões que envolvem todas as dimensões dos bens de posse ou propriedade individual, ou seja, a motivação Estatal do dar ou do dividir, e dos bens coletivos de tutela Estatal, a exemplo dos recursos naturais e aqueles destinados ao povo que também são repassados solidariamente a outros como a saúde, segurança, educação, alimentação, entre outros; e aquela todos os regramentos das campanhas sociais Estatais, dos fundos de solidariedade e das leis de protetivas sociais e ao meio ambiente, como é o caso dos chineses presos pelo corte ilegal de árvores. CONCLUSÃO Diante das análises, observou-se historicamente, a existência de uma real intensificação de medidas para garantir não só a manutenção da vida contemporânea como também para as próximas gerações, entretanto, notou-se que o dispositivo social solidariedade com caráter de intergeracionalidade e transgeracionalidade é ainda algo intangível na compreensão humana. Em outra perspectiva, os avanços tecnológicos e científicos que deram margem para um ser humano mais racionalizado e conhecedor da dimensão de seus impactos sobre o planeta, o que colabora para a percepção da melhoraria na forma de como vivemos e convivemos com o meio ambiente, bem como na forma como interagimos com os escassos recursos que ainda restam no planeta, questionou, por diversas vezes nesta pesquisa, se estamos vivendo e utilizando o planeta de maneira assertiva. É por meio da solidariedade que parte da população mundial raciona, preserva e reciclam seus recursos, gerenciando desta forma sua produção e bens que ainda dispõe, ao passo que, outras culturas e indivíduos degradam sem limitações e precedentes com a finalidade de acumular riquezas e garantir o seu abstrato direito conforto, liberdade e livre arbítrio. A pesquisa expôs a complexidade do tema solidariedade, bem como a necessidade de mudança na forma de como o indivíduo e a sociedade envolvemse dentro de cada situação cotidiana demonstrando seu papel solidário. 34 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE E neste sentido, ao mesmo passo que abrir diálogos para a legiferação de normas tanto motivadoras como cogentes nas questões de direitos humanos fundamentais atreladas ao fator solidariedade intergeracional e transgeracional, com viés a uma solidificação cultural de racionamento infindo de recursos, se tornam imprescindíveis. Notou-se em diversas situações que é esta solidariedade cogente positivada a grande força constitucional, capaz de garantir recursos as próximas gerações, apta a motivar, mobilizar e induzir pela moralidade cogente Estatal o mínimo existencial. Assim sendo, a visão de solidariedade é algo bem estabelecido e percebido nos núcleos familiares e nos grupos conectados por afinidade ou interesses, especialmente dentro de uma mesma cultura ou país, tornouse portanto, a solidariedade uma especificação de ordem nacional, ou seja, delimitada aos seus nacionais. Deste modo, dificuldades maiores surgiram nas relações intercontinentais e nas fronteiras de cada país ou território, cabendo à Organização das Nações Unidas intermediar diplomaticamente as relações e conflitos mundiais, pelo bom senso e respeitando as questões culturais e soberanas de cada Estado envolvido, clareando assim, uma forma de utilização do dispositivo solidariedade como forma de garantir a paz mundial e a cooperação dos países membros. Nesta conjectura mundial, outra forma de sopesar a penetrabilidade e aderência deste dispositivo, que seja social ou positivado, em relação às diferentes nações, destacou-se a análise do equilíbrio da desigualdade social nas ajudas humanitárias, nas guerras, nos desastres naturais, nas questões inerentes a fome, a saúde, aos refugiados e na assistência aos países mais pobres. Ademais, percebeu-se que enquanto o homem viver em sociedade ele será capaz de pensar o coletivo, incorporar o ser solidário e se portar segundo o pensamento da massa social coletiva. Antagonicamente, a individualização poderá ser uma das maiores geradoras do desperdício em razão da falsa ideia de bem-estar social individualizado, visto que nem sempre os seus direitos e deveres serão exclusivamente seus, mais sim o reflexo de direitos e deveres coletivos, que estarão sempre interligados seja de forma presente, intergeracional ou transgeracional. Finalizando evidenciou-se a existência subjetiva de um princípio de solidariedade infinda, onde dever-se-á elucubrar o sentido do “consumir”, refletido em um SER21 (ou coisa) que ainda não existe, ou que existirá. Seja animal ou vegetal. 21 35 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE REFERÊNCIAS ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 9ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2009. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. 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ISBN 978-2-940443-08-6. 38 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE O MEIO AMBIENTE DO TRABALHO E O ADICIONAL DE INSALUBRIDADE SOB UMA ANÁLISE FRATERNA THE WORKING ENVIRONMENT AND THE ADDITIONAL OF INSALUBRITY UNDER A FRATERNAL ANALYSIS Luana Pereira Lacerda Aluna do Mestrado em Teoria do Direito e do Estado no Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito do Centro Universitário Eurípides de Marília – UNIVEM. Advogada. Participante e Secretaria Geral do Grupo de Pesquisa GEP - Grupo de Pesquisa de Estudos, Pesquisas, Integração e Práticas Interativas. Direito e Fraternidade. Realiza as atualizações da página Direito e Fraternidade, <http://www.lafayette.pro.br/campanha-da-fraternidade-2016> desde 2015. E-mail: [email protected] Lafayette Pozzoli Professor. Advogado. Professor no UNIVEM e Professor na PUC/SP. Chefe de Gabinete na PUC/SP. Coordenador do Mestrado em Direito do UNIVEM. Possui graduação (1986) e Doutorado (1999) em Filosofia do Direito pela PUC/SP. Pós-Doutorado pela Universidade “La Sapienza”, Roma (2002). Membro do Conselho Editorial da Revista EM TEMPO (UNIVEM) e da Revista de Direito Brasileira – RDBras, do CONPEDI. Membro da Comissão de Ensino Jurídico da OAB/SP. Sócio fundador da AJUCASP. Avaliador para cursos de Direito INEP/MEC. Foi membro do Tribunal de Ética – TED-1 e da Comissão da Pessoa com Deficiência da OAB/SP. E-mail. [email protected] Os obstáculos para a harmonia da convivência humana não são apenas de ordem jurídica, ou seja, devidos à falta de leis que regulem esse convívio; dependem de atitudes mais profundas, morais, espirituais, do valor que damos à pessoa humana, de como consideramos o outro (CHIARA LUBICH, 2006). Resumo: A falta de respeito e honestidade dos empregadores, ao submeterem seus empregados a atividades insalubres, ou seja, ao excederem suas obrigações legais, necessitam ser analisada a partir do Princípio da Fraternidade. Assim, 39 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE seria possível proteger os trabalhadores e melhor adaptar suas funções no ambiente de trabalho, evitando a concretização do dano a sua saúde em vez de, posteriormente, tentar contorná-lo. A partir do exposto, a proposta do presente estudo consiste na análise crítica, com base nos métodos dedutivos e averiguações bibliográficas, da problemática que envolve o meio ambiente do trabalho e o enquadramento do adicional de insalubridade e sua agressão à saúde do empregado. Palavras-Chave: Fraternidade; Meio Ambiente do Trabalho; Adicional de Insalubridade. Abstract: The lack of respect and honesty of employers to submit their employees to unhealthy activities, ie to exceed its legal obligations, needs to be analyzed from the Fraternity Principle. Thus it would be possible to protect workers and to gear their roles in the workplace, avoiding the implementation of the damage to their health rather than subsequently trying to bypass it. From the above, the purpose of this study is to review, on the basis of deductive methods and bibliographic investigation, the problems involved in the middle of the work environment and the additional framework for unhealthy and their assault on employee health. Keywords: Fraternity; Environment Labour; insalubrity additional. INTRODUÇÃO A preocupação com o ambiente de trabalho tem se tornado cada vez mais presente, uma vez que atualmente, a sociedade busca, sempre e a qualquer custo, o desenvolvimento tecnológico e a consequente lucratividade, o que, na maioria das vezes, ignora a garantia de um ambiente laboral saudável, como é de direito e necessário à saúde do empregado. Nessas reflexões, a sociedade moderna vive uns dos desafios mais relevantes, que é a necessidade de se desenvolver sustentavelmente, principalmente, quando o desenvolvimento está ligado ao exercício das atividades laborativas. Isto porque, a industrialização colaborou para a evolução significativa da vida do homem no meio ambiente do trabalho, tanto na cidade quanto no campo, mas provocou, ao mesmo tempo, efeitos danosos que atingem em especial a saúde do trabalhador, e que instauram consequências no decorrer das suas vidas, tanto a nível social, familiar, mental e físico provocados pela falta de maior preocupação por parte dos empregadores, no referido meio. Nesse ínterim, a Norma Regulamentadora n.º 15 (NR-15) do Ministério Trabalho Emprego (MTE), bem como o artigo 7º, XXXIII, da Constituição Federal de1988, e o artigo 192 da Consolidação das Leis 40 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Trabalhistas (CLT), estabelecem a aplicação do adicional de insalubridade. No entanto, esses diplomas legais não têm alcançado o seu objetivo, qual seja, o caráter pedagógico. Pretende-se, então, demonstrar a necessidade de uma maior preocupação para com a saúde do trabalhador, posto que, diante do aumento das atividades insalubres no ambiente de trabalho, os empregados encontram cada vez mais expostos a agentes nocivos à saúde, os quais agridem sua integridade física e mental. Para tanto, toma-se o Princípio da Fraternidade como categoria jurídica, como um dos caminhos para efetivação da ciência do Direito, principalmente, numa relação em que envolve empregador e seu empregado. Neste sentido, a aplicação do referido princípio representaria um ato de respeito perante o ambiente insalubre, pois, além de exprimir ação de espontaneidade e dever, ressalta a importância de uma relação jurídica que abrange muito mais o enquadramento de uma lei. Pelo levantamento bibliográfico realizado, foram sintetizadas algumas formas de como o Princípio da Fraternidade pode agir enquanto mecanismo de garantia de um ambiente laboral sadio ao empregado, propiciando o empecilho da monetarização do adicional de insalubridade e promovendo a fraternidade no trabalho. 1. BREVE HISTÓRIO DO DIREITO AO TRABALHO Ao estudar o Direito do Trabalho surge a necessidade de abordar breves relatos de sua história, a qual deu origem à maioria das transformações que aconteceram e continuam acontecendo no âmbito laboral. Na seara internacional, o Direito do Trabalho, em seus primórdios, era visto como um instrumento de tortura, pois, a primeira forma de trabalho foi “protagonizada” pelos escravos, os quais eram considerados como “coisa”, objeto de domínio de seu senhor. Os escravos não tinham direitos, apenas o dever de trabalhar (MARTINS, 2011, p.4). Aprofundando ainda as observações de Martins, o trabalho ficou também considerado com um castigo, ou seja, período da servidão, época do feudalismo em que os servos entregavam aos seus senhores feudais parte da sua produção como meio de proteção do uso da terra, conforme destaca o autor “Era a época do feudalismo, em que os senhores feudais davam proteção militar e política aos servos, que não eram livres, mas, ao contrário, tinham de prestar serviços na terra do senhor feudal” (MARTINS, 2011, p.04). 41 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Com a Idade Média vieram as corporações de ofício22, as quais não possuíam embasamento de uma ordem jurídica, mas sim uma maior liberdade no trabalho. As corporações eram reguladas por um Estatuto que disciplinava a relação de trabalho, onde possuía com membros os mestres, os companheiros e os aprendizes, cada um desempenhava uma função: os mestres eram os proprietários da terra; os companheiros eram trabalhadores que recebiam salários dos mestres; e por fim, os aprendizes, menores que adquiriam dos mestres ensinos metódicos de um ofício ou profissional (MARTINS, 2011, p.4). Nesse sentido, também afirma Lima: As corporações de ofício monopolizavam a manufatura e compunham-se de: mestre > jornaleiro ou companheiro > aprendiz. O mestre era o dono da oficina e orientador, o jornaleiro era equiparado a um empregado, e o aprendiz, a um estagiário. Esse sistema era bastante fechado, controlado pelas corporações de ofício, as quais opunham obstáculos à instalação de novas oficianas, de modo que o companheiro enfrentava muitas dificuldades para montar seu próprio estabelecimento. Contudo, apesar das limitações que o trabalhador sofria, o servo e o companheiro gozavam de relativa autonomia, não sendo mais considerado um bem disponível por seu dono (LIMA; RODRIGUES, 2015, p. 31). Após a Revolução Francesa, em 1848, foi reconhecido o primeiro dos direitos econômicos e sociais: o “Direito do Trabalho”, segundo o qual cada cidadão tinha o direito de ganhar a sua subsistência. Com isso, as corporações de ofícios foram suprimidas e surgiu o desenvolvimento da liberdade contratual com o decreto d’ Allarde, que considerava livres todos os cidadãos para o exercício de profissão. No entanto, somente com a Revolução Industrial, no século XVII, considera-se o marco histórico do Direito do Trabalho, o que se deve a diversas transformações, como: o trabalho passar a ser chamado de emprego, o aparecimento da máquina a vapor, a expansão da mão de obra assalariada, o surgimento das fábricas e da linha de produção, etc (MARTINS, 2011, p. 6). Porém, era possível identificar as agressões para com a saúde do trabalhador. Para Martins (2011, p. 6), “O trabalhador prestava serviços em As corporações de ofício eram associações que surgiram na idade média, que regulamentava a atividade do artesanato, no início eram compostos pelo mestre e os aprendizes, com passar do tempo veio os companheiros. 22 42 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE condições insalubre, sujeito a incêndios, explosões, intoxicação por gases, inundações, desmoronamentos, prestando serviços por baixos salários e sujeitos a várias horas de trabalho, além de oito”. Com isso, surgiu à necessidade da intervenção do poder estatal na relação de trabalho, uma vez que se fez necessário garantir o bem-estar social e melhores condições de trabalho. Nesses passos, houve a carência de amparo de uma ordem jurídica, assim, a lei passa a estabelecer normas mínimas de tutela no meio ambiente laboral, tais como: redução da jornada de trabalho, início das atividades laborativas, a observação das normas referentes à educação e a higiene. Além disso, os trabalhadores começam a reivindicarem os seus direitos: Os trabalhadores reivindicam, por meio dos sindicatos que os representam e na medida em que o direito de associação passou a ser tolerado pelo estado, um direito que os protegesse, em especial o reconhecimento do direito de união, do qual resultou o sindicalismo; o direito de contratação, que se desenvolveu em dois âmbitos: o coletivo, com as convenções coletivas de trabalho, e o individual com a ideia do contrato de trabalho regido pelo princípio da função social do contrato; e o direito a uma legislação em condições de coibir os abusos do empregador e preservar o princípio da dignidade do homem no trabalho [...] (NASCIMENTO, 2013, p. 45). [GRIFO NOSSO] A partir das reivindicações, por parte dos empregados, o Direito do Trabalho caminhava cada vez mais para uma construção de respeito e compromisso com dignidade da pessoa humana. Um destes momentos, destacase o 1º de maio de 1886, em Chicago Estados Unidos, cuja consequência, foi a morte de quatro grevistas, logo após uma bomba ter sido jogada por uma pessoa a qual não foi identificada. Na ocasião, os manifestantes, estes empregados, reivindicavam pela redução da jornada de trabalho de 13 para 8 horas, melhores condições de trabalho, além de outros direitos (MARTINS, 2010, p. 9). Com a Primeira Guerra Mundial as constituições começaram a preocupar em abordar a ideia do bem- estar social, que tinha como garantia a defesa da dignidade da pessoa humana, bem como alguns direitos fundamentais, e o ramo do Direito do trabalho era um deles. Nessa analise, a constituição do México, em 1917, ficou conhecida como a primeira que tratou de direitos dos trabalhadores, isto por que, jornada de trabalho passou a ser de oito horas, a proibição de trabalhos de menores de 12 anos, 43 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE jornada máxima noturna, descanso semanal remunerado etc.; por consequência, outros países começaram a constitucionalizar o Direito do Trabalho. Ainda, em âmbito Internacional, com o Tratado de Versalhes23, de 1919, criou a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que iria incorrer em proteger a relação de empregados e empregadores, por meio de convenções e recomendações. Para Pierre (2013, p. 135), “o Tratado de Versalhes tem no seu espírito a tentativa de organizar as relações entre empregados e empregadores e, com isso, levar a igualdade e a fraternidade ao âmbito de Trabalho” O Direito do Trabalho no Brasil teve influência com a aparição da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919, bem como com a elaboração das leis trabalhistas, que ocorriam na Europa e que, consequentemente, incentivaram a mudança social e a criação de novas normas no país (MARTINS, 20111 p. 10). Nessa vereda, no âmbito interno, ocorreram reivindicações por meio de greves, durante a política trabalhista desenvolvida por Getúlio Vargas e a tutela em níveis constitucionais, como, por exemplo, a Constituição de 1934, como ideia de pluralismo sindical, ou seja, autorização concedida para criação, na mesma base territorial, de mais de um sindicato, entre outras manifestações (DELGADO, 2011, p. 108). Além disso, com a Constituição de 1946, a Justiça do Trabalho perde a sua natureza administrativa, passando a ser um órgão do Poder Judiciário. Para a Constituição de 1967, houve a criação Fundo de Garantia por Tempo de Serviços (FGTS) (MARTINS, 2011, p.11-12). Diante dos breves relatos, entende-se que as transformações supramencionadas propiciaram a existência de várias normas trabalhistas, de assuntos variados e de formas distintas. Nesse sentido, houve a necessidade de unificar as regras e, para tal, foi editado o Decreto-Lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943, que teve a aprovação da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), tratando-se, então, não de um código, mas, sim, da reunião, consolidação das leis. Conforme destaca Nascimento: A CLT, embora um março em nosso ordenamento jurídico, tornou-se obsolete, surgiu a necessidade de modernização das leis trabalhistas, especialmente para promover as normas sobre direitos coletivos, dentre os quais as de organização sindical, negociação O Tratado de Versalhes foi criado em 1919, é conhecido com tratado de paz, pois após a primeira guerra mundial foi assinado pelas grandes potencia da Europa, com forma de estabelecer um compromisso de paz e de responsabilidade. 23 44 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE coletiva, greve, também, é omissa sobre direitos de personalidade do trabalhador (NASCIMENTO, 2013, p. 52). No mais, em 1988, foi aprovada atual Constituição Federal, a qual estabelece a tutela do Direito do Trabalho no capítulo II dos “Direitos Sociais”, do título II e dos “Direitos e Garantias Fundamentais”, não mais no capítulo da “Ordem Econômica”, como nas constituições anteriores. Delgado (2011, p.132) ressalta a importância da CF/88 “A constituição da República de 1988, nesse quadro, veio consubstanciar o ponto jurídico culminante desse impasse: um rol de preceitos e institutos que apontam para linha de construção democrática e mais igualitária da sociedade brasileira”. Para Nascimento, a constituição é detalhista e ao mesmo tempo é sintética ou mesmo omissa, mas pela sua amplitude dedicando ao tema do Direito do Trabalho, representa um papel de tutela dos direitos sociais em nível constitucional (NASCIMENTO, 2013, p. 55). Analisando o exposto, observa-se, na história da construção do Direito do Trabalho, um marco de “lutar”, cuja finalidade era regulamentar os direitos sociais e garantir, cada vez mais, um ambiente laboral que não visasse apenas à lucratividade, mas sim o compromisso de respeito com o empregado. Nesse sentido, salienta Bobbio (2004, p. 26): “[...] os direitos não nascem todos de uma vez. Nascem quando devem e podem nascer.” 2. DIREITO E O PRINCÍPO DA FRATERNIDADE Para muitos, o Direito e a Fraternidade são áreas totalmente distintas. O primeiro, como típica característica, é o ato de imposição e conflito; já o segundo é dado pela espontaneidade. Sendo assim, ambos estariam em sentidos oposto. Entretanto, o Direito está além do punir, de ser obrigatório ou até mesmo de ser considerado como uma ordem de ameaça. O Direito ultrapassa os limites de estar simplesmente frente a frente com a pessoa, e que, na mente de cada ser humano, prevaleça o espírito enganador. Pierre (2013, p. 125) lembra: “O Direito tem a função de ajudar a construir os relacionamentos sociais”. Assim, pode-se entender que o direito não é apenas a lei, a qual será ou não aplicada ao caso concreto, como também possui a sua complexidade, uma vez que faz parte dos acontecimentos que ocorrem na sociedade, por meio dos quais teremos a pacificação social, caso haja atitudes fraternas, tornando possível o progresso comunitário, em vez do aumento de conflito. Nessas considerações, no momento da aplicação do direto, é de suma importância analisar cada problema de forma cautelosa, buscando aproximar 45 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE do contexto social em que este esteja inserido, pois a sociedade do século XXI, sociedade moderna, está cada vez mais diversificada, composta de uma raça humana ligada às culturas diferentes, que necessitam de um espírito fraterno na interpretação das normas jurídicas. Além disso, deve-se existir a preocupação quanto ao conceituar a ciência do Direito, registra-se, ainda, a relevância e a preocupação em defini-lo. Nesse sentido, para Herbert L.A Hart: Definição de direito é a família geral de regras de comportamentos, contudo o conceito de regra, como vimos, é tão causador de perplexidade como o do próprio direito, de tal forma que definições de direito que começam por identificar as leis como uma espécie de regra normalmente não aumenta mais fundamental do que uma forma de definição que seja utilizada com sucesso pra localizar um tipo especial e subordinado dentro de um tipo genérico de coisa, familiar e bem conhecido (HART, 1994, p. 20). Nessa reflexão do Princípio da Fraternidade, pode-se observar no contexto histórico que especificadamente na Idade Moderna, a Fraternidade foi proclamada, especificamente na Revolução Francesa, em 1789, ao lado dos Princípios da “Igualdade e Liberdade”. Nesse sentido, Baggio, no livro “O princípio Esquecido/1” (2008, p. 7), afirma: “o fato é que a Revolução de 1789 constitui um ponto de referência histórico de grande relevância, porque, durante o seu andamento, pela primeira vez na Idade Moderna a idéia (sic) de fraternidade foi interpretada e praticada politicamente”. Então, ressalta Faller, que o resgate do Princípio, como uma necessidade para sociedade. Já no século XX e neste início de século XXI, a fraternidade passa a ocupar espaço nas reflexões teóricas, com o intuito de se encontrar novas possibilidades de superação de problemáticas jurídico-constitucionais e políticas, as quais reforçam a necessidade de um resgate deste fundamento do constitucionalismo moderno [...] (FALLER, 2011, p. 361). Com isso, o Princípio da Fraternidade é o caminho a ser utilizado por todos, para que se possa ultrapassar o individualismo. 46 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE O princípio da fraternidade impõe uma ação pautada pelo reconhecimento do outro e é justamente este reconhecimento do outro, que impõe o comportamento das pessoas como a criação de condições institucionais que viabilizem a concretização dos direitos fundamentais, da democracia, que retira discurso das amarras da abstração (FALLER, 2011, p. 368-369). Porém, vale ressaltar que a Fraternidade agrega tanto direitos e espontaneidade quanto deveres e responsabilidade. Afinal, uma sociedade fraterna é aquela em que um indivíduo tem compromisso com o outro, caracterizando o fazer o bem para comunidade (BOGGIO, 2008, p. 138). Nessa análise de responsabilidade, o Art. 29, em seu parágrafo 1º, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, afirma: “O indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade”. Assim, percebe-se a Fraternidade embasada na responsabilidade, ou seja, o homem deve ter o compromisso com seu meio social e só assim se pode falar em formação de uma personalidade concreta e fraterna. O Estado estabelece o dever pelas próprias constituições, e a definição da palavra “comunidade” ultrapassa fronteiras, ou seja, responsabilidade fraterna é global e promovida por um grupo social. A fraternidade, por sua vez, “responsabiliza” cada indivíduo pelo outro e, consequentemente, pelo bem da comunidade, e promove a busca de soluções para aplicação dos direitos humanos que não passam necessariamente, todas, pelas autoridades públicas, seja ela local, nacional ou internacional (AQUINI, PRINCÍPIO ESQUECIDO /1. 2008. p. 39). Fausto Goria, em seu artigo “Fraternidade e Direito: algumas reflexões no livro Direito e Fraternidade” (2008, p.28), diz: “No entanto, normalmente, a relação jurídica é característica por força abstração: no mundo das normas não existe a pessoa concreta, com nome e sobrenome, idade, residência, educação, trabalho, experiência de vida e formação psicológica, caracterizada por determinadas condições econômicas e culturais.”. Para Constituição Federal 1988, o Princípio da Fraternidade como categoria jurídica encontra em seu preâmbulo, como base de ordem democrática, os princípios da liberdade, igualdade e fraternidade para construção de uma sociedade mais justa, fraterna, pluralista e, principalmente, livre de preconceitos. 47 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Lima (2012, p. 202) deixa clara a importância do preâmbulo para o ordenamento jurídico: Sendo assim, o intérprete da constituição pôde obter a norma valendo-se tanto das disposições dos seus artigos quanto do preâmbulo constitucional: o Preâmbulo é, ao mesmo tempo, a síntese das aspirações nacionais e um documento político com elementos claramente ideológicos. Para Silva e Brandão (2015, p.168), “uma sociedade fraterna é aquela que tem como bem social o sentido da existência do Humano e, a continuidade dela, no tempo e espaço da biosfera.” Nessa vereda, ainda aprofundando as reflexões de Silva e Brandão, a sociedade fraterna estaria ligada à ideia de “adequada à constituição”, que significa dizer que o próprio preâmbulo da CF/88 estabelece a forma e a relação à aplicação do direito para com a sociedade não segui a implementação do individualismo institucionalizado a partir da Constituição. O porquê, do exposto acima, encontra-se nas reflexões de que as transformações sociais não acontecem de forma sucessiva ou individualizada, mas interligadas entre si, simultânea e, ainda, sobre uma abrangência local, regional e, até mesmo a nível global. Nesse sentido, perceber-se a observação de critérios de adequação, no entanto, que entrelaça a importância da existência do ser humano e considerá-lo ele como tal. Construir uma sociedade fraterna é critério de decisão adequada à Constituição Brasileira, porque traz o sentido da existência do humano como critério de valoração na verificação dos processos sociais, ou seja, se esses estão operando de forma humana ou não humana. Critério esse que difere daquele centrado nos benefício econômicos oriundos do paradigma neoliberal e que tem dificuldade à implementação da Constituição Brasileira (SILVA; BRANDÃO, 2015, p. 172). Assim, o princípio da Fraternidade é necessário para o século XXI, pois, agir de forma fraterna faz renascer no ser humano ações harmoniosas para com o meio social. E de tal importância o é, principalmente, quando estas ações estiverem voltadas ao compromisso e dever comunitário fraterno no meio ambiente do trabalho, pois consequentemente tutela a proteção à saúde do trabalhador, complemento imediato à vida. 48 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Nesse ínterim, abalaram-se os princípios basilares da existência como: dignidade da pessoa humana, igualdade e liberdade. Nesta vereda, a fraternidade denota a plenitude da vida humana, juntamente com a Ciência do Direito. Nessa análise de princípios, em especial o da Fraternidade, Ávila (2009, p.81), em sua proposta de conceituar regras e princípios, demonstra a importância dos princípios ao afirmar que são normas imediatamente finalísticas e de complementaridade: “Os princípios instituem o dever de adotar comportamentos necessários à realização de um estado de coisa ou, inversamente, instituem o dever de efetivação de um estado de coisa pela adoção de comportamentos a ele necessários.”. Por fim, o Princípio da Fraternidade como categoria jurídica é uma dos meios da efetivação da ciência do Direito, pois uma relação jurídica que abrange muito mais o enquadramento de uma lei. 3. O DESENVOLVIMENTO DA ATIVIDADE INSALUBRE E O PRINCÍPIO DA FRATERNIDADE A necessidade de um ambiente de trabalho sadio se encontra amplamente amparada pela Constituição Federal de 1988, ao afirmar, em seu artigo 1º caput, que a dignidade da pessoa humana se constitui um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e, ao registrar, em seus artigos 5º e 6º caput, o direito à vida, à segurança, ao lazer, ao trabalho, etc. Nesse sentido, afirma Lima: O Direito do Trabalho enquadra-se nos direitos fundamentais de segunda geração, mas, à proporção que avança, refina-se e vindica para seus destinatários os bônus da cidadania, da qualidade de vida, da dignidade, enfim. E não existe qualidade de vida sem um meio ambiente de trabalho equilibrado (2015. p. 244). Deixa-se clara a existência de um compromisso, quanto ao meio laboral, baseado em prevenção de danos e redução de agentes nocivos à saúde do trabalhador, uma vez que caminha lado a lado ao direito à vida, fundamentado pela República Federativa do Brasil. Nessa vereda, Pierre (2013, p. 16) afirma: “A vida é o maior dos bens humanos e o primeiro dos direitos humanos, o pressuposto de todos os outros bens e de todos os outros direitos”. Na relação de empregado, a garantia de proteção ao direito à vida digna, deve ser protegida, principalmente, dentro do meio ambiente do trabalho. 49 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Assim, afirma Lima: È uma parcela do meio ambiente geral. É o local onde se exerce o trabalho, compreendidas as circunvizinhanças. Essa porção de meio ambiente, antes de interessar aos que ali mourejam, constitui um bem de todos, dado que seus rescados contaminam todos os Circundantes. E como um microssistema do sistema geral, deve ser protegido, até porque não se terá um todo equilibrado sem que as partes o sejam. Em termos mais restritos, trata-se da humanização do trabalho. Com efeito, o trabalhador consome um terço da sua vida no ambiente de trabalho [...] (2015.p. 245). Sobre o exposto, a OIT, na convenção n.º 155, demonstra uma extensão ao termo saúde no ambiente do trabalho, afirmando que as agressões à saúde do trabalhador estão além das afecções ou de doença, tratando-se, também, de questões físicas e que se relacionam com a segurança e a higiene daquele meio (PADILHA, 2010, p.397-398). Nesse ínterim, ao estudar o artigo 7º , XXIII, da Constituição Federal de 1988, pode-se observar a tutela à saúde do trabalhador no desenvolvimento da sua atividade laborativa: Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XXXII - Proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos. Além disso, conjuntamente ao artigo 192 da CLT, demonstra-se a aplicação do adicional de insalubridade no exercício do trabalho, ou seja, quando o empregado é exposto às atividades laborais nocivas à saúde, conforme aos artigos 189 e 190 da CLT. Assim, na atividade considerada insalubre, quando se ultrapassam os limites de tolerância oferecidos pela NR-15, “compensa-se” por um adicional 50 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE que varia de acordo com grau de exposição. Neste sentido, temos 40% (quarenta por cento) como grau máximo; 20% (vinte por cento) como grau médio; e 10% (dez por cento) como grau mínimo. Prata ressalta: O problema dos limites de tolerância estabelecidos nas Normas Regulamentadoras consiste no fato de que nessas se desprezam as características concretas de cada trabalhador, ou seja, sua idade, sexo, condição geral de saúde, extensão da jornada etc. [...] Vale dizer, o que é tolerável eventualmente pode não o ser de forma continuada, ou durante uma jornada extraordinária habitual. (2013.p. 163 - 164) [GRIFO NOSSO] Registra-se que a base de incidência do adicional ainda é alvo de discussões, entretanto, diante da suspensão, por decisão liminar do Supremo Tribunal Federal (STF), perante a Súmula n.º 228 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que veio a editar a súmula vinculante nº 4, a qual afirma, que, exceto por exceção da Carta Magna, não é permitido que se utilize o salário mínimo com indexador de base de cálculo, defende-se a aplicação de forma temporária do artigo 192, até que venha aditar norma legal ou convencional (BONFIM. 2014 p. 824-825). Para Martins (2011, p. 668), “O Brasil adotou o sistema de monetarização do risco, com o pagamento de adicional pelo trabalho em condições insalubres ou perigosas. O ideal seria combater as causas do elemento adverso à saúde do trabalho.” Para Lima (2015. p. 243), “Insalubre é o trabalho em ambiente prejudicial à saúde: perigoso é o trabalho sob condições de risco à vida ou à integridade física” Apesar de o Ordenamento Jurídico Brasileiro oferecer meio de redução dos riscos à saúde ao empregado em âmbito administrativo por meio da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPAs), a qual observa o ambiente laboral e relata os riscos existentes na empresa, oferecendo Equipamento de Proteção Individual (EPI) – dispositivos ou produtos de uso individual que visam à proteção contra riscos à saúde do obreiro – ainda é possível observar um ambiente de trabalho insalubre e nocivo. A empresa é obrigada a fornecer aos empregados, gratuitamente, equipamentos de proteção individual adequado ao risco e em perfeito estado de conservação 51 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE e funcionamento, sempre que as medidas de ordem geral não oferecem completa proteção contra os riscos de acidentes e danos à saúde dos empregados. Todo estabelecimento deve estar equiparado com material necessário à prestação dos primeiros socorros médicos (2015. p. 252) Na prática, o que se vê é o não cumprimento da finalidade do adicional (seu caráter pedagógico), mas o acréscimo e o enquadramento das atividades de risco na NR-15. Assim, o que deveria ser excepcional, incorpora-se ao contrato de trabalho, passando o empregado a viver uma “compensação de pecúnia pelo risco imposto à sua saúde” (PRATA, 2013, p. 161). Além disso, para a doutrina, uma das problemáticas é a falta da atualização da NR-15, que classifica a atividade insalubre de acordo com o seu grau. Silva e Rolemberg registram (2012, p. 6): “O fato é que em 1978, ano em que iniciou a vigência de tal norma, não tínhamos no Brasil estudos vinculados à estipulação de limites de exposição que fossem seguros e voltados para nossa realidade econômica e industrial.”. Santos, em seu artigo “a fraternidade como elemento plena eficácia dos direitos do trabalho livro Fraternidade como categoria jurídica” (2013, p. 147) faz ressalva quanto a uma das finalidades do contrato de trabalho: “[...] perceber que no contrato de trabalho não se negocia o trabalhador, mas sim a sua mão de obra, é elemento primordial à aplicação normativa fraterna.” Assim, para um real espírito fraterno, a pecúnia do adicional no ambiente de trabalho deve ser tomada pelos empregadores como exceção, ou seja, medida a ser tomada depois de esgotados todos os meios possíveis de eliminar a os agentes nocivos à saúde do obreiro. CONCLUSÃO Diante do presente estudo, conclui-se que a proteção à saúde do trabalhador no meio ambiente do trabalho depende de nosso empenho e de nossa preocupação, em especial, do empregador com os problemas encontrados na aplicação do adicional de insalubridade. Porém, o grande desafio é estabelecer um equilíbrio entre o progresso da humanidade e a proteção do meio do trabalho e as e atividades de riscos dentro do desenvolvimento da lucratividades O Princípio da Fraternidade exprime comportamentos, atitudes e transformações do próprio ser humano, pois, pela essência, a fraternidade traz o conceito de agir espontaneamente, bem como a capacidade de entender que o ato de oferecer, dispor, colaborar e incentivar torna-se algo muito mais concreto 52 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE e efetivo do que o que é imposto, contribuindo para alterações nos padrões da cultura, para formação de uma consciência coletiva que privilegie questões do meio ambiente laboral, em especial a saúde do empregado. Assim, o meio ambiente do trabalho está ligado ao Princípio da Fraternidade de forma concreta e evidente. Em primeiro lugar, porque o direito, na sua essência de ciência, não se limita a uma relação particular, mas, sim, a uma coletividade; para tanto, o espírito fraterno se faz necessário. Dessa forma, cada ação em âmbito judicial ou extrajudicial interfere na vida do ser humano, e um dos campos atingidos é o ambiente laboral; em segundo lugar, porque é necessário que se garanta o direito à vida digna, para que se apresenta o dever de se colocar no lugar do outro, isto é, da Fraternidade. Por fim, essa dicotomia nos dá uma perspectiva de amenizar a problemática que envolve o adicional de insalubridade a partir do Princípio da Fraternidade, sempre aplicado de forma comunitária um para com o outro, entre empregador e empregados, pois trata-sede algo crucial à saúde do trabalhador respeito, a não omissão e o não aumento do enquadramento do adicional de insalubridade pela monetarização. 53 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE REFERÊNCIAS ÁVILA, Humberto. 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Mestranda em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas- UEA Resumo: O presente artigo tem por objetivo mostrar uma visão geral sobre o ecofeminismo, uma corrente filosófica feminista, que não tem sido muito desenvolvida na teoria, o qual não tem impedido sua adopção como forma de luta na degradação ambiental, por parte de ecofeministas no redor do mundo. As relações de poder, formam o eixe principal dentre o pensamento feminista, pelo que se pretende realizar uma analises sobre a conceptualização que realiza Foucault e o ecofeminismo das relações de poder. Através do método analítico e revisão da literatura tentara-se encontrar similitudes e diferencias, que estas duas correntes filosóficas dão-lhe ao concito de relações de poder, e tentar argumentar como o pensamento do Foucault, além de receber fortes criticas pelas feministas, muitas vesses dos movimentos mais radicais, poderia ser de utilidade para o desenvolvimento da teoria ecofeminista. Palavras chave: Ecofeminismo; poder; relações de poder; Foucault. Resumen: El presente artículo tiene por objetivo mostrar una visión general sobre el ecofeminismo, una corriente filosófica feminista, que no ha tenido mucho desarrollo en la teoría, lo cual no ha impedido su adopción como lucha a la degradación ambiental, por parte de ecofeministas alrededor del mundo. Las relaciones de poder forman el eje principal dentro del pensamiento feminista, por lo que se pretende realizar un análisis sobre la conceptualización que realiza Foucault e el ecofeminismo de las relaciones de poder. A través del método analítico, y revisión de literatura, se intentar encontrar similitudes y diferencias, que estas dos corrientes filosóficas le dan al concepto relaciones de poder, e intentar argumentar como el pensamiento de Foucault, aunque reciba duras críticas por las feministas, muchas veces de los movimientos más radicales, podría ser de utilidad para el desarrollo de la teoría ecofeminista. Palabras clave: Ecofeminismo; poder; relaciones de poder; Foucault. 57 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE INTRODUÇÃO O Foucault foi um dos filósofos mais reconhecidos do século XX, seus trabalhos abrangem desde filosofia, psicologia, sociologia, ate politica e historia; seus pressupostos acerca do poder tem servido para explicar diversos fenômenos em distintas áreas do conhecimento. Segundo a literatura tradicional o poder e relações de poder têm sido vistas desde uma forma piramidal, é dizer hierarquizada, concentrado em um setor, em instituições as quais tinham o monopólio do “poder” e manipulavam aos demais sujeitos da sociedade, guiados pelos seus interesses. Foucault rompe com esta tradição, e estuda o conceito do poder desde posições completamente diferentes, com o objetivo de interpretar a realidade para que esta seja mudada. A luta pela reivindicação dos direitos das mulheres, e a colocação desta numa situação de aparente igualdade, tem sido um caminho difícil. Através do feminismo como corrente politica e através de movimentos sociais, as mulheres tem conseguido mudar a situação de opressão “natural” que através da historia as mulheres temos sofrido. O pensamento feminista tem diversas subdivisões, tendo todos como ponto de partida a dominação das mulheres, o sistema patriarcal que contribui a que prevaleça essa opressão, e a situação de desigualdade que sofrem as mulheres dentro da sociedade, em menor ou maior grau. Dentre estas subdivisões encontramos ao ecofeminismo, o qual vai desenvolver seu pensamento ligando os problemas feministas com os problemas ambientais. O ecofeminismo, como corrente filosófica, politica e social, também desenvolve conceitos de poder e relações de poder, o qual será denominado com outra terminologia como por exemplo “dominação”, a qual será efetuada no sistema patriarcal, desde as relações homem-mulher e homem-natureza. Por ser um feminismo relativamente novo, tem sofrido muitas criticas no desenvolvimento de seus pressupostos, já que este se afasta do feminismo clássico liberal. A relação entre o pensamento do Foucault e o feminismo é inegável, além das criticas que existem pelas feministas devido ao esquecimento que faz o Foucault, sobre a história da dominação dos homens sobre as mulheres, existem conceitos pelos quais o feminismo pode enriquecer suas teorias. Pelo que no presente artigo, num primeiro momento, falara-se do ecofeminismo como disciplina do conhecimento, sua origem, as dificuldades que tem que enfrentar dentro da corrente feminista, conceptualizações do gênero, patriarcado, e dominação. Para posteriormente chegar às ideias de Foucault, e como estas podem ser utilizadas na teoria ecofeminista, utilizando para isto, o método analítico de algumas obras do Foucault, e da teoria ecofeminista. 58 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE 1. O ECOFEMINISMO O feminismo, como qualquer corrente do pensamento, esta baseada e fundamentada nos aspectos do entorno das pessoas que o postulam; é impossível afastar a forma de perceber o mundo e a realidade social, econômica e politica das vivencias de um grupo de pessoas. Por isto existem tantas subdivisões do feminismo como de qualquer outra ideologia politica. Nos inicios do movimento feminista, que é denominado comumente primeira onda, busca-se equiparar a posição da mulher em relação do homem dentro da sociedade. A luta feminista dentro de esta primeira etapa esta direcionada para conseguir que sejam reconhecidos os direitos básicos das mulheres, como o sufrágio, educação e igualdade ante a lei. Já na segunda onda feminista, os objetivos são diferentes, começa-se a debater sobre a desigualdade real, aquela que existe além das leis, e sobre os direitos reprodutivos das mulheres. E por ultimo na terceira onda, dá-se uma mudança no modelo da mulher; se entende que existem muitos tipos de mulheres, determinadas pela classe social, nacionalidade, etnia, orientação sexual e religião. É por isto que falar de um feminismo representa um equivoco, já que existem diversos tipos de feminismos, os quais guardam similitudes básicas entre eles; temos o feminismo socialista, feminismo liberal, feminismo marxista, feminismo radical, anarcofeminismo, feminismo da diferença, e ecofeminismo, que a sua vez têm outras subdivisões. Nos anos 70, o mundo passava por mudanças significativas. As armas nucleares, a degradação ambiental, as mudanças do clima, erosão do solo, todo isto começa a ter protagonismo nas conversas sociais. Os líderes sociais e políticos começam a mudar seus discursos, voltados pela preservação ambiental. O feminismo não pode ficar atrais, e em 1974, Françoise d’Eaubonne, utiliza pela primeira vez o termo ecofeminismo. Entretanto dentro do movimento feminista, esta nova corrente não tem um lugar primordial, nem na teoria, nem na pratica, a teoria “clássica” enfoca-se nas relações de poder homem/mulher, neste sentido Holland (1996, pag. 38), afirma: Si la relación entre los sexos supone lo inconsciente de la teoría materialista, la relación hacia la naturaleza sigue siendo lo inconsciente dentro de la teoría feminista. La tendencia a la uniformidad, que para la teoría se inició aproximadamente a mediados de la década de 1970 y para la práctica a comienzos de la década siguiente, ha marginado (en lo que se 59 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE refiere al ámbito germano parlante) de forma radical enfoques prometedores tanto de practica ecológica como de teorías con referentes hacia la naturaliza24. Nesta passagem podemos observar então, como o ecofeminismo forma parte de uma classe “rejeitada”, já que para o feminismo clássico os problemas ambientais não representam um aspecto primordial de ser abordado; este se enfoca mais em questões da igualdade da mulher em uma posição social privilegiada, é dizer, sem observar aspectos de classe social, diferencias racial, ou orientação sexual, o qual dá lugar à ramificação dos diferentes tipos de feminismo. É assim que vemos o difícil recorrido do ecofeminismo para construir um pensamento dentre do feminismo; porém é um equivoco generalizar e tentar abranger todo o pensamento ecofeminista apenas numa classe. De modo que num primeiro momento surge o ecofeminismo essencialista, o chamado comumente “ecofeminismo clássico”, o qual apelava por uma relação mais direta da mulher com o meio ambiente, por questões biológicas como a maternidade, o qual o levou a ser rejeitado pelas feministas liberais, isto como o expõe Puleo (2013, pag. 31): Es un feminismo de la diferencia que afirma que hombres y mujeres expresan esencias opuestas: las mujeres se caracterizarían por un erotismo no agresivo e igualitarista y por aptitudes maternales que las predispondrían al pacifismo y a la preservación de la Naturaleza. En cambio, los varones se verían naturalmente abocados a empresas competitivas y destructivas. Este biologicismo suscitó fuertes críticas dentro del feminismo, acusándosele de demonizar al varón.25 Mas as duras críticas do feminismo, baseabam-se nessa relação mulher-natureza, que retrotraiam os avanços das feministas na pocisao das A tendência para a uniformidade, que para a teoria começou em meados de 1970 e que para a prática iníciou na próxima década, tem marginalizado ( no que respeita à esfera alemão falantes) de forma radical abordagens promissoras tanto de práticas ecológicas como de teorias com referência à natureza (tradução livre da autora). 25 É um feminismo da diferença que afirma que homens e mulheres expressam essências opostas: as mulheres seriam caracterizadas por um erotismo não agressivo e igualitário, e por aptitudes maternais que as predispõem ao pacifismo e à preservação da natureza. Em vez disso, os homens naturalmente dirigidos a empresas competitivas e destrutivas. Este biologicismo despertou fortes críticas dentro do feminismo e foi acusado de demonizar o homem (tradução livre da autora). 24 60 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE mulheres dentro da socieade, que não teria mais porque estar ligada com a maternidade ou o cuidado do lar. Isto permitiu que as ecofeministas repensassem seus preceitos; isto segundo Puleo (2013, pag. 32), deveu-se a: Bien por su carácter místico-popular, bien por su propuesta de separatismo lésbico o por la ingenuidad epistemológica de su esencialismo, el primer ecofeminismo fue un blanco fácil de las críticas de los sectores feministas mayoritarios carentes de sensibilidad ecológica. Actualmente, todavía, se suele asociar el nombre de ecofeminismo únicamente a estas primeras formas del movimiento y de la teoría y se conoce poco las tendencias constructivistas más recientes26. Posteriormente o ecofeminismo sofreu mudanças da mão da Valdana Shiva, quem afirma que o inimigo não é o homem, e sim o capitalismo patriarcal do colonizador. Desenvolve uma forte critica dos países desenvolvidos, os quais exercem uma relação de dominação sobre os países pobres, dos quais somente se levam os seus recursos naturais; desenvolve um conceito mais cosmológico sobre a relação entre mulher-natureza, o qual ganhou-lhe criticas por considerala ainda essencialista. Uma das mais importantes criticas, as realizou Bina Agarwal, sobre a qual Puleo (2013, pag.34) afirma: Para Agarwal, el lazo que ciertas mujeres sienten con la Naturaleza tiene su origen en sus responsabilidades de género en la economía familiar. Piensan holísticamente y en términos de interacción y prioridad comunitaria por la realidad material en la que se hallan. No son las características afectivas o cognitivas propias de su sexo sino su interacción con el medio ambiente (cuidado del huerto, recogida de leña) lo que favorece su conciencia ecológica. Observa Agarwal que la interacción con el medio Bem pela sua mística-popular, bem pela sua proposta separatismo lésbica ou ingenuidade epistemológica de seu essencialismo, o primeiro ecofeminism era um alvo fácil para críticas dos setores feministas maioritarios que nao tinham sescibiliudaded ecologica. Atualmente ainda, é freqüentemente associada com o nome de ecofeminism apenas essas formas primitivas de movimento e da teoria e pouco se sabe das últimas tendências construtivistas (tradução livre da autora). 26 61 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE ambiente y la correspondiente sensibilidad o falta de sensibilidad ecologista generada por ésta dependen de la división sexual del trabajo y de la distribución del poder y de la propiedad según las divisiones de clase, género, raza y casta.27 Também na América Latina, desenvolve-se o movimento ecofeminista, representado pelo coletivo de mulheres denominado “Con-Spirando” o qual tem por objetivo reunir mulheres da toda América Latina, para desenvolver um debate em âmbitos da espiritualidade, ética, teologia feminista, abordando temas da politica, universo, memoria, corpo, cultura e a vida cotidiana. Em palavras de Puleo (2013, pag. 35), este ecofeminismo consiste em: Este ecofeminismo latinoamericano se caracteriza por su interés en las mujeres pobres, su defensa de los indígenas, víctimas de la destrucción de la Naturaleza, y su crítica a la discriminación de la mujer en las estructuras de autoridad religiosa. Llama a abandonar la imagen patriarcal de Dios como dominador, el dualismo de la antropología cristiana tradicional (cuerpo/espíritu) y la misoginia que ha llevado a demonizar el cuerpo femenino.28 Pode-se ressaltar, que além que estes ecofeminismos se contrapõem em alguns momentos, predomina o conceito da dualidade da opressão que surge nas relações entre mulher/homem, homem/natureza, e o papel primordial que tem a mulher na proteção ambiental. Estes ecofeminismos procuram promover que o feminismo e a teoria ecológica, tenham objetivos comuns, para a eliminação da subordinação e opressão destas relações. As mulheres têm-se como as principais vítimas das mudanças ambientais, que trouxe o modelo econômico na Para Agarwal, o vinculo que algumas mulheres sentem com a natureza tem sua origem nas suas responsabilidades de gênero na economia familiar. Pensam holisticamente e em termos de interação e prioridade comunitária pela realidade material na que encontram-se. Não são as caraterísticas afetivas ou cognitivas próprias do seu sexo, mas sua interação com o meio ambiente (cuidado do horto, colheita da lenha) o que favorece sua consciência ecológica. Observa Agarwal que a interação com o meio ambiente e a correspondente sensibilidade ou falta de sensibilidade ecologista gerada por esta dependem da divisão sexual do trabalho, e da distribuição do poder e da propriedade segundo as divisões da classe, gênero, raça e casta (tradução livre da autora). 28 Este ecofeminismo da América Latina, caracteriza-se pelo seu interesse nas mulheres pobre, sua defesa dos indígenas, vitimas da destruição da natureza, e sua critica à discriminação da mulher nas estruturas da autoridade religiosa. Chama para abandonar a imagem patriarcal de Deus como dominador, o dualismo da antropologia cristã tradicional (corpo/espirito) a misoginia que há levado a demonizar o corpo feminino (tradução livre da autora). 27 62 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE atualidade, o qual permite-lhes ter uma consciência diferente e ser protagonistas na defesa da natureza. Neste sentido Herrero (2013, pag. 83), coloca: Todos los ecofeminismos comparten la visión de que la subordinación de las mujeres a los hombres y la explotación de la Naturaleza son dos fenómenos que responden a una lógica común: la lógica de la dominación y del desprecio a la vida. El capitalismo patriarcal ha manejado todo tipo de estrategias para someter a ambas y relegarlas al terreno de lo invisible. Por ello las diferentes corrientes ecofeministas realizan una crítica profunda de los modos en que las personas nos relacionamos entre nosotras y con la Naturaleza, sustituyendo las fórmulas de opresión, imposición y apropiación por fórmulas de cooperación y ayuda mutua29. Para falar das relações de poder, é preciso acudir à teoria da dominação que postula o feminismo. É importante aclara que esta teoria é utilizada por a maioria das correntes feministas, já que esta serviu de base para seu posterior desenvolvimento. Termos como patriarcado, gênero, supressão e opressão, são comuns na construção das teorias feministas, tendo como variantes os elementos que permitem a dominação masculina e, por conseguinte as propostas e soluções para mudar a realidade. O termo patriarcado, no sentido que outorga-lhe o feminismo, é utilizado e definido pela primeira vez na dissertação doutoral de Kate Millet, intitulado “Sexual Politics”, como um sistema de dominação das mulheres no âmbito social, politico e econômico, que tem como consequências todo tipo de desigualdades da raça humana, como bem estabelece Millet (1970, pag. 92): Assim, todos os mecanismos da desigualdade humana nascem da supremacia do homem e da subjugação da mulher, tendo a política sexual servido ao longo da história como fundamento de todas as Todos os ecofeminismos compartilham a visão de que a subordinação das mulheres aos homens e a exploração da Natureza são dois fenômenos que respondem a uma logica comum: a logica da dominação e o desprecio da vida. O capitalismo patriarcal tem manejado todo tipo de estratégias para someter a ambas e relega-las ao terreno do invisível. Por isso as diferentes correntes ecofeministas realizam uma critica profunda aos modos em que as pessoas relacionamo-nos entre nós com a Natureza, substituindo as formulas de opressão, imposição e apropriação por formulas de cooperação e ajuda mutua (tradução livre da autora). 29 63 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE outras estruturas sociais, políticas e económicas. O casamento sindiásmico introduzia a noção de troca, compra e venda de mulheres, que forneceu um precedente instrutivo para todas as categorias de escravatura que através dela prosperaram. Sob o regime do patriarcado, o conceito de propriedade passou do sentido primitivo, a posse da mulher reduzida à condição de objeto, à posse de bens, terras e capitais privados. Na submissão da mulher ao homem, Engels (bem como Marx) viu o protótipo histórico e conceptual de todos os sistemas políticos subsequentes, de todas as odiosas relações económicas e da própria opressão. Em quanto ao gênero encontramos na obra de Joan Scott (1989, pag. 21), como esta dominação se baseia nas diferenças construídas desde relações sociais, entre homem e mulher, e como estas estão supeditadas nas representações de poder. Ela desenvolve a definição que estará composta por duas proposições: O núcleo essencial da definição baseia-se na conexão integral entre duas proposições: o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder. As mudanças na organização das relações sociais correspondem sempre à mudança nas representações de poder, mas a direção da mudança não segue necessariamente um sentido único. Nestas definições encontramos então, como a historia das mulheres há estado supeditada pelas relações de dominação no âmbito familiar, politico, no trabalho e afetivo, que permite uma desigualdade criada e reproduzida através da cultura, e não uma desigualdade biológica como era ressaltada pelos filósofos da antiguidade como Aristóteles. Pelo que o gênero será uma construção social, como afirmava Beauvoir (1967, pag. 8), no seu livro “O segundo Sexo” com a frase celebre “Ninguém nasce mulher, torna-se mulher”. O ecofeminismo apelaria também, à reivindicação dos direitos reprodutivos das mulheres, que é uma das fortes criticas deste feminismo, já que considera-se que é um perigo aproximar à mulher e natureza, para a luta 64 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE feminista, devido a toda historia onde a mulher é considerada só como um médio para a procriação; sobre isto Puleo (2008, pag. 48), afirma: Reivindicar la igualdad y la autonomía implica, asimismo, promover los derechos sexuales y reproductivos. Frente a una difusa exaltación de la Vida y de la diversidad que esconde la tradicional negativa a dar autonomía sexual a las mujeres, un ecofeminismo ilustrado defenderá la libre determinación sobre el propio cuerpo.30 Aqui Puleo tenta propor um “ecofeminismo ilustrado” através do cumprimento de uma serie de requisitos que tentaram estabelecer uma teoria afastada da negação dos direitos reprodutivos e a reivindicação dos direitos sexuais, uma verdadeira autonomia sexual. Segundo Puleo (2008, pag. 42) a teoría do “ecofeminismo ilustrado” tem as seguintes caraterísticas: 1) Ser un pensamiento critico; 2) Reivindicar la igualdad y la autonomía de las mujeres; 3) Aceptar con prudencia los beneficios de la ciencia y la técnica; 4) Fomentar la universalización de los valores de la ética del cuidado hacia los humanos y la Naturaleza; 5) Asumir el dialogo intercultural; 6) Afirmar la unidad y continuidad de la Naturaleza desde el conocimiento evolucionista y el sentimiento de compasión.31 Então temos como a reivindicação pela autonomia do corpo da mulher, a proteção da Natureza e dos habitantes da terra, direitos reprodutivos e sexuais, a critica para o sistema de consumo, serão os pontos fundamentais no ecofeminismo, onde convergem os problemas ambientais que atravessamos, e a situação de opressão que ainda na atualidade, a mulher tem que atravessar. Reivindicar a igualdade e a autonomia implica, assim mesmo, promover os direitos sexuais e reprodutivos. Diante uma difusa exaltação da Vida e da diversidade que esconde a tradicional negativa de dar autonomia sexual as mulheres, um ecofeminismo ilustrado defendera a libre determinação sobre o próprio corpo (tradução livre da autora). 31 1) Ser um pensamento critico; 2) Reivindicar a igualdade e autonomia das mulheres; 3) Aceitar com prudência os benefícios da ciência e a técnica; 4) Fomentar a universalização dos valores da ética do cuidado aos humanos e Natureza; 5) Assumir o dialogo intercultural; 6) Afirmar a unidade e continuidade da Natureza desde o conhecimento evolucionista e sentimento de compaixão (tradução livre da autora). 30 65 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE 2. PODER E RELAÇÕES DE PODER PARA FOUCAULT Para começar a abranger o pensamento do Foucault, relativo às relações de poder, é preciso apresentar alguns elementos que utilizava para desenvolver seu pensamento. Termos como poder, sujeito e luta, encontram-se ligadas, e as conceitualiza de uma forma diferente em relação à filosofia tradicional. Num primeiro momento temos o conceito “sujeito”, o qual se entende em dois sentidos como afirma Castro (2004, pag. 409). “por un lado, sometido, “sujeto” por el control y la dependencia de otro; por otro lado, ligado, “sujeto” a la propia identidad por las prácticas y el conocimiento de sí.”. Pelo que Foucault tentara explicar o sujeito através dos conceitos de poder e relações de poder. Para Foucault, o conceito de poder, não é um atributo ao sujeito, é entendido, segundo Castro (2004, pag, 409), desde “luchas que se oponen a todo lo que liga al individuo consigo mismo y asegura así la sumisión a los otros” e isto se exerce e representa pelas relações de poder. Assim mesmo também não dá-lhe um sentido de opressão negativo como no ecofeminismo. O poder para Foucault (1999, pag. 112), é um elemento que se encontra em todas as relações sociais. Por todas partes en donde existe poder, el poder se ejerce. Hablando con propiedad, nadie es el titular del poder; y, sin embargo, el poder se ejerce siempre en una determinada dirección, con los unos de una parte y los otros de otra; no se sabe quién lo detenta exactamente; pero se sabe quién no lo tiene.32 Um aspecto importante que é necessário ressaltar na filosofia do Foucault é o relativo do que fala sobre a verdade, este termo que ele considera como uma construção social, a qual se encontra ligada ao poder, e será ditada pela sociedade, segundo determinados interesses, assim como afirma Foucault (1999, pag. 53): Lo importante, creo, es que la verdad no está fuera del poder, ni carece de poder (no es, a pesar de ser un mito, del que sería preciso reconstruir la historia y las funciones, la recompensa de los espíritus Por todas partes onde existe poder, o poder exerce-se. Falando com propriedade, ninguém é titular do poder; e além de isso, o poder exerce-se sempre em uma determinada direção, com alguns de uma parte e os outros de outra; não sabe-se quem o tem exatamente; mas sabe-se que não o tem. (tradução da autora) 32 66 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE libres, el hijo de largas soledades, el privilegio de aquellos que han sabido emanciparse). La verdad es de este mundo; es producida en este mundo gracias a múltiples imposiciones, y produce efectos reglados de poder. Cada sociedad posee su régimen de verdad, su “política general de la verdad”: es decir define los tipos de discurso que acoge y hace funcionar como verdaderos; los mecanismos y las instancias que permite distinguir los enunciados verdaderos o falsos, la manera de sancionar a unos y a otros; las técnicas y los procedimientos que son valorados en orden a la obtención de la verdad, el estatuto de quienes se encargan de decir que es lo que funciona como verdadero.33 Temos como Foucault, ao falar da verdade, imprime esse elemento subjetivo, que dependera da sociedade segundo convenha aos seus interesses, utilizando também para isto o discurso, que permitira uma dominação, além não seja só o objetivo do poder essa dominação. Um aspecto importante na filosofia do Foucault, é como ele descreve os diferentes tipos de poder, e como estes são exercidos pelos sujeitos dentro das relações de poder, a sua forma de descrever a realidade serviu no só para entendera-la, mas também para propor soluções para que esta realidade de opressão fosse mudada. Segundo Foucault (pag. 336) “os outros” (que era o termo que utilizava para denominar ao sujeito sobre o qual era exercido o poder) se bem e certo eram dominados por um sujeito que ostentava o poder, este através da liberdade e o conhecimento deste poder que era exercido sobre ele, poder-se-ia libertar, mas esquecendo a liberdade falsa que foi imposta, e procurando outro tipo de liberdade: The conclusion would be that the political, ethical, social, philosophical problem of our days is not to try O importante, acho, que a verdade não esta fora do poder, nem carece de poder (não é, além de ser um mito, do que seria preciso reconstruir a historia e as funções, a recompensa dos espíritos livres, o filho de longas solidões, o privilegio de aqueles que tem sabido emancipar-se). A verdade é deste mundo; é produzida em este mundo por diversas imposições e produz efeitos regulados pelo poder. Cada sociedade possui seu regime de verdade, sua “politica geral da verdade”: é dizer define os tipos de discurso que acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e instancias que permite distinguir os enunciados verdadeiros ou falsos, a maneira de sancionar a uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorados em ordem à obtenção da verdade, o estatuto de quem encarga-se de dizer que é o que funciona como verdadeiro (tradução livre da autora). 33 67 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE to liberate the individual from the state, and from the state’s institutions, but to liberate both from the state and from the type of individualization linked the state. We have to promote new forms of subjectivity through the refusal of this kind of individuality that has been imposed us for several centuries.34 Este aspecto resulta importante já que ao igual que o ecofeminismo e o feminismo em si, o pensamento de Foucault, não só enfoca-se em enunciar os problemas sociais existentes, procura encontrar uma solução para sair dessas relações de poder, assim como a teoria ecofeminista procura, e os movimentos sociais ao redor do munda que lutam contra as mudanças climáticas, contaminação dos cultivos, das aguas, procurando a reivindicação dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, distribuição e produção de alimentos. 3. RELAÇÃO ENTRE O ECOFEMINISMO E O PENSAMENTO DO FOUCAULT Um elemento importante que permite uma aproximação entre as ecofeministas e Foucault, relaciona-se com a ideia de que o poder não é ostentado somente pelo Estado, como era comumente pensado, o qual permite que as mudanças na sociedade possam-se originar desde o cotidiano, desde pequenas ações, o qual está evidenciado no trabalho de milhões de ecofeministas no redor do mundo, que desenvolvem propostas para que as mulheres se desenvolvam de forma ativa na sociedade, promovendo a proteção do meio ambiente, a luta contra cultivos transgênicos que são um risco para seus cultivos orgânicos e a preservação da biodiversidade, ou a proteção da agua; como por exemplo, o movimento Chipco, um grupo ecológico conformado por mulheres da Índia, que em uma protesta, abraçam-se aos arvores para que estes não fossem derribados, com o qual impediram que as empresas transnacionais afetassem seu ecossistema. Neste sentido Foucault (1999, pag. 84) resalta: Pero creo que el poder político se ejerce también por mediación de un determinado número de instituciones que aparentemente no tienen nada en común con él, que aparecen como independientes cuando en realidad no lo son. Esto se podría aplicar a A conclusão poderia ser que os problemas políticos, éticos, sociais, filosóficos dos nossos dias não corresponde à liberdade individual do Estado, e das instituições estatais, mas para libertar tanto do Estado como do tipo de individualidade unida ao Estado. Temos que promover novas formas de subjetividade e rejeitar essa individualidade que tem-nos sido imposta por vários séculos (tradução livre da autora). 34 68 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE la familia, a la universidad y, en términos generales, al conjunto del sistema escolar que, en apariencia está hecho para distribuir el saber y en realidad para mantener en el poder a una determinada clase social y excluir de los instrumentos de poder a cualquier otra clase social. Las instituciones de saber, de previsión y de asistencia, tales como la medicina, ayudan también a mantener el poder político.35 Para Foucault o poder, não só manifesta repressão, é dizer, as relações de poder terão por objetivo (não sua razão de ser, mas um dos seus objetivos) reprimir algum outro sujeito, mas o poder não só existe para reprimir. Isto representa uma diferencia importante com a teoria ecofeminista, já que para esta ultima, a dominação patriarcal é exclusivamente repressiva, não existe a divisão que Foucault (1999, pag. 48) fez, da concepção jurídica do poder: Cuando se definen los efectos del poder recurriendo al concepto de represión se incurre en una concepción puramente jurídica del poder, se identifica al poder con una ley que dice no; se privilegia sobre todo la fuerza de la prohibición. Me parece que ésta es una concepción negativa, estrecha, esquelética del poder que era curiosamente algo aceptado por muchos. Si el poder fuese únicamente represivo, si no hiciera nunca otra cosa más que decir no, ¿cree realmente que se le obedecería? Lo que hace que el poder se aferre, que sea aceptado, es simplemente que no pesa solamente como una fuerza que dice no, sino que de hecho circula, produce cosas, induce al placer, forma saber, produce discursos; es preciso considerarlo más como una red productiva que atraviesa todo el cuerpo social que como una instancia negativa que tiene como función reprimir.36 Mas acho que o poder político exerce-se também por mediação de um determinado numero de instituições que aparentemente não têm nada em comum com ele, que aparecem como independentes quando na realidade não o são. Isto poder-se-ia aplicar à família, a universidade, e, em termos gerais, ao conjunto do sistema escolar que, em aparência esta feita para distribuir o saber e na realidade para manter em o poder a uma determinada classe social e excluir dos instrumentos do poder a qualquer outra classe social. As instituições do saber, de previsão e de assistência, tais como a medicina, ajudam também a manter o poder politico (tradução livre da autora). 36 Quando se define os efeitos do poder recorrendo ao conceito da repressão incorre-se numa concepção puramente jurídica do poder, identifica-se o poder com uma lei que diz não; privilegia35 69 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE A teoria de Foucault das relações de poder diferencia-se drasticamente do ecofeminismo, já que para o filosofo, existem relações de poder em todos os âmbitos da vida, não importando o gênero. Para ele o poder existe em todas as esferas da conduta humana. Assim mesmo as criticas que Foucault faz sobre o modelo de sujeito preexistente na sociedade, como homem, heterossexual e branco, e da tricotomia da qual apelava, onde criticava a verdade, e como esta tinha que ser analisada desde uma ótica do saber e entender que esta poderia perseguir ou ser influenciada por algum tipo de poder, são funcionais para a teoria feminista, já que como o afirma Bizzini (1995, pag. 10): El resultado al que llegamos se puede resumir en la sustitución, en la tricotomía Verdad/poder/saber, del término Verdad por el de mujer. El ser mujer es el resultado de la relación poder/saber: mujer/poder/ saber. La historia de la sexualidad de Foucault, y sobre todo el primer volumen, nos abre el camino hacia una ampliación de dicha idea: si el género femenino está estrechamente relacionado con la idea de sexualidad definida por el Discurso dominante, el término mujer (verdadera mujer en cuanto producto de la Verdad) llega a incluir también el término sexualidad. La verdadera mujer y la verdadera sexualidad se convierten en el resultado de un proceso de formaci6n del sujeto sexuado: no sólo están relacionadas entre ellas, sino que se convierten en los dos componentes inseparables de un mismo concepto. De esta manera, la tricotomía Verdad/ poder/saber se transformaría no sólo en mujer/poder/ saber sino en mujer (sexualidad)/poder/saber.37 se sobre tudo a força da proibição. Parece-me que esta é uma concepção negativa, estreita, e fraca do poder que era curiosamente algo aceitado por muitos. Se o poder fosse unicamente repressivo, se não fizesse outra coisa que falar não, acha realmente que se obedecer-lhe-ia? O que faz que o poder aferre-se, que seja aceito, é simplesmente que não tem somente força que fala não, mas que de fato circula, produz coisas, índice prazer, forma saber, produz discursos; é preciso consideraralo mais como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social que como uma instancia negativa que tem como função reprimir (tradução livre da autora). 37 O resultado ao que chegamos pode-se resumir na substituição, na tricotomia Verdade/poder/ saber, do termo Verdade pelo de mulher. O ser mulher é o resultado da relação poder/saber: mulher/poder/saber. A historia da sexualidade de Foucault, e sobre todo o primeiro volume, abre-nos o caminho para uma ampliação 70 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Assim como para Foucault a Verdade suporia uma construção social, da qual o poder a utilizaria através do discurso, para determinar o qual é aceitável e o que não é, para obter determinados resultados e satisfazer os interesses, para Bizzini, o elemento Verdade poderia ser trocado pelo termo Mulher, já que o conceito Mulher (entendido isto como o conjunto de caraterísticas que fazem a uma mulher ser mulher dentro da sociedade), é uma construção social. Isto é um aspecto importante dentro da filosofia de Foucault, já que permite uma aproximação com outras correntes filosóficas. Assim mesmo Bizzini (1995, pag. 10) apela pela importância que os pensamentos de Foucault têm para o feminismo, já que estes representariam não uma solução aos problemas das mulheres nas sociedades, mas sim um ponto de partida para tentar mudar essa conceição de mulher a qual tem-nos sido imposta: Las ideas foucaultianas no dejan de ser un punto de partida y no una solución al problema. Creemos que todos están de acuerdo en no querer, o no poder, disolver una identidad que jamás existió por sí misma, la de la mujer. Sin embargo sí queremos disolver una identidad femenina que no hemos querido, que no nos pertenece porque ha sido establecida por una cultura que jamás pensó en femenino, y que se limitó a pensar lo femenino desde su punto de vista: el masculino.38 A teoria ecofeminista atravessa um problema chave, que ao igual que para as teorias ambientalistas também representam situações sem saída. O rápido avanço e evolução da tecnologia e a ciência tem procurado a criação de sociedades onde prevalece a comodidade, satisfação de necessidades, e consumo de dita ideia: si o gênero feminino esta estreitamente relacionado com a ideia de sexualidade definida pelo Discurso dominante, o termo mulher (verdadeira mulher em quanto produto da Verdade) chega a incluir também o termo sexualidade. A verdadeira mulher e a verdadeira sexualidade convertem-se no resultado de um processo de formação do sujeito sexuado: não só estão relacionadas entre elas, mas se convertem nas duas componentes inseparáveis de um mesmo conceito. De esta maneira, a tricotomia Verdade/poder/saber transformar-se-ia não só em mulher/poder/saber, mas em mulher (sexualidade)/poder/saber (tradução livre da autora). 38 As ideias foucaultianas não deixam de ser um ponto de partida e não uma solução ao problema. Achamos que todos concordam em não quer, ou não poder, dissolver uma identidade que jamais existiu por si mesma, a de mulher. Porem si queremos dissolver uma identidade feminina que não temos querido, que não pertence-nos porque tem sido estabelecida por uma cultura que jamais pensou em feminino e que sim limitou-se em pensar o feminino desde o seu ponto de vista: o masculino (tradução livre da autora). 71 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE desmedido de produtos que achamos como “básicos”. Mas para Puleu isto não tem porque representar um problema sem saída, ela propor um ecofeminismo ilustrado que não este em contra do avanço da ciência e da tecnologia, mas que sim que tenha que criar-se uma sociedade consciente, mas humana, assim como afirma Puleu (2008, pag. 51-52): (…) parece plantear a menudo el dilema de optar entre una vida pre-industrial natural y solidaria o abandonarse a la vorágine egoísta, destructora y culpable de la sociedad de consumo de Occidente. Como muy poca gente que se halle en esta última va a elegir la primera, y quizás ni siquiera los habitantes de las comunidades agrícolas del Sur deseen en masa renunciar a los beneficios de la modernización, la crítica se desactiva a pesar de su radicalidad, o justamente a causa de ella. El ecofeminismo ilustrado no será ni tecnofóbico ni tecnolatra. Exigirá el cumplimiento del principio de precaución asumido en tratados internacionales y en los documentos de la Unión Europea en materia de ciencia y tecnología. La carga de la prueba corresponde a quien plantea una nueva actividad o producto, no a los potenciales afectados.39 Tentar fazer uma ligação entre o pensamento de Foucault, com qualquer tipo de feminismo, não é uma tarefa simples; muitas das filosofas feministas fazem uma critica em torno ao pensamento de Foucault devido a que na sua teoria esqueceu, a histórica dominação das mulheres pelos homens, uma dominação que ainda hoje em dia podemos observar na desigualdade nos salários, a violência em contra das mulheres, a objetivação dos corpos femininos ou a pouca participação no âmbito politico das mulheres, na maioria dos países. Além de isto, é importante ressaltar que pode existir um compartilhamento de ideias nestas duas correntes filosóficas, devido ao grado de desenvolvimento Parece plantear-se frequentemente o dilema de optar entre uma vida pré-industrial natural e solidaria ou abandonar-se à turbulência egoísta, destrutiva e culpável da sociedade de consumo do Ocidente. Como poucas pessoas vão escolher a primeira, e talvez nem os habitantes das comunidades agrícolas do Sul decidam em massa renunciar aos benefícios da modernização, a critica descalcifica-se além da sua radicalidade, o justamente a causa dela. O ecofeminismo ilustrado não será nem tecnofobico nem tecnolatra. Exigira o cumprimento do principio de precaução assumido em tratados internacionais e em documentos da União Europeia em matéria de ciência e tecnologia. A carga da prova corresponde a quem propor uma nova atividade o produto, não aos potenciais afetados (tradução livre da autora). 39 72 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE que o Foucault deu pra o conceito de poder e relações de poder, e que podem servir para os problemas ambientais que a humanidade atravessa, e dos quais os principais afetados não são os países que provocam o dano ambiental, e sim o são aqueles países pobres, onde as mais prejudicadas são as mulher. CONCLUSÕES As relações de poder tratadas pelo Foucault e pelo ecofeminismo têm diferencias conceptuais importantes, se bem é certo, pudemos constatar que também existem similitudes como a hierarquização do poder, que tanto no ecofeminismo como no pensamento do Foucault, o poder não reside somente no Estado, existem outras relações de poder entre os indivíduos, as quais determinam aos sujeitos. Estas relações de poder, serão ditadas para conseguir a satisfação de determinados interesses de quem ostenta o poder; para Foucault será num momento o Estado, os homens ou mulheres, a escola, os quais exercerão o poder sobre as crianças, mulheres, prisioneiros, enfermos, os deficientes, os idosos; no enquanto que para o ecofeminismo a dominação será exercida pelos homens sobre as mulheres e a natureza. Não tentasse no presente artigo apresentar argumentos categóricos que Foucault e o ecofeminismo tenham pontos de convergência, mas sim apresentar que essa aproximação é possível, e não só com as ideias em quanto aos problemas que atravessam as nossas sociedades, também com soluções para tentar mudar essa realidade. Para o ecofeminismo o poder exercido pelo patriarcado, que permite as relações de dominação homem-mulher e homem-natureza, somente representa o elemento repressivo do poder, o que se diferencia do pensamento do Foucault, que afirma que esse elemento só pertence no âmbito jurídico, e não em todos os âmbitos onde o poder exerce-se. O ecofeminismo por ser uma das ramas do feminismo, que ainda tem em construção a sua própria teoria, permite que a conversa com as demais ciências, neste caso com o pensamento de Foucault, se veja enriquecida, com o objetivo de procurar propostas que permitam mudar a realidade que enfrentam as mulheres em todos os âmbitos da vida, assim como também a realidade de abuso que se faz do meio ambiente. É importante ressaltar que o papel da mulher como sujeito ativo de mudanças no ecofeminismo vai variar dependendo a orientação deste pensamento, assim como poder-se-ia afirmar que algumas ecofeministas consideram que existe um vinculo entre as mulheres e a natureza, que vão ser as chamadas essencialistas, existiram outras que além de rejeitar este aspecto “natural” da mulher, serão criticas com as ecofeministas que apelam por este aspecto. 73 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE REFERÊNCIAS BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo, 2. A experiência vivida. São Paulo. 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Acesso em: 24 julho de 2015. 74 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE LIBERAÇÃO DE OGMS ADMINISTRATIVE PROCEDURE FOR RELEASE OF GMOS Elisângela Assayag Neves Pós-Graduanda em Direito Ambiental pela UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA Suame da Costa Tavares Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA Resumo: A atividade de biotecnologia envolve a prática da pesquisa e exploração industrial e comercial de organismos geneticamente modificados (OGMs), cuja realização ainda fomenta incertezas na área do Biodireito, quanto à análise de risco à segurança humana e ao meio ambiente. A Lei nº 11.105/2005 designa a competência sobre os OGMs a partir da CTNBio, responsável pela certificação através do CQB a entidades interessadas em explorar esse nicho. O objetivo geral foi de apresentar o CQB como o elemento que possibilita a identificação do cumprimento dos princípios do Biodireito e da Bioética, por parte de entidades que se dedicam a atividades com OGMs. O método foi bibliográfico e exploratório, a partir de material disponível ao domínio público, depositados em acervos eletrônicos. Conclui-se que o CQB é um elemento parametrizador para a identificação do reconhecimento de entidades que desenvolvem atividades com OGMs, pelo efetivo cumprimento de critérios envolvendo a análise do risco e o respeito aos princípios do Biodireito e da Bioética. Palavras-Chave: Biodireito. Organismos Geneticamente Modificados. Certificado de Qualidade em Biossegurança. Abstract: Biotechnology activity involves the practice of research and industrial and commercial exploitation of genetically modified organisms (GMOs), the realization of which still fosters uncertainty in Biolaw area, the risk analysis to human security and the environment. Law No. 11.105 / 2005 refers to the competence of GMOs from CTNBio, responsible for certification through the CQB to entities interested in exploring this niche. The general objective was to present the CQB as the element that allows the identification of compliance with the principles of Biolaw and Bioethics, by entities that engage 75 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE in activities with GMOs. The method was bibliographical and exploratory, from material available to the public domain, deposited in electronic holdings. We conclude that the CQB is a parameterizer element to identify the recognition of entities engaged in activities with GMOs, the effective fulfillment of criteria involving risk analysis and respect for the principles of Biolaw and Bioethics. Keywords: Biolaw. Genetically Modified Organisms. Certificate of Quality in Biosafety. INTRODUÇÃO As últimas décadas têm sido marcadas por um alto nível de desenvolvimento tecnológico e científico. Da mesma forma, não se pode furtar ao regime de incertezas que esses mesmos avanços, em determinadas áreas, fomentam, particularmente no que diz respeito ao risco de experimentos que envolvem a biotecnologia, a partir da aplicação de princípios técnicos e científicos no tratamento de matérias por agentes biológicos – na forma de microrganismos, células animais e vegetais e enzimas -, com a finalidade de obter produtos e serviços que atendam as atuais e recorrentes demandas da sociedade. Os Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) fazem parte desse rol de incertezas, pelo fato de traduzirem a inserção ou cruzamento de determinados genomas em receptores diferentes, sob a justificativa de apresentarem melhoramentos genéticos destinados à melhoria de sua constituição e a consequente otimização dos mesmos na produção de fármacos e produtos agroindustriais. No Brasil, as atividades com OGMs são regulamentadas pela Lei nº 11.105/2005, a qual representa um marco regulatório na questão, definindo competências e procedimentos de liberação de entidades para a prática de pesquisa e exploração comercial de OGMs. O principal organismo regulador e aplicador da Lei nº 11.105/2005 é a Comissão Técnica de Biossegurança (CTNBio), a qual exerce o papel de órgão consultivo e deliberativo sobre a matéria em questão. Para se candidatar à prática da pesquisa e exploração comercial, a entidade deve requerer à CTNBio a emissão de Certificado de Qualidade em Biossegurança (CQB), documento que aufere a seu solicitante o caráter de ter cumprido várias medidas e procedimentos relativos à análise de risco e respeito aos princípios do Biodireito e da Bioética, notadamente no que concerne ao princípio da precaução. Levando-se em conta, portanto, que o CQB representa a primeira etapa de zelo apresentado por entidades que pleiteiam a prática com OGMs, levantase, então, a seguinte problemática: é possível considerar o CQB como elemento 76 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE que assegure o cumprimento, por parte das entidades solicitantes, dos diversos critérios de respeito aos princípios insculpidos no Biodireito e na Bioética? A resposta a esse questionamento perpassou pela elaboração do objetivo geral da pesquisa, que consiste em apresentar o CQB como o elemento que possibilita a identificação do cumprimento dos princípios do Biodireito e da Bioética, por parte de entidades que se dedicam a atividades com OGMs. A justificativa que se apresenta para essa abordagem diz respeito à ênfase dada ao CQB, que corresponde, efetivamente, a uma certificação de qualidade, cercada de critérios e exigências que precisam ser verdadeiramente cumpridos pelas entidades, para fins de comprovação de seu zelo pela precaução e análise do risco envolvido nas atividades com OGMs. A relevância, portanto, se dedica a mostrar esse elemento como o primeiro a assegurar que as premissas emanadas pela Lei nº 11.105/2005 e outros normativos estão sendo obedecidos. A metodologia empregada consistiu em uma abordagem hipotéticodedutiva, cujos métodos de procedimentos apresentam a pesquisa como de natureza qualitativa, com finalidade exploratória, cujos meios são essencialmente bibliográficos e documentais, onde se utilizou o escasso mas consistente conteúdo disponível ao domínio público, no que tange ao objeto principal da pesquisa, através de consulta a artigos científicos e dissertações extraídas do acervo virtual de instituições de ensino superior e de bibliotecas eletrônicas, principalmente Âmbito Jurídico, BuscaLegis e Jus Navigandi. 1. ASPECTOS PRELIMINARES: O BIODIREITO EM QUESTÃO Conforme apresenta Chiarini Júnior (2004), o Biodireito passou a tomar forma quando se evidenciou a dificuldade em tratar questões específicas relacionadas à bioética. Essas questões, em verdade, não são assuntos novos, mas, em função de sua dispersão entre várias áreas do saber, foi necessária a consolidação dos preceitos éticos dessas várias disciplinas, para compor o que se tem atualmente como Biodireito. O Biodireito tem por objeto de estudo a bioética, a qual se fundamenta em dois contextos etimológicos, os quais formam junto uma acepção que por si só já se traduzem na expressão “Ética da Vida”. A bioética, por sua vez, se divide em dois ramos distintos: a macro-bioética, que estuda o bem da vida em sentido amplo (macro-sistema); e a micro-bioética, que se liga diretamente ao meio ambiente, sendo parte presente nos postulados de Direito Ambiental. Na abordagem trazida por Maia (2005, p. 12), organismos geneticamente modificados (OGMs), por sua condição de organismos derivados da nova biotecnologia ainda pouco experimentada. 77 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE [...] inserem-se no contexto da bioética e do biodireito; melhor dizendo, são objetos da bioética e do biodireito. Cabe, assim, aos responsáveis pela manipulação desses novos organismos genéticos aterem-se, apesar de embrionários, aos princípios ditados pela bioética e ao regramento posto pelo biodireito. As incertezas científicas quanto à liberação da pesquisa e exploração comercial de OGMs permite cogitar que o biodireito se envolver diretamente com o princípio da precaução, já que o uso indiscriminado de biotecnologia pode incorrer em danos consideráveis a pessoas e ao meio ambiente, razão pela qual a preocupação mais recorrente no campo das pesquisas com OGMs diz respeito à biossegurança, tema que, no Brasil, suscitou a criação de instituto doutrinário específico para tratar da matéria (OLIVEIRA FILHO, 2011). 2. A LEI DE BIOSSEGURANÇA A denominada Lei de Biossegurança – Lei nº 11.105/2005 – estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados e seus derivados (BRASIL, 2005). Na opinião de Bringel (2008) referido dispositivo doutrinário traz em seu bojo o estabelecimento de normas de segurança, bem como apresenta os mecanismos necessários à fiscalização sobre construção, cultivo, produção, manipulação, transporte, transferência, importação, exportação, armazenamento, pesquisa, comercialização, consumo, liberação no meio ambiente e descarte de OGMs e seus derivados. Autores como Giehl (2008) atribuem à Lei de Biossegurança o caráter de ferimento aos princípios constitucionais da liberdade de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão e o livre exercício de atividade econômica, contido na Constituição Federal, tendo em vista a vedação às pessoas físicas de práticas atinentes ao trabalho com OGMs. Consoante reza seu art. 2º, caput e parágrafo 2º), somente entidades jurídicas de direito público ou privado podem contratar profissionais da biogenética para atuarem nesse ramo de atividade. Os esclarecimentos sobre a caracterização específica e o amparo legal das atividades de biotecnologia e biogenética ligadas a OGMs são apresentados a seguir. 3. A QUESTÃO CONCEITUAL E AMPARO LEGAL SOBRE OGMS Segundo Cunha (2007), os organismos geneticamente modificados (OGMs) – também denominados de produtos transgênicos – são obtidos 78 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE por meio da aplicação da engenharia genética, sendo esta um ramo técnico da biotecnologia, assim como ocorre com a transformação genética de microorganismos, plantas e animais, cultura de tecidos, entre outros. Vale dizer, portanto, que qualquer espécie do reino animal, vegetal ou microbiano, desde que geneticamente modificada, é considerada um OGM. Vieira (2013, p. 6) alude que um OGM é “[...] um organismo que possui em seu genoma um ou mais genes provenientes de outra ou da mesma espécie, desde que tenham sido modificados e inseridos pelas técnicas da engenharia genética”. Os OGMs recebem uma classificação por grau de risco, expressa na lei de biossegurança, e esse risco é analisado e outorgado em termos de competência legal pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Tal comissão é responsável direta pela liberação para pesquisa ou produção agrícola ou industrial de OGMs, desde que os riscos sejam analisados por meio de diversos testes, onde se comprove a segurança quanto a possíveis danos à saúde humana, animal ou ao meio ambiente. A criação da CTNBio foi autorizada por meio da Lei nº 8.974/1995, a qual visava ao aperfeiçoamento do contido nos incisos II e V do § 1º do art. 25 da Constituição Federal brasileira, devidamente complementada pela Medida Provisória nº 2.191-9/2001 e, posteriormente, pela Lei nº 11.105/2005. Vale ressaltar que, segundo a visão de autores como Cunha (2007), a citada Lei de Biossegurança veio, na verdade, obstaculizar o desenvolvimento da biotecnologia, impondo restrições e óbices à pesquisa e liberação comercial dos OGMs. Na opinião de Anez (2013), a Lei de Biossegurança traz, entretanto, um avanço no que diz respeito à condensação de toda a matéria concernente aos aspectos éticos e doutrinários sobre a exploração da biotecnologia, levando em conta as relações sociais e facilitando a interpretação e aplicação de normas atinentes à matéria. No caso específico dos OGMs, a Lei nº 11.105/2005, apesar da opinião contrária manifestada acima por Cunha (2007), é, na verdade, a ratificação da observância ao princípio da precaução, contido na Convenção da Biodiversidade Biológica (CDB) - que representa um acordo internacional de direito ambiental visando à conservação da diversidade biológica, utilização sustentável de seus componentes e participação justa e equitativa dos benefícios que derivem da utilização dos recursos genéticos - e, de forma mais incisiva, no Protocolo de Cartagena, de 2003, onde foram estabelecidas normas de segurança e mecanismos para fiscalizar as atividades que envolvem OGMs e seus derivados, institutos do qual o Brasil tornou-se signatário (AMÂNCIO e CALDAS, 2010). A cautela e prudência, ainda que pareçam exageradas aos olhos de alguns críticos, na verdade, referem-se ao cumprimento de determinadas 79 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE premissas que envolvem desde o conhecimento científico mais aprofundado acerca dos riscos, características e propriedades dos OGMs, até a apresentação de Relatório do Impacto no Meio Ambiente (RIMA), na forma como exigido pela CTNBio. É nesse aspecto que a legislação dá ênfase à competência da CTNBio, delegando à mesma poderes para a elaboração de normas e pareceres de caráter conclusivo a respeito da liberação de OGMs (VARELLA, 2005). 4. O PAPEL DA CTNBio Conforme lecionam Vieira e Vieira Junior (2005, p. p3-4), são competências exclusivas da CTNBio: Analisar as pesquisas com transgênicos e seus derivados; estabelecer normas relativamente às atividades e aos projetos relacionados e aos transgênicos e seus derivados; estabelecer, no âmbito de suas competências, critérios de avaliação e monitoramento de risco de transgênico e seus derivados; proceder à análise da avaliação de risco, caso a caso, relativamente a atividades os mecanismos funcionamento das Comissões Internas de Biossegurança (CIBio), no âmbito de cada instituição que se dedique ao ensino, à pesquisa cientifica que envolvam transgênico ou seus derivados; estabelecer requisitos relativos à biossegurança para autorização de funcionamento de laboratórios, instituição ou empresa que desenvolverá atividades relativas a transgênico e seus derivados; relacionar-se com instituições voltadas para a biossegurança de transgênicos e seus derivados, em âmbito nacional e internacional; etc. É importante frisar que, mesmo sendo um órgão consultivo e deliberativo, as decisões técnicas da CTNBios devem ser submetidas à análise de determinados órgãos de registro e fiscalização, como o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Saúde, e Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca da Presidência da República, que deliberarão sobre as decisões emanadas da CTNBios (VIEIRA e VIEIRA JUNIOR, 2005). Tal distribuição de responsabilidades deriva da própria interpretação do texto legal contido na Lei de Biossegurança, em seu art. 16, que assim esclarece, in verbis: Art. 16. Caberá aos órgãos e entidades de registro e fiscalização do Ministério da Saúde, do Ministério da 80 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Ministério do Meio Ambiente, e da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República entre outras atribuições, no campo de suas competências, observadas a decisão técnica da CTNBio, as deliberações do CNBS e os mecanismos estabelecidos nesta Lei e na sua regulamentação (BRASIL, 2005). Trazendo uma elucidação maior sobre a questão, Varella (2005) explicita que cada órgão, dentro de sua competência específica, lida com as deliberações de análises emanadas da CTNBio. Dessa maneira, cabe ao Ministério da Agricultura apreciar OGMs que se destinam à aplicação agropecuária ou agroindustrial; ao Ministério do Meio Ambiente cabe a aprovação de OGMs cujo resultado se reverta em impacto ambiental, e assim sucessivamente. Registre-se que, dependendo das circunstâncias, um OGM pode precisar da aprovação de diversos entes ministeriais, organismos ou secretarias para sua liberação. 5. O CERTIFICADO DE QUALIDADE EM BIOSSEGURANÇA (CQB) E A COMISSÃO INTERNA DE BIOSSEGURANÇA (CIBio) Trata-se de documento que atesta a aceitação, por parte da CTNBio, da proposta de pesquisa e/ou exploração comercial e industrial a produtos OGMs. De acordo com a Instrução Normativa CTNBio nº 1/1996, as entidades de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, produtivas e de prestação de serviços que atuem com OGMs e derivados, em todo o território nacional, devem submeter seus processos a este órgão consultivo e deliberativo, para emissão do CQB. Em regime de responsabilidade, cabe registrar que as entidades que desejem patrocinar ou financiar atividades dessa natureza, deverão exigir das pessoas jurídicas responsáveis por sua exploração o CQB “[...] sob pena de se tornarem co-responsáveis pelos eventuais efeitos advindos do não cumprimento dessa exigência” (BRASIL, 1996). É de responsabilidade da Comissão Interna de Biossegurança (CIBio), instalada no âmbito das entidades dedicadas a atividades com OGMs, na forma do que dispõe o art. 17 da Lei nº 11.105/2005, que assim preceitua: Art. 17. Toda instituição que utilizar técnicas e métodos de engenharia genética ou realizar pesquisas com OGM e seus derivados deverá criar uma Comissão Interna de Biossegurança – CIBio, além de indicar um técnico principal responsável para cada projeto específico” (BRASIL, 2005). 81 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Para a fundamentação do pedido de emissão do CQB, a CIBio da entidade responsável deve requerer à CTNBio, mediante análise prévia de atendimento a normas de segurança e demais exigências estabelecidas para cada caso em particular, documentação pertinente e questionário específico, indicando as condições de sua estrutura física e pessoal responsável pelo tratamento das atividades relacionadas à OGMs. De acordo com Nati e Fernandes (2012), a CIBio deve apresentar, no mínimo, três especialistas de áreas compatíveis com a atuação da instituição requerente, sendo permitida a criação de outras CBIos no mesmo ambiente institucional, de modo a atender a estrutura administrativa e técnica da entidade. Ainda na explicação dos autores supracitados, os documentos exigidos pela CTNBio à CIBio devem conter [...] informações básicas, como dados da instituição interessada, a finalidade da solicitação, indicação das atividades que serão desenvolvidas, os microrganismos que serão utilizados, a classe de risco do OGM objeto das atividades a serem desenvolvidas, a descrição das instalações, planta de localização das áreas contíguas às instalações, dados da equipe técnica, entre outros, além do requerimento de autorização para atividades em contenção com OGM e seus derivados, declaração de que a entidade dispõe de infraestrutura adequada e pessoal técnico competente para desenvolver com segurança as atividades demandadas (NATI e FERNANDES, 2012, p. 22). A participação da CTNBio envolve a análise da documentação exigida e a devida manifestação em prazo não superior a 30 dias sobre a regularidade de tal documentos, podendo, entretanto, solicitar informações complementares, bem como efetuar visitas de vistoria às instalações da requerente. Caso se constate a necessidade de apresentação de documentação complementar, o prazo pode ser estendido em até 90 dias para cumprimento das exigências (NATI e FERNANDES, 2012). Como alerta Palma (2009), a CTNBio pode, em casos de comprovada negligência aos mandamentos da CQB, interditar ou promover a paralisação imediata das atividades, podendo, em termos de gradação, até mesmo cassar a certificação obtida. Nessas condições, expede comunicação sobre o fato aos órgãos e entidades responsáveis pelo registro e fiscalização da instituição responsável pelo manuseio da OGM. Na explicação de Amâncio e Sampaio (2014), o CQB é o primeiro passo que deve ser cumprido por interessados em trabalhar produtos geneticamente 82 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE modificados. Registrando o que pede a Instrução Normativa nº 01/1996 para o alcance dessa certificação, os autores apontam os seguintes requisitos mínimos: Possuir na instituição uma CIBio – Comissão Interna de Biossegurança; constituição da pessoa jurídica; idoneidade financeira; finalidade a que se propõe e atividade a ser desenvolvida, bem como a classificação do(s) organismo(s) – Grupo I ou II, relação dos organismos que serão manipulados, descrição pormenorizada das instalações e qualificação do pessoal envolvido no projeto. Como reforça Araújo (2012), o CQB representa uma prévia autorização para funcionamento, principalmente de laboratórios, empresas ou instituições que tenham entre suas atividades o desenvolvimento de pesquisas com engenharia genética. Isso representa afirmar, por óbvio, que essas entidades alcançaram de modo satisfatório as exigências acerca de procedimentos e medidas de segurança. Em entrelinhas, pode-se descortinar também a capacidade financeira e econômica das referidas entidades, ante a possibilidade de ter que reparar danos em função de suas atividades com OGMs. CONCLUSÃO A CTNBio é um órgão consultivo e deliberativo, cuja constituição leva em conta os princípios da precaução e o respeito aos pressupostos do Biodireito e da Bioética, na forma como preconizado pela Lei nº 11.105/2005. Tal argumentação leva em conta o fato de que este organismo é o principal responsável pela certificação de entidades interessadas em exercer atividades na área de biotecnologia, mais precisamente em atividades com OGMs. Dessa maneira, a certificação leva em conta uma série de medidas e critérios a serem adotados pelas entidades solicitantes, e não só isso: para a manutenção da certificação, outras medidas fiscalizadoras se colocam como necessárias, garantindo-se, assim, a manutenção dos elementos que permitiram a obtenção do CQB, necessários para garantir o respeito aos princípios da Bioética e do Biodireito. 83 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE REFERÊNCIAS ALMEIDA, Aline Mignon de. Bioética e biodireito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. AMÂNCIO, Mônica Cibele; CALDAS, Ruy de Araújo. Biotecnologia no contexto da Convenção de Diversidade Biológica: análise da implementação do Art. 19 deste Acordo. 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Casa Civil. Lei Federal nº 11.105, de 24 de março de 2005. Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1o do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança – PNB, revoga a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da Lei no 10.814, de 15 de dezembro de 2003, e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da União, 2005. BRINGEL, Elder Paes Barreto. A Lei de Biossegurança e a declaração de sua constitucionalidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1970, 22 nov. 2008. 84 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/11999>. 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Curitiba: Juruá, 2005. 86 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A FUNÇÃO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL CONFORME A ORDEM CONSTITUCIONAL BRASILEIRA ENVIRONMENTAL EDUCATION AND THE MEDIA’S FUNCTION ACCORDING TO THE BRAZILIAN CONSTITUTIONAL ORDER Cyro Alexanderde Azevedo Martiniano Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Amazonas. Especialista em Direito Tributário pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas - CIESA. Especialista em Direito Notarial e Registral pela Universidade Anhanguera/Uniderp. Mestrando em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Funcionário Público do Estado do Amazonas. Ygor Felipe Távora da Silva Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Amazonas. Bacharel em Administração pela Universidade Federal do Amazonas. Especialista em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Direito Previdenciário pelo Centro de Universitário de Ensino Superior do Amazonas – CIESA. Mestre em Gestão de Áreas Protegidas da Amazônia pelo Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia - INPA. Mestrando em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas. Resumo: o interesse pela preservação ambiental tem sido cada vez maior no cenário nacional e internacional. O estudante do Direito entende com certa facilidade que o meio ambiente é ubíquo, mas em relação à população em geral, não é possível se afirmar que o “grito ecológico” encontre o mesmo eco. O meio mais contundente para se atingir todas as camadas da sociedade brasileira é a radiodifusão sonora e de sons e imagens (rádio e TV). O objetivo da pesquisa é apresentar o contexto constitucional da comunicação social considerando seu papel para a efetivação da Educação Ambiental. Considerando que a Lei Maior preconiza a promoção do bem de todos, buscaremos transmitir os conceitos básicos relativos ao direito fundamental à educação e à função dos serviços da comunicação social. A metodologia empregada foi a pesquisa bibliográfica com método indutivo e qualitativo, apoiada na doutrina, legislação e jurisprudência e notícias da mídia. Palavras-Chave: educação; meio ambiente; comunicação social. Abstract: The interest in environmental conservation has been increasing in the national and international scene. The law student understands quite easily that the environment is ubiquitous, but for the population in general, cannot be said that the “ecological cry” find the same echo. The most forceful means to 87 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE reach all sections of Brazilian society is the radio broadcasting and sound and image (radio and TV). The objective of the research is the present constitutional context of media considering their role in the realization of environmental education. Whereas the Major Law calls for the promotion of the good of all, we seek to convey the basic concepts of the fundamental right to education and the role of media services. The methodology used was the bibliographical research with inductive and qualitative method, based on doctrine, legislation and jurisprudence and media news. Keywords: education; environment; Social Communication. INTRODUÇÃO Após as primeiras digressões sobre o assunto da pesquisa, mister esclarecermos que a demanda ecológica constitui um direito transcendental. Não afeto apenas à localidade onde ocorreu a degradação, pois a poluição não reconhece fronteiras. Se pretendermos construir um Estado Social, precisamos ter a consciência de que, em termos ambientais, a coletividade pode ser desde as pessoas de uma pequena comunidade até a população mundial. De sorte que todos os meios devem ser empregados para coibir as práticas lesivas ao meio ambiente, assim como recuperá-lo. As ações governamentais de fiscalização e repressão ao poluidor são necessárias, mas não suficientes para minimizar a agressão ambiental. Assim justifica-se essa pesquisa, porquanto um país forte faz-se com um povo educado, conhecedor das implicações dos danos ecológicos, entre outras coisas. E como atingiremos esse nível de consciência, senão através dos meios de comunicação de massas, haja vista as peculiares condições do Brasil? 1. DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO Vamos iniciar esta pesquisa compreendendo o alcance do direito à educação. Para isso temos que buscar a fonte primária em nosso ordenamento jurídico: a Constituição Federal de 1988. No caput do artigo 6º da CF/88 verifica-se que o constituinte tratou do tema elevando a educação à categoria de direito social fundamental. Os direitos sociais representam a segunda dimensão dos direitos e garantias fundamentais inspirada no ideal de igualdade. Como consequência da evolução da sociedade e a consolidação dos direitos e garantias de primeira dimensão, representados pelo valor maior da liberdade, os direitos sociais surgem como forma de impedir a dominação econômica das classes menos favorecidas. É o momento em que o Estado Liberal cede espaço para o Estado Social; o 88 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE direito privado é suplantado pelo direito das massas. O pensamento dominante reflete a necessidade de se garantir o desenvolvimento das pessoas através da educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção á maternidade e à infância e assistência aos desamparados. Neste mister, o sistema liberal que inibia a atuação estatal, provocou o aumento da desigualdade, que obrigou uma transformação da igualdade formal e material, para que não somente uma pequena parcela da população pudesse desenvolver-se, mais sua totalidade. Nas palavras de Bonavides (1980, p. 343): “O Estado social é enfim Estado produtor de igualdade fática. Trata-se de um conceito que deve iluminar sempre toda hermenêutica constitucional, em se tratando de estabelecer equivalência de direitos. Obriga o Estado, se for o caso a prestações positivas; a promover meios, se necessários, para concretizar comando normativos de isonomia.” O objetivo dessa classe de direitos é fazer o indivíduo se sentir inserido no contexto de desenvolvimento nacional, de forma que esteja encorajado a se empenhar em prol do seu Governo. O Estado abandona a ideia de privilegiar as elites e pretende agora, com as políticas sociais, o desenvolvimento de todos, como se depreende do inciso IV do artigo 3º da CF/1988. Tanto que os artigos 205, 227, caput e 229, todos da CF/1988, estabelecem que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família. Ou seja, o Estado e a família têm a obrigação comum de educar. Daí podermos falar em responsabilidade comum de ambos. Os direitos sociais têm um caráter eminentemente positivo, impondo ao Poder Público ações concretas, além do próprio aspecto regulador. Não é aceitável apenas criar normas, mas, principalmente, efetivá-las. No âmbito desse Estado, de caráter prestacional, a positivação jurídica de valores sociais passou a servir de base não apenas à interpretação de toda a Constituição, mas à criação, direção e regulação de situações concretas. Neste contexto, as leis, no seu sentido de normas abstratas gerais, deixam de ser o instrumento por excelência do Estado, uma vez que a promoção de seus objetivos sociais e a realização do princípio democrático, em sua materialidade, demandam intervenções por meio de políticas públicas. Nas palavras sintetizadoras do professor Badr (2011, p. 20): “Assim, a educação como um direito fundamental é predominantemente associada a prestações positivas, 89 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE sobretudo do Estado, mas também da família e da sociedade... Os direitos sociais abarcam um sentido de igualdade material que se realiza por meio de atuação estatal dirigida à garantia de padrões mínimos de acesso a bens econômicos, sociais e culturais a quem não conseguiu a eles ter acesso por meios próprios”. Entendida a natureza jurídica da educação como direito social fundamental e quem são os responsáveis por essa obrigação, o próximo passo é alcançarmos o conceito dela. Aproveitando ainda o artigo 205 da CF/1988, temos que o objetivo da educação é promover o desenvolvimento pleno da pessoa, e também prepará-la para o exercício da cidadania e para o mercado de trabalho. Pensando mais amplamente, se os indivíduos de um grupo social desenvolverem suas aptidões, então serão reduzidas as desigualdades sociais, a marginalização e a pobreza, tanto no aspecto material quanto intelectual, objetivos fundamentais da nossa República (art. 3º, inc. III da CF/1988) O desenvolvimento pleno do indivíduo é um conceito jurídico indeterminado caracterizado por amplo subjetivismo e autonomia individual. Arriscando algumas ponderações sob esse aspecto, podemos entender que o desenvolvimento pleno de cada pessoa somente ocorrerá se ela tiver oportunidades de escolhas na sua vida e para tanto é importante que tenha um mínimo de instrução para poder se integrar na sociedade. Todo aquele que se sentir excluído do seio social e impotente diante dos desafios para garantir sua existência, não pode se sentir plenamente desenvolvido, muito menos apto para reagir diante das adversidades. A educação tem o condão de estimular e capacitar a pessoa para perseguir o seu mínimo existencial, subjetivamente falando. Por outro lado, o Estado tem a obrigação objetiva de disponibilizar para todos o mínimo de instrução para garantir o desenvolvimento nacional, atendendo o inciso II do artigo 3º da CF/1988. No que tange ao exercício da cidadania, a educação deve ser o instrumento que permite ao cidadão, aquele que detém direitos e deveres políticos, de participar conscientemente da vida política do país. Então não basta saber ler e escrever, é importante que todos desenvolvam um juízo crítico em relação aos seus representantes políticos e tenham conhecimento dos instrumentos jurídicos para impedir os agentes públicos de se desviarem da função administrativa do interesse social. Quase vencida a luta contra o analfabetismo primário, agora o país se insurge contra o analfabetismo funcional, aquele que impede que o indivíduo tenha convicções livres de influências econômicas e políticas. É quando a 90 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE pessoa lê, escreve, mas não consegue processar o que está sendo transmitido. O efeito indesejado dessa situação é a manipulação das massas pelos governantes inescrupulosos. Em síntese, a educação deve permitir o juízo racional da realidade em todos os seus aspectos, notadamente o econômico, o político e o social. Para ilustrar o texto acima, citamos o § 1º do artigo 37 da CF/1988, pelo qual a publicidade das ações governamentais deve se ater a educar, informar ou orientar a sociedade, vedada qualquer forma de promoção de figuras políticas. Em relação à preparação que a educação deve proporcionar para a vida profissional, é fundamental que os jovens e adultos em idade produtiva tenham a capacitação adequada para as diversas tarefas que envolvam o desenvolvimento sustentável de uma nação. Então o Governo em associação com a iniciativa privada devem promover ações para garantir a existência de mão-de-obra qualificada para atender às novas expectativas do mercado. O que não impede que haja ações isoladas. O importante é a transferência de conhecimentos adquiridos para que as gerações futuras compartilhem as experiências das gerações passadas e presentes em termos ambientais. Pelo exposto, fica claro qual é o objetivo de educar. Mas surge a questão: o que é o ato de educar para fins jurídicos? Já sabemos que é um direito fundamental inerente à ordem social e explicitamos o que se pretende alcançar. A forma pela qual se concretizam esses objetivos é justamente a essência da educação, que se pode definir como o meio apto a transmitir os conhecimentos, as tradições e valores inerentes a um corpo social, ou seja, sua cultura. Sua proteção tem, pois, uma dimensão que ultrapassa, e muito, a consideração de interesses meramente individuais. Assim, embora a educação, para aquele que a ela se submete, represente uma forma de inserção no mundo da cultura e mesmo um bem individual, para a sociedade que a concretiza, ela se caracteriza como um bem comum, já que representa a busca pela continuidade de um modo de vida que, deliberadamente, se escolhe preservar. Conforme Freire (1996, p.71) , a educação transforma o ser humano e nas suas palavras: “Diante de um processo de libertação encontramos o educando como homem e mulher pensante, determinado, que se identifica no meio em que é inserido. O docente por sua vez, é o orientador, que direciona e conduz a aprendizagem, nunca esquecendo que ele próprio também é partícipe deste processo, também é aprendiz.” 91 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE A falha no processo de educação provoca a perda dos elementos acima citados e muitas vezes descaracteriza o grupo de indivíduos. Basta uma rápida reflexão sobre alguns comportamentos do passado que perderam muito do seu valor no presente, v.g., o respeito dos mais jovens pela experiência dos idosos e os contratos verbais baseados apenas na honra. Como demonstrado acima, a educação é dever do Estado e da família, de forma que se a cultura não está sendo efetivamente passada para as gerações seguintes, então a responsabilidade será de ambos. Conquanto os artigos seguintes da seção que trata da educação na CF/1988 (artigos 206 ao 214) tratem exclusivamente do ensino regular, como já anunciado, a educação não se restringe à escola propriamente dita. Exemplo disso é o inciso VI do artigo 225 da nossa Carta Política que prevê a necessidade de o Poder Público promover a educação ambiental e a conscientização da população sobre a necessidade de preservar o meio ambiente. Outro é o artigo 231 que reconhece aos indígenas sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, impedindo assim o processo forçado de aculturação do colonizador, modo de educação imposta. O § 10 do artigo 144 aborda a preocupação com a educação no trânsito e o inciso I do artigo 221 indica como princípio da comunicação social a preferência pela produção e programação educativa, artística, cultural e informativa. Neste trabalho enfocaremos as relações jurídicas entre o direito à educação e a função da comunicação social, notadamente na questão da preservação ambiental. Para tanto mister apreciarmos os serviços públicos de radiodifusão sonora e de sons e imagens na ordem constitucional brasileira. 2. SERVIÇOS PÚBLICOS DE RADIODIFUSÃO SONORA E DE SONS E IMAGENS Neste tópico trataremos do serviço público de radiodifusão. O qual consiste, basicamente, na transmissão de informação através de frequências eletromagnéticas. Pela radiodifusão informações como sons, imagens e dados, são transmitidas na forma de ondas elétricas e, quando captadas por um conversor, são transformadas novamente às formas originais. Nos anos 90, seguindo o programa do Governo Federal de reforma do Estado, foi publicada a EC n.º 08/95, que alterou o artigo 21, incisos XI e XII da CF/1988, tratando em incisos distintos os serviços de radiodifusão e de telecomunicações. Foi incluída a previsão de criação de um órgão regulador para normatizar e fiscalizar a exploração dos serviços de telecomunicações, que seriam abertos à exploração por empresas privadas mediante concessão, permissão ou autorização. Conforme o artigo 21, inciso XII, alínea “a” da CF/1988, compete à União “explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, 92 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens”. Decorrência da competência material, o constituinte outorgou também à União a competência privativa para legislar sobre telecomunicações e radiodifusão (artigo 22, inciso IV da CF/1988). Bastante coerente a opção do legislador, pois aquele que detém a competência para dispor do serviço público deve ter a competência para regulamentar o seu exercício. A CF/1988, em seu artigo 223, determina que o Congresso Nacional deva apreciar todas as outorgas e renovações de outorgas de emissoras de radiodifusão complementando o artigo 49, inciso XII do texto constitucional. Ademais, importa anotar que o § 4º do artigo 223 da Carta Magna trata de forma singular sobre o cancelamento de concessão ou permissão, antes de vencido o prazo de vigência, o qual dependerá de decisão judicial. Destarte, a radiodifusão é o único serviço que, outorgado ao particular pela Administração, tem a extinção unilateral da concessão ou permissão, antes de decorrido o prazo de vigência, condicionada ao Poder Judiciário. O prazo de vigência das concessões e permissões, nos termos do artigo 223, § 5º da CF, é de dez anos para as emissoras de rádio e de quinze para as de televisão. Tal previsão também é encontrada no artigo 33, § 3º do Código Brasileiro de Telecomunicações - CBT e no artigo 27 do Decreto 52.795/1963, de onde se extrai que esses contratos poderão ser renovados por igual período, dependendo de decisão do Estado. Por fim, estabelece o § 2º do artigo 223 da CF/1988 que a não renovação dos contratos dependerá de aprovação de, no mínimo, dois quintos do Congresso Nacional, em votação nominal. A questão é: algum parlamentar se oporá à renovação, haja vista o poder de formação de opinião pública dos meios de comunicação? Um outro aspecto que merece destaque diz respeito à “propriedade” das frequências concedidas e à da propriedade dos meios de comunicação por radiodifusão. Não existe confusão, pois a propriedade das frequências por um particular é juridicamente impossível, sendo concedido pelo Estado apenas a sua exploração, por prazo determinado e mediante condições previstas no CBT, no Regulamento dos Serviços de Radiodifusão e na própria CF/1988. Por outro lado, mister observarmos que existe a propriedade privada dos meios de produção e de transmissão de conteúdo, por meio dos quais atuam as empresas privadas nos meios de comunicação. Ou seja, a União detém o domínio do espectro eletromagnético, enquanto os meios de difusão podem ser privados. Justificando o que foi abordado acima, dispõe o parágrafo único do artigo 24 do Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (Decreto Federal n.º 52.795/63) que “em qualquer caso, as frequências consignadas não constituem direito de propriedade da entidade, incidindo sempre sobre as mesmas o direito de posse da União”. 93 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE A radiodifusão, segundo a legislação brasileira, compreende os serviços destinados a serem recebidos direta e livremente pelo público em geral e é dividida em radiodifusão sonora (rádio) e radiodifusão de sons e imagens (televisão). Citando o artigo 211 da Lei n.º 9.472/1997 (Lei Geral das Telecomunicações - LGT), a outorga dos serviços de radiodifusão está excluída da jurisdição da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), permanecendo no âmbito de competências do Ministério das Comunicações. Isso implica que os interessados em explorar serviços de rádio ou televisão devem procurar o referido ministério. A LGT provocou profundas mudanças em relação ao regime jurídico anteriormente vigente. Por abrir o mercado para a iniciativa privada, eliminou a obrigatoriedade de prestação dos serviços de telecomunicações diretamente pelo Estado ou por empresa controlada pelo ente estatal. A LGT distingue dois regimes jurídicos próprios de prestação de serviços de telecomunicações: o regime público (artigo 79 e seguintes da LGT), prestado mediante concessão ou permissão, em consonância com o disposto no art. 175 da Constituição, sujeito a obrigações de universalização e continuidade; e o regime privado (artigo 126 e seguintes da LGT), prestado mediante autorização por prazo indeterminado, fundamentado nos princípios constitucionais da atividade econômica e inspirado na ideia de “mínima intervenção na vida privada”. Uma pesquisa formulada em 2007 pelo Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica – PROCEL – intitulada “Pesquisa de Posse de Equipamentos e Hábitos de Consumo” concluiu que: “O aparelho eletroeletrônico mais presente nos lares brasileiros é a televisão, com 97,1% deles contando com pelo menos uma TV, superando o refrigerador, que pode ser encontrado em 96% das casas. A força da televisão pode ser medida por outro dado: a média do número de televisores por residência é de 1,41, ou seja, há mais de um aparelho do tipo por casa”40. Em outra linha de argumentação, percebemos que o brasileiro é um povo pouco leitor. Dados de uma pesquisa nesse sentido revelam: “O brasileiro está lendo menos. É isso que revela a pesquisa Retrato da Leitura no Brasil, divulgada nesta Trecho extraído do sítio eletrônico da Eletrobrás, em artigo de título “Procel apresenta pesquisa sobre posse e uso de equipamentos elétricos”, de 18.04.2007. Disponível em http://www.eletrobras. com. Acessado em 14/05/2015. 40 94 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE quarta-feira pelo Instituto Pró-Livro em parceria com o Ibope Inteligência. De acordo com o levantamento nacional, o número de brasileiros considerados leitores - aqueles que haviam lido ao menos uma obra nos três meses que antecederam a pesquisa - caiu de 95,6 milhões (55% da população estimada), em 2007, para 88,2 milhões (50%), em 2011”41. Não se pode olvidar que os veículos de radiodifusão são centrais à função de informar a população brasileira, pois nenhum outro meio comunicativo tem tamanha penetração nos domicílios como os de radiodifusão. Sendo assim, é pertinente que tais serviços sejam eleitos como públicos pelo Estado, pois podem (e devem), efetivamente, satisfazer interesses gerais de veiculação de conteúdos de caráter educativo, artístico, cultural e informativo, promovendo a cultura nacional e regional. Apresentadas algumas características mais marcantes do serviço público de radiodifusão, em seguida veremos os princípios norteadores da comunicação social. Então poderemos ter uma visão completa do sistema de difusão de informações que contribuem sobremaneira para a educação das pessoas, fato reconhecido pelo constituinte de 1988. 3. PRINCÍPIOS REGULADORES DA COMUNICAÇÃO SOCIAL A comunicação social recebeu tratamento especial pelo legislador constituinte originário, que dedicou um capítulo inteiro para a matéria no título “Da Ordem Social”. Não poderia ser de outra forma, pois a função, ou poder, da comunicação influencia diretamente na organização da sociedade, e na transferência, formação e disseminação de valores. Ela envolve todo e qualquer tipo de meio hábil a transferir informações e entre os mais importantes está justamente o rádio e a televisão. Como abordado acima, a titularidade do serviço de radiodifusão é da União, que estabelecerá os critérios de outorga do mesmo, assim como a sua regulação e fiscalização. Começando então pelo texto constitucional o artigo 220 trata da liberdade de expressão relativa aos meios de comunicação, deixando assente que apenas a CF/1988 poderá restringir a manifestação de pensamento, a criação, a expressão e a informação. E em seguida estabelece no § 3º do inciso II do artigo citado que “compete à lei federal estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à Por Nathalia Goulart em 29/03/2012 às 21:20 no sítio eletrônico http://veja.abril.com.br/ noticia/educacao/habito-de-leitura-no-brasil-cai-ate-entre-criancas. Acesso em 30/05/15. 41 95 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente”. Em relação à proteção das pessoas e da família podemos citar o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, que prevê medidas de prevenção especial para os jovens nos artigos 70 ao 80. O artigo 71 reconhece a necessidade de proteção das pessoas em desenvolvimento da sua personalidade devido a essa peculiar situação de vulnerabilidade. Ênfase também para o artigo 76 que determina às emissoras de rádio e televisão a exibição de programas educativos, artísticos, culturais e informativos no horário recomendado para o público infanto-juvenil. Além de outros legitimados, o ECA incumbe o Ministério Público de promover o inquérito civil e a ação civil pública para defender os direitos individuais, coletivos e difusos das crianças e adolescentes, conforme a leitura do artigo 201, inciso V. Interessante observarmos que o ECA trata como infração administrativa punindo com multa aqueles que não atenderem ao caráter preventivo que deve haver em relação à exibição de espetáculos, filmes, trailer, peça, amostra ou congênere para crianças e adolescentes (artigos 252 ao 258 do ECA). Nesse sentido, o Poder Concedente (União) tem a competência para fiscalizar e aplicar as multas que sejam necessárias. Por outro giro, vemos que tem sido significativo o esforço do Governo para combater a propaganda dos produtos que causam mal à saúde. Reforçando mais essa ideia citamos o § 4º do artigo 220 da CF/1988 que determina a advertência dos malefícios à saúde na propaganda de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias. Tanto a questão da classificação dos programas de rádio e televisão quanto à advertência ao uso maléfico dos produtos citados têm sido objeto de ação de fiscalização dos órgãos públicos. Mas e a questão ambiental? Embora haja sua previsão constitucional, é possível afirmar com relativo grau de certeza que ainda precisamos de mecanismos mais eficazes de regulação e controle da função da comunicação social visando consolidar esse preceito da CF/1988. Essa abordagem será desenvolvida no próximo parágrafo. O artigo 221 da CF/1988 aponta quais os princípios balizadores da programação das emissoras de rádio e televisão. Para o presente trabalho importante destacarmos os incisos I ao III, que se referem à preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; à promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação, e à regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei. 96 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Quando a Carta Política indica que os conteúdos dos programas de rádio e TV devem ter objetivos educativos, artísticos, culturais e informativos fica cristalino o anseio do legislador em priorizar o direito à educação do povo brasileiro. Mostra ao intérprete o aspecto de coesão do texto constitucional. E como os princípios da CF/1988 devem ter máxima efetividade, então não podemos entender a educação apenas sob o ponto de vista regular, mas toda e qualquer forma de transmissão de conhecimentos e valores. Sensível à realidade brasileira continental com diversas culturas que coexistem pacificamente, vai além o constituinte, entendendo que a programação deve buscar a regionalização da sua produção com características da localidade. Isso demostra que não adianta a imposição de modelos culturais quando na região já houvesse um núcleo social com suas próprias peculiaridades. Por fim, imprescindível tratarmos do princípio da complementaridade dos sistemas público, privado e estatal à luz do artigo 223 da CF/1988. Uma leitura do texto indica, sem margem à dúvida, que o princípio deve ser aplicado pelo Poder Executivo como critério para a outorga e renovação de concessões, permissões e autorizações de radiodifusão. Está explícito que existem três sistemas de radiodifusão, isto é, os sistemas privado, público e estatal: o serviço público privativo do Estado (sistema de radiodifusão estatal), o serviço público não privativo (sistema de radiodifusão público) e a atividade econômica em sentido estrito (sistema de radiodifusão privado). Essa exigência permite a harmonia e colaboração entre as estruturas de comunicação social. Usando outras palavras, garante-se o equilíbrio apropriado entre os campos de comunicação social com funções diferenciadas, porém, complementares, haja vista as diferenças de fundamentos, evitando-se, assim, distorções arbitrárias no processo de comunicação social. Basta imaginarmos como seria nossa sociedade se assistíssemos, ou ouvíssemos, apenas a programação segundo a verdade do Governo atual? Como formaríamos uma opinião crítica sem conhecer a outra versão dos fatos? Os serviços públicos consistem em importante mecanismo de garantia dos direitos fundamentais. Alerte-se, contudo, que não se trata do único meio de satisfação dos mesmos. No sistema de radiodifusão estatal, há maior espaço para a realização do direito dos cidadãos à informação de caráter institucional e, ao mesmo tempo, de cumprimento do dever do Estado em termos de comunicação institucional. Isto implica na possibilidade de criação e manutenção de canais de televisão para atendimento da referida obrigação. Por sua vez, no sistema privado há maior autonomia privada das emissoras de televisão quanto à execução dos aludidos direitos em função de sua liberdade de radiodifusão e, consequentemente, sua liberdade de programação. O sistema público acaba sendo o meio intermediário desses objetivos, pois concentra ambas possibilidades, tanto estatais quanto privadas. 97 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE A compreensão da autonomia privada deve nos conduzir a sua evolução conceitual para equilibrar interesses, podendo ser dirigida e controlada pelo Estado. Citando o prof. Badr (2011, pág. 89), verifica-se que “a juridicidade do ato ou da relação é aferida pela dignidade do interesse em causa, sendo essa dignidade um juízo normativo informado por critérios supraindividuais”. Então, ainda que os meios de comunicação se revistam de caráter privado, o aspecto social do Estado representa direito inalienável e indisponível. Vistos os princípios valorativos da função da comunicação na ordem social brasileira, o próximo tópico será dedicado para uma reflexão sobre a questão específica da educação ambiental e suas implicações no direito fundamental à educação, considerando a decisiva influência da comunicação social nesse contexto. 4. O PRINCÍPIO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL A base constitucional desse preceito encontra-se precisamente no inciso VI do § 1º do artigo 225 da CF/1988, pelo qual é incumbência do Poder Público promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente, como forma de defender e garantir o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as gerações presentes e futuras. A primeira pergunta que surge é se somente o Poder Público tem esse dever? A resposta deve ser negativa, pois toda norma constitucional deve ter ampla efetividade e, ademais, o legislador constitucional não empregou o termo “somente” ou “só”. Dessa forma o entendimento que melhor atinge o objetivo da preservação ambiental alcança também o setor privado, já que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é dever de todos (coletividade e Poder Público). Como foi visto nos tópicos anteriores, a comunicação social deve ter como princípio a preferência por finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas. Também já foi apontado nesse trabalho o princípio da complementaridade dos setores público, estatal e privado, que estão submetidos aos comandos da CF/1988. Dessa forma pode-se concluir que a atividade de educação deve abranger a demanda ambiental como forma de se garantir a própria ordem social brasileira. Não podemos pensar em organização social sem mentalidade de preservação do meio ambiente. E para atingirmos esse objetivo mister a participação dos meios de comunicação para educar a sociedade. Por isso o legislador infraconstitucional editou a Lei nº 9.795 de 1999 que institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. 98 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE O artigo 1º dessa norma prescreve que a educação ambiental deve ser entendida como os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade. Ao falarmos de coletividade, impende lembrarmos dos movimentos sociais brasileiros, como o caso dos seringueiros no Acre, das quebradeiras de coco do Babaçu no Maranhão, os catadores de lixo etc, que têm um papel muito importante na política ambiental e, sendo assim, precisam de esclarecimentos nesse sentido. Por isso que Carvalho (2004, p. 152), entende que: “A intensificação do diálogo com os movimentos sociais tem ampliado a interface entre a esfera educacional e os acontecimentos socioculturais. E isso tem ocorrido não apenas com relação ao ambiente, mas também no caso de outras educações de fronteira, como a educação para a paz, a educação de gênero, a educação para os direitos humanos, etc. O que essa educações têm em comum é o fato de tratarem questões emergentes da vida social em uma perspectiva interdisciplinar...” Com a definição acima podemos então concluir que o objeto da educação ambiental é antes de tudo a conscientização do indivíduo e do grupo social acerca da necessidade de conservarmos e preservarmos o ambiente em que vivemos, seja ele natural, cultural ou laboral. E a educação desenvolve as aptidões necessárias para que se alcance esse desiderato. Não é por outra razão que o Programa Nacional de Educação Ambiental – ProNEA, justifica que “As estratégias de enfrentamento da problemática ambiental, para surtirem o efeito desejável na construção de sociedades sustentáveis, envolvem uma articulação coordenada entre todos os tipos de intervenção ambiental direta, incluindo neste contexto as ações em educação ambiental” Arremata o artigo 2º da Lei de Educação Ambiental – LEA dispondo que é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal. Ou seja, é a consagração do caráter universal e geral da educação, de forma que um Governo que não incentiva a educação é o mesmo que um comandante que não sabe o rumo de seu navio. E quando não se sabe onde chegar, então qualquer caminho seria válido. 99 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Reforçando o que foi exposto nas linhas anteriores, o artigo 3º, incisos I e IV da LEA estabelece que: “Como parte do processo educativo mais amplo, todos têm direito à educação ambiental, incumbindo: I - ao Poder Público, nos termos dos artigos 205 e 225 da Constituição Federal, definir políticas públicas que incorporem a dimensão ambiental, promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e o engajamento da sociedade na conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente, e IV - aos meios de comunicação de massa, colaborar de maneira ativa e permanente na disseminação de informações e práticas educativas sobre meio ambiente e incorporar a dimensão ambiental em sua programação”. Os incisos acima demonstram claramente que todos os setores da sociedade, primário, secundário e terciário, devem se engajar na educação ambiental, única forma de garantir o desenvolvimento em bases sustentáveis do país. Nossa ênfase é para o papel da comunicação social nesse cenário, merecendo aplausos a iniciativa de incluí-la no texto legal. E como deve ser a abordagem desse tema por quem promove a comunicação de massas? A resposta é simples e já foi definida pelo legislador no inciso VII do artigo 4º da LEA, segundo o qual a questão ambiental merece atenção em termos locais, regionais, nacionais e globais. É o reconhecimento da natureza ubíqua do meio ambiente, que transcende as delimitações políticoterritoriais, espalhando seus efeitos sobre tudo e sobre todos. Ilustrando o que foi dito, destacamos novamente a seguinte preocupação do ProNEA: “Nesse contexto, em que os sistemas sociais atuam na promoção da mudança ambiental, a educação assume posição de destaque para construir os fundamentos da sociedade sustentável, apresentando uma dupla função a essa transição societária: propiciar os processos de mudanças culturais em direção à instauração de uma ética ecológica e de mudanças sociais em direção ao empoderamento dos indivíduos, grupos e sociedades que se encontram em condições de vulnerabilidade em face dos desafios da contemporaneidade”. 100 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Se a abordagem ambiental deve ser a mais ampla possível pelos meios de comunicação, então quais os objetivos pretendidos pela nossa política de educação ambiental? Mais uma vez, simplificando o trabalho do intérprete, a LEA no artigo 5º dispõe claramente sobre a matéria. Destaque para os incisos II, III e VII, bastante apropriados para indicar um rumo às programações de rádio e TV, quais sejam respectivamente: “I – a garantia de democratização das informações ambientais; II - o estímulo e o fortalecimento de uma consciência crítica sobre a problemática ambiental e social, ..., VII - o fortalecimento da cidadania, autodeterminação dos povos e solidariedade como fundamentos para o futuro da humanidade”. Nessa pesquisa estamos tratando então da educação não regular, ou conforme o texto da LEA, educação não formal. Pois a educação formal é aquela ministrada nas escolas, instituições de ensino públicas e privadas (artigo 9º da LEA). Em outra dimensão, para não falar em posição oposta, está o ensino não formal, direcionado para “as ações e práticas educativas voltadas à sensibilização da coletividade sobre as questões ambientais e à sua organização e participação na defesa da qualidade do meio ambiente (artigo 13 da LEA)”. A referida lei foi regulamentada por meio do Decreto Federal nº 4.281/2002. Tanto a LEA quanto seu regulamento foram tímidos no que se refere à exigência normativa. Percebemos que são normas de caráter meramente programático sem força coercitiva, haja vista não haver instrumentos sancionatórios para aqueles que a descumprem. Refletem na verdade o sistema do “soft law42” bastante peculiar ao Direito Ambiental. Tanto que o ProNEA apenas indica entre seus objetivos a promoção de “campanhas de educação ambiental nos meios de comunicação de massa, de forma a torná-los colaboradores ativos e permanentes na disseminação de informações e práticas educativas sobre o meio ambiente”, sem força cogente. Entretanto, a coletividade deve ter meios jurídicos para se defender no caso de ofensa aos direitos fundamentais, caso contrário estaríamos diante de normas sem efetividade, mormente no caso do Brasil, arraigado ao sistema jurídico do “civil law”, que se alicerça na lei devidamente positivada e codificada. Pode-se afirmar que na sua moderna acepção ela compreende todas as regras cujo valor normativo é menos constringente que o das normas jurídicas tradicionais, seja porque os instrumentos que as abrigam não detêm o status de ‘norma jurídica’, seja porque os seus dispositivos, ainda que insertos no quadro dos instrumentos vinculantes, não criam obrigações de direito positivo aos Estados, ou não criam senão obrigações pouco constringentes. 42 101 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Como nosso ordenamento jurídico permite o uso da analogia na lacuna da lei (artigo 4º do Decreto-lei nº 4.657/1942 – LINDB), então, pensando na forma preventiva do ECA em relação à programação do rádio e TV para as crianças e adolescentes, é possível aplicarmos a Ação Civil Pública (ACP) como forma de garantir a educação ambiental a todos pelos meios de comunicação social. Caso se observe que o conteúdo dos programas televisivos e de rádio pouco ou nada acrescentam em termos de educação ambiental, representado dano potencial ao meio ambiente em razão da omissão do dever constitucional de promover a educação ambiental, justifica-se a ACP preventiva de danos ao meio ambiente, pois é certo que não se deve esperar a agressão ecológica para então se agir. Na maioria das vezes, o dano é de difícil reparação ou nem mesmo será possível recuperar o meio ambiente. Cita-se o artigo 3º da Lei nº 7.347/1994 (ACP), pelo qual o objeto da ação pode ser também uma obrigação de fazer, nesse sentido, a obrigação de proporcionar a educação ambiental no rádio e TV submetidos ao regime estatal ou público, haja vista o compromisso constitucional já apresentado acima. Finalizando a explanação e justificando tudo que foi abordado, o § único do artigo 13 da LEA sintetiza a participação do Estado e dos meios de comunicação social como forma de se garantir a educação ambiental apontando como norma de conteúdo programático o dever de o “Poder Público, em níveis federal, estadual e municipal, incentivar a difusão, por intermédio dos meios de comunicação de massa, em espaços nobres, de programas e campanhas educativas, e de informações acerca de temas relacionados ao meio ambiente”. CONCLUSÃO O presente trabalho teve como objeto o estudo e pesquisa da temática educacional ambiental em função da comunicação social, segundo a ordem constitucional brasileira. Iniciamos abordando a educação como direito fundamental de natureza social, dever do Estado e da família. Vimos quão importante é para o desenvolvimento de uma nação a questão da educação que visa principalmente ao desenvolvimento pleno do indivíduo, preparo para o mercado de trabalho e para o exercício da cidadania. Em seguida foi apresentado um panorama jurídico dos serviços públicos de radiodifusão sonora e de sons e imagens. Conquanto sua titularidade pertença à União, do que decorre a sua competência para legislar e atuar incisivamente nesse setor, enfatizamos o seu caráter misto estatal, público e privado. Nesse contexto partimos para a avaliação dos princípios reguladores da comunicação social, notadamente aqueles que visam à defesa da sociedade 102 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE contra a propaganda nociva ao meio ambiente e a preferência à finalidade educativa do rádio e da TV. Com a conexão do caráter educativo e preventivo dos meios de comunicação de massa, passamos à abordagem do princípio constitucional da educação ambiental, dever do Estado e da sociedade e compromisso para a preservação do meio ambiente. Sob essa ótica foi analisada a Lei de Educação Ambiental, norma programática, que trata de maneira muito clara a necessidade de engajamento do setor da comunicação social com a demanda ecológica. Temos as leis, temos os meios, mas será que o Poder Público, assim como a coletividade, tem efetivado o cumprimento do dever constitucional de promover a educação ambiental? Se não o fazem, não é por falta de regulamentação, pois podemos finalizar declarando que existem meios jurídicos hábeis à promoção dessa modalidade de educação. 103 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE REFERÊNCIAS BADR, Eid. Curso de direito educacional. 1ª ed. Curitiba: CRV, 2011. BRASIL. Constituição da República Federativa do. Congresso Nacional, Brasília, 1.988. ____. Programa Nacional de Educação Ambiental - ProNEA. Ministérios da Educação e do Meio Ambiente, 2005. ____. Lei n.º 9.472 - Lei Geral das Telecomunicações - LGT. Congresso Nacional, Brasília, 1997. ____. Lei nº 9.795 - Política Nacional de Educação Ambiental. Congresso Nacional, Brasília, 1999. BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. São Paulo: Malheiros, 1980. CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. Educação Ambiental: a formação do sujeito ecológico. São Paulo: Cortez. 2004. COMPARATO, F.K. Ensaios sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. In: MELLO, C.A.B. (Org.). Direito administrativo e constitucional: estudos em homenagem a Geraldo Ataliba. São Paulo: Malheiros, 1997. v. 2. DUARTE, Clarice Seixas. A Educação como um direito fundamental de natureza social. Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 100 - Especial, pág. 691-713, 2007. Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1996. RODRIGUES, Marcelo Abelha. Direito Ambiental Esquematizado. São Paulo. Editora Saraiva. 2013. SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo. 10ª edição. Editora Malheiros. 2013. 104 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE A COMPETÊNCIA AMBIENTAL CONCORRENTE DO MANEJO DO PIRARUCU NO ESTADO DO AMAZONAS THE COMPETENCE PIRARUCÚ ENVIRONMENTAL MANAGEMENT OF THE COMPETITOR IN THE AMAZON STATE Adriana Almeida Lima Mestranda em Direito Ambiental – Universidade do Estado do Amazonas Rayanny Silva Siqueira Monteiro Mestranda em Direito Ambiental – Universidade do Estado do Amazonas Resumo: A nova competência concorrente do Estado do Amazonas para legislar sobre o manejo do Pirarucu, investigando a aplicaçao da lei e eficacia bem como descrição de um novo modelo que se desenha. Palavras-Chave: Manejo do Pirarucu; Acordo de pesca; gestão de recursos naturais; Abstract: The new concurrent jurisdiction Amazonas State to legislate on the management of Arapaima, investigating law enforcement and effectiveness as well as description of a new model taking shape. Keywords: Pirarucu of management; Fishing agreement ; natural resource management INTRODUÇÃO O pirarucu passou de peixe dominante das pescarias Amazônidas um século atrás, a ser um peixe cada vez mais raro (VERÍSSIMO, 1895; ISAAC 1993), Mas apesar disso, o pirarucu continua sendo um peixe símbolo da Amazônia. Embora muitos outros peixes sejam importantes, como o Curimatá (Prochilodus nigricans), por exemplo (CRAMPTON, 2004) poucos peixes se destacam na sua importância como o pirarucu, sendo o peixe de maior interesse para as populações ribeirinhas. Vários estudos e análises de pesquisa e manejo têm nas últimas décadas de forma avançada sobre o conhecimento da biologia, ecologia, manejo, e conservação do pirarucu. Muitas comunidades foram de forma eficiente estudadas e manejadas ao longo dos anos, o que permitiu avaliar o conhecimento atual sobre o pirarucu na forma da aplicação legislativa e eficaz 105 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE enquanto competência para que os Estados e neste caso o Amazonas pudesse compor com a União de forma concorrente para regulamentar o manejo e a conservação do Pirarucu (Arapaima spp) dentro do contexto da Amazônia. O resultado desta pratica foi à criação do Dec. Lei 36.083/2015 que também vai possibilitar a concorrência legislativa no que tange a regulamentação do manejo do Pirarucu (Arapaima spp). O objetivo do trabalho é tratar sobre os programas a forma como funciona e regulamentação histórica do manejo do Pirarucu (Arapaima spp), enfatizando a nova concorrência que já estabelecia a constituição da República Federativa do Brasil, e foi guarnecida pela União ao Estado do Amazonas de forma concorrente para legislar sobre o manejo do Pirarucu em áreas de preservação, procriação, conservação e uso na constituição dos ambientes aquáticos que sejam de importância para reprodução, manutenção e crescimento do Pirarucu (Arapaima spp). 1. HISTÓRICO LEGISLATIVO DO MANEJO DO PIRARUCU A constituição da República Federativa do Brasil, tem como diretriz principal e como base ideológica, a regulamentação do uso e exploração de manejo de peixes existentes nos rios no amazonas, mas precisa ser vista de uma forma holística, ou seja, é necessário analisar a regulação do uso e do manejo, tendo como princípios orientadores, o aproveitamento racional e adequado ao manejo ecológico, a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente (Artigo 225 da Constituição Federal). Com este fator é necessário também que seja identificado pela delimitação consecutiva da Constituição Federal que não basta somente se prevalecer dos benefícios da legislação, se faz necessário também, ter eficiência e eficácia no provimento do manejo ecológico com fundamentação da garantia efetiva do poder público como mantenedor desta prática, bem como a preservação ao meio ambiente como bem direciona o art. 225, §1º, I, da Constituição da República Federativa do Brasil. O art. 229 e 230 da Constituição do Estado do Amazonas, trata muito semelhante ao determinado pela Constituição da República Federativa do Brasil, de que todo cidadão tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como também o direito da administração pública de defendelo e preserva-lo, constituindo nesta mesma questão conforme o art. 230 da CE, a legitimidade para agir em concorrência com a União: Art. 230. Para assegurar o equilíbrio ecológico e os direitos propugnados no art.229, desta Constituição, incumbe a o Estado e aos Municípios, entre outras medidas: 106 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE III –preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejos ecológico das espécies e ecossistemas; No entanto, é possível destacar de forma satisfatória que a legislação favorece a concorrência entre os estados e municípios levando em consideração todas regras fundamentais para o exercício do manejo. De acordo com a legislação 11.959/2009, foi instituído que a competência aos Estados e Distrito Federal para o ordenamento de pesca em aguas continentais em suas respectivas jurisdições, que visa equalizar a técnica melhor aplicada para favorecer as competências entre os Estados. Levando em conta os procedimentos da concorrência é que o Decreto Lei 140/2011 e o art. 23 da Constituição da República Federativa do Brasil, estabeleceu a cooperação entre a União e os Estados de forma respectiva em decorrência das ações administrativas que visam proteger o meio ambiente, atribuindo a competência relativa comum para administração e com esta possibilidade o Estado do Amazonas então deliberou sobre a Lei 2.713/2001 que estabeleceu as regras de política de pescaque desenvolve atividades que promovem a produção dos recursos pesqueiros com produtividade econômica equitativa. Desenvolvendo o conteúdo dinâmico da legislação na forma da concorrência foi então que o IBAMA, por intermédio de sua portaria 08/1996, regulamentou o manejo do pirarucu (Arapaima spp) no Amazonas, com o adendo de outra instrução normativa 01/2005-IBAMA que tratava de fundamentar a exploração e criava critérios e procedimentos para a pesca do pirarucu (Arapaima spp) em áreas protegidas bem como, da Instrução Normativa n. 29/2002- IBAMA que regulamenta os acordos de pesca, e por último a Instrução normativa n. 003/2007/SDS, que estabelece critérios e procedimentos também sobre acordos de pesca no Amazonas. Contudo é importante frisar que a trajetória da legislação em torno do manejo do Pirarucu (Arapaima spp), gira em torno não somente da proteção a pesca do peixe em si, mas também da preservação dos recursos naturais e o combate ostensivo a pesca ilegal também, o que resultou na chamada do Estado do Amazonas pela União para agir de forma mais efetiva na pesca e no acordo de pesca relativo ao manejo do Pirarucu, o que gerou a legislação mais atual determinada pelo Dec. n. 36.083/2015 que regulamenta a pesca do Pirarucu (Arapaima spp) no Estado do Amazonas. 2. MANEJO DO PIRARUCU E O NOVO DECRETO 36.083/2015 A finalidade Dec. n. 36.083/2015, tem caráter socioambiental por responder de forma eficaz as reivindicações das comunidades que vivem da 107 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE exploração do manejo e a regulamentação da pesca que consta inclusive no processo: 014.02660.2015. Neste ponto, o sistema de manejo vai poder abranger as áreas de preservação, procriação e conservação de áreas de uso que constituem ambiente aquático, com inclusão de lagos, paranás, canais e demais ambientais que sejam determinantes para exploração do manejo do Pirarucu. A seguir, se utiliza como exemplo algumas áreas como regra de exploração e manejo e de como ocorre. Nos últimos doze anos, o manejo participativo de pirarucu tem sido replicado em diversas regiões do estado do Amazonas e até de outros estados como Acre e Pará, como também em outros países da Pan-Amazônia como Peru, Colômbia e Guiana. Apesar das diferentes conformações que o manejo apresenta em sua expansão, continua tendo como base um mesmo princípio, o sistema de contagens de pirarucus. Isso porque tal método possibilita estimar os estoques da espécie de forma relativamente rápida e com baixo custo, se comparada a outras metodologias de estimativa de estoque da ictiofauna (CASTELLO, 2007; VIANA. 2007). No Amazonas, o IBAMA libera cota de pirarucu para nove áreas de manejo em distintos municípios do estado (BESSA e LIMA, 2010). O Instituto Mamirauá responde por duas destas nove áreas, localizadas nas RDS Mamirauá e Amanã, na região próxima a Tefé. A participação destas duas áreas foi da ordem de 45% do total de produção capturada no Estado, em 2009. Os seis sistemas de manejo de pirarucu assessorados pelo PMP/IDSM são: Jarauá, Tijuca, Maraã, Coraci, Pantaleão e Paraná Velho. Ao todo são 25 comunidades ribeirinhas envolvidas, três colônias de pescadores dos municípios do entorno e mais de mil pescadores beneficiados diretamente com o manejo. Cada sistema de manejo é responsável por definir suas regras para o uso dos recursos pesqueiros, desde que estejam em conformidade com a legislação vigente e ao plano de manejo. As regras e punições aprovadas coletivamente devem ser referendadas por um estatuto ou regimento interno. A participação dos envolvidos nas tomadas de decisão e na realização das atividades foi imprescindível para consolidação do sistema de manejo de pirarucu nas reservas. Essa participação foi se desenvolvendo de forma lenta e gradual e, cresceu ao longo dos anos na medida em que a população foi entendendo a proposta da conservação, vendo o aumento do estoque de pirarucus em seus lagos e a melhoria na renda (AMARAL, 2009). 4. A ESTRUTURA PARA A LIBERAÇÃO DO MANEJO DO PIRARUCU Para organizar-se para implementar o manejo participativo de pirarucu, se faz necessário verificar se as reuniões / assembléias estão sendo 108 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE realizadas periodicamente; se o sistema de vigilância está sendo efetivo; e se o Regimento Interno está sendo respeitado. A partir de então, devem procurar assessoria técnica para dar entrada em seu pedido de manejo, se for necessária uma autorização especial de pesca, como acontece no estado do Amazonas. Os passos a serem dados nesta FASE são os seguintes: 1. Pedido de assessoria técnica - Para dar entrada no Manejo, procure assessoria técnica dos órgãos competentes e organize todos os documentos que comprovem o cumprimento das FASES 1 e 2. 2. Vistoria da área de manejo - Os técnicos deverão fazer uma visita na área para verificar se há viabilidade de manejo na área e se os lagos têm potencial para o manejo de pirarucu. 3. Revisão do Regimento Interno - Aqui serão revistas às regras e penalidades previstas no Regimento Interno e discutidas regras específicas para o manejo de pirarucu. 4. Revisão do mapeamento dos lagos e categorias - Neste passo o zoneamento é avaliado e são definidas ou avaliadas as categorias de lagos (preservação, manutenção e comercialização). 5. Capacitações para o manejo - O grupo pode solicitar aos órgãos de assessoria técnica cursos sobre gestão compartilhada dos recursos pesqueiros, gerenciamento de associações, contagem de pirarucu, oficina de monitoramento e qualidade do pescado, auditagem das contagens e certificação de contadores. 6. Avaliação dos estoques - A avaliação é feita por meio das contagens. Os contadores - que devem ser necessariamente pescadores experientes de pirarucu - devem passar por capacitação e realizar a contagem de forma responsável. 7. Elaboração do pedido de cota - Após cumprir os passos anteriores, os técnicos que estiverem dando assessoria para seu grupo poderão elaborar um pedido de cota que deverá ser encaminhado aos órgãos competentes. No caso do Amazonas estes são IBAMA e CEUC. 8. Pesca e monitoramento - Com a autorização de pesca de pirarucu em mãos, o grupo poderá se planejar para começar a pesca e registrar todas as informações contidas nas fichas de monitoramento. Os monitores devem participar das oficinas para realizar o trabalho de forma adequada. 9. Comercialização e prestação de contas - O grupo de manejadores pode negociar sua produção com os compradores interessados e decidir se vão fechar contrato ou não. É preciso estar atento e avaliar se o grupo precisará de insumos como gelo, combustível, se o barco irá buscar a produção no flutuante de prébeneficiamento, etc. Uma vez vendido e recebido o dinheiro do pirarucu, a diretoria deve distribuir o dinheiro de acordo com o Regimento Interno (divisão de cota) e prestar conta de seus gastos por meio de notas fiscais e recibos devidamente preenchidos. 109 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE 10. Avaliação anual das atividades - A avaliação anual é um passo extremamente importante para se verificar os pontos positivos e negativos do grupo, tentando sempre melhorar. Neste momento é discutido também o pedido de cota para o ano seguinte. No entanto é importante frisar que o Estado a partir do Dec. n. 36.083/2015, começa a fazer parte desta estrutura mencionada acima, direciona para o que melhor convier como procedimento legislativo de ordem para o Estado do Amazonas. 5. PROGRAMAS DE MANEJO EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO Os Programas de Manejo de Recursos Naturais do Instituto de Desenvolvimento Sustentável no Amazonas começaram a ser desenvolvidos nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (RDSM) e Amanã (RDSA) em 1998 e 2001. Tais Programas objetivavam promover a conservação dos recursos naturais e a melhoria da qualidade de vida da população ribeirinha residente nas Reservas, por meio do manejo participativo. Os processos de manejo nos quais o governo e comunidades locais compartilham a responsabilidade na tomada de decisões, podem ser um caminho para tentar garantir a sustentabilidade dos recursos naturais na várzea (GOULDING et al., 1996; PADOCH et al., 1999). Neste sentido, o principal objetivo da Reserva Mamirauá é proteger a biodiversidade através do manejo participativo. A partir da criação dessa Reserva e da publicação do Plano de Manejo foram gradativamente aplicadas medidas restritivas e normativas destinadas a regulamentação do uso dos recursos naturais, incluindo o pirarucu, elaboradas sempre com envolvimento das comunidades. Foi também definido um Sistema de Zoneamento com áreas focal e subsidiaria e uma zona de preservação permanente circundada por zonas destinadas à exploração sustentada dos recursos pelas comunidades residentes e usuárias. Além das pesquisas, o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, co-gestor da RDSM, desenvolve atividades de extensão, apoiando a organização das comunidades e de grupos de produtores e capacitando recursos humanos (MAMIRAUÁ, 1996). Da mesma forma, o Manejo Comunitário do Pirarucu desenvolvido em Mamirauá, envolve as comunidades locais e organizações governamentais e não governamentais. Esse sistema de manejo baseia-se no levantamento anual dos estoques de pirarucus e no estabelecimento de cotas conservadoras de pesca (VIANA, 2003; VIANA, 2007). O monitoramento das populações é realizado de forma direta pelos próprios pescadores envolvidos no processo de manejo. Em 1999, uma pesquisa 110 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE desenvolvida na Reserva Mamirauá mostrou que pescadores experientes são capazes de estimar a abundância de pirarucus pelas contagens que são feitas no momento da respiração aérea dos indivíduos da espécie (CASTELLO, 2004). Essa metodologia foi validada através de levantamentos que mostraram que as contagens feitas pelos pescadores variam apenas cerca de 10% em torno do valor verdadeiro de abundância(CASTELLO, 2004; ARANTES et al., 2007). Após a implementação do manejo foram observadas mudanças em aspectos da pesca dopirarucu na Reserva Mamirauá (VIANA et al., 2004, 2007; ARANTES et al., 2006; CASTELLO2007; AMARAL, 2007). Entre outros resultados, os comprimentos médios da capturaaumentaram e a pesca de juvenis reduziu. Além disso, a população de pirarucu tem apresentado sinais de recuperação (ARANTES et al., 2006; VIANA et al., 2007). Por exemplo, na localidade onde o manejo foi inicialmente implementado a população de pirarucu em 1999 foi estimada através das contagens em 2.500 indivíduos e em 2006, em cerca de 21.000 (ARANTES et al., 2006). 6. ACORDO DE PESCA Segundo informações da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável do Amazonas, o primeiro acordo de pesca assinado no Estado, após a edição da Instrução Normativa que regulamentou esse instrumento, data de 27 de setembro de 2004, tendo sido celebrado na localidade do Rio Urini, Barcelos. Por meio da Instrução Normativa Conjunta n. 02, entre o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas - IPAAM e o IBAMA, foram zoneadas áreas para pesca de subsistência, comercial e esportiva. Atualmente os acordos de pesca no Estado somam um total de 52 Instruções Normativas espalhadas em 22 municípios. Estes acordos tem como instrumento peculiar a normatização dos critérios de conservação e uso das espécies sob o regime do manejo, tem uma função importante para o pressuposto legislativo porque o Governo Federal tem como uma de suas diretrizes básicas a gestão participativa, onde usuários e Governo tomam decisões conjuntas à cerca dos recursos pesqueiros. Na região do Médio Amazonas, a gestão participativa vem sendo implementada desde 1997. Neste ponto a Gestão Participativa da pesca que ora vem sendo implementada pelo IBAMA, baseia-se nos acordos de pesca comunitários realizados pelas comunidades ribeirinhas na tentativa de organizar a pesca em seus respectivos lagos, a partir da intensificação das atividades pesqueiras. Está fundamentada no documento “Administração Participativa: Um desafio à Gestão Ambiental”, e na portaria nº07/96, do IBAMA. É importante frisar que de um lado tem-se o Estado em seu papel constitucional 111 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE de gestor da coisa pública – regulamentar, administrar e controlar o uso dos recursos naturais – e do outro lado à sociedade civil. Dos dois lados temos posições contraditórias e tensões internas e externas que não podem passar despercebidas. Muito se fala sobre gestão participativa, no entanto faltam pesquisas que possam averiguar a efetividade dessa participação. Não é porque exista previsão legal de participação da sociedade civil que realmente ocorra essa co-gestão. Para viabilizar essa fiscalização participativa, e também atuar como educador ambiental junto à comunidade foi criado o agente ambiental voluntário. A Instrução Normativa n. 19 de 2001 do IBAMA institucionalizou a atuação desse agente e, posteriormente, em 2005, foi instituído o programa de Agentes Voluntários através da Instrução Normativa n. 66. No entanto, as organizações comunitárias e os agentes ambientais voluntários têm poderes muito limitados de fiscalização dos acordos de pesca, restritos apenas à constatação e não a autuação. Os acordos de pesca podem definir a maneira como os recursos pesqueiros serão utilizados, mas não pode definir quem pode ou não pescar. No entanto, é importante destacar que a legalidade dos Acordos de Pesca Como já foi mencionada anteriormente, de acordo com o art. 24, VI, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a competência para legislar sobre florestas, caça, pesca fauna, conservação da natureza, defesa do solo, e dos recursos naturais, poluição do meio ambiente e controle da poluição são concorrente entre União, Estados e Distrito Federal. Cabe à União estabelecer normas gerais sobre essas matérias, entre outras, o que não exclui a competência suplementar dos Estados, podendo ampliar. O favorecimento do novo Dec. n. 36.083/2015, o Estado poderá implementar melhor a estrutura base de como proceder nos critérios normativos de conservação e uso, em conjunto com a comunidade aplicando o instrumento como regra de definição dos recursos pesqueiros utilizados. CONCLUSÃO Como pôde ser constatado com o presente estudo, a regulamentação de um novo Dec. n. 36.083/2015, o Estado do Amazonas, terá uma maior possibilidade de operar nas áreas de regulamentação que tratam do manejo do Pirarucu (Arapaima spp), com a consistência do amparo da legislação que direciona para a competência concorrente, relativa o que pode esclarecer de forma eficiente e mais adequada sobre os programas de manejo, os acordos de pesca, a forma de uso das unidades de conservação, bem como poderá se retirar muitas dúvidas sobre real a participação comunitária existente, as possibilidades de efetivação e os problemas de legalidade formal pertinentes. 112 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Além disso, é preciso avançar mais nesses estudos, procurando entender como realmente a partir do decreto a implementação e a execução dos trabalhos irão acontecer. De forma que o manejo da pesca tem relevância preponderante no que tange principalmente as questões ambientais que envolvem de forma denominativa a gestão de recursos naturais da Amazônia. São de extrema necessidade análises criteriosas de iniciativas que possam contribuir para o manejo, mas desde que sejam voltados para a resolução de problemas ambientais existentes no que tange as licenças para operar os manejos que, em muitos casos, exprimem situações de disputa e pressão sobre os recursos naturais com fortes interesses econômicos envolvidos. Destaca-se que o presente estudo tem por finalidade uma tentativa de analisar a legislação de forma mais adequada e objetiva no que tange a nova formatação do Estado em relação a uma visão geral e crítica sobre o tema e análise na perspectiva jurídica da competência legislativa que regulamenta o manejo do Pirarucu pelo Estado do Amazonas. 113 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE REFERÊNCIAS AMARAL, E.S.R. 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Brasília: Ministério do Meio Ambiente e IBAMA, 2007. 115 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE AMEAÇA A SUSTENTABILIDADE DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO: O Caso da Reserva Extrativista Chico Mendes THREAT TO SUSTAINABILITY OF PROTECTED AREAS: The Case of Chico Mendes Extractive Reserve Idelcleide Rodrigues Lima Cordeiro Advogada; Mestra em Direito Ambiental pelo Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas/AM; Especialista em Administração Pública pela Faculdade da Amazônia Ocidental; Graduada em Direito pela Faculdade da Amazônia Ocidental e em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Acre. Paulo Fernando de Britto Feitoza Juiz de Direito da 1ª. Vara da Fazenda Municipal; Presidente da 1ª. Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis; Especialista em Direito Público e Privado pela Fundação Getúlio Vargas; Mestre em Direito Ambiental pelo Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas (PPGDA-UEA); Doutor em Direito das Relações Sociais (Processual Civil – PUC/SP); professor do Programa de PósGraduação em Direito Ambiental do PPGDA-UEA; autor do livro Patrimônio Cultural – proteção e responsabilidade objetiva. Resumo: Este trabalho aborda a Reserva Extrativista Chico Mendes, localizada no sudeste do Estado do Acre, criada para garantir a exploração auto-sustentável e a conservação dos recursos naturais renováveis. O estudo tem como objetivo identificar os principais fatores que vêm ameaçando a sustentabilidade da RESEX, prejudicando a finalidade da unidade de conservação de uso sustentável, que se baseia no extrativismo. O método utilizado na elaboração da pesquisa foi o dedutivo com pesquisa bibliográfica em livros, periódicos, artigos científicos, Leis e Decretos, relacionados ao tema. Conclui-se que diante do quadro existente dentro da reserva Chico Mendes medidas urgentes precisam ser adotadas para evitar o avanço de atividades que comprometam a sua sustentabilidade. Palavras-Chave: Unidades de conservação; Sustentabilidade; Reserva extrativista. Abstract: This paper addresses the Chico Mendes Extractive Reserve, located in the southeast of Acre, created to ensure self-sustainable exploitation and 116 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE conservation of renewable natural resources. The study aims to identify the main factors that have threatened the sustainability of RESEX, undermining the goals of sustainable conservation unit, which is based on extraction. The method used in the preparation of the research was the deductive with literature in books, journals, scientific papers, laws and decrees related to the topic. We conclude that on the existing framework within the reserve Chico Mendes urgent measures need to be taken to prevent the activities of breakthrough that compromise its sustainability. Keywords: Protected Areas; sustainability; Extractive reserve INTRODUÇÃO A temática ambiental é sugestiva de uma dimensão equivalente à grandeza do seu objeto – o meio ambiente - e da normatividade que este oferece. No caso brasileiro, o meio ambiente tem a dimensão de um pais continental, localizado entre dois hemisférios, ocupando área territorial que permite o concurso uma natureza diversificada e de um pluralismo cultural. Por isso mesmo, dimensionado o Brasil continental, o tema que trata das unidades de conservação e olha especialmente para a Reserva Extrativista Chico Mendes, remete o estudo ao seu vestíbulo. Faz pensar o direito ambiental como o conjunto de princípios e normas impositivas e reguladoras das atividades humanas. Atividades estas, que podem de uma forma direta ou indireta afetar a higidez ambiental, comprometer a preservação do meio ambiente, ao tempo em que afasta a sua integridade com a qual deveria ir ao encontro das gerações futuras. Consequentemente, as normas e princípios darão a possibilidade de existir um equilíbrio entre a natureza e o homem, como forma de ser resguardada a sanidade do meio ambiente, com perspectivas da continuação da humanidade para o futuro em um planeta hábil à vida. Assim sendo, o direito ambiental tem o caráter preventivo, no sentido de prevenir e afastar o mal, e até mesmo o de eliminar o risco que pode sobrepairar. Mas também, é um ramo do direito que tem uma vertente sancionadora, na medida em que disciplina a lesão ou ameaça ao bem tutelado, impondo responsabilidades ao causador do dano ou àqueles que estiverem na iminência de causá-lo. Por ser assim, quando se fala em unidades de conservação, deve o tema volver à diretiva do direito ambiental, como forma de sedimentar o juízo de valor de um sistema de proteção ao meio ambiente, que principia com um conceito, percorre normas e princípios, para disciplinar particularmente 117 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE cada caso do universo ambiental, como o atual, que ora se cuida, integrante do gênero espaços territoriais especialmente protegidos (art. 225, §1º., III, da CF) 1. PRECEITOS REGENTES DO MEIO AMBIENTE DE NATUREZA FUNDAMENTAL A Constituição Federal (CF), em seu art. 225, caput, terá dito a respeito do meio ambiente, no sentido de idealizá-lo como um valor difuso, tanto que concedeu a todos indistintamente, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do provo e essencial à sadia qualidade de vida, sendo dever imposto ao Poder Público e à coletividade defendê-lo e preservá-lo para as gerações futuras. Como se deduz, não se trata de um conceito, mas de uma declaração de direitos com encargos de guarda ou resguardo e preservação, para a continuidade do bem-estar das sucessoras desta presente geração. A preservação, como se viu, devidamente constitucionalizada, é substantivação de como deve ser a relação da humanidade com o meio ambiente, seja ele natural ou cultural, porque como se diz doutrinariamente, “o meio ambiente é assim, a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas” (SILVA, 2010). Destaca-se, com a ideia de defesa e preservação do meio ambiente, serem estas as diretivas fundamentes de todo o sistema da validade e eficácia do meio ambiente. Sem a ideia de defesa, resguardo ou ainda de proteção, não haverá como preservá-lo ou mantê-lo incólume, para a humanidade vindouro e sucessora da presente. Por isso mesmo que o art. 225 da CF, pode se revestir da norma princípio ou norma matriz, quando se reporta ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Prossegue o Capítulo do Meio Ambiente com os incisos de I ao VII, concernentes ao §1º., do citado art. 225 , da CF, que são as normas instrumentos, ou sejam, aquelas que viabilizam o comando expresso no caput com possibilidades de dar ao Poder Público autoridade para promover as políticas públicas favoráveis ao meio ambiente. Seguem-se os §§ 2º a 6º, do art. 225 da CF, que são um conjunto de determinações particulares, relacionadas com setores e objetos, que sugerem imediata proteção e regulamentação legal. Sumariamente, os incisos aos quais se fez menção, dão ao Poder Público o modo de tornar efetivo o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, na forma de preservar (I) os processos ecológica, (II) a diversidade e integridade do patrimônio genético; (VII) proteger a fauna a flora; (IV) exigir 118 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE o estudo prévio de impacto ambiental, para afastar a possibilidade de obra que comprometa a higidez ambiental; (V) controlar a produção, comercialização e o emprego de técnicas que coloquem em risco a vida e a sua respectiva qualidade, bem como o meio ambiente; (VI) promover a educação ambiental. O inciso III, impõe como obrigação do Poder Público, “definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos (....) vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifica quem sua proteção” ( BRASIL, 1988). O encadeamento feito até o presente concorre para consolidar a introdução, quando em preliminar se focou no aspecto protetivo que o meio ambiente sugeria, o que agora se confirma com o aporte constitucional referendado. No entanto, para enfeixar a seção, quando se prenuncia que as unidades de proteção confirmam suas instituições a partir de preceitos constitucionais e de princípios ambientais, que seguem na linha discursiva subsequente. Começa-se, pois, lembrando do princípio do ambiente ecologicamente equilibrado, destacando que se trata de um direito fundamental da pessoa humana, tanto assim que o art. 225, já enunciado confirmou que todos tem direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado – direito fundamental que, pelo seu enunciado, se constitui em preceito de obrigatório acatamento com a sua natureza cogente e fisionomia social de largo alcance. Prossegue-se com a natureza pública da proteção ambiental, posto que se trata de um bem de uso comum do povo, remetendo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de diligenciar com a devida responsabilidade para acatar suficientemente a CF. Por ser assim, tem se que este princípio vincula-se ao princípio do Direito Público, que consagra a primazia do interesse público, com o princípio do Direito Administrativo que consiste na indisponibilidade do interesse público. Com estas proposições e possível afirmar que a natureza pública da proteção ambiental impõe à Administração Pública zela pela integridade do meio ambiente. Continua-se com o princípio da participação comunitária, quando se pretende que a solução dos problemas ambientais devem arregimentar o Estado e a sociedade em ação conjunta, para a formulação e execução de políticas públicas ambientais. É o que menciona o art. 225, da CF, pelo qual incumbe o Poder Público e à coletividade defender e preservar o meio ambiente. Enfeixa-se o estudo basilar dos princípios, restritamente feito, trazendo ao debate o princípio da precaução. Observa-se que, sobretudo, quando se fala, em áreas especialmente protegidas a proteção remete ao principio da precaução, como forma de engrandecer a responsabilidade de todos, mesmo na superveniência de uma incerteza cientifica e ainda que se esteja vivendo uma ausência de lastro jurídico. 119 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Isto porque, o princípio da precaução corresponde à essência do direito ambiental, tratando-se de um zelo contra os riscos, que visa elidir as probabilidade de um evento danoso ou a fim de que se tenha uma margem de segurança de que o perigo está afastado. Diz- se que “o princípio da precaução se resume na busca do afastamento, no tempo e no espaço, do perigo, na busca também da proteção contra o próprio risco e na análise do potencial danoso oriundo do conjunto de atividades. Sua atuação se faz sentir, mais apropriadamente, na formação de políticas públicas ambientais, onde a exigência de utilização da melhor tecnologia disponível é necessariamente um corolário” (DERANI, 2011). 2. ESPAÇOS TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS O meio ambiente, na forma como vem sendo tratado neste texto pelo entrelaçamento dos parágrafos antecedentes com os subsequentes, é objeto de ampla proteção por parte do direito que normatiza as relações entre o meio ambiente e o homem, constituindo-se, assim, em direito do meio ambiente que se procura fazê-lo eficaz, para não comprometer a própria vida e a sua respectiva qualidade. Da proteção que a lei outorga ao meio ambiente, nota-se, com muita segurança e sentimento operativo, que a Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, disciplinou a Política Nacional do Meio Ambiente, escrevendo em seu art. 2º que, a referida política pública, estava voltada para a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, cujas metas visavam as condições do desenvolvimento sócio-econômico do país e a proteção da dignidade da vida humana. Neste contexto e com o olhar voltado para o tema ora desenvolvido, enunciou a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente princípios, dentre os quais se destacam a elevação do meio ambiente à condição de patrimônio público, para ser necessariamente assegurado e protegido em prol da coletividade (art. 2º, I), bem com a proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas (art. 2º, IV). Como instrumento efetivo da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981), foi instituída a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público federal, estadual e municipal, tais como áreas de proteção ambiental, de relevante interesse ecológico e reservas extrativistas (art. 9º., inc. VI). A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, foi alterada, ou melhor atualizada diante da Carta Federal de 1988, de tal sorte que sobreveio a Lei n. 7.804, de 18 de julho de 1989, dando ao inciso VI, do art. 9º, referido, nova redação para inserir no seu enunciado 120 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE – espaços territoriais especialmente protegidos. Acredita-se que a alteração adveio por força da própria Constituição Federal, que incumbiu ao Poder Público definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos. (art. 225, § 1º., inc. III). Todas as proposições apresentadas visam ratificar o caráter protetivo do Direito Ambiental, ao tempo que se traz ao presente um percurso que antecede a Carta Federal de 1988, quando foram instaladas as políticas públicas ambientais por meio da Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, tempo em que já era utilizada como instrumento de execução da política ambiental “a criação de reservas e estações ecológicas, áreas de proteção ambiental e as de relevante interesse ecológico, pelo Poder Público Federal, Estadual e Municipal” (redação original do inciso VI, do art. 9º., da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente). Pondera-se que, com o preceito constitucional da proteção especial a espaços territoriais definidos em todas as unidades da federação, ampliou-se e sistematizou-se de melhor forma a modalidade de proteção ambiental em áreas determinadas pelas qualidades ou peculiaridades, bem como pelas necessidades humanas de um meio ambiente favorável à sadia qualidade de vida. Tem-se, pois, em conclusão a este tópico, que os espaços geográficos ou territoriais a serem especialmente protegidos (art. 225, § 1º., III, da CF), representam um gênero do qual são espécies as áreas de preservação permanente (APPs), as reservas florestais legais e as unidades de conservação. Mais uma vez realça-se o aspecto da proteção as áreas específicas para a preservação do bem de uso comum do povo – o meio ambiente – considerado essencial à sadia qualidade de vida. 3. MACROSSISTEMAS E MICROSSISTEMA Dentre tantas classificações para agrupar a diversidades das áreas protegidas, segue-se aquela que divide os sistemas territoriais especialmente protegidos em macrossistemas e microssistemas. Macrossistemas são prenunciados na Carta Federal e por outros processos mais que consideram as extensas áreas de vegetação protegidas pela União, com a dimensão que abrange um ou mais estados. São os macrossistemas ou biomas representações de “grandes ecossistemas que compreendem várias comunidades bióticas em diferentes estágios de evolução, em vasta extensão geográfica” (MILARÉ, 2001). Ademais, por necessidade ecológica, “os biomas apresentam intensa e extensa interação edáfica e climática, definindo assim as condições ambientais características. É a unidade ecológica imediatamente superior ao ecossistema. Há biomas terrestres e aquáticos” (MILARÉ, 2001). 121 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE A Constituição Federal reservou à Floresta Amazônica Brasileira, à Mata Atlântica, à Serra do Mar, ao Pantanal Matogrossense e à Zona Costeira a denominação de patrimônio nacional, restrita a sua utilização à conformidade da lei, observada sobremodo a preservação do meio ambiente quanto ao uso dos recursos naturais (art. 225, §4º). Este conjunto natural, que praticamente se estende Brasil afora, reflete a proteção constitucional ao meio ambiente. São macrossistemas ou biomas de interesse nacional. Avalia-se agora outro segmento dos espaços territoriais especialmente protegidos, denominados de microssistemas ou biomas de interesse estadual, federal ou municipal. Nestes estão as unidades de conservação. Trata-se de áreas com tamanhos diversos, com territórios nas bases das unidades federadas que os constituíram, com o relevante valor natural (flora e fauna), sendo justificada a contenção da excessiva exploração pelo homem para afastar ameaça ou extinção de espécies. 4. UNIDADES DE CONSERVAÇÃO As unidades de conservação, conforme foi manifestado acima, são espécies de um gênero constitucionalizado denominados de espaços territoriais especialmente protegidos (art. 225, §1º., inc. III, da CF). Pode-se dizer que as unidades de conservação estão submetidas às diretrizes contidas nos incs. I, II, III, e IV, do §1º, do art. 225, da CF, tanto que a Lei n. 9.985/2000, que as regulamentou e instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUSC), reportou-se na sua ementa aos referidos dispositivos constitucionais. Mencionados aportes constitucionais evidenciam, mais uma vez, o aspecto protetor do qual se investe do Direito Ambiental em favor do meio ambiente. Por ser assim, considera-se oportuno ressaltar que os incisos I, II, III, e IV, do §1º. , do art. 225 da Constituição Federal voltados para a preservação e restauração dos processos ecológicos; provisão do manejo ecológico das espécies e ecossistemas; preservação da diversidade e integridade do patrimônio genético do país; fiscalização das entidades dedicadas à pesquisa e manipulação do material genético; definição em todas as unidades da federação dos espaços territoriais a serem especialmente protegidos; exigência do estudo prévio de impacto ambiental às obras potencialmente degradantes do ambiente. Em síntese, os incisos sumariados traduzem proteção, preservação, fiscalização, estudos prévios de danos, de tal sorte que seja possível acautelar o espaço ecológico, promover o manejo, fiscalizar, instituir áreas protegidas, guardar o material genético e ter finalmente uma flora e uma fauna livres de intensas investidas pelo homem, que culminem com uma 122 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE degradação irreversível e intransponível a qualquer restauração. Estas são as recomendações constitucionais por meio de normas-instrumentos, que objetivam satisfazer o preceito representado pelo meio ambiente ecologicamente equilibrado – norma-matriz. O conceito de unidade conservação, pode ser deduzido a partir dos elementos constitucionais e da própria ideia de direito ambiental. No entanto, colhe-se do inc. I, do art. 2º.da Lei n. 9.985/2000 a definição de unidade de conservação, como sendo o espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção. Oportuno dizer que Lei do SNUC (n. 9.985/2000) é constituída de 60 artigos, que se distribuem por sete capítulos, com os seguintes títulos: Cap. I – Das disposições preliminares; Cap. II – Do sistema nacional de unidades de conservação da natureza – SNUC; Cap. III – Das categorias de unidades de conservação; Cap. IV – Da criação, implantação e gestão das unidades de conservação; Cap. V – Dos incentivos, isenções e penalidades; Cap. VI – Das reservas da biosfera; Cap. VII – Das disposições gerais e transitórias. 4.1 GRUPOS DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO A lei regente do SNUC em seu art. 7º dilucida que as suas unidades de conservação se dividem em dois grupos instituídos, cada um deles, com características próprias. São este dois grupos designados pela nomenclatura seguinte: a) Unidades de Proteção Integral; b) Unidades de Uso Sustentável. Nesse ínterim faz-se necessário instituir a fundamental diferença existente entre os dois grupos, porquanto nas unidades de proteção integral o objetivo básico é preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, enquanto nas unidades de uso sustentável compatibiliza-se a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais. A esta altura da retórica, prudente que se institua o juízo de valor que advém do verbete preservar frente a outro termo denominado de conservar. Pois bem, preservar é proteger a flora e os recursos naturais daquela região, com a possibilidade do uso indireto de tais recursos. Na linguagem da lei, “a preservação é um conjunto de métodos, procedimentos e políticas que visem a proteção a longo prazo das espécies, habitats e ecossistemas, além dos 123 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE processos ecológicos, prevenindo a simplificação dos sistemas naturais” (inc. V, art. 2º., da Lei n. 9985/2000). Quanto à conservação esta viabiliza a exploração econômica dos recursos naturais em determinada área, promovendo o manejo adequado e racional. Pela lei, tem-se a conservação da natureza como o manejo do uso humano da natureza, compreendendo a preservação, a manutenção, a utilização sustentável, a restauração e a recuperação do ambiente natural, para que possa produzir o maior benefício, em bases sustentáveis, às atuais gerações, mantendo seu potencial de satisfazer as necessidades e aspirações das gerações futuras, e garantindo a sobrevivência dos seres vivos em geral ”(inc. II, art. 2º., da Lei n. 9985/2000). 4.2. CATEGORIAS DOS GRUPOS DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO Com relação às unidades de proteção integral, tem-se as seguintes categorias: Estação ecológica, Reserva biológica, Parques Nacionais, Estaduais e Municipais, Monumento Natural, Refúgio da Vida Silvestre. a) Estação Ecológica, que visa a preservação da natureza e a realização de pesquisa científica. b) Reserva Biológica tem como objetivo a preservação integral da biota e demais atributos naturais existentes em seus limites. c) Parques Nacionais, Estaduais e Municipais tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica. d) Monumento Natural tem como objetivo básico preservar sítios naturais raros, singulares ou de grande beleza cênica. e) Refúgio da Vida Silvestre tem como finalidade proteger ambientes naturais onde se asseguram condições para a existência ou reprodução de espécies ou comunidades da flora local e da fauna residente ou migratória. As unidades de uso sustentável têm as seguintes categorias neste grupo: área de proteção ambiental; área de relevante interesse ecológico; floresta nacional; reserva extrativista; reserva de fauna; reserva de desenvolvimento sustentável e reserva particular do patrimônio natural. a) Área de Proteção Ambiental tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais; b) Área de Relevante Interesse Ecológico é uma área em geral de pequena extensão, com pouca ou nenhuma ocupação humana, com características naturais extraordinárias ou que abriga exemplares raros da biota regional, e tem como objetivo manter os ecossistemas naturais de importância regional ou local e regular o uso admissível dessas áreas, de modo a compatibilizá-lo com os objetivos de conservação da natureza; 124 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE c) Floresta Nacional é uma área com cobertura florestal de espécies predominantemente nativas e tem como objetivo básico o uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para exploração sustentável de florestas nativas; d) Reserva Extrativista é uma área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementariamente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade. É de domínio público com seu uso concedido às populações extrativistas tradicionais; e) Reserva de Fauna é uma área natural com populações animais de espécies nativas, terrestres ou aquáticas, residentes ou migratórias, adequadas para estudos técnico-científicos sobre manejo econômico sustentável de recursos faunísticos; f) Reserva de Desenvolvimento Sustentável é uma área natural que abriga populações tradicionais, cuja existência baseia-se em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados às condições ecológicas locais e que desempenham um papel fundamental na proteção da natureza e na manutenção da diversidade biológica; g) Reserva Particular do Patrimônio Natural é uma área privada, gravada com perpetuidade, com o objetivo de conservar a diversidade biológica. 5. MARCO HISTÓRICO DA CRIAÇÃO DAS RESERVAS EXTRATIVISTAS A criação de unidades de conservação marcou o início da preocupação ambiental em nosso País e são instrumentos essenciais para preservar uma quantidade expressiva de paisagens de beleza indescritível. Essas dádivas da natureza protegem as águas, as espécies da fauna e da flora. O Direito Constitucional Brasileiro permite à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a criação de unidades de conservação, nos territórios sob sua jurisdição. Nossa Carta Magna, art.225, §1º, inc. III, declarou como sendo um dos deveres do Poder Público: (...) definir em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e supressão permitida somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção. 125 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE As Reservas Extrativistas foram criadas a partir de 1990 como espaços territoriais destinados a assegurar o uso sustentável dos recursos naturais e proteger o meio de vida e a cultura das populações tradicionais das florestas. Nasceram originalmente da luta pela identidade dos seringueiros, povos que viveram explorados secularmente pelos patrões da borracha nativa na Amazônia. O processo para a criação das reservas iniciou em Xapuri, onde Chico Mendes destacou-se como liderança, ganhando espaço em 1985, no Primeiro Encontro Nacional dos Seringueiros, realizado em Brasília, Distrito Federal, com a participação de 130 seringueiros do Acre, Rondônia, Amazonas e Pará (CNS, 1992). O movimento foi uma oposição dos seringueiros aos modelos de desenvolvimento definidos pelo Governo Federal para a região amazônica brasileira, a partir da década de 1970, onde predominavam a implantação de projetos agropecuários extensivos, de mineração e madeireiros, resultando em grande concentração fundiária, êxodo das populações tradicionais para as cidades e devastação da região. Os seringueiros passaram a resistir a essas mudanças e a expulsão, unindo-se em Sindicatos Rurais e organizando os chamados “empates” (forma de luta organizada para impedir as derrubadas das árvores e consequentemente a destruição da Floresta Amazônica). Como forma alternativa à ocupação do território amazônico foi construído um novo modelo denominado “Reserva Extrativista”, onde as terras pertencem a União, mas com o usufruto dos que nela habitam e trabalham (MMA, 2006). Desta forma, pode-se então afirmar que, as reservas extrativistas foram concebidas no âmbito da reforma agrária, para que a terra cumprisse sua função social e econômica. Neste contexto, também, estava inserido a defesa do meio ambiente, uma vez que a conquista da terra visava manter o extrativismo e a conservação da floresta. Em 1990, os resultados da luta dos seringueiros pela terra começaram a ser atingidos, sendo criada no Estado do Acre as duas primeiras reservas extrativistas do país: a Reserva Extrativista do Alto Juruá, com 506.000 ha e a Reserva Extrativista Chico Mendes, na região de Xapuri, com 970.000 hectares. O modelo de reserva extrativista era, na verdade, uma tentativa, naquela época, de traçar um novo formato de reforma agrária na Amazônia, espalhando seringueiros pelas estradas de seringa, extraindo o látex e conservando a floresta. A combinação também seria uma alternativa aos assentamentos rurais do INCRA. Nas duas reservas, 2.650 famílias foram assentadas (GLOBO RURAL, 2015). 126 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE A institucionalização das Reservas Extrativistas foi um passo decisivo no processo de emancipação dos trabalhadores extrativistas e da recuperação de sua cidadania, mais ainda, essa conquista significou a base e o ponto de partida para a evolução das organizações comunitárias e a melhoria das condições de vida das comunidades tradicionais que adotaram esse modelo. 6. INSTRUMENTOS PARA A PROTEÇÃO DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO O direito ambiental brasileiro é um forte instrumento para a proteção, conservação e garantia da sustentabilidade das unidades de conservação, mas é preciso que sejam exigidos sua aplicação e seu cumprimento, pelos órgãos gestores e pela sociedade. O direito se manifesta sempre como um meio para atingir a sua finalidade política, e os instrumentos específicos de direito ambiental utilizados para efetivar a proteção jurídica ao meio ambiente são diferenciados em cinco aspectos instrumentais: constitutivo, repressivo, fiscalizador, indenizador e participativo. Aspecto Constitutivo: Constitui-se através de atos legislativos, o corpo e a estrutura da Administração Pública Estatal, que transforma a legislação ambiental vigente em ações administrativas, executando assim as leis ambientais. Aspecto Repressivo: Todas as disposições do direito ambiental penal e do direito ambiental administrativo com caráter punitivo objetivam, em primeiro lugar, conduzir o cidadão e as empresas a um comportamento que evita qualquer violação de normas que definem os crimes ou infrações ambientais. Em segundo lugar, elas sancionam qualquer violação destas normas para evitar novos crimes ou infrações ambientais no futuro. O instrumento de repressão objetiva claramente disciplinar ou alterar nosso comportamento a respeito da natureza. Aspecto Fiscalizador: Além dos efeitos acima explicados, o direito ambiental administrativo estabelece, através de sua função principal, um sistema administrativo de fiscalização de todos os atos e omissões que comportem risco para a vida, para a qualidade de vida e para o meio ambiente. Aspecto Indenizador: Este aspecto instrumental é semelhante ao aspecto repressivo. Só nele é substituída a sanção penal ou administrativa punitiva pelo sistema da responsabilidade civil, pela obrigação de recuperar, de uma forma adequada, qualquer dano disciplinar ou alterar nosso comportamento à natureza. Aspecto Participativo: Qualquer atividade potencialmente causadora de degradação ao meio ambiente é submetida a um processo administrativo 127 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE a que se dará publicidade, como prevê artigo 225, inciso IV, da Constituição Federal de 1988. Essa exigência legal tem por fim possibilitar a participação do cidadão e dos grupos interessados que representam à função fiscalizadora da sociedade ou da Administração Pública como agente legítimo a movimentar o judiciário na questão da tutela do meio ambiente. A Ação Popular Ambiental é outro instrumento importante para o controle externo da coisa pública, abre espaço para a intervenção direta do indivíduo em verdadeira possibilidade de exercício da Cidadania Participativa nas tarefas da proteção ambiental. A Lei nº 4.717/65, que regulamenta a ação popular prevista no art. 5º, LXXIII, da CF, foi recepcionada pela nova ordem jurídica. O titular da ação é o cidadão. Este propõe a ação , não com fundamento em interesse individual, mas em interesse público (relacionada ao meio ambiente). Não há, assim, coincidência entre o titular do bem lesado (coletividade) e o sujeito da ação (autor popular) (SIRVINSKAS, 2013). O Mandado de Segurança Coletivo, como ação de eficácia potenciada, permite que até os Partidos Políticos com representação no Congresso Nacional, bem como outras organizações com legitimidade para impetrar, controlem juridicamente os atos e as omissões da Administração Pública na questão da tutela do meio ambiente. A Ação Civil Pública merece destaque. É o meio de defesa ambiental mais utilizado em nossa sociedade, assim como o maior agente de defesa que é o Ministério Público, uma vez que a nossa sociedade ainda não possui o salutar costume de defender por si própria seus interesses e direitos legítimos e inalienáveis, como é o caso do meio ambiente saudável. 7. FATORES QUE AMEAÇAM A SUSTENTABILDADE DA RESERVA EXTRATIVISTA CHICO MENDES A devastação das áreas protegidas implica em uma série de prejuízos: conflitos sociais, desrespeito aos direitos humanos, empobrecimento da biodiversidade, degradação de solos, comprometimento de bacias hidrográficas, contribuições para a emissão de gases de efeitos estufa e perda de oportunidades econômicas associadas ao uso sustentável dos recursos naturais. Em outras palavras, prejuízos para a população brasileira e para o nosso planeta. De todas as estratégias de proteção ambiental, as unidades de conservação constituem o melhor mecanismo de preservar os recursos naturais. O Brasil possui hoje 3,7% de sua extensão territorial definido em unidades de conservação, sendo que a maioria dessas unidades enfrentam sérios problemas para serem efetivamente implementadas, em decorrência da regulamentação 128 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE fundiária, do cumprimento dos objetivos para os quais foram criadas, e até mesmo do sistema de proteção e fiscalização de sua área, pela falta de recursos financeiros e de pessoal qualificado para sua administração. A Reserva Chico Mendes foi criada em 12 de março de 1990, através do Decreto nº 99.144. Depois de 25 anos da criação das primeiras RESEXs, vários trabalhos têm discutido o resultado desse modelo para a melhoria das condições de vida dos extrativistas e da conservação das florestas. Ao analisar a atual situação das Reservas Extrativistas, percebese que a exploração dos produtos florestais não madeireiros – PFNMs, não gerou a renda esperada e suficiente para promover o desenvolvimento de suas comunidades. As dificuldades na comercialização da produção, especialmente em função dos baixos preços das atividades extrativistas não-madeireiras, têm motivado a busca de alternativas de maior rendimento pelos extrativistas, pois a comercialização da borracha diminuiu e o subsídio não serviu como incentivo para aumentar a produção. Como parte da tendência à diversificação da produção, o manejo da madeira foi apresentado pelo governo, como uma alternativa para gerar retornos financeiros significativos em curto prazo. Essa atividade é vista por especialistas e por lideranças das comunidades da Resex como uma grave ameaça à sustentabilidade da Reserva em termos sociais, econômicos e ambientais. Essa visão se fundamenta no fato de que essa atividade apresenta incertezas quanto à disponibilidade futura dos recursos e por não fazer parte da cultura do seringueiro (ACRE, 2000). Uma alternativa, apresentada pelos extrativistas é a criação de gado, atividade que vem crescendo entre os moradores. O desmatamento é um problema sério, na Reserva Chico Mendes, principalmente no seu entorno. As causas do desmatamento estão diretamente ligadas ao crescimento da pecuária bovina, as queimadas e da produção agrícola. A atividade agrícola representa uma grande ameaça à conservação do habitat natural, tendo em vista que existe a necessidade da retirada da cobertura florestal para o plantio dos produtos de subsistência. De todas as atividades antrópicas que ocorrem na área da reserva e de seu entorno, a pecuária é a que mais ameaça o ecossistema da unidade, em função de promover a substituição em grande escala, das florestas por pastagens, com a completa remoção da cobertura vegetal natural e utilização do fogo para a limpeza destas áreas. Noticiou o Globo Rural, em matéria vinculada na Edição do dia 19/04/2015, a exploração ilegal coloca em risco modelo de extrativismo na reserva: 129 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Desmatamento, avanço da pecuária, venda ilegal de terras públicas. A Reserva Chico Mendes enfrenta conflitos que colocam em risco o futuro da maior unidade extrativista no país. No Brasil, existem 89 reservas extrativistas, em 17 estados, onde vivem 53 mil famílias. Um contraste chama a atenção na reserva Chico Mendes. De um lado, o gado. Do outro, conflitos que põem a floresta em risco (GLOBO RURAL, 2015). De acordo com dados do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia - IMAZON, a RESEX Chico Mendes apresenta 3,6% de sua área já desmatada, situando-se como a reserva extrativista mais devastada do Estado do Acre (IMAZON, 2002). CONCLUSÃO A economia da família extrativista na RESEX Chico Mendes está mudando e esta mudança traz implicações para a conservação e preservação da reserva, pois várias famílias estão criando e comercializando gado, e o crescimento desta atividade traz a necessidade de mais pasto, ocasionando um aumento de desmatamento, que coloca em questão o conceito de reserva extrativista como forma de desenvolvimento sustentável. Diante do quadro existente dentro da reserva Chico Mendes, entendese que medidas urgentes precisam ser adotadas e novas alternativas econômicas devem ser definidas e implantadas, para evitar o aumento do desmatamento, o avanço da atividade pecuária e de outros fatores que ameaçam a sua sustentabilidade. A reserva precisa urgente de um efetivo quadro de funcionários, de fiscalização e monitoramento permanente. A Reserva enfrenta grandes desafios para manter a sua sustentabilidade e melhorar de forma significativa a qualidade de vida de sua população. 130 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE REFERÊNCIAS ACRE. 2000. Zoneamento ecológico-econômico: recursos naturais e meio ambiente – documento final. Governo do Estado do Acre. Programa Estadual de Zoneamento Ecológico Econômico do Estado do Acre. Rio Branco: SECTMA. BRASIL. Constituição da República Federativa do. Congresso Nacional, Brasília, 1988. _______. Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9985.htm>. Acesso em 20 de junho de 2015. CNS. Conselho nacional de seringueiros. Relatório sócio econômico e cadastro da Reserva Extrativista Chico Mendes. Rio Branco, Acre 1992, in: http://www. chicomendes.org.br/seringueiros13.php, acesso em 12 de MAIO de 2015. DERANI, Cristiane, Direito Ambiental Econômico, 2ª. edição Max Limonad, 2ª. ed., São Paulo, 200. GLOBO RURAL. Disponível em: http://revistagloborural.globo.com/ Noticias/ Sustentabilidade/ noticia/2015/04/reserva-extrativista-promovesustentabilidade-mas-estaameacada.html. Acesso em 13 de abr de 2015. IMAZOM - Dinâmica do Desmatamento do Estado do Acre (1988 – 2004), Acre, 2006. Disponível em: < http://imazon.org.br/PDFimazon/Portugues/outros/inamicadodesmatamento-no-estado-do-acre-1988.pdf>. Acesso em: 25 de julho de 2015. MILANO, Miguel Serediuk. Por que existem as unidades de conservação? In: MILANO, Miguel Serediuk (org.). Unidades de Conservação: Atualidades e tendências. Curitiba, Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, p.193-208. 2002. MILARÉ, Édis Milaré, Direito do Ambiente, 2a. ed. rev. atual. e amp., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. MMA. Plano de Manejo da Reserva Extrativista Chico Mendes, 2006. Disponível em:<http://www.icmbio.gov.br/portal/images/stories/imgsunidadescoservacao/ resex_chico_mendes.pdf>. Acesso em 14 de julho de 20015. 131 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE PÁDUA, Maria Tereza Jorge. Unidades de Conservação: muito mais do que atos de criação e planos de manejo. In: MILANO, Milano Serediuk. (org.). Unidades de Conservação: Atualidades e tendências. Curitiba, Fundação O Boticário de Proteção à Natureza. 2002. SILVA, José Afonso da, Direito Ambiental Constitucional, 5a. ed. Malheiros Editores. São Paulo, 2010. SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. 11ª edição. São Paulo: Saraiva, 2013. 132 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE REGIME SUI GENERIS DE PROTEÇÃO JURÍDICA TRANSNACIONAL DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS ASSOCIADOS À BIODIVERSIDADE: POSSIBILIDADE A PARTIR DA REGIÃO AMAZÔNICA SUI GENERIS REGIME OF TRANSNATIONAL LEGAL PROTECTION OF TRADITIONAL KNOWLEDGE ASSOCIATED WITH BIODIVERSITY: POSSIBILITY FROM THE AMAZON REGION Ana Carolina Couto Lima De Carvalho Doutoranda em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI (Santa Catarina – SC, Brasil). Mestre em Direito Processual e Cidadania pela Universidade Paranaense – UNIPAR (Umuarama – PR, Brasil). Especialista em Direito Tributário pela Universidade Potiguar – UnP (Natal – RN, Brasil). Pós-graduada em Direito Constitucional pela UVB (Maringá – PR, Brasil). Graduada em Direito pelas Faculdades Integradas Toledo (Presidente Prudente – SP, Brasil). Professora Adjunta do Curso de Direito da Universidade Federal do Acre – UFAC (Rio Branco – AC, Brasil). Coordenadora do Núcleo de Prática Jurídica e Estágios da UFAC (Rio Branco – AC, Brasil). Professora do Curso de Pós-Graduação em Direito da União Educacional do Norte – UNINORTE (Rio Branco – AC, Brasil). Professora de Cursos Especializados em Concursos Públicos. Orientadora. Conferencista. Pesquisadora. Conselheira Editorial da Revista Nobel Iuris. Autora de livros jurídicos e artigos publicados em revistas jurídicas especializadas. Advogada e Consultora Jurídica. E-mail: [email protected]. Resumo: O presente estudo tem como objeto de investigação a tutela jurídica dos conhecimentos tradicionais dos povos da Amazônia e sua imprescindível inter-relação com a sustentabilidade ambiental e a transnacionalidade. O sistema de patentes e do direito de autor são inadequados para a tutela dos direitos intelectuais coletivos. A proteção jurídica dos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade amazônica somente poderá se tornar efetiva a partir de um Direito Ambiental Transnacional, com ênfase no desenvolvimento de um regime jurídico sui generis, que incorpore os fatores culturais, admita a existência de pluralidade étnica, elemento místico, difusão de informações no espaço e no tempo, do valor intrínseco da biodiversidade intimamente relacionada à diversidade social, que repudie o monopólio do que representa limitação aos conhecimentos, inovações e práticas das distintas comunidades tradicionais. 133 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Palavras-Chave: Conhecimentos Tradicionais. Transnacionalidade. Sustentabilidade. Abstract: This study is the object of investigation the legal protection of traditional knowledge of the Amazon and its people the essential interrelationship with environmental sustainability and transnational. The patent and copyright system are inadequate for the protection of collective intellectual rights. The legal protection of traditional knowledge associated with Amazonian biodiversity can only become effective from a Transnational Environmental Law, with emphasis on the development of a sui generis legal regime, that incorporates cultural factors, admit the existence of ethnic plurality, mystical element, dissemination of information in space and time, the intrinsic value of closely related to social diversity biodiversity, which repudiates the monopoly that is limited to the knowledge, innovations and practices of the various traditional communities. Keywords: Traditional Knowledge. Transnationality. Sustainability. INTRODUÇÃO O objeto principal da pesquisa será o estudo da tutela jurídica dos conhecimentos tradicionais dos povos da Amazônia e sua imprescindível inter-relação com a sustentabilidade ambiental e a transnacionalidade. Para atingir esses objetivos a pesquisa abordará as estruturas conceituais e analíticas relacionadas à proteção jurídica dos conhecimentos tradicionais. Será analisada a legislação pátria relativa à proteção do meio ambiente e dos conhecimentos tradicionais, as legislações ambientais dos países amazônicos, bem como os desafios e perspectivas da regulação transnacional dos conhecimentos tradicionais dos povos amazônicos. A metodologia aplicada será o método de abordagem indutivo, a fonte de pesquisa bibliográfica, legal e jurisprudencial. Serão pesquisadas e confrontadas as partes de um todo para que se possa ter uma visão generalizada. Durante as diversas fases da pesquisa serão utilizadas as técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica, do Fichamento, bem como a pesquisa por meio eletrônico. O tema sustentabilidade no que toca o desenvolvimento e o meio ambiente amazônico trata da transnacionalidade como ideia de uma nova ordem mundial e também do entrelaçamento das três principais temáticas da pesquisa: proteção jurídica dos conhecimentos tradicionais, transnacionalidade e sustentabilidade. Existe um claro interesse nos potenciais dos conhecimentos tradicionais para o desenvolvimento de medicamentos, cosméticos, agricultura, alimentos 134 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE e biotecnologia. Os conhecimentos tradicionais tem grande importância nos aspectos ambiental, social e econômico-financeiro e estão adquirindo relevância no plano jurídico, econômico, social e cultural no desenvolvimento de políticas nacionais e internacionais. Grandes multinacionais obtêm grandes lucros pela utilização dos saberes em estudo, sem a devida autorização das comunidades que possuem os mesmos. É necessário repartir os benefícios. As comunidades reivindicam direitos coletivos sobre seus conhecimentos ancestrais e o pleno direito de decidir sobre o uso e divulgação. Apesar dos Estados que possuem o compromisso de reconhecer estes direitos, pela ratificação do Convênio sobre a Diversidade Biológica ou por leis e marcos constitucionais, enfrentam limitações institucionais, políticas e jurídicas para estabelecer mecanismos efetivos de cumprimento. A deficiente proteção jurídica mediante institutos inadequados, como a propriedade intelectual e o direito de autor, aumentam os casos de apropriação dos recursos genéticos e dos conhecimentos associados à biodiversidade, como a biopirataria. Será necessário desenvolver um regime jurídico sui generis eficaz de proteção dos conhecimentos, inovações e práticas tradicionais, estruturado no arcabouço teórico do Direito Ambiental Transnacional. A preocupação com a proteção do meio ambiente amazônico não pode se restringir ao Brasil, uma vez que a Floresta Amazônica é compartilhada e o interesse pela sua preservação se estende ao Brasil, Suriname, Venezuela, Guiana, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia e Guiana Francesa. Será necessário um estudo transdisciplinar sobre os conhecimentos tradicionais dos povos amazônicos, delimitar suas características, analisar a legislação relativa à tutela dos conhecimentos tradicionais a fim de comprovar a falta de efetividade na proteção desses conhecimentos. 1. A PROTEÇÃO DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS ASSOCIADOS À BIODIVERSIDADE AMAZÔNICA COMO DIREITOS INTELECTUAIS COLETIVOS Conhecimento tradicional é o conhecimento intergeracional dos povos amazônicos, transmitidos oralmente e relacionados, diretamente, aos seus aspectos culturais e ao uso e manejo dos recursos naturais. Os conhecimentos tradicionais são objeto de debate das medidas no âmbito de diversas políticaspúblicas, como as relacionadas com a tutela dos direitos humanos, a preservação e promoção da diversidade biológica, a proteção da saúde, o desenvolvimento sustentável e particular, a utilização sustentável dos recursos biológicos, o progresso econômico e social de certas comunidades, povos e nações na defesa de certas identidades e patrimônios culturais. 135 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Amazônia é a área geográfica que corresponde à bacia hidrográfica do rio Amazonas, podendo este conceito ser ampliado, segundo critérios geopolíticos internacionais, como ocorre no Tratado de Cooperação Amazônica, que considera a Amazônia, não só a Bacia Amazônica, mas também outras áreas que em razão de suas características geográficas, ecológicas ou econômicas estejam estreitamente vinculadas a esta bacia hidrográfica. Segundo Brown e Freitas (2002, p. 41) “a Reserva Extrativista do Vale do Juruá, no Estado do Acre, sudoeste da Região Amazônica, considerada uma das regiões mais ricas em biodiversidade de todo o mundo, deixa claro que as intervenções realizadas pelas comunidades tradicionais do Vale do Juruá contribuem para sua conservação”. Esta diversidade foi alcançada não somente por obra da natureza, mas também por ações do homem, pela atividade das diversas etnias que compartilham o mesmo ambiente. A comunidade internacional está começando a reconhecer o papel vital que desempenham os recursos biológicos na subsistência das comunidades tradicionais, as importantes contribuições dos esforços dessas comunidades, através dos sistemas de conhecimentos, para a preservação do meio ambiente mundial. A proteção da biodiversidade passou a ser reconhecida em muitos documentos internacionais, como o Convênio sobre a Diversidade Biológica. No âmbito latino-americano, no art. 1 da Decisão 391 da Comissão de Acordo de Cartagena sobre o Sistema Comum de Acesso aos Recursos Genéticos estabelece um mandato expresso de conservação da diversidade biológica. A propriedade intelectual é incapaz de resolver importantes e controvertidas questões relativas às comunidades tradicionais, uma vez que os direitos relativos a elas não podem subsumir-se à categoria clássica dos direitos individuais, são direitos intelectuais coletivos que garantem o desenvolvimento e a identidade de suas formas de conhecimentos e das instituições distintas dessas comunidades. Este é um dos maiores desafios para os legisladores, na esfera nacional e internacional. É necessário desenvolver um sistema de proteção dos conhecimentos, inovações e práticas das comunidades tradicionais. 2. A PROTEÇÃO NACIONAL E INTERNACIONAL DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS A preocupação pelos conhecimentos das comunidades tradicionais nos últimos anos tem alcançado crescente reconhecimento da comunidade internacional, por meio do Convênio sobre a Diversidade Biológica, ações desenvolvidas pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), pela Organização Mundial do Comércio e a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. Brasil, Panamá, Venezuela e Peru adotam 136 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE leis que protegem os conhecimentos tradicionais de natureza técnica vinculados a recursos genéticos. Dentre as organizações internacionais sul-americanas, destacam-se o Mercado Comum do Sul (Mercosul) e o Tratado de Cooperação Amazônico (TCA). Para Rattner (2015) o Mercosul necessita de uma instância supranacional de coordenação política, porque suas duas economias principais (Brasil e Argentina) seguem caminhos divergentes e nenhuma está disposta a abrir mão da soberania a favor da criação de uma superestrutura jurídica e regional. Destaca-se o Protocolo de Nagoya que trata do acesso a recursos genéticos e a repartição justa e equitativa dos benefícios advindos de sua utilização. Em 1967 foi criada a Organização Mundial da Propriedade Intelectual para promover a propriedade intelectual mediante o fomento da cooperação entre os Estados e a colaboração com outras organizações internacionais, garantir a cooperação administrativa entre as diferentes Uniões e Convênios internacionais. A Conferência de Estocolmo em 1972 e a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Rio-92 ou ECO 92) consagraram os princípios fundamentais do Direito Ambiental para que as Constituições supervenientes reconhecessem o meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental. Em 1976 a equipe de medicina tradicional da Organização Mundial de Saúde analisou estratégias sobre a medicina tradicional. Em 1978 a OMPI em conjunto com a UNESCO trataram do assunto, limitando-se às expressões relacionadas ao folclore. Para a OMPI a proteção dos conhecimentos tradicionais deve ocorrer pelos mecanismos existentes de direitos de propriedade intelectual, o sistema de patentes, os segredos industriais, as marcas comerciais com adaptações em razão das especificidades dos conhecimentos tradicionais. O debate aprofundado sobre a proteção dos conhecimentos tradicionais iniciou em 1988, no Primeiro Congresso Internacional de Etnobiologia em Belém, no Pará. Comunidades indígenas e locais se reuniram com cientistas e ambientalistas para discutir estratégias comuns ante a rápida diminuição da diversidade cultural biológica no planeta. Em 1989 o conceito de direitos do agricultor foi introduzido no Compromisso Internacional sobre Recursos Fitogenéticos da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO). Em 1992 o marco legislativo da proteção dos conhecimentos tradicionais no âmbito internacional é o Convênio sobre a Biodiversidade Biológica, a conservação da diversidade biológica e o acesso aos recursos genéticos, reconheceu o importante papel das comunidades tradicionais na conservação e utilização de forma sustentável dos recursos naturais. 137 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE A Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento surgiu em decorrência da Assembleia Geral das Nações Unidas que ocorreu em 1984 e criou a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o desenvolvimento, conhecida como Comissão de Brundtland, que em 1987 apresentou à ONU, cristalizando o princípio do desenvolvimento sustentável, entendido como aquele que atende às necessidades das gerações atuais sem comprometer a capacidade de as futuras gerações terem suas próprias necessidades atendidas. No âmbito da América Latina, em 1996, a Decisão 391 da Comissão do Acordo de Cartagena relativo ao Regime Comum sobre Acesso aos Recursos Genéticos, resultou em algumas iniciativas nacionais, inúmeras Convenções regionais e internacionais sobre o tema. Em nível infraconstitucional destaca-se: Lei n. 9.279, de 14 de maio de 1996 (Lei de Proteção à Propriedade Intelectual); Lei n. 9.456, de 25 de abril de 1997 (Lei de Cultivares); Decreto n. 4.339, de 22 de agosto de 2002; Decreto nº 5.459, de 07 de junho de 2005, que regulamenta o art. 30 da Medida Provisória nº 2.186-16 sobre o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado dota as comunidades tradicionais de autoridade para decidir sobre seus conhecimentos, assegura o direito de conhecer o uso de tais informações e se o uso gerará benefícios econômicos. Reconheceu a natureza coletiva dos conhecimentos tradicionais, não criaram mecanismos que assegurem os conhecimentos tradicionais, utilizaram a tutela dos direitos de propriedade intelectual, inadequada à natureza coletiva. O Decreto n. 5.813, de 22 de julho de 2006 garante acesso seguro e uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos, a promoção do uso sustentável da biodiversidade, o desenvolvimento da cadeia produtiva e da indústria nacional, foi instituída pela Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, pelo Grupo de Trabalho para elaborar o Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. O Decreto 6.041/2007 institui a Política de Desenvolvimento da Biotecnologia, criou o Comitê Nacional de Biotecnologia, cujo principal objetivo é estimular a eficiência da estrutura produtiva nacional, o aumento da capacidade de inovação das empresas brasileiras, a absorção de tecnologias, a geração de negócios e a expansão das exportações. Protege o conhecimento tradicional ao impor tipos de controles e sanções para os recursos genéticos ambientais brasileiros e para o conhecimento tradicional. O Decreto n. 6.041/2007 instituiu a Política de Desenvolvimento da Biotecnologia que criou o Comitê Nacional de Biotecnologia. A Lei n. 13.123/2015 é o novo marco legal da Biodiversidade. Destacam-se as leis estaduais do Acre (Lei n. 1.235/97) e do Amapá (Lei n. 388/97). 138 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Em uma perspectiva transnacional é necessário o estudo das legislações ambientais dos países fronteiriços e o levantamento de ações conjuntas entre os países amazônicos, incluindo-se o Brasil, para levar a efeito a conservação dos ambientes florestais, a proteção dos povos e dos conhecimentos tradicionais amazônicos. 2.1. O PROTOCOLO DE NAGOIA E A LEI Nº 13.123/2015: NOVO MARCO LEGAL DA BIODIVERSIDADE Na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável de 2002, os governos pediram maior vigor nas ações para a negociação de um regime internacional que promovesse a repartição justa e equitativa dos benefícios oriundos da utilização de recursos genéticos. Em 2004, o Grupo de Trabalho Aberto ad hoc sobre Acesso e Repartição de Benefícios (ABS, na sigla em inglês), criado no âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), recebeu o mandato de negociar um regime internacional sobre acesso e repartição de benefícios. Depois de seis anos de negociações, o Protocolo de Nagoia sobre Acesso a Recursos Genéticos e Repartição Justa e Equitativa dos Benefícios Derivados de sua Utilização foi adotado em Nagoia, no Japão, em 29 de outubro de 2010. O Protocolo de Nagoia sobre Acesso a Recursos Genéticos e Repartição Justa e Equitativa dos Benefícios Derivados de sua Utilização é um novo tratado internacional que se baseia e ao mesmo tempo apoia a implementação da CDB. Ele se reporta em particular a um dos seus três objetivos: a repartição justa e equitativa dos benefícios oriundos da utilização dos recursos genéticos. O Protocolo de Nagoia é um acordo histórico para a governança internacional da biodiversidade e é relevante para vários setores comerciais e não comerciais envolvidos no uso e no intercâmbio de recursos genéticos. O Protocolo de Nagoia se baseia nos princípios fundamentais de acesso e repartição de benefícios consagrados pela CDB. Esses princípios sustentam a necessidade de obtenção, pelos usuários potenciais de recursos genéticos, do consentimento prévio fundamentado do país em que o recurso genético está localizado. Assim como da negociação entre as partes e do estabelecimento de condições de acesso e uso desse recurso através da assinatura de termos mutuamente acordados. Esses termos devem incluir a garantia de repartição com o provedor dos benefícios oriundos da utilização dos recursos genéticos como um pré-requisito para seu acesso e uso. Por outro lado, os países provedores de recursos genéticos devem elaborar regras e procedimentos justos, transparentes e não-arbitrários de acesso ao seu patrimônio genético. O Protocolo de Nagoia objetiva trazer maior segurança jurídica e transparência para provedores e usuários dos recursos genéticos a nível mundial. 139 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Ajuda a garantir a repartição de benefícios, em particular quando os recursos genéticos deixam o país provedor, e estabelece condições mais previsíveis para o acesso a estes. Ao garantir a segurança jurídica e a promoção da repartição de benefícios, o Protocolo de Nagoia incentiva o desenvolvimento de pesquisas sobre os recursos genéticos que podem levar a novas descobertas em benefício de todos. O Protocolo de Nagoia também cria incentivos para a conservação e o uso sustentável dos recursos genéticos, aumentando assim a contribuição da biodiversidade para o desenvolvimento e bem-estar humano. O Protocolo de Nagoia abrange os recursos genéticos e os conhecimentos tradicionais associados aos recursos genéticos (CTAs), assim como os benefícios derivados de sua utilização. Estabelece obrigações fundamentais para suas Partes signatárias ao exigir que adotem medidas em relação ao acesso aos recursos genéticos, à repartição de benefícios e ao cumprimento das normas relativas à sua implementação. As medidas relativas ao acesso no plano nacional devem prioritariamente: criar segurança jurídica, clareza e transparência; prever regras e procedimentos justos e não-arbitrários; estabelecer regras e procedimentos claros para o consentimento prévio fundamentado e os termos mutuamente acordados; prever a emissão de uma autorização, ou seu equivalente, quando o acesso for concedido; criar condições para promover e incentivar a pesquisa que contribua para a conservação e o uso sustentável da biodiversidade; prestar a devida atenção aos casos de emergência, atual ou iminente, que ameacem a saúde humana, animal ou vegetal; considerar a importância dos recursos genéticos para a alimentação e a agricultura e o papel especial que cumprem para a segurança alimentar. As medidas adotadas a nível nacional em matéria de repartição de benefícios devem prever a justa e equitativa repartição de benefícios oriundos da utilização dos recursos genéticos bem como de suas aplicações e comercialização posteriores, com a parte contratante provedora desses recursos. Essa utilização inclui atividades de pesquisa e desenvolvimento sobre a composição genética e/ ou bioquímica dos recursos genéticos. A repartição dos benefícios está sujeita aos termos mutuamente acordados entre as partes. Os benefícios podem ser monetários, como a participação nos lucros e os royalties, ou não-monetários, tais como o compartilhamento dos resultados da pesquisa ou a transferência de tecnologia. O Protocolo de Nagoia propõe também a criação de um mecanismo multilateral mundial de repartição de benefícios para tratar dos casos resultantes da utilização dos recursos genéticos que ocorrem em áreas transfronteiriças ou em situações onde não é possível obter o consentimento prévio fundamentado. Falta definir a natureza desse mecanismo multilateral. Os benefícios repartidos 140 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE por meio desse mecanismo serão utilizados para apoiar a conservação e o uso sustentável da biodiversidade em escala global. As obrigações específicas para apoiar o cumprimento da legislação e as exigências contidas nos regulamentos nacionais relativos à parte contratante provedora de recursos genéticos e assim como as obrigações contratuais refletidas nos termos mutuamente acordados, constituem uma significativa inovação do Protocolo de Nagoia. As Partes do Protocolo de Nagoia deverão: adotar medidas que permitam assegurar que os recursos genéticos utilizados dentro de sua jurisdição tenham sido obtidos em conformidade com o consentimento prévio fundamentado e que os termos mutuamente acordadas tenham sido assinados; cooperar em casos de suposta violação dos direitos de uma das Partes contratantes; incentivar a resolução de disputas em termos mutuamente acordados; assegurar que seus sistemas jurídicos ofereçam a oportunidade de recurso em caso de controvérsias que surjam a partir dos termos mutuamente acordados; facilitar o acesso à justiça; adotar medidas para monitorar a utilização dos recursos genéticos, incluindo a designação de instituições de controle eficazes em qualquer etapa da cadeia de valor: pesquisa, desenvolvimento, inovação, pré-comercialização e comercialização. O Protocolo de Nagoia prevê também a elaboração, a atualização e o uso de modelos de cláusulas contratuais para os termos mutuamente acordados, assim como códigos de conduta, diretrizes e melhores práticas e / ou normas para os diferentes setores. O Protocolo de Nagoia abrange os recursos genéticos e os conhecimentos tradicionais associados aos recursos genéticos (CTAs), assim como os benefícios derivados de sua utilização. O Protocolo de Nagoia aborda os conhecimentos tradicionais associados aos recursos genéticos por meio de disposições sobre acesso, repartição de benefícios e o cumprimento das regras estabelecidas. Também contempla os recursos genéticos presentes nos territórios das comunidades indígenas e locais que possuem direitos bem estabelecidos para permitir o acesso a eles. As Partes signatárias do Protocolo de Nagoia devem adotar medidas para garantir o consentimento prévio fundamentado dessas comunidades, assim como a repartição justa e equitativa de benefícios, levando em plena consideração as leis e costumes assim como o uso e intercâmbio costumeiro de recursos genéticos. O Protocolo de Nagoia, ao estabelecer disposições claras sobre o acesso aos conhecimentos tradicionais associados aos recursos genéticos, ajudará a fortalecer e empoderar as comunidades indígenas e locais para obter benefícios oriundos da utilização de seus saberes, práticas e inovações. O Protocolo de Nagoia também irá fornecer incentivos para a promoção e proteção dos conhecimentos tradicionais, incentivando o desenvolvimento de protocolos 141 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE comunitários, requisitos mínimos para os termos mutuamente acordados e modelos de cláusulas contratuais relacionados com acesso e a repartição de benefícios dos conhecimentos tradicionais associados aos recursos genéticos. O sucesso do Protocolo de Nagoia depende de sua efetiva implementação a nível nacional. Mecanismos de apoio previstos pelo Protocolo de Nagoia vão auxiliar as suas Partes signatárias com a implementação e estes incluem a designação de pontos focais nacionais e de autoridades nacionais competentes para servir como pontos de contato para obtenção de informações sobre concessão de autorização de acesso e sobre cooperação entre as Partes. Um Centro de Intercâmbio de Informação sobre Acesso e Repartição de Benefícios, que será uma plataforma baseada na Web para compartilhar informações úteis para apoiar a implementação do Protocolo de Nagoia. Cada um dos Países Partes signatários do Protocolo de Nagoia deverá fornecer, por exemplo, informações sobre os requisitos de acesso e repartição de benefícios a nível nacional, os pontos focais nacionais e as autoridades nacionais competentes. Assim como dará ciência sobre as autorizações ou seu equivalente emitidos no momento do acesso. Melhoramento das estruturas para prestar apoio nos principais aspectos de implementação. Estas serão baseadas em uma auto avaliação das necessidades nacionais e de suas prioridades, que podem incluir a capacitação para: elaborar leis nacionais sobre acesso e repartição de benefícios para a implementação do Protocolo de Nagoia; negociar termos mutuamente acordados; desenvolver no país a capacidade de pesquisa científica; aumento da conscientização por meio da promoção do Protocolo de Nagoia e o intercâmbio de experiências e informações com os principais interessados, incluindo as comunidades indígenas e locais, a comunidade científica, entre outros.; transferência de tecnologia, principalmente através da colaboração e cooperação em programas de pesquisa e desenvolvimento científico, incluindo a área de biotecnologia; apoio com recursos específicos para iniciativas de capacitação e desenvolvimento, através do mecanismo financeiro do Protocolo de Nagoia, o Fundo para Meio Ambiente Mundial. A Lei nº 13.123/2015 publicada em maio entrará em vigor no dia 17 de novembro de 2015, revogando a Medida Provisória nº 2.186-16 que vigorava desde 2001. Trata-se de novo marco legal da biodiversidade, cujo objetivo é delinear os bens, direitos e obrigações concernentes ao acesso e proteção do patrimônio genético e à repartição dos benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade. Aqueles que tiverem acesso ao patrimônio genético da biodiversidade brasileira e/ou do conhecimento tradicional associado se submeterão à fiscalização, restrições e repartição dos benefícios, sendo indispensável o cadastro, a autorização ou a notificação da União, nos termos previsto na legislação. 142 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE O marco legal da biodiversidade não se aplica ao patrimônio genético humano, veda o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado para práticas nocivas ao meio ambiente, à reprodução cultural e à saúde humana para o desenvolvimento de armas biológicas e químicas. É vedado o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado por pessoa natural estrangeira. Está condicionado à obtenção de autorização prévia o acesso ao conhecimento tradicional associado de origem identificável. Está sujeito à repartição de benefícios, exclusivamente, o fabricante do produto acabado ou o produtor do material reprodutivo, independentemente de quem tenha realizado o acesso anteriormente. No que tange às sanções administrativas, as ações ou omissões contra o patrimônio genético ou contra o conhecimento tradicional associado poderão ser punidas com advertência, multa, apreensão, suspensão temporária da fabricação, embargo da atividade específica, interdição parcial ou total de estabelecimento e/ou suspensão ou cancelamento de atestado ou autorização. As sanções poderão ser aplicadas cumulativamente, independentemente das medidas penais e cíveis aplicáveis. O referido diploma legal é muito restrito ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado a recursos genéticos, não abrangendo as especificidades necessárias em relação às diversas espécies de conhecimento tradicional, por exemplo não trata dos recursos genéticos em posse de comunidades indígenas e locais. Para a aprovação da citada Lei não foram consultadas as comunidades tradicionais e/ou seus representantes, tal é o descaso na tutela do interesse dos povos tradicionais. A repartição dos benefícios obtidos por meio da exploração dos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas não foram especificados. Desta forma, não se pode afirmar com segurança que realmente serão beneficiados os povos detentores destes conhecimentos. 3. A INADEQUAÇÃO DO SISTEMA DE PATENTES E DO DIREITO DE AUTOR PARA A TUTELA DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS As patentes são propriedades de caráter temporal, concedidas pelos Estados por ato administrativo aos inventores ou qualquer outra pessoa, natural ou jurídica, que possua os direitos intelectuais sobre seus novos inventos. Dentro do prazo de vigência da patente, o titular tem direito de excluir terceiros, sem sua prévia autorização, na realização de alguns atos relativos ao bem protegido, tais como fabricação, comercialização, importação, uso e venda. O sistema de patentes beneficia a sociedade e enriquece o saber técnico, pois toda invenção 143 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE patenteada, uma vez transcorrido o prazo determinado, pode servir de base para planejar e confeccionar inventos. Massaguer (1996, p. 321) entende que a proteção do sistema de propriedade intelectual “é apropriada e necessária para cumprir as exigências normativas vigentes de proteção jurídica dos conhecimentos tradicionais”. O primeiro argumento é sua natureza imaterial, a mesma natureza de todas as criações humanas objeto dos direitos de propriedade intelectual. O segundo fundamento é o mecanismo de desapropriação, que controla a utilização e preserva os conhecimentos tradicionais frente a sua indevida apropriação por terceiros. Entretanto, o sistema de patentes é inadequado para a proteção dos conhecimentos tradicionais, incompatível com as práticas e culturas das comunidades tradicionais, que podem ver seu modo de viver arruinado pela lógica da economia de mercado. Comunidades tradicionais tendem a não gozar dos direitos de propriedade sobre seus conhecimentos, inovações e práticas. Um curandeiro tradicional, por exemplo, dificilmente será chamado de inventor. Conhecimentos tradicionais são direitos intelectuais coletivos pelas características, natureza e fundamento das crenças intelectuais tradicionais, distintas daquelas protegidas pelo sistema de propriedade intelectual. Patentes possuem prazo de vigência determinado, concedem um monopólio temporal sobre a utilização de seu objeto. É impossível precisar o momento de criação dos conhecimentos tradicionais e definir marco temporal de vigência para qualquer direito intelectual coletivo. O sistema de patentes monopoliza e individualiza os conhecimentos tradicionais criados e desenvolvidos de forma coletiva, de geração a geração, com valores sociais e espirituais, transformando-os em instrumentos de mercado. Patentes protegem criações que constituem novidade e representam atividade inventiva. Para Kishi (2015) a possibilidade de patentear o conhecimento tradicional já se encontra excluída, uma vez que um conhecimento ancestral não pode ser considerado novo. A patente sobre recursos genéticos é incompatível com a soberania nacional, pois qualquer patente sobre formas de vida deve ser proibida. Propugnase a inclusão no acordo TRIPS de um dispositivo que possa contemplar tanto a proteção dos conhecimentos tradicionais quanto dos recursos genéticos, no sentido de que sejam incorporados requisitos de identificação do material genético utilizado na invenção, de repartição dos benefícios com os detentores de recursos genéticos, de consentimento prévio fornecido pelos detentores e dos conhecimentos tradicionais associados à invenção. Os países desenvolvidos da OMC e da OMPI entendem que as expressões tradicionais culturais devem ser protegidas pelo sistema de propriedade intelectual, especificamente o direito de autor. Assim como ocorre no sistema de patentes, são diversas as razões que fazem as normas do direito 144 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE de autor inadequadas para proteger as criações que são originais, estabelecidas em suportes concretos que estão incluídas no conjunto de obras denominadas de literárias, artísticas ou científicas. A proteção do direito de autor é temporal, não coaduna com a antiguidade das manifestações culturais. O direito de autor protege a obra criada pelo indivíduo e por um coletivo de pessoas não identificadas, importante para exercer os direitos morais e patrimoniais sobre a criação. A falta de titularidade individual das expressões culturais tradicionais impossibilita a defesa. Em relação às normas do direito de autor, a maioria das expressões culturais já estariam em domínio público e as comunidades tradicionais já não teriam direito patrimonial sobre elas. 4. OS DESAFIOS E PERSPECTIVAS DA REGULAÇÃO TRANSNACIONAL DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS DOS POVOS AMAZÔNICOS E A SUSTENTABILIDADE Trata-se da proposição de um instrumento de regulação transnacional no âmbito do TCA, com o principal objetivo de normatizar ações transnacionais e sustentáveis para a área florestal amazônica. A efetividade da proteção jurídica dos conhecimentos tradicionais está relacionada com a sustentabilidade ambiental, a capacidade de uma população ocupar uma determinada área e explorar seus recursos naturais sem ameaçar, ao longo do tempo, a integridade ecológica do meio ambiente. Sustentabilidade deve ser um projeto de civilização revolucionário e estratégico de futuro, pautado na consciência crítica acerca da finitude dos bens ambientais e na responsabilidade global e solidária pela proteção, defesa e melhora contínua de toda a comunidade de vida e dos elementos que lhe dão sustentação e viabilidade. Deve-se buscar a sustentabilidade alicerçada em três importantes dimensões: ambiental, social e econômica. É necessário efetivar o alcance dessas três dimensões. Garcia (2014, p. 38) ensina que sustentabilidade é uma “dimensão ética, trata de uma questão existencial, pois é algo que busca garantir a vida”, representa “uma relação entre o indivíduo e todo o ambiente a sua volta”. Para Real Ferrer (2012, p. 315) sustentabilidade é a “materialização do instinto de sobrevivência social”. A economia enfrenta dificuldades para compatibilizar desenvolvimento e sustentabilidade. Sustentável é o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem suas próprias necessidades. Para a operacionalização do conceito de Desenvolvimento Sustentável, Sachs (1994, p. 32) estabeleceu cinco dimensões da sustentabilidade (social, econômica, ecológica, cultural e espacial), cada uma com objetivo bem definido. Para que o subsistema 145 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE econômico adapte-se ao modelo evolutivo da ecologia global, será necessário um largo processo de transformação e mudanças profundas nos paradigmas que orientam a interpretação e a ação das sociedades no mundo. O conceito de sustentabilidade alterou a visão do mundo sobre a Amazônia e proporcionou uma nova base para classificar a sua diversidade social. Populações indígenas, seringueiros e ribeirinhos, denominados populações tradicionais, incorporaram a marca ecológica às suas identidades políticas como estratégia para legitimar novas e antigas reivindicações sociais. O critério de valoração ecológica confere novas bases para uma valoração política dos segmentos sociais e engendra um novo quadro ordenatório da diversidade social da Amazônia. A partir da ampla aceitação do princípio da sustentabilidade em âmbito mundial e o avanço dos estudos, as populações tradicionais da Amazônia, antes invisíveis, passam a ser consideradas como verdadeiros protagonistas da sustentabilidade. Baseado na pressão de uso e do impacto que as populações exercem sobre o ambiente amazônico e suas relações com o modo como ocupam, exploram e concebem sua relação com a natureza, Lima e Pozzobon (2015, p. 49) desenvolveram um modelo socioambiental da ocupação humana da Amazônia e um modelo das demandas socioambientais para resolver o aumento do grau de sustentabilidade das categorias analisadas. Conforme o modelo proposto pelos autores, somente os povos indígenas relativamente isolados apresentam, hoje, uma ocupação de alta sustentabilidade ecológica, uma vez que essas sociedades apresentam as seguintes características; possuem densidades populacionais baixas; têm alta mobilidade de assentamento; apresentam uma demanda sobre recursos naturais limitada e um profundo conhecimento ecológico; e, o comércio esporádico não chega a modificar o padrão de uso do ambiente. Ao contrário desses povos indígenas, os latifúndios recentes e os exploradores itinerantes apresentam uma cultura ecológica predatória e apresentam uma sustentabilidade ecológica muito baixa. Na busca pela sustentabilidade ambiental da Amazônia e a proteção dos conhecimentos tradicionais encontra-se desmatamentos e violência entre extrativistas e latifundiários. Uma condição para o desenvolvimento é a conservação do meio ambiente, apenas uma nova ordem mundial pode suscitar a sustentabilidade ambiental da Amazônia, ou seja, mediante a Transnacionalidade. Para Cruz e Bodnar (2015, p. 6) transnacionalidade é a emergência de novos espaços públicos plurais, solidários e cooperativamente democráticos, livres das amarras ideológicas da modernidade, decorrentes da intensificação da complexidade das relações globais, dotados de capacidade jurídica de governança, regulação, intervenção e coerção, para projetar a construção de um novo pacto de civilização. 146 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE A instituição de um Direito Transnacional relacionado à questão vital ambiental agrega a mesma lógica do Estado Constitucional Moderno, formado por normas jurídicas inter-relacionadas formadoras de um sistema. O Direito Transnacional transpassaria vários estados nacionais, com capacidade própria de aplicação coercitiva por uma estrutura organizativa transnacional. O ordenamento jurídico transnacional apresentaria características próprias, derivadas da mesma concepção do Estado Transnacional como organização destinada a atuar em espaço de governança regulatória e de intervenção até agora não organizado politicamente. Propõe-se a criação de um instrumento de regulação transnacional no âmbito do TCA, o qual poderia vir a se tornar uma possível solução para o alcance da efetiva proteção da Floresta Amazônica e, consequentemente, dos conhecimentos tradicionais dos povos tradicionais dessa região. Cultural e politicamente não existem dificuldades para a integração dos países amazônicos. Um dos maiores óbices para a efetivação da integração dos países amazônicos diz respeito à eliminação de diferenças legislativas, bem como o conceito ultrapassado de soberania. Existem alguns antecedentes que podem servir de plataforma para a almejada integração dos países membros do TCA, inclusive para a criação de um instrumento de regulação transnacional. Quanto à Amazônia, destacam-se os seguintes antecedentes que propiciam a transnacionalidade jurídica entre os países amazônicos: os tratados internacionais levados a efeito pelo Mercosul e TCA, a criação da Rede Latinoamericana de Ministério Público Ambiental, e a integração estabelecida entre os povos amazônicos. A luta pela sustentabilidade é condição fundamental para a estabilidade da mais nova concepção de soberania em nível regional. Para Ferrajoli (1999, p. 116) se vive hoje uma “crise histórica não menos radical do que a que aconteceu com as revoluções burguesas do Século XVII”. A criação de um espaço jurídico transnacional no âmbito do TCA viabilizaria a soberania em nível regional e efetiva sustentabilidade dos espaços amazônicos, seus povos e conhecimentos tradicionais. Representam elementos para a construção de um regime sui generis de proteção aos conhecimentos tradicionais: sistemas diversos para conhecimentos diversos porque se entrelaçam entre si, são dinâmicos, complexos, criados dentro de um contexto com normas e práticas consuetudinárias; é necessária a adoção de medidas para a preservação e salvaguarda dos conhecimentos tradicionais e o estabelecimento de mecanismos que protejam esses conhecimentos de utilização não utilizada ou indevida com fins de ofender os conhecimentos, inovações e práticas tradicionais; um sistema que busque uma proteção eficaz, tanto positiva como preventiva. É necessário considerar os objetivos perseguidos, o objeto da proteção, o conteúdo dos direitos, os requisitos da proteção, os beneficiários e titulares 147 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE da proteção, os modos de aquisição dos direitos, a duração e os mecanismos de proteção desses direitos. Wolkmer (2013, p. 271) afirma que “em uma sociedade multicultural, o pluralismo fundado numa democracia expressa o reconhecimento dos valores coletivos materializados na dimensão cultural de cada grupo e de cada comunidade”. Como o bem protegido é dotado de forte componente valorativo, Alexy (2005, p. 5) entende que o sistema jurídico deve ter uma base axiológica consistente como condição legitimadora e levada a discussão ao seu limite. Deve ser agregado um conteúdo material substantivo às normas para que efetivamente estejam a serviço da justiça corretiva e distributiva. Só assim o direito será efetivamente um instrumento revolucionário de transformação social, por fomentar a cooperação e a solidariedade em todas as suas dimensões. Cruz e Bodnar (2014, p. 50) entendem que “um dos objetivos mais importantes de um projeto de futuro com sustentabilidade é a busca constante pela melhoria das condições sociais das populações mais fragilizadas socialmente”. O objeto de proteção é o conhecimento, as inovações e práticas que fazem parte do patrimônio cultural material e imaterial das comunidades locais e indígenas. Um sistema sui generis deve partir da premissa que uma relação entre partes desiguais deve conter mecanismos de freios e contrapesos para equilibrar a relação contratual. É importante a inversão do ônus da prova em favor dos credores dos conhecimentos tradicionais, facilitando a sua defesa, tanto administrativa como judicialmente. Estabelecer uma Entidade de Gestão que participe das decisões sobre as normas e políticas relacionadas com as comunidades tradicionais. Os fundos compensatórios são importantes instrumentos jurídicos para garantir que as comunidades tradicionais possam concordar com recursos econômicos para o desenvolvimento de projetos de conservação, desenvolvimento para a proteção dos conhecimentos, inovações e práticas tradicionais. O registro voluntário pelos possuidores pode ser um instrumento útil na proteção e especialmente na preservação dos mesmos. Nas bases de dados os registros dos conhecimentos tradicionais, somente podem ser considerados como um enfoque para a proteção dos mesmos, mas não como requisito para a proteção e menos ainda para o reconhecimento dos direitos das comunidades tradicionais. CONCLUSÃO Buscou-se elaborar um conceito de povos tradicionais, considerando a complexidade sociocultural amazônica. Foi apresentado o tratamento nacionalmente dado à questão da sustentabilidade ambiental e da biodiversidade associada aos conhecimentos tradicionais, bem como a oposição entre função 148 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE ecológica e função econômica dos bens ambientais. Garantir os direitos dos povos tradicionais quando seus conhecimentos são utilizados pela indústria biotecnológica é uma proteção complexa, eis a dificuldade de identificação do conhecimento tradicional original e o produto industrializado, o preconceito epistêmico e a dificuldade de transitar-se entre as normas nacionais e internacionais sobre o tema. Destaca-se o papel do Direito Ambiental para a sustentabilidade da floresta amazônica, espaço que não conhece fronteiras, razão pela qual foi adotada a visão transnacional do Direito Ambiental, numa tentativa de garantir a compreensão do efeito deste ramo do Direito em todo o território amazônico. Os países amazônicos passaram por um processo semelhante, adaptando suas Constituições à necessidade de proteção ambiental, sobretudo a partir da Conferência de Estocolmo. Sustentabilidade é essencial para manter os modos de vida dos povos tradicionais, sendo necessário compatibilizar a proteção ambiental com o avanço econômico e a justiça social. As demandas socioambientais de uma sociedade de risco exigem respostas que a soberania não é capaz de oferecer e o mercado é outro fator de fragmentação, sendo necessário desenvolver um Direito Transnacional. No contexto da Amazônia se propõe a estruturação do sistema de Direito Transnacional através de um instrumento de regulação transnacional (IRT) no âmbito do TCA. Trata-se da criação de um regime sui generis de regulação transnacional para promover a normatização transnacional no âmbito do TCA, pela conjugação dos interesses comuns dos países amazônicos. Para dar exequibilidade a este Instrumento, de modo democrático deve ocorrer etapas de ampla participação, promovendo soberania local e enfrentamento da colonialidade, garantindo a sustentabilidade ambiental amazônica e a manutenção de seus povos tradicionais, seus modos de vida e conhecimentos. A pesquisa em epígrafe apresentou a proposta de criação de um instrumento de regulação transnacional, um espaço jurídico transnacional formado pelos países amazônicos, com a principal finalidade de normatizar a sustentabilidade dos ambientes florestais amazônicos. O instrumento de regulação transnacional representa uma normatização transnacional no âmbito do TCA, criada por intermédio da conjugação dos interesses comuns dos países amazônicos. Sua criação objetivaria harmonizar e positivar o Direito Ambiental dos países amazônicos, garantindo a aplicação uniforme de suas normas e servindo de instrumento efetivo na resolução dos litígios ambientais. 149 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE REFERÊNCIAS ALEXY, Robert. La institucionalización de la justicia. Tradução de José Antonio Soane, Eduardo Roberto Sodero, Paulo Rodrigues. Granada: Comares, 2005. BECK, Urich. La sociedade del riesgo. Hacia uma nueva modernidad. Barcelona: Paidós, 2010. BENATTI, José Heder. Unidades de conservação e as populações tradicionais. Novos Cadernos NAEA, v. 2, n. 2, dez. 1999. Disponível em: <http://www. periodicos. ufpa.br/index. php/ncn/article/viewFile/111/174>. Acesso em: 15 fev. 2015. BOFF, Leonardo. Sustentabilidade: o que é – O que não é. Petrópolis: Vozes, 2013. BROWN JÚNIOR, Keith; FREITAS, André Vitor L. Diversidade biológica no Alto Juruá: avaliação, causas e manutenção. In: CUNHA, M. C.; ALMEIDA, M. B. (Org.). 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Revista da Unifebe, dezembro de 2012, p. 239-252. Disponível: <http://www.unifebe.edu.br/revistaeletronica>. Acesso em: 12 jan. 2015. 151 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE _______. Por um Novo Modelo de Estado: o Estado de Direito Ambiental. In: SANTO, Davi do Espirito; PASOLD, Cesar Luiz (coord). Reflexões sobre a Teoria da Constituição e do Estado. Florianópolis: Insular, 2013. WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico: Os novos caminhos da contemporaneidade. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. 152 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE POSSÍVEIS IMPACTOS DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL ÚNICO ESTABELECIDO PELA LEI COMPLEMENTAR N.o 140, DE 08 DE DEZEMBRO DE 2011 POSSIBLE IMPACTS OF THE ENVIRONMENTAL SOLE LICENSE STABLISHED BY COMPLEMENTARY LAW N.o 140, FROM DECEMBER, 8th, 2011 Andrea Cláudia Sales Silva Advogada. Professora Universitária. Discente do Programa de Mestrado em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas. Especialista em Direito Processual Civil (Universidade Federal do Amazonas). E-mail: [email protected] Cristine Cavalcanti Gomes Analista Jurídica do Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas. Discente do Programa de Mestrado em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas. Especialista em Direito Público (Uniderp/Anhanguera). E-mail: [email protected] Resumo: A Lei n. 6.938 de 31 de agosto de 1981, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, é um marco divisor para a proteção ambiental, porque inseriu uma perspectiva de tratamento global à defesa do meio ambiente. O licenciamento ambiental foi escolhido como um dos principais instrumentos para a consecução dos objetivos de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente. Todavia a sobredita norma não delimitou a exata competência administrativa dos entes federados na realização do licenciamento ambiental. Nesse diapasão houve a edição da Lei Complementar n. 140, de 08 de dezembro de 2011, versando acerca da repartição de ações administrativas dos entes federados e disciplinando sobre o exercício do licenciamento ambiental, sendo, ainda, instituído no seu art. 13, a figura do licenciamento ambiental único, com o fulcro de evitar sobreposição de atuações entes os componentes da Federação, objeto de estudo do presente resumo. Palavras-Chave: Ambiente; Licenciamento; Único. Abstract: The Law n. 6938 of 31 August 1981, which established the National Environmental Policy is a milestone for environmental protection, because inserted a global perspective to the treatment of environmental protection. The environmental licensing was chosen as one of the main tools for achieving the goals of preservation, improvement and recovery of environmental quality. 153 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE However, the aforesaid rule did not define the exact administrative competence of federal entities in carrying out the environmental licensing. In this vein there was the issue of Complementary Law n. 140, of December 8, 2011, dealing about the division of administrative actions of federal entities and regulating the exercise of the environmental licensing and is also set to your art. 13, the figure of the unique environmental licensing, with the fulcrum to avoid overlapping actions loved the components of the Federation, subject matter of this summary. Keywords: Environment; Licensing; Single. INTRODUÇÃO A evolução da tutela jurídica do meio ambiente, no Brasil, partiu de uma visão compartimentada e alcançou uma perspectiva de defesa global e integrada, com a edição da Lei n. 6.938 de 31 de agosto de 1981, que instituiu um amplo sistema de tutela jurídico-administrativa, estabelecendo objeto, objetivos, princípios e instrumentos, aptos, ao menos em tese, para assegurar a preservação e recuperação do meio ambiente. O licenciamento ambiental, previsto com instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, tem como objetivo a fiscalização e o controle dos empreendimentos que utilizam os recursos naturais, a fim de evitar o esgotamento dos mesmos, em virtude de um uso indevido e inadequado. O presente artigo tem como objetivo analisar a eficiência sob o aspecto jurídico do instituto do licenciamento ambiental único, instituído pelo art. 13, da Lei Complementar n. 140, de 08 de dezembro de 2011, como garantia à sadia qualidade do meio ambiente, sua defesa e proteção, considerando que, apenas um ente será o competente para a sua realização. Os procedimentos metodológicos utilizados foram, quanto aos fins, a pesquisa exploratória, a fim de permitir uma visão geral do tema proposto. Quanto aos meios, a pesquisa bibliográfica, constituída principalmente de obras doutrinárias, legislação nacional e, também, pesquisa documental realizadas em decisões proferidas sobre o tema estudado. A pesquisa procurou demonstrar que a unicidade do licenciamento ambiental, apesar de ter contribuído para evitar a duplicidade de atuações entre os entes federados, poderá não ser tão eficiente para a proteção do meio ambiente, de forma a atender os objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente e o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado das presentes e futuras gerações. 1. A POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE O Meio Ambiente é definido, de forma singela, como tudo que nos cerca, envolvendo os aspectos natural, artificial, cultural, histórico, paisagístico 154 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE e do trabalho. De acordo com Silva (1997, p. 02) o conceito de meio ambiente deve ser global, abrangendo a natureza original e artificial e os bens culturais, o patrimônio histórico, turístico e arqueológico. Sob a égide da Constituição Federal de 1969 e com fundamento em seu art. 8º, XVII, “c”, “h” e “i”, foi editada a Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação. A edição da Política Nacional do Meio Ambiente teve como uma de suas influências, além da forte pressão internacional decorrente de danos ambientais importantes, a Conferência sobre Meio Ambiente Humano, realizada em 1972 em Estocolmo, na Suécia, a qual delimitou profundamente as premissas do direito ambiental, cujo resultado final foi a “Declaração de Estocolmo” com 26 princípios, que representavam a inquietude daquela ocasião, com o risco e dano ambientais crescentes. A Declaração continha em seu texto os princípios do direito fundamental à liberdade, à igualdade e a uma vida com condições adequadas de sobrevivência, num Meio Ambiente que permitisse uma vida digna, ou seja, com qualidade de vida, com a finalidade também, de preservá-lo e melhorá-lo, para as gerações atuais e futuras. Foi nessa circunstância que o Meio Ambiente passou a ser considerado, na perspectiva normativa, primordial e essencial para que todo ser humano pudesse gozar dos direitos humanos fundamentais, dentre eles, o próprio direito à vida. A Conferência das Nações Unidas de Estocolmo, realizada em 1972, propiciou que todos os povos passassem a perceber a natureza de maneira diferente, inclusive o Brasil, que a época, não possuía arcabouço jurídico específico para a proteção ao Meio Ambiente. Posteriormente, com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a alteração de redação promovida pela Lei n. 8.028, de 12 de abril de 1990 no art. 1º, da Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, seu fundamento de validade passou a ser o art. 23, incisos VI e VII e art. 235, da CF/88. A criação e formulação de uma Política Nacional do Meio Ambiente, segundo Silva (2013, p. 231) “foi um passo importante para dar tratamento global e unitário à defesa da qualidade do meio ambiente no país”, uma vez que, até então, o tratamento jurídico dedicado ao meio ambiente era compartimentado, observando o tipo de recurso, fauna, flora, dentre outros elementos, envolvidos. A Lei n. 6.938/81 é um marco para o direito ambiental, tendo em vista que formalmente passou a existir as políticas públicas relacionadas ao Meio Ambiente que deveriam ser desenvolvidas pelos entes federados. A Lei em tela trouxe a definição de conceitos básicos tais como o de Meio Ambiente, de degradação e de poluição, estabeleceu objetivos, diretrizes e instrumentos de defesa ambiental. Corrobora Milaré (2004, p. 381): 155 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE sua implementação, seus resultados, assim como a estabilidade e a efetividade que ela denota, constituem um sopro inovador, mais ainda um salto de qualidade na vida pública brasileira. Seus objetivos nitidamente sociais e a solidariedade com o planeta que, mesmo implicitamente, se acham inscritos em seu texto, fazem dela um instrumento legal de grandíssimo valor para o país e de alguma forma, para outras nações sul-americanas com as quais o Brasil tem extensas fronteiras. Neste sentido, merece destaque o caráter protecionista da Política Nacional do Meio Ambiente, a qual buscou a responsabilização por danos ao meio ambiente, em uma perspectiva objetiva, por meio da qual o poluidor tem a obrigação de reparar os danos causados ao meio ambiente independentemente da verificação de culpa em sua conduta, sendo suficiente para a sua condenação na obrigação de indenização ou reparação, a existência do dano ambiental e a prova do nexo causal com a origem da poluição e/ou degradação. Além disso, apesar de a Política Nacional ter sido editada quando em vigor um regime de exceção da Constituição de 1969, a mesma inovou ao prever como objetivo “a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana”, em seu art. 2º, o que representou um grande avanço em sede de legislação ambiental. Nesse aspecto pode ser constatada a forte influência da Carta de Estocolmo de 1972, a qual fazia referência expressa ao desenvolvimento econômico (Princípio 8) e à proteção da dignidade da pessoa humana (Princípio 1), nos seguintes termos: 1 - O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna, gozar de bemestar e é portador solene de obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente, para as gerações presentes e futuras. A esse respeito, as políticas que promovem ou perpetuam o “apartheid”, a segregação racial, a discriminação, a opressão colonial e outras formas de opressão e de dominação estrangeira permanecem 156 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE condenadas e devem ser eliminadas. (...) 8 - O desenvolvimento econômico e social é indispensável para assegurar ao homem um ambiente de vida e trabalho favorável e criar, na Terra, as condições necessárias à melhoria da qualidade de vida. Ao instituir a Política Nacional do Meio Ambiente, a lei relacionou, em seu art. 2º43, princípios tais como a consideração do meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo; a proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas, a partir dos quais houve mudança de entendimento, adotandose novo paradigma de pensamento e postura. Os objetivos foram previstos no art. 4º, os quais se mostraram bastante conectados aos princípios referidos, a saber: I - à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico; II - à definição de áreas prioritárias de ação governamental relativa à qualidade e ao equilíbrio ecológico, atendendo aos interesses da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios; III - ao estabelecimento de critérios e padrões de qualidade ambiental e de normas relativas ao uso e manejo de recursos ambientais; IV - ao desenvolvimento de pesquisas e de tecnologias nacionais orientadas Art 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios: I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo; II - racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar; Ill - planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais; IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas; V - controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras; VI - incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos ambientais; VII - acompanhamento do estado da qualidade ambiental; VIII - recuperação de áreas degradadas; IX - proteção de áreas ameaçadas de degradação; X - educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente. 43 157 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE para o uso racional de recursos ambientais; V - à difusão de tecnologias de manejo do meio ambiente, à divulgação de dados e informações ambientais e à formação de uma consciência pública sobre a necessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico; VI - à preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida; VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos. Destaque, neste enfoque, à instituição dos princípios usuário-pagador e poluidor-pagador, que tem como um dos seus principais objetivos evitar com que o Poder Público e terceiros suportem, os custos da utilização dos recursos ambientais com fins econômicos, pelos empreendimentos ou atividades. Sobre os referidos princípios destacou Machado (2014, p. 90 e 91): O uso dos recursos naturais pode ser gratuito como pode ser pago. A raridade do recurso, o uso poluidor e a necessidade de prevenir catástrofes, entre outras coisas, podem levar à cobrança do uso dos recursos naturais. (...) O princípio usuário-pagador contém também o princípio poluidor-pagador, isto é, aquele que obriga o poluidor a pagar a poluição que pode ser causada ou que já foi causada. O uso gratuito dos recursos naturais tem representado um enriquecimento ilegítimo do usuário, pois a comunidade que não usa do recurso ou o utiliza em menor escala fica onerada. O poluidor que usa gratuitamente o meio ambiente para nele lançar os poluentes invade a propriedade pessoal de todos os outros que não poluem, confiscando o direito de propriedade alheia. Além disso, o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 3.378DF, da relatoria do então Ministro Carlos Ayres Britto, firmou o posicionamento de que o princípio do usuário-pagador era “um mecanismo de assunção partilhada da responsabilidade social pelos custos ambientais derivados da atividade econômica”. 158 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE A Lei n. 6.938 de 31 de agosto de 1981, instituiu, também, o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, sem personalidade jurídica ou outra identificação, e o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, órgão consultivo e deliberativo do primeiro, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental. Trouxe em seu art. 9º44 a previsão dos instrumentos realizadores da Política Nacional do Meio Ambiente, cabendo destacar o zoneamento ambiental, a avaliação dos impactos ambientais e o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras. O instrumento do licenciamento, previsto no art. 10, sofreu importantes modificações no ano de 2011, com a edição da Lei Complementar n. 140, de 08 de dezembro de 2011, a qual suprimiu do referido dispositivo o texto seguinte ao termo licenciamento, a saber: “de órgão estadual competente integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis”. Com a referida modificação, houve então a supressão da competência supletiva de órgão estadual competente integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, decorrente da reformulação do exercício da competência supletiva do IBAMA e pela alteração da centralização Art 9º - São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente: I - o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental; [...] V - os incentivos à produção e instalação de equipamentos e a criação ou absorção de tecnologia, voltados para a melhoria da qualidade ambiental; VI - a criação de reservas e estações ecológicas, áreas de proteção ambiental e as de relevante interesse ecológico, pelo Poder Público Federal, Estadual e Municipal; VI - a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público federal, estadual e municipal, tais como áreas de proteção ambiental, de relevante interesse ecológico e reservas extrativistas; VII - o sistema nacional de informações sobre o meio ambiente; VIII - o Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental; IX - as penalidades disciplinares ou compensatórias ao não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção da degradação ambiental. X - a instituição do Relatório de Qualidade do Meio Ambiente, a ser divulgado anualmente pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA; (Incluído pela Lei nº 7.804, de 1989) XI - a garantia da prestação de informações relativas ao Meio Ambiente, obrigando-se o Poder Público a produzí-las, quando inexistentes; (Incluído pela Lei nº 7.804, de 1989) XII - o Cadastro Técnico Federal de atividades potencialmente poluidoras e/ou utilizadoras dos recursos ambientais. (Incluído pela Lei nº 7.804, de 1989) XIII - instrumentos econômicos, como concessão florestal, servidão ambiental, seguro ambiental e outros. 44 159 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE do licenciamento dos recursos ambientais pelos Estados, conforme Machado (2014, p. 320). Isso ocorreu em adequação a Constituição Federal de 1988, que estabeleceu a competência comum aos entes federados na tutela ambiental, os quais deveriam, de igual sorte, adotar medidas de garantir a todos um meio ambiente ecologicamente equilibrado. A Política Nacional do Meio Ambiente é, portanto, um marco na consideração dos bens jurídicos, tendo em vista que instaurou, de forma efetiva, a proteção de forma globalizada, dispondo, ainda, sobre objetivos, finalidades, instrumentos, valores pertinentes ao meio ambiente, que deverão ser adotados amplamente. 2. A LEI COMPLEMENTAR 140, DE 08 DE DEZEMBRO DE 2011 Com fundamento nos incisos III, VI e VII, do caput e do parágrafo único art. 23, da Constituição Federal de 198845 foi editada a Lei Complementar n. 140, de 08 de dezembro de 2011, para, consoante seu art. 1º: fixar normas nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23, da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora. A referida Lei foi aprovada após longa tramitação, quase uma década, regulamentando os meios de exercício da competência comum para a defesa proteção ao meio ambiente. Além disso, disciplinou o licenciamento Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: […] III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; […] VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII - preservar as florestas, a fauna e a flora; Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional. 45 160 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE ambiental instituindo o princípio da unicidade do licenciamento. Analisando o fundamento de edição da norma, Machado ponderou (2014, p. 180): As leis complementares do parágrafo único do art. 23 da CF não têm por finalidade modificar o caput do próprio artigo, isto é, não podem pretender transformar competências que são comuns, em competências privativas, únicas e especializadas. Se fossem esses os objetivos do parágrafo único, seria preciso uma transformação radical no texto do caput do art. 23. [...] A Constituição não quer que o meio ambiente seja administrado de forma separada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. É razoável entenderse que, na competência comum, os entes federados devam agir conjuntamente. Nesses termos, a competência para a defesa e proteção do meio ambiente, garantindo um desenvolvimento sustentável, pela União, Estados, Municípios e Distrito Federal continua a ser comum, que se dará, nos termos da referida Lei, em seu art. 4º, por meio dos seguintes instrumentos de cooperação: consórcios públicos, convênios, acordos de cooperação técnica e outros instrumentos similares com órgãos e entidades do Poder Público, respeitado o art. 241, da Constituição Federal, Comissão Tripartite Nacional, Comissões Tripartites Estaduais e Comissão Bipartite do Distrito Federal, fundos públicos e privados e outros instrumentos econômicos, delegação de atribuições de um ente a outro, respeitados os requisitos legais e delegação da execução de ações administrativas de um ente a outro, observando a lei. A Lei Complementar n. 140, de 08 de dezembro de 2011, elencou nos incisos do art. 3º, os seus objetivos46 destacando-se o de evitar a sobreposição Art. 3o Constituem objetivos fundamentais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, no exercício da competência comum a que se refere esta Lei Complementar: I - proteger, defender e conservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, promovendo gestão descentralizada, democrática e eficiente; II - garantir o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico com a proteção do meio ambiente, observando a dignidade da pessoa humana, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais; III - harmonizar as políticas e ações administrativas para evitar a sobreposição de atuação entre os 46 161 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE de atuação entre os entes federativos a fim de impedir conflitos de atribuições, tendo em vista que, ao tempo em que há a referida previsão, houve a instituição da mesma atribuição, no que é pertinente ao controle da produção, da comercialização e a utilização de técnicas com potencialidade de causar riscos à vida, à qualidade de vida e ao meio ambiente para a União, Estados e Municípios, conforme Machado (2014, p. 182). Nos artigos 7º a 9º da Lei Complementar n. 140/2011 é feita a repartição da competência administrativa dos entes federados, sendo as da União no art. 7º, a dos Estados no art. 8º, as do Município no art. 9º, sendo atribuídas ao Distrito Federal as previstas nos arts. 8º e 9º (art. 10), a respeito basicamente das seguintes matérias: acesso ao conhecimento tradicional, educação ambiental, espaços territoriais, flora, fauna, florestas, patrimônio genético, risco, zona costeira, pesca e produtos perigosos. Acerca da repartição de competências realizada pela referida Lei critica Machado (2014, p. 190): A fixação de normas para a cooperação entre os entes federados feita pela Lei Complementar 140/2011, deixou muitas áreas de atuação dos entes federados com a competência comum idêntica à situação anterior da elaboração dessa lei, como a educação ambiental, a definição dos espaços territoriais protegidos e o controle de risco. (...) Excetuando as competências outorgadas pelos arts. 21, 25, 29, 29-A e 30, da Constituição, todas as atribuições de competência da Lei Complementar 140/2011, ficarão, em cada caso, sujeitas à livre adesão pelos entes federativos, que não podem ser constrangidos, sem violação constitucional, à abstenção do exercício da competência comum. A referida crítica se deve ao fato de que, além de não ter havido bastante inovação, em algumas matérias impôs ressalvas à competência do ente, especialmente ao Estado, inobstante à competência comum prevista para o mesmo ente federado na Constituição Federal. Assim, a Lei Complementar entes federativos, de forma a evitar conflitos de atribuições e garantir uma atuação administrativa eficiente; IV - garantir a uniformidade da política ambiental para todo o País, respeitadas as peculiaridades regionais e locais. 162 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE em seus 22 artigos versa basicamente acerca de dois temas: a divisão das competências administrativas ente os entes federativos e sobre o licenciamento ambiental, tendo sido instituído em seu art. 13, o licenciamento ambiental único, que será objeto de análise a seguir. 3. O LICENCIAMENTO AMBIENTAL ÚNICO Nos termos do art. 2º, I, da Lei Complementar 140/2011, o conceito de licenciamento ambiental é o “procedimento administrativo destinado a licenciar atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental”. Trata-se, portanto, de um procedimento administrativo, composto de etapas complexas, por meio do qual o órgão ambiental competente, utilizandose das disposições e regulamentações acerca da matéria licencia a localização, instalação, ampliação e operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais considerada efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental (Fiorillo, 2012). O direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado encontra-se previsto no art. 225, da Constituição Federal de 1988, o qual significa “que há um direito a que não se desequilibre ecologicamente o meio ambiente” (Machado, p. 62). A degradação ambiental é por seu turno, “caracterizada pela diminuição da quantidade existente ou deterioração da qualidade dos bens e serviços providos pelo meio ambiente” (Ortiz; Ferreira, 2004, p. 34), ou seja, quando há um redução ou perda da capacidade do que é produzido pelo meio ambiente decorrente de ação externa. Nesse diapasão mostra-se a importância do licenciamento ambiental como um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, uma vez que, possibilitará um controle por parte da Administração Pública no que é pertinente às atividades ou empreendimentos que façam uso dos recursos do meio ambiente e que, causem ou possam causar, diminuição do que é produzido por ele, como bem ressaltou Silva (2013, p. 61): a proteção ambiental abrangendo a preservação da Natureza em todos os seus elementos essenciais à vida humana e à manutenção do equilíbrio ecológico, visa a tutelar a qualidade do meio ambiente em função da qualidade de vida, como uma forma de direito fundamental da pessoa humana. 163 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Após a edição da Política Nacional do Meio Ambiente, a utilização do licenciamento ambiental era bastante controverso, tendo em vista que a norma não disciplinava, de forma exata, qual ente federado tinha a competência para determinado tipo de licenciamento, fazendo com que, em alguns casos, houvesse um licenciamento simultâneo por mais de um ente. Posteriormente, na tentativa de dar um tratamento mais adequado e seguro à matéria, foi elaborada a Resolução n. 237/97 do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA, a qual estabelecia, dentre outras questões, como seria realizado a distribuição das competências comuns aos entes da federação, contudo era bastante questionada a sua constitucionalidade, tendo em vista que a Constituição Federal de 1988 estabelecia no parágrafo único do art. 23, que caberia a Lei Complementar fixar as normas de cooperação entre os entes federados. Nesse diapasão houve então a edição da Lei Complementar n. 140, de 8 de dezembro de 2011, a qual basicamente ratificou as normas pertinentes ao licenciamento ambiental já anteriormente previstas na Resolução 237/97 do CONAMA, cujas normas não conflitantes com a Lei Complementar continuam em vigor. Com o advento da Lei Complementar houve por meio de seu art. 13, a previsão do licenciamento ambiental por um único ente federado, objeto de estudo do presente artigo. Eis a redação da norma: Art. 13. Os empreendimentos e atividades são licenciados ou autorizados, ambientalmente, por um único ente federativo, em conformidade com as atribuições estabelecidas nos termos desta Lei Complementar. § 1º Os demais entes federativos interessados podem manifestar-se ao órgão responsável pela licença ou autorização, de maneira não vinculante, respeitados os prazos e procedimentos do licenciamento ambiental. § 2º A supressão de vegetação decorrente de licenciamentos ambientais é autorizada pelo ente federativo licenciador. § 3º Os valores alusivos às taxas de licenciamento ambiental e outros serviços afins devem guardar relação de proporcionalidade com o custo e a complexidade do serviço prestado pelo ente federativo. 164 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE A instituição do licenciamento ambiental único decorreu da necessidade de evitar que dois ou mais entes federados tivessem atuação no licenciamento ambiental de determinado empreendimento ou atividade. Dessa forma, passouse a prever que apenas o ente que detivesse a competência atribuída pela Lei Complementar pudesse licenciar os empreendimentos e atividades, o que faz surgir questionamentos acerca da eficiência deste licenciamento ao atendimento dos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente e ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. A Constituição Federal prevê em seu art. 37, dentre os princípios que devem nortear a Administração Pública, a eficiência, capacidade de produzir um resultado em razão da função e dos fins para os quais foram criados. Sobre o princípio da eficiência Pondera Lucia Valle Figueiredo (2000, p. 60): Mas que é eficiência (ponto de interrogação) No dicionário Aurélio, eficiência é ‘ação, força, virtude de produzir um efeito; eficácia’ Ao que parece, pretendeu o ‘legislador’ da Emenda 19 simplesmente dizer que a Administração deveria agir com eficácia. Todavia, o que podemos afirmar é sempre a Administração deveria agir eficazmente. É isso o esperado dos Administradores. À primeira vista, a ocorrência de licenciamentos simultâneos parece ineficiente e o licenciamento ambiental único eficiente, considerando que a Administração estaria empreendendo por mais de uma vez recursos para licenciar apenas uma atividade ou empreendimento. Porém, tal argumento não deve prevalecer sem que se leve em consideração os deslindes do caso concreto, considerando as diversidades existentes entre os entes da Federação, com bem pontua Paulo Affonso Machado (2014, p. 323): A argumentação tem uma aparência sedutora, mas não é sólida, pela razão de que, no Brasil, há uma grande desigualdade de capacitação relativa aos órgãos ambientais dos entes federativos, dependendo da região onde estejam localizados. A desigualdade é tão real, que ela é apontada no início da própria Constituição da República (art. 3, III). Confiar a tarefa de licenciamento ambiental a Municípios desprovidos de pessoal e de laboratórios habilitados, em regiões, infelizmente ainda marginalizados, é 165 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE tornar ineficiente esse licenciamento contribuindo para a degradação ambiental. Além disso, o licenciamento ambiental único, apresentado como sinônimo de eficiência, como significado de segurança de que haverá redução ou mitigação dos danos ambientais decorrentes dos empreendimentos ou atividades pode não levar em consideração os interesses das futuras gerações, mas, tão somente das atuais. Isso porque, ao se valorizar a rapidez na concessão da licença, em razão da Administração eficiente, para que o empreendimento seja desenvolvido de forma célere, outros aspectos também valorosos, que imponham uma maior investigação sobre aquela atividade, talvez sejam deixados de lado, colocando em risco o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Por outra via, a sobreposição de atuações que serviu como fundamento para a instituição do licenciamento ambiental único, tem também um lado positivo, considerando que haverá mais informações acerca do empreendimento ou atividade que se pretende licenciar, o que trará mais segurança na proteção jurídica do meio ambiente. A lei prevê apenas no parágrafo primeiro do art. 13, que os demais entes interessados, que não seja o licenciador, poderão apresentar manifestação ao responsável, que não é vinculante, observando os prazos e o procedimento do licenciamento. Sobre essa cooperação afirma Machado (2014, p. 324): É uma cooperação dos entes federativos, que não estejam classificados pela Lei Complementar como órgão licenciador, e que poderão manifestar-se perante o órgão administrativo. É uma atividade não obrigatória. Essa manifestação, se houver, não tem caráter vinculante, isto é, não obriga o órgão licenciador a obedecê-la. Desse modo, verifica-se que a eficiência nem sempre é garantia de resultados adequados e da segurança da não ocorrência de danos ambientais. Em outro aspecto, ainda no campo da não eficiência do instituto do licenciamento ambiental, no âmbito do Estado do Amazonas, tramitou o projeto de Lei n. 155/2015, oriundo do Poder Executivo, aprovado em sessão do dia 09 de junho de 2015, que estabelece normas aplicáveis ao licenciamento ambiental no âmbito do Estado do Amazonas, de competência do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas – IPAAM, o qual possibilita, ante a falta de manifestação de outros órgãos federais envolvidos no processo de licenciamento ambiental, nos prazos estabelecidos em normas federais, especialmente a 166 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Portaria Interministerial n. 60, de 25 de março de 2015, a continuidade do processo de licenciamento ambiental, incluindo, a expedição da respectiva licença. Eis o teor da Lei 4.185, de 26 de junho de 2015: Art. 1.º A falta de manifestação dos órgãos e entidades federais envolvidos no processo de licenciamento ambiental de competência do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas - IPAAM, nos prazos estabelecidos em normas federais, especialmente na Portaria Interministerial n. 60, de 25 de março de 2015, ou outro instrumento normativo que lhe venha substituir, não implicará prejuízo ao andamento do processo de licenciamento ambiental, nem para a expedição da respectiva licença ambiental. Parágrafo único. A manifestação extemporânea dos órgãos e entidades envolvidos a que se refere o caput deste artigo será considerada pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas IPAAM na fase em que se encontrar o processo de licenciamento ambiental. Art. 2.º Aplica-se ao processo de licenciamento ambiental de competência do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas - IPAAM, no que couber, o disposto na Portaria Interministerial n. 60, de 24 de março de 2015, especialmente o disposto no seu art. 7.º, § 4.º. É cediço que algumas áreas são muito específicas e demandam trabalho especializado, e, nos termos da referida Lei, se os órgãos especializados não conseguirem emitir parecer no prazo determinando, o procedimento de licenciamento poderá seguir, com a expedição da licença ambiental, inclusive. Os danos ao meio ambiente dessa forma, não serão evitados, perdendo-se, por conseguinte, a essência do licenciamento ambiental, uma vez que o IPAAM poderá não ter a expertise necessária para avaliar o impacto naquele setor. 167 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE CONCLUSÃO A Política Nacional do Meio Ambiente trouxe uma nova visão do direito ambiental brasileiro, tendo em vista que o estruturou como um ramo autônomo do direito, e, instituindo a tutela de proteção ao meio ambiente, por meio de um sistema com interligação e integração. Como um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, o licenciamento ambiental é uma ferramenta preventiva para a consecução do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. O licenciamento ambiental possui, então, como finalidade a regulamentação dos empreendimentos e atividades que causem ou tenham a potencialidade de causar danos ao meio ambiente. A lei Complementar n. 140, de 08 de dezembro de 2011, que adveio do projeto de Lei Complementar 12/2003, de autoria do Deputado Sarney Filho, em atenção ao mandamento constitucional do paragrafo único do art. 23, foi editada para regulamentar a competência dos entes federativos em relação ao licenciamento ambiental, considerando que a Política Nacional do Meio Ambiente foi silente acerca da matéria e a ocorrência em alguns casos de simultaneidade de ação entre eles. Em decorrência da existência da atuação de mais de um ente federado no licenciamento de determinado empreendimento ou atividade instituiu no art. 13, o licenciamento ambiental único, como forma de dar maior eficiência à Administração, em atenção ao princípio constitucional. Embora pareça em um primeiro momento que o estabelecimento da competência para licenciar a apenas um ente federativo será a garantia de eficiência e maior segurança na proteção de danos ambientais, mostra-se imperioso uma análise de cada caso concreto. Isso porque nem sempre aquele ente licenciador disporá das melhores tecnologias e profissionais adequados para a análise de determinada atividade ou empreendimento , levando-se em consideração as grandes desigualdades existentes no país. Além disso, a rapidez utilizada como sinônimo de eficiência, poderá impedir uma maior análise daquele que quer se licenciar, possibilitando maior ocorrência de danos ambientais e desrespeito ao princípio constitucional do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado às presentes e futuras gerações. Assim, a adoção do instituto que restringe a participação apenas ao ente competente para licenciar, a depender dos deslindes do caso concreto, não terá a eficiência necessária para a proteção do meio ambiente. 168 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado 1988. Disponível em: http://www.planalto. gov.br/ ccivil_03/ Constituicao/ Constituicao.htm. Acesso em 01 jul. 2015. BRASIL, Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/L6938.htm. Acesso em: 01 jul.2015. BRASIL, Lei Complementar n. 140, de 08 de dezembro de 2011. Fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/LCP/ Lcp140.htm. Acesso em: 01 jul.2015. BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADI 3.378-DF. Relator: Ministro CARLOS BRITTO. Julgamento: 09/04/2008. Publicação: DJe112, divulgado em 19/06/2008 e publicado em 20/06/2008. Disponível em http://www.stf.jus. br/portal/jurisprudencia/ listarJurisprudencia. asp?s1=%28ADI%24%2ESC LA%2E+E+3378%2ENUME%2E%29+OU+%28ADI%2EACMS%2E+AD J2+3378%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/ au665yh. Acesso em 10 jul. 2015. BRASIL, Ministério do Meio Ambiente. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução n. 237, de 19 de dezembro de 1997. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 19 dez. 1997. Disponível em: http://www.mma.gov.br/port/ conama/res/res97/res23797.html. Acesso em: 08 jul.2015. CONFERÊNCIA DE ESTOCOLMO. Site Consulado: http//www.mma.gov.br. Acesso em 15 jul.2015. FIGUEIREDO, Lucia Vale. Curso de Direito Administrativo. 4. Ed. São Paulo: Malheiros, 2000. 169 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 13. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012. FURLAN, Anderson; FRACALOSSI. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense, 2010. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 22 ed. São Paulo: Malheiros, 2014. MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: doutrina, prática, jurisprudência e glossário. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. ORTIZ, R.A.; FERREIRA, S.F. “O papel do governo na preservação do meio ambiente” In: BIDERMAN, C.; ARVATE, O. Economia do setor público. 4. reimpr. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 34-46. SILVA, José Afonso. Direito Ambiental Constitucional. 10 ed. São Paulo: Malheiros, 2013. SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual do Direito Ambiental. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2015. 170 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE PARTICIPAÇÃO SOCIAL EM DECISÕES POLÍTICAS AMBIENTAIS: DIMENSÕES E EFETIVIDADE SOCIAL PARTICIPATION IN ENVIRONMENTAL POLICY DECISIONS: DIMENSIONS AND EFFECTIVENESS Mayara Ferrari Longuini Mestre e doutoranda em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas e Bacharel em Direito pela Fundação Armando Alvares Penteado. É membro do Grupo de Pesquisa Estado e Economia no Brasil. Rafael Junqueira Buralli Mestre e doutorando em Ciências pelo Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo – FSP USP. Resumo: A reflexão sobre de que forma a participação da sociedade influencia no desenho das políticas públicas ambientais tem como principal alicerce o sistema democrático. No Brasil, um meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental garantido pela Constituição Federal e a participação social é a maneira pela qual a sociedade pode exercer a sua cidadania e apresentar as suas demandas aos tomadores de decisão. Formalmente, são assegurados instrumentos que viabilizam a participação social nas diferentes esferas da administração pública. Esses mecanismos são, muitas vezes, desconhecidos, subutilizados e não efetivos, seja pela ausência da participação da sociedade nos processos decisórios ou pela sobreposição interesses. O presente trabalho tem como objetivo analisar as dimensões jurídicas e efetividade da participação da sociedade em decisões políticas, que envolvem questões ambientais, no contexto do Estado Democrático de Direito. Palavras-Chave: Meio Ambiente; Participação Social; Políticas Ambientais. Abstract: The reflection on how social participation influences the design of environmental public policies has its main foundation on the democratic system. In Brazil, a healthy environment is a fundamental right guaranteed by Constitution and social participation is the way in which society can exercise their citizenship and present their demands to the decision makers. Formally, instruments that enable social participation are ensured in different spheres of government. These mechanisms are often unknown, under-used and ineffective, either by the absence of society’s participation or by interests overlapping. This study aims to analyze the law dimensions and effectiveness of the social participation in environmental policy decisions in the context of democratic state. 171 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Keywords: Environment; Social Participation; Environmental Policies. INTRODUÇÃO Falar sobre participação social em políticas ambientais brasileiras, especialmente frente aos problemas acentuados pela dinâmica do mundo globalizado, envolve refletir sobre democracia participativa e sobre o processo de emancipação social. Essa discussão revela um cenário normativo, mas que na prática se mostra pouco efetivo. A Constituição Federal de 1988 e a Política Nacional do Meio Ambiente (1981), que trazem o meio ambiente equilibrado como direito de todos e dever do Estado, garantem espaços de participação da sociedade na gestão ambiental e apresentam a educação ambiental como instrumento que estimula a participação ativa dos cidadãos em defesa do meio ambiente, visando a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental. A efetividade (ou a falta de) quando se trata de participação em decisões políticas ambientais depende, não só da garantia legal, mas também da educação ambiental para que o cidadão se sinta estimulado e desenvolva uma visão crítica, podendo se tornar um ator social protagonista na transformação do modelo econômico vigente, para um modelo mais justo e sustentável. Diante da crise ambiental percebida e sabendo que a essência do sistema democrático consiste na participação dos cidadãos no processo econômico e político de um país (especificamente nas decisões que envolvem questões ambientais no Brasil), é preciso investigar como e por meio de quais ferramentas os cidadãos podem exercer seu direito de participação em busca da manutenção de um meio ambiente equilibrado, essencial à saúde humana. 1. O QUE GARANTE A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE? A reflexão sobre de que forma a participação da sociedade influencia no desenho de políticas públicas ambientais tem como principal alicerce o sistema democrático. A democracia é uma forma de organização de Poder (BOBBIO, 2004) no sentido do modo como se comanda um Estado (um Estado pode ser comandado de forma totalitária ou de forma democrática). A democracia pode ainda, se manifestar por meio de modelos diferentes (LIJPHART, 2008), como, por exemplo, o modelo praticado na Inglaterra, chamado de majoritário, ou ainda, o chamado de consensual, praticado na Suíça, Bélgica e outros países da União Europeia. No contexto do sistema democrático, portanto, é possível encontrar maior ou menor grau de participação, mas necessariamente, devem ser 172 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE desenvolvidas receitas políticas em que se destaquem a preservação da liberdade, isto é, instrumentos garantidores da liberdade individual e social. O Estado Democrático brasileiro tem seus fundamentos prescritos no artigo 1o da Constituição Federal (CF) e seu parágrafo único estabelece que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Dessa maneira, a Constituinte de 88 estabeleceu um sistema que englobou a representação e participação. A proteção do meio ambiente também está prevista na CF, no artigo 225: “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Quando o texto constitucional diz que impõe-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo, é possível fazer ligação direta dessa diretriz com o princípio da cooperação, que diz respeito à participação conjunta da coletividade e Poder Público, dos Estados e Municípios, da cooperação entre Países em âmbito internacional.47 A “coletividade”, é expressão acolhida pela Constituição e compreende um grupo (maior ou menor) de indivíduos com interesse em comum e engloba as Organizações não-governamentais (ONGS), em forma de associações e fundações e ainda, as organizações da sociedade civil de interesse público. A participação está garantida, por consequência, aos indivíduos isoladamente. Apesar de o texto constitucional não ter expressado dessa maneira, em geral, não é preciso estar em grupo para poder atuar em defesa e preservação do meio ambiente. A participação dos indivíduos e das associações em decisões politicas ambientais (formulação e execução da política ambiental) é um traço característico do Direito Ambiental e a ideia é que os cidadãos saiam da condição passiva e partilhem da responsabilidade na gestão dos interesses que atingem toda a população. Para tanto, essas pessoas precisam ter acesso às informações para se conscientizarem e se posicionarem com relação as questões ambientais. Além disso, a informação deve ser transmitida pelos órgãos públicos a toda a sociedade de forma que as pessoas interessadas tenham condições de agir diante da Administração Pública e do Poder Judiciário. (MACHADO, 2010). O princípio da cooperação é um dos princípios incluídos na Declaração do Rio de Janeiro da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Realizada em 1992 (Rio92), na qual ficou decidido que os Estados irão cooperar, em espírito de parceria global, para a conservação, proteção e restauração da saúde e da integridade do ecossistema terrestre”, sustentando também, a colaboração das gerações atuais para não prejudicar a qualidade de vida das gerações futuras. Disponível em: < http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/rio92.pdf >. Acesso em: 9 nov 2015. 47 173 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Nesse mesmo sentido, estabeleceu o princípio n. 10 Declaração do Rio de Janeiro da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em 1992 (Rio92): A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular, colocando as informações à disposição de todos. Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que se refere à compensação e reparação de danos. Do princípio n. 10 da Declaração da Rio92, pode-se auferir que o direito à participação é indissociável do direito à informação, ambos essenciais para que a sociedade possa atuar em defesa do meio ambiente, conforme impõe o artigo 225 da CF. Sem simetria de informação garantida pelo Estado à sociedade, de nada servirão os mecanismos participativos previstos institucionalmente. Assim, atuação em conjunto entre entre Poder Público e coletividade é essencial, já que não seria possível atender a imposição constitucional de defender e preservar o meio ambiente, se esse dever fosse atribuído exclusivamente do Poder Público ou exclusivamente da sociedade. Fica claro com isso que além do direito de participar, a sociedade tem também o dever em participar. De acordo com MACHADO (2010), a participação da população em questões que envolvem a conservação do meio ambiente é característica da segunda metade do século XX, quando a participação por meio do voto passou a não satisfazer os cidadãos de modo geral. Isso porque, desde então, há uma falta de legitimidade na democracia que é revelada por um cenário no qual os cidadãos não se sentem representados pelos políticos eleitos. Atualmente, a sociedade demanda por um sistema de representação dos seus interesses, diferente do tradicional sistema representativo, pelo qual os partidos não são mais capazes de exercer tal representação. Em 23 de maio de 2014, foi publicado o Decreto n. 8.243, que instituiu a Política Nacional de Participação Social – PNPS e o Sistema Nacional de 174 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Participação Social – SNPS “com o objetivo de fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre administração pública federal e a sociedade civil” (BRASIL. Decreto n. 8.242/2014). Esse decreto, apesar de ter sofrido críticas da oposição, institucionalizou uma diretriz constitucional, reforçando e organizando o direito à participação social nas decisões políticas (não só em matéria ambiental mas em todas as matérias que envolvem as políticas públicas). O direito de participar, portanto, é garantido pelo ordenamento jurídico brasileiro, por meio de diversas formas, que serão abordadas no item a seguir. Interessante notar nesse momento que, não obstante o nosso modelo democrático tenha evoluído quanto às formas de participação, quanto ao fortalecimento da garantia constitucional do indivíduo expressar sua opinião e quanto aos esforços do governo no sentido de aumentar os canais de comunicação com a sociedade, parece que esse modelo ainda não é suficiente para incluir grupos sociais normalmente excluídos dos mecanismos tradicionais de deliberação e participação. É preciso se esforçar mais, para tornar os cidadãos atores realmente importantes nos processos de tomada de decisões, levando suas demandas e propostas relativas ao impacto do homem no meio ambiente e aos riscos ambientais que essa relação causa. A “sadia qualidade de vida” (art. 225, CF), só pode ser alcançada se o meio ambiente estiver equilibrado ecologicamente. Assim, além do direito ao meio ambiente sadio, a Constituição resguarda o direito à sadia qualidade de vida, já que a saúde dos seres humanos não se manterá em um ambiente poluído e doente. Hipócrates, ainda na segunda metade do Séc. V, escreveu sobre a influência do meio ambiente nas condições de saúde física e moral dos indivíduos. Em meados do Séc. XIX, o inglês John Snow, em suas investigações epidemiológicas, estabeleceu uma relação de causa e efeito entre as precárias condições de moradia e emprego e as epidemias de cólera em Londres. Com o advento da “Era Bacteriológica”, no final do Séc. XIX, o ambiente ficou renegado a segundo plano na cadeia de causalidade das doenças e no início do Séc. XX, a “Teoria da Multicausalidade” trouxe novamente o meio ambiente como um fator de risco para o adoecimento (GASPAR e OLIVEIRA, 2014). É sabido que o meio ambiente pode influenciar nas condições de vida dos indivíduos e, apesar disso, o cuidado do homem para com o meio em que vive, tem aparentemente se enfraquecido. O uso irresponsável dos recursos naturais levando-os à escassez e os eventos climáticos extremos são exemplos decorrentes da relação predatória do homem com o meio. 175 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Os recentes relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas – IPCC (UNEP, 2014) das Nações Unidas previram para as próximas décadas um aumento significativo das emissões de CO2 (e consequentemente da temperatura da Terra e dos oceanos) e a escassez hídrica já não é um problema exclusivo de cidades desérticas e atinge atualmente também as metrópoles. Ainda assim, o homem trata seus recursos naturais como inesgotáveis, a sociedade do consumo produz resíduos como nunca e a obsolescência programada impulsiona tanto a economia, nas diversas classes sociais, quanto a degradação do meio ambiente. Há ainda um inegável desgaste das relações sociais, entendido aqui como a perda das relações de confiança, solidariedade e apoio entre pessoas e grupos (acentuado pelo fenômeno da globalização). A natureza, a biodiversidade e o meio ambiente é de responsabilidade de todos. Deve ser de interesse do ser humano, em razão da sua própria saúde e sobrevivência conservar o meio em que vive. Diante desse fato, deve ser de interesse também de cada um tomar conhecimento e fazer parte de alguma forma das decisões administrativas que envolvem as questões ambientais. Nesse sentido, o Estado além de preservar a liberdade de expressão e opinião, garantindo juridicamente a participação dos cidadãos nas decisões ambientais, deve estimular a emancipação social, para que os indivíduos desenvolvam suas potencialidades e participem ativamente dos processos de tomadas de decisão. Deve ainda, promover a “educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente” (artigo 225, inciso VI, CF). Nas palavras de CANOTILHO (apud MACHADO, 2010) dois aspectos decorrem do princípio democrático: Em primeiro lugar o princípio democrático acolhe os mais importantes postulados da teoria democrática – órgãos representativos, eleições periódicas, pluralismo partidário, separação de poderes. Em segundo lugar, o principio democrático implica democracia participativa, isto é estruturação de processos que ofereçam aos cidadãos efetivas possibilidades de aprender a democracia, participar nos processos de decisão, exercer controle crítico na divergência de opiniões, produzir inputs políticos democráticos. O que garante, portanto, a participação da sociedade nas decisões políticas que envolvem questões ambientais são as normas constitucionais que fundamentam o sistema democrático brasileiro juntamente com os mandamentos constitucionais que impõem a defesa e a preservação do meio ambiente. 176 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Nesse sentido, além das medidas genéricas de participação social, quais seriam os mecanismos mais tradicionais existentes no ordenamento jurídico brasileiro de representação política e tomada de decisão na seara ambiental? 2. COMO A SOCIEDADE PARTICIPA? Esclarecido que a democracia é o alicerce fundamental para garantir a participação social em decisões políticas ambientais, se faz oportuno analisar as formas de participação e discutir sua importância e efetividade. Com a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), Lei n. 6.938 de 1981, houve a criação do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, cujo modelo de gestão definido estimula a participação da sociedade civil, a cooperação e interação dos organismos envolvidos com o controle e promoção do meio ambiente em todas as esferas administrativas. O artigo 2o traça o objetivo da PNMA e elenca vários princípios norteadores para sua consecução. Especificamente no inciso X, o texto enaltece a “educação ambiental a todos os níveis do ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente”. A educação ambiental é um mecanismo capaz de alterar o comportamento apático da sociedade em relação à importância da sua participação nos processos de tomada de decisão. É através da educação ambiental que o cidadão se assume como protagonista e portanto, é crucial que ele conheça quais são as instâncias de participação disponíveis. O Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA, órgão consultivo e deliberativo do SISNAMA, é um colegiado composto por órgãos federais, estaduais e municipais, setor empresarial e sociedade civil, conforme estabelecido pelos artigos 3o, inciso II, e 5o, do Decreto 99.274 de 199048). Na fatia de representação referente à sociedade civil existe uma composição diversificada de representantes. De acordo com o inciso VIII, do Decreto 99.274 de 1990, são, ao todo, 22 (vinte e dois) representantes, o que corresponde à 20% do CONAMA, enquanto que a maior fatia - 67,27% - é de representação dos governos federal, estadual e municipal; 7,27% entidades empresariais; e 5,45% de outras entidades (conselheiro sem direito a voto, membro honorário e Presidência). As 22 (vinte e duas) representações são distribuídas da seguinte forma: dois representantes de entidades ambientalistas de cada uma das Regiões Regulamenta a Lei nº 6.902, de 27 de abril de 1981, e a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõem, respectivamente sobre a criação de Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental e sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, e dá outras providências. 48 177 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Geográficas do País, e um representante de entidade ambientalista de âmbito nacional, contabilizando 11 conselheiros. Nesse caso, o MMA convoca eleição para que entidades ambientalistas se candidatem. É o Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas - CNEA que elege estas organizações49. Dentre estas entidades que estão cadastradas no CNEA, O Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA, em particular, o utiliza como pré-requisito para a eleição dos representantes das cinco regiões geográficas que ocupam a vaga de Conselheiro representante das Entidades Ambientalistas Civis no Plenário do CONAMA pelo período de dois anos, sendo que as Entidades candidatas e votantes deverão estar inscritas no CNEA por igual período. Três representantes são de associações legalmente constituídas para a defesa dos recursos naturais e do combate à poluição, e serão de livre escolha do Presidente da República. Um representante de entidades profissionais, de âmbito nacional, com atuação na área ambiental e de saneamento, indicado pela Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental-ABES. Um representante de trabalhadores indicado pelas centrais sindicais e confederações de trabalhadores da área urbana (Central Única dos Trabalhadores-CUT, Força Sindical, Confederação Geral dos Trabalhadores-CGT, Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria-CNTI e Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio-CNTC), escolhido em processo coordenado pela CNTI e CNTC. Um representante de trabalhadores da área rural, indicado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura-CONTAG. Um representante de populações tradicionais, escolhido em processo coordenado pelo Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentável das Populações Tradicionais-CNPT/IBAMA. Um representante da comunidade indígena indicado pelo Conselho de Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil-CAPOIB. Um representante da comunidade científica, indicado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência-SBPC. Um representante do Conselho Nacional de Comandantes Gerais das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares-CNCG. Um representante da Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza-FBCN. “O Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA, em particular, o utiliza como prérequisito para a eleição dos representantes das cinco regiões geográficas que ocupam a vaga de Conselheiro representante das Entidades Ambientalistas Civis no Plenário do CONAMA pelo período de dois anos, sendo que as Entidades candidatas e votantes deverão estar inscritas no CNEA por igual período.” Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/cnea/cnea. cfm>. Acesso em: 8 nov. 2015. 49 178 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Por meio do CONAMA, portanto, viabiliza-se o controle e a participação da sociedade civil nas decisões de âmbito nacional sobre questões ambientais que envolvem as deliberações e negociações internas (MMA, 2005). O artigo 225 da CF consolidou os regulamentos legais e institucionais do processo de decisão sobre questões ambientais. Esse dispositivo conferiu ao meio ambiente status de direito de terceira geração, ou seja, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é classificado como um direito difuso pois se projeta em uma esfera coletiva e não pertence a uma pessoa ou a um grupo social determinado (MACHADO, 2010). Este dispositivo é de grande importância no que se refere à participação da sociedade tendo em vista que também institucionalizou mecanismos para punir a violação ambiental, como é o caso da ação de interesse público e a ação civil pública; fortaleceu instituições para mediar conflitos (como por exemplo, o Ministério Público); e previu o Estudo Prévio de Impacto Ambiental e seu Relatório no parágrafo 1°, inciso IV, expandindo o controle social sobre procedimentos e atividades potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente. Outro mecanismo que possibilita a participação social é a Avaliação de Impacto Ambiental – AIA que encontra-se vinculada ao Licenciamento Ambiental50, conduzida prioritariamente pelos órgãos estaduais do meio ambiente. A AIA é um processo, dentro do qual se realiza o Estudo de Impacto Ambiental – EIA, com seu respectivo relatório, o RIMA, que deve ser escrito em uma linguagem não técnica de forma que a população em geral, ao acessálo, possa compreender seu conteúdo (MMA, 2015). A AIA é responsável por estratégias preventivas e antecipadoras da política ambiental – atendendo ao princípio da precaução. Seus critérios básicos e diretrizes estão regulamentados pela Resolução CONAMA nº 1, de 23 de janeiro de 1986. Apesar da Resolução CONAMA nº 1/87 já mencionar a possibilidade de realização de Audiência Pública, foi a Resolução CONAMA nº 9/87, que trouxe maiores especificidades. Logo no seu primeiro artigo, estabelece que a Audiência Pública tem por finalidade expor aos interessados o conteúdo do produto em análise e do seu referido relatório (RIMA) e, principalmente, informar a população e discutir com ela os possíveis impactos causados por determinadas atividades ou obras, dirimindo dúvidas e recolhendo dos presentes as críticas e sugestões a respeito. O licenciamento ambiental é um importante procedimento de gestão da Política Nacional de Meio Ambiente, por meio do qual a administração pública, representados pelo IBAMA e Órgão Estaduais de Meio Ambiente, exerce o prévio controle necessário sobre atividades que interferem nas condições ambientais (IBAMA, 2015). 50 179 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Outras regras deste evento, que deve ser público e aberto, facilitam a participação dos interessados. O artigo 2o da Resolução 9/87 do CONAMA, estabelece que as audiências devem ser realizadas em local de fácil acesso e que as autoridades governamentais, membros dos comitês ambientais, promotores públicos e representantes da sociedade civil devem ser convidados a comparecer (MMA, 2015). Além da audiências públicas previstas como parte do procedimento da AIA, elas podem ser realizadas como modalidade de participação de caráter informativo e para esclarecem dúvidas e reivindicações dos interessados. Podem ser presenciais ou virtuais, utilizando as tecnologias da comunicação. No mesmo sentido, há a possibilidade de se realizar Consulta Pública sobre determinado tema de interesse socioambiental. É importante mencionar três mecanismos genéricos de participação direta da população, igualmente importantes no sistema democrático brasileiro, a iniciativa popular nos procedimentos legislativos prevista pelo artigo 61, caput e § 2º, da CF51; a participação social na realização de plebiscitos e a realização de referendo sobre as leis, previstos pelo artigo 14, incisos I e II, da CF52. Os Colegiados do Ministério do Meio Ambiente – MMA, atuam como promotores de discussões e acesso à informação, possibilitando a participação da sociedade nos processos decisórios das questões ambientais. Como exemplos, temos o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), que dá voz aos povos indígenas, comunidades locais, empresas e de organizações não governamentais e o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), que envolve a participação de diversos representantes, gestores e usuários (MMA, 2015). 3. A EFETIVIDADE DOS MECANISMOS DE PARTICIPAÇÃO Existem várias a formas institucionais de participação na área ambiental, como as audiências e consultas, conselhos, comitês e outros colegiados. Contudo, alguns problemas de efetividade são identificados, conforme constata MACHADO (2010): A prática registra que em alguns países são as próprias organizações não governamentais que elegem seus Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. § 2º A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles. 52 Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I - plebiscito; II - referendo; (…) 51 180 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE representantes para esses conselhos, sem que os governos interfiram nessa eleição. A questão não é isenta de dificuldades. Na maioria dos conselhos, os governos – sejam eles de natureza central, regional ou municipal – têm a maioria dos voto. Assim, as organizações nãogovernamentais, ainda, que possam apresentar seus argumentos nas discussões, podem ficar vencidas, dando legitimidade, contudo, às decisões tomadas. Não só no Brasil, mas também em outros países democráticos, conselhos com poderes consultivos e conselhos com poderes consultivos e deliberativos foram instalados nas mais variadas matérias ambientais. No caso dos conselhos, a função dos representantes sociais é a predominância de uma função apenas consultiva, fazendo com que os indivíduos não se sintam representados. Uma falta de integração é identificada entre os níveis gestões e não fica claro como os conselhos municipais conversam com as políticas nacionais (SILVA e PELICIONI, 2014). Segundo NUNES, PHILIPPI JR e FERNANDES (2012), “para que haja uma gestão ambiental no âmbito municipal é necessária a participação da sociedade nos processos de gestão” e por isso, os conselhos municipais do meio ambiente ao peças tão fundamentais na promoção da gestão ambiental local, pois são os espaços nos quais as demandas locais são levadas pelos representantes para serem debatidas. Eventualmente, a gestão ambiental exclui a sociedade dos processos decisórios ao atribuir a responsabilidade da produção de conhecimentos exclusivamente aos especialistas e cientistas e as responsabilidades políticoadministrativas somente ao Estado e seus representantes eleitos. Ignora-se com isso uma pluralidade de demandas e de uma agenda ambiental mais ampla, podendo a sociedade representada em conselhos ter seus interesses sobrepostos por mecanismos de negociação, de composição dos pares ou decisões tomadas por maioria constituída (PORTO e SCHÜTZ, 2012). É importante considerar que “a participação cívica na conservação do meio ambiente não é um processo político já terminado” (MACHADO, 2010). A forma como os governos conduzem suas políticas ambientais e a relação destas com a qualidade de vida e saúde da população podem ser analisadas à luz dos “Determinantes Sociais da Saúde”. O modelo clássico de Dahlgren & Whitehead (1991) destaca que, além das características individuais, de comportamento e estilo de vida, existe uma enorme influência das condições ambientais, socioeconômicas e culturais, das redes comunitárias e de apoio e das condições de vida e trabalho no processo saúde-doença dos indivíduos (BUSS e PELLEGRINI FILHO, 2007). 181 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE O processo da Reforma Sanitária, que culminou na criação do nosso Sistema Único de Saúde – SUS, garantido como direito do cidadão e dever do Estado pela CF de 1988, é um exemplo bem-sucedido de transformações advindas da participação social, onde as representações sociais foram decisivas no enfrentamento do autoritarismo institucional e em defesa da democracia, abrindo espaços políticos de representação e canais de participação e diálogo, garantindo a inclusão da sociedade nos processos decisórios. Esse processo se consolidou apoiado em dois importantes sustentáculos que também servem às políticas ambientais, uma “prática teórica”, produtora de conhecimento científico, e uma “prática política”, voltada às mudanças das relações sociais, ao empoderamento e à participação social (AROUCA, 2003). O capitalismo globalizado gera desigualdades na distribuição dos benefícios do desenvolvimento econômico e dos riscos ambientais, acarretando situações de injustiça ambiental, normalmente impondo aos países e populações mais vulneráveis, o fardo mais pesado (PORTO e FINAMORE, 2012). Os mesmos autores ainda questionam a exclusão dos indivíduos em situação de risco ambiental das decisões de gerenciamento desses riscos, gerando cenários de incertezas, proporcionalmente maiores quando os riscos são mais complexos. Algumas iniciativas tentam impor a lógica capitalista de mercado ao cenário de gerenciamento ambiental e de riscos, como acontece, por exemplo, nos processos acelerados de licenciamento ambiental, na privatização dos recursos naturais, na ineficiência das instituições fiscalizadoras, no desrespeito dos direitos fundamentais de populações indígenas, na invisibilidade midiática da real dimensão e responsabilidade de alguns problemas ambientais (PORTO e FINAMORE, 2012). Em se tratando da participação social através dos conselhos ambientais, algumas falhas no processo de representação social podem comprometer o atendimento às demandas da sociedade, por vezes sobrepondo os interesses públicos aos interesses da população, como acontece com os vícios nos processos de representação, a falta de rotatividade dos representantes sociais e o protagonismo do Executivo no funcionamento dos conselhos (COHN, 2009). Nesse sentido, uma questão reflexiva pode ser levantada com relação às instituições de participação. As instituições políticas de participação seriam somente aquelas constituídas formal e legalmente? Avritzer (2007) entende que instituições participativas são formas diferenciadas de incorporação de cidadãos e associações da sociedade civil na deliberação sobre políticas, rompendo com a perspectiva habermasiana de separação estrutural das esferas institucionais e não-institucionais. O autor ainda identifica três formas de participação social nos processos de decisão: os “desenhos participativos de baixo para cima”, com ampla inclusão do público 182 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE que participa; “desenhos institucionais de partilha de poder entre o Estado e sociedade”, constituídos pelo próprio Estado; e um “desenho institucional de ratificação pública”, onde a sociedade civil participa ratificando uma decisão que já foi tomada (AVRITZER, 2008). Os mecanismos políticos existentes parecem não ser suficientes para solucionar as demandas atuais no enfrentamento dos problemas ambientais da sociedade contemporânea. Nesse sentido, Hobsbawm (2007) afirma que, diante do impacto das ações humanas sobre a natureza, “enfrentaremos problemas do séc. XXI com um conjunto de mecanismos políticos flagrantemente inadequados para resolvê-los”. Diante das demandas atuais, que parecem apontar para um novo modelo de cidadania em que a promoção da igualdade deve ser concomitante à promoção de um cidadão questionador, que não seja mero cliente do Estado, afirma NOBRE (2004), é preciso ampliar os mecanismos de participação e decisão nas diversas instâncias de deliberação e decisão. E complementa, o autor: Não basta dirigir-se ao Estado com suas reivindicações, mas é preciso participar nas esferas publicas, em espaços de expressão da opinião pública, de modo a fazer com que a própria sociedade reconheça suas reinvindicações como legítimas, de modo a fazer como que a própria sociedade reconheça essas reinvindicações como fazendo parte de uma maneira de viver que quer ser reconhecida por todos os outros cidadão. O desafio é não limitar a participação social à democracia participativa, mas enxergá-la como uma ferramenta também disponível na democracia representativa. Um amplo acesso à informação é necessário para que a participação social nas decisões políticas ambientais se concretize como uma forma de exercício da democracia. O empoderamento dos cidadãos, além de garantido pelos mecanismos de participação previstos, deve ser estimulado por meio da educação ambiental, concedendo uma visão emancipatória e libertadora, tendo em vista que “politicamente livre é quem está sujeito a uma ordem jurídica de cuja criação participa” (KELSEN, 1998). CONCLUSÃO Para garantir que os seus interesses sejam ouvidos, a sociedade precisa, empoderada pela educação ambiental e instrumentos de participação, envolver-se ativamente nos processos de tomada de decisão. O Estado, por sua 183 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE vez, precisa agir com transparência e assumir a educação ambiental (em todos os níveis de ensino) e a participação social como prioridades da agenda política, tanto em nível Federal, Estadual e Municipal, conscientizando os gestores da importância do fortalecimento dos instrumentos que permitem esta participação. A criação de espaços de participação social e arenas de discussão, como conferências e fóruns regionais, é necessária para a constituição de novos atores políticos, participantes ativos dos processos decisórios. Um meio ambiente equilibrado e que proporcione uma melhor qualidade de vida às gerações atuais e futuras dependem, além da existência dos instrumentos de participação, da integração do conhecimento científico com o conhecimento popular, da adoção de processos decisórios mais democráticos e descentralizados (que respeitem a soberania e os saberes locais e regionais) e da adoção de um processo educativo que possibilite a emancipação dos sujeitos, transformando-os em protagonistas das mudanças da relação do homem com o meio ambiente. 184 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE REFERÊNCIAS ALONSO, Angela e COSTA, Valeriano. Dinâmica da participação em questões ambientais: uma análise das audiências públicas para o licenciamento ambiental do Rodoanel. In COELHO, Vera S. e NOBRE, Marcos. Participação e deliberação. Teoria democrática e experiências institucionais no Brasil Contemporâneo. São Paulo: Editora 34, 2004. p.290-312. BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituicao.htm>. Acesso em: 13 Out 2015. BRASIL. Decreto n. 8.242 de 23 de maio de 2014. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Decreto/D8242.htm>. Acesso em 9 Nov 2015. AROUCA, A.S. O dilema preventivista: contribuição para a compreensão e crítica da medicina preventiva. São Paulo/Rio de Janeiro: UNESP/ Fiocruz, 2003. AVRITZER, Leonardo. Sociedade civil, instituições participativas e representação: da autorização à legitimidade da ação. Dados [online]. 2007, vol.50, n.3, pp. 443-464. _____. Instituições participativas e desenho institucional: algumas considerações sobre a variação da participação no Brasil democrático. Opin. Publica [online]. 2008, vol.14, n.1, pp. 43-64. ISSN 1807-0191 BUSS, P. M. e PELLEGRINI FILHO, A. A saúde e seus determinantes sociais. PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 17(1):77-93, 2007. COHN, Amélia. A reforma sanitária brasileira após 20 anos do SUS: reflexões. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro. 25(7): 1614-1619, 2009. GASPAR, J.C. ; OLIVEIRA, M.A.C. The socioenvironmental dimension of illness. Journal of Nursing and Socioenvironmental Health, v. 1, p. 27-36, 2014. GEBARA, Maria Fernanda. Importance of local participation in achieving equity in benefit-sharing mechanisms for REDD+: a case study from the Juma Sustainable Development Reserve. International Journal of the Commons, North America, 2013. 185 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE HOBSBAWM, Eric. Globalização, Democracia e Terrorismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. 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Conselhos e Gestão Ambiental Local: Processos educativos e participação social. In: Curso de Gestão Ambiental. PHILIPPI JR, A., ROMERO, M. A., BRUNA, G. C. Coleção Ambiental. v. 13. 2. ed. São Paulo: Manole, 2014. UNEP – United Nations Environmental Programm. Intergovernmental Panel on Climate Change – IPCC. Climate Change 2014. Synthesis Report. 2014. 187 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A PROTEÇÃO AO DIREITO SOCIOAMBIENTAL: O CASO DA RESERVA INDÍGENA RAPOSA SERRA DO SOL NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL THE FEDERAL CONSTITUTION AND THE PROTECTION OF THE SOCIOENVIRONMENTAL RIGHT: THE CASE OF INDIGENOUS RESERVE RAPOSA SERRA DO SOL ON SUPREME FEDERAL COURT OF BRAZIL Bárbara dias Cabral Mestranda em Direito Ambiental, especialista em Direito Processual Civil, advogada, membro da Comissão “OAB vai à escola” da OAB-Amazonas. E-mail: [email protected] Juliana Soares Viga Mestranda em Direito Ambiental, especialista em Direito Processual Civil e em Direito Ambiental e Urbanístico. Delegada de Polícia Civil do Estado do Amazonas. E-mail: [email protected] Resumo: Socioambientalismo é um movimento social, em defesa dos povos indígenas e comunidades tradicionais, visando a manutenção do seu modo de vida e a preservação ambiental territorial. O arcabouço constitucional e legal de proteção ao Socioambientalismo é crescente e atual, mas, para garantir efetividade às normas de proteção, é necessário implementação do positivismo de combate. Busca-se responder: De que forma o Supremo Tribunal Federal tem analisado o caso da demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol? Tais decisões embasam uma nova ideia jurídica denominada Direito Socioambiental. É fundamental e urgente a proteção dos direitos fundamentais das populações indígenas, em prol de seu patrimônio cultural. A metodologia utilizada é a análise jurisprudencial, com ênfase na dinâmica decisória. O estudo enunciado requer uma metodologia dedutiva, com base em pesquisa legislativa e doutrinária pertinentes. Recorrer-se-á a autores da área jurídica com visão socioambiental em relação ao Direito Constitucional. Palavras-Chave: Direito Socioambiental; Supremo Tribunal Federal; Raposa Serra do Sol. Abstract: Socioenvironmentalism is a social movement in defense of indigenous peoples and traditional communities, seeks to maintain a way of life and territorial environmental preservation. The constitutional and legal framework to protect the socio-environmentalism is growing and current but 188 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE to ensure the effective protection regulations, it is necessary to implement the combat positivism. It seeks to answer: How the Supreme Court has examined the case the demarcation of Indian Reserve Raposa Serra do Sol? These decisions underpin a new legal notion called Environmental Law. It is essential and urgent to protect the fundamental rights of indigenous peoples, for the sake of their cultural heritage. The methodology used is the jurisprudential analysis, with emphasis in the operative dynamics. The study stated requires a deductive methodology, based on relevant legislative and doctrinal research. It will appeal to authors in the legal area with social and environmental vision of the Constitutional Law. Keywords: Environment, Indigenous Lands Socioenvironmental Right; Supreme Federal Court; Raposa Serra do Sol. INTRODUÇÃO No texto constitucional de 1988, ao disciplinar o direito de opção de integrar ou não à denominada sociedade nacional por parte das sociedades indígenas (artigo 231, Constituição Federal), verifica-se a presença de uma preocupação em reconhecer a estrutura das sociedades marcadas por traços de pluralidade notadamente no campo cultural. O movimento socioambientalista, de preservação das identidades dos povos indígenas e comunidades tradicionais, exerceu forte influência no ordenamento jurídico constitucional e legal brasileiro, dando enfoque a diversos direitos fundamentais, previstos constitucionalmente, garantidos aos indivíduos isoladamente e à coletividade, dentre eles, o direito à cultura, ao meio ambiente sadio, à qualidade de vida, à função socioambiental da propriedade, preservando-se, inclusive, para as futuras gerações, nos termos do art. 225 da Constituição Federal. Através de um apanhado histórico, chega-se à origem do socioambientalismo, que coincide com a promulgação da Carta Republicada de 1988. Analisa-se a trajetória deste movimento, com todas as suas lutas e conquistas, que favorecem o povo brasileiro, como um todo, e não apenas as comunidades segregadas. O presente artigo - fruto de estudos de temáticas desenvolvidas na disciplina Teoria Geral do Direito Ambiental da Universidade Estadual do Amazonas-UEA - foi elaborado a partir de um caso concreto. Tem como objetivo apresentar e comentar alguns conceitos jurídicos relacionados ao Socioambientalismo; observar a Constituição Federal brasileira e o ordenamento jurídico vigente sob a ótica da ideia de Estado de Direito Socioambiental; fazer 189 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE um histórico da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol; exibir as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal sobre o caso. Nesta circunstância, a finalidade fundamental da apresentação é o de favorecer uma resposta ao seguinte questionamento: o Supremo Tribunal Federal tem analisado o caso da demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol sob a ótica do Direito Socioambiental? Tal questão, a priori complexa, é de fundamental importância na atualidade, visto que há urgência na proteção dos direitos fundamentais das populações indígenas brasileiras, em prol de seu patrimônio cultural, frente a interesses diametralmente opostos. A análise do caso tem como metodologia a análise jurisprudencial, com ênfase na dinâmica decisória. O estudo enunciado requer uma metodologia fundamentalmente dedutiva, com base em pesquisa doutrinária e legislativa relativa à temática. Recorrer-se-á a autores da área jurídica que focam o Direito ambiental, em especial a questão do direito social e do regime jurídico ambiental vigente. O presente artigo se propõe a apresentar o posicionamento do STF no caso da RI Raposa Serra do Sol, em especial, no julgamento da Reclamação nº 2.833 e análise das 19 condicionantes impostas pelo Supremo às etnias participantes da supramencionada Reserva Indígena. 1. SOCIOAMBIENTALISMO NO BRASIL E O CASO NA R.I. RAPOSA SERRA DO SOL NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL A priori, importante considerarmos em que consiste socioambientalismo, a partir de metodologias jurídicas e sociais. Socioambientalismo se define, sinteticamente, como sendo a interação entre a proteção à biodiversidade e à sociodiversidade, conceito este construído fundamentalmente a partir das ideias de que as políticas públicas ambientais devem incluir e envolver as comunidades locais, detentoras de conhecimentos tradicionais e de práticas de manejo ambiental, com vistas a preservar o meio ambiente natural, ao mesmo tempo em que se valoriza a diversidade cultural, consolidando, portanto, o processo democrático no país, com ampla participação social na gestão ambiental. O socioambientalismo está intimamente ligado à ideia de sustentabilidade, em que o ser humano desenvolve a capacidade de interagir com o mundo, preservando o meio ambiente, a fim de não comprometer os recursos naturais para as futuras gerações. As questões sociais e ambientais devem caminhar juntas, com vistas à proteção do meio ambiente como um todo, natural e cultural, devendo haver a participação das populações tradicionais, como índios, quilombolas, ribeirinhos e etc, nas discussões e soluções que envolvem as suas terras e seus costumes. 190 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Prevalece, entre a maioria dos doutrinadores, SANTILLI (2005, p.12) e ALONSO E COSTA (2000, p.22-23), que o socioambientalismo nasceu na segunda metade dos anos 1980, a partir de articulações políticas entre os movimentos sociais e o movimento ambientalista, coincidindo com o fim do regime militar e início do processo de redemocratização do país, consolidandose, posteriormente, com a promulgação da Carta Republicana de 1988. Atualmente, o Brasil possui diversos instrumentos constitucionais, como mecanismos de proteção dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, com vistas a manter preservados a cultura destes povos e o seu modo de vida. A Constituição Federal de 1988 foi um marco no processo de democratização do país, proporcionando um sólido arcabouço jurídico ao socioambientalismo no país, com destaque a um capítulo exclusivo de proteção ao meio ambiente (art. 225/CF), em que se assegura a todos os povos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defende-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. A Nova Constituição Federal destacou-se com o avanço da proteção ao meio ambiente natural, como também na proteção à sociodiversidade dos povos, pois a Constituinte, com sua ideologia multicultural, reconheceu, em seu arcabouço, os direitos coletivos indígenas e quilombolas, protegendo, especialmente, seus territórios, no art. 231, caput e §1º. No mesmo viés, os Atos de Disposições Constitucionais e Transitórias, em seu art. 68, reconheceram às comunidades remanescentes de quilombos a propriedade definitiva de suas terras tradicionalmente ocupadas, impondo ao Estado a expedição de títulos definitivos de terras. Ilustrando, ainda, o arcabouço constitucional de proteção aos direitos indígenas e comunidades tradicionais, podemos citar os dispositivos que trouxeram a proteção cultural destes povos e do seu modo de vida, nos artigos 215 e 216 da Carta Maior. O dispositivo constitucional conferiu proteção aos bens imateriais, essenciais à preservação da cultural, dentre eles, destaque-se as mais diferentes formas de saber, fazer e criar, como músicas, contos, lendas, danças, receitas culinárias, técnicas artesanais e de manejo ambiental, os quais compõem a definição de meio ambiente cultural e fortalece a concepção de socioambientalismo. Destaque-se, ainda, na previsão constitucional, os conhecimentos, inovações e práticas culturais de povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais, que vão desde formas e técnicas de manejo de recursos naturais, métodos de caça e pesca e conhecimentos sobre sistemas ecológicos e espécies com propriedades farmacêuticas, alimentícias e agrícolas. 191 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Verifica-se que houve uma preocupação do Estado em preservar o patrimônio cultural brasileiro, seja ele material ou imaterial, com o estabelecimento de políticas públicas que valorizassem e preservassem a diversidade étnica e cultural dos povos brasileiros, além de ações que promovessem a democratização do acesso aos bens culturais por todos os indivíduos. Tais dispositivos, analisados juntamente com o Título II da Constituição, que prevê a garantia dos direitos individuais e coletivos, entabulam uma rede de proteção jurídica à diversidade cultural, sob duas vertentes. Por um lado, o direito dos povos indígenas e quilombolas de continuarem a existir enquanto tais, tendo preservados os seus territórios originários, recursos naturais neles existentes e os seus conhecimentos tradicionais; por outro lado, o direito de toda a sociedade brasileira à diversidade cultural e à preservação das manifestações culturais dos diferentes grupos étnicos e culturais que integram a nação brasileira. Tais direitos, dentre outros previstos constitucionalmente, afastam por completo a equivocada interpretação de que estes povos devem ser integrados à sociedade comum, pois eles não são equiparáveis às pessoas humanas que cresceram em meio a uma sociedade miscigenada e capitalista, nem mesmo aos entes estatais. A Terra Indígena Raposa Serra do Sol, é ocupada por 194 comunidades indígenas, como Macuxi, Taurepang, Patamona, Ingaricó e Wapichana. Tal terra “fica a noroeste do Estado de Roraima, divisa com os territórios da Venezuela e Guiana, encravada no coração do Vale do Rio Branco e reconhecidamente habitat de densa população indígena (SILVEIRA, 2010, p. 94). Conforme enunciou o Instituto Socioambiental –ISA53, a demarcação da R.I.RSS, deu-se da seguinte forma: Em 1992 e 1993, a Funai decide reestudar a área formando pela última vez novos Grupos de Trabalho. Está em vigor no Brasil o Princípio segundo o qual nenhuma lesão ou ameaça a direito será excluída da apreciação Um grande exemplo de organização atuante na causa indígena é o ISA. O Instituto Socioambiental é uma organização da sociedade civil brasileira, sem fins lucrativos, fundada em 1994, para propor soluções de forma integrada a questões sociais e ambientais com foco central na defesa de bens e direitos sociais, coletivos e difusos relativos ao meio ambiente, ao patrimônio cultural, aos direitos humanos e dos povos. Desde 2001, o ISA é uma Oscip – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – com sede em São Paulo (SP) e subsedes em Brasília (DF), Manaus (AM), Boa Vista (RR), São Gabriel da Cachoeira (AM), Canarana (MT), Eldorado (SP) e Altamira (PA). O ISA está estruturado em programas que têm por base as seguintes linhas de ação: Defesa dos direitos socioambientais; Monitoramento e proposição de alternativas às políticas públicas; Pesquisa, difusão, documentação de informações socioambientais; Desenvolvimento de modelos participativos de sustentabilidade socioambiental e Fortalecimento institucional dos parceiros locais. Disponível em: http://www. socioambiental.org/pt-br/o-isa Acesso em: 30 de jun 2015. 53 192 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE do Poder Judiciário. Nesta direção, existe no ordenamento jurídico pátrio a previsão de diversas medidas judiciais que permitem o questionamento do procedimento demarcatório de terras indígenas, no âmbito judicial, por particulares que se considerarem lesados ou ameaçados nos direitos relativos à propriedade de terras na área demarcada. A garantia de amplo acesso ao Poder Judiciário deu ensejo à proposição de inúmeras ações judiciais por ocupantes não-indígenas, fazendeiros e representantes do Estado de Roraima, questionando a posse permanente dos índios naquela área, após o término do processo administrativo demarcatório. O resultado foi a não conclusão do relatório. Em janeiro de 2005, a ministra Ellen Gracie, do STF, suspende em liminar o processo de demarcação da Reserva Raposa-Serra do Sol. O plenário da Suprema Corte elimina todas as ações que contestavam a demarcação. No ano seguinte, o STF nega, por unanimidade, provimento ao Agravo Regimental em Petição (PET nº 3.388), proposta pelo senador Augusto Botelho (PDT-RR) pedindo a suspensão da Portaria nº 534/05, que demarcou a Reserva Indígena Raposa-Serra do Sol e o decreto que homologou a demarcação. A Proposta de Emenda Constituicional – PEC nº 2015, inclui, dentre as competências exclusivas do Congresso Nacional: - - - - a aprovação de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios; a titulação de terras quilombolas; a criação de unidades de conservação ambiental; a ratificação das demarcações de terras indígenas já homologadas. A Carta Magna de 1934 foi a primeira Constituição brasileira a tratar dos direitos indígenas foi a de 1934. Porém, a temática era abordada de forma esparsa no texto constitucional. Um exemplo é o Art. 129, o qual afirmava que “Será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se achem permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las.” Apenas na Constituição Federal de 1988 os direitos dos povos indígenas foram enunciados de forma sistemática. Somente nas últimas três décadas há subsídio constitucional para que os tribunais superiores possam tratar as questões relativas aos povos indígenas com mais propriedade. Uma prova de que a constitucionalização dos direitos indígenas é de suma importância à consecução dos direitos e garantias fundamentais destes, é o número de ações relacionadas ao caso da RI Raposa Serra do Sol no STF; mais de 70 ações tramitaram na Corte Suprema, no período de 1992 a 2015. 193 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE O MPF também assumiu papel relevante na proteção e na efetiva aplicação das normas constitucionais relativas aos direitos dos índios. Cumpre ao presente artigo analisar o julgamento da Reclamação nº 2.833 pelo STF, ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Roraima, bem como as 19 postulantes do citado Tribunal para o caso da RI Raposa Serra do Sol. O objetivo é Tendo em vista compreender a evolução, em linhas gerais, do tratamento constitucional brasileiro do direito indígena a terras. A competência para o processo e o julgamento da ação popular contra ato de qualquer autoridade é do juízo competente de primeiro grau de jurisdição. Porém, há casos em que o STF assume tal competência, como explica o douto Uadi Lammêgo (BULOS, 2009, p. 670 e 1.455): [...] a competência para processar e julgar ação popular, contra ato de qualquer autoridade, é do juiz de primeiro grau de jurisdição, algo que está fora de atribuições originárias do Supremo Tribunal Federal. [...] Entretanto, o mesmo autor ensina que: [...] cabe à Corte Suprema processar e julgar ação popular em que os respectivos autores, com pretensão de resguardar o patrimônio público, postulam a declaração da invalidade de ato do Ministério da justiça. Também lhe incube apreciar todos os feitos processuais intimamente relacionados com a demarcação das reservas indígenas. Na direção das doutrinas supracitadas, o STF assumiu a competência para apreciar todos os feitos processuais intimamente relacionados com a demarcação da RI Raposa Serra do Sol. Coube à Suprema Corte, então, julgar a Reclamação nº 2.833, ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Roraima, a qual postulou a declaração da invalidade da Portaria nº 820/98, do Ministério da Justiça. O voto do Ministro Marco Aurélio, em relação à Reclamação nº 2.833, julgou procedente o pedido inicial, fixando os seguintes parâmetros para uma nova ação administrativa demarcatória, julgando nula a anterior, sob os seguintes requisitos: Audição de todas as comunidades indígenas existentes na área a ser demarcada; b) audição de posseiros e titulares de domínio consideradas as terras envolvidas; 194 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE c) levantamento antropológico e topográfico para definir a posse indígena, tendo-se como termo inicial a data da promulgação da Constituição Federal, dele participando todos os integrantes do grupo interdisciplinar, que deverão subscrever o laudo a ser confeccionado; d) em consequência da premissa constitucional de se levar em conta a posse indígena, a demarcação deverá se fazer sob tal ângulo, afastada a abrangência que resultou da primeira, ante a indefinição das áreas, ou seja, a forma contínua adotada, com participação do Estado de Roraima bem como dos Municípios de Uiramutã, Pacaraima e Normandia no processo demarcatório. e) audição do Conselho de Defesa Nacional quanto às áreas de fronteira. (STF, Voto-Vista Do Min. Marco Aurélio. Petição Nº 3.388-4- Roraima. Relator: Min. Carlos Britto. Requerida: União) Como concluiu o Dr. Edson Damas, sobre o julgamento da Reclamação supramencionada (SILVEIRA, 2010, p. 113): Ao final, e por maioria, o Supremo Tribunal Federal julgou parcialmente procedente o pedido feito no processo de Petição 3.388 para manter a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol nos termos definidos pela Portaria 534/2005, impondo por outro lado restrições ao usufruto não apenas daquela porção territorial como das vindouras demarcações de terra indígena no Brasil. Restou evidenciada, neste caso, a existência de litígio federativo em gravidade suficiente para atrair a competência desta Corte de Justiça (alínea f do inciso I do art. 102 da Lei Maior). Após algumas divergências e correções terminológicas, a maioria do Plenário do STF entendeu que deveria ser fixada 19 condições aos indígenas em geral, de qualquer reserva brasileira. No ano de 2013, o Plenário do STF manteve a validade das 19 condicionantes estabelecidas em 2009. “[A decisão de 2009] não é vinculante em sentido técnico para juízes e tribunais quando do exame de outros processos relativos a terras indígenas diversas”, afirmou o relator dos sete embargos de declaração sobre as condicionantes, ministro Luiz Roberto Barroso, no resumo de seu voto, que foi aprovado por unanimidade. 195 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE No mesmo ano, foi escrita uma Carta de Reinvindicações ao governo federal para aprovação do Projeto de Lei 2.057/91, o Estatuto dos Povos Indígenas. Em junho de 2015, indígenas entregaram um documento pedindo a revogação da Portaria nº 303/2012 da AGU, medida que busca estender para todas as terras indígenas as condicionantes decididas pelo STF na Ação Judicial contra a Terra Indígena Raposa Serra do Sol (Petição 3.888-Roraima/STF), conforme veiculado no site do Conselho Nacional Indígena. CONSIDERAÇÕES FINAIS O socioambientalismo surgiu na concepção de que o desenvolvimento sustentável deve promover a preservação do meio ambiente natural, juntamente com a manutenção da diversidade social entre os seres humanos, de acordo com seus costumes tradicionais e modo de vida. Verifica-se que o ordenamento jurídico constitucional está repleto de direitos e garantias difusos e coletivos, em prol de uma comunidade hostilizada, que luta pela preservação de seus costumes tradicionais e de seus territórios. No entanto, muitas vezes, para que tais instrumentos de proteção tenham eficácia, é necessário implementar um positivismo de combate. Percebe-se que a discussão sobre a questão da necessidade de demarcação de terras indígenas, em especial da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, vai além da necessidade de conscientização social sobre a temática. É necessária legislação efetivamente aplicada, fiscalização; há fatores maiores que cooperam fortemente para este problema. No entender de Silva (2011, p.155), não basta para a proteção ambiental que o meio ambiente cultural e natural indígena seja um valor fundamental insculpido em nossa Lei Maior; é preciso que sejam estabelecidos mecanismos que conduzam à absorção deste valor por toda a sociedade. É neste contexto que se faz necessária a atuação dos tribunais superiores – em especial, do Supremo Tribunal Federal – para garantir os direitos fundamentais de do povo brasileiro em todas as suas manifestações culturais, sem distinção de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas. Conclui-se que é fundamental que o STF interprete a Constituição Federal com o olhar do Direito Socioambiental, estabelecendo critérios para que as atividades humanas na Reserva Indígena Raposa Serra do Sol promovam a qualidade de vida e a preservação dos usos e costumes, mas sem deixar de lado a preservação e o uso sustentável dos atributos naturais da região. 196 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE REFERÊNCIAS ALONSO, Ângela; COSTA, Valeriano. Por uma sociologia dos conflitos ambientais no Brasil. Encontro do Grupo do Meio Ambiente e Desenvolvimento do Clacso, Rio de Janeiro. 2000. BARRETO, Helder Girão. Direitos Indígenas: Vetores Constitucionais. Curitiba: Juruá. 2011. BRASIL, Proteção do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (1937). ________, Código Florestal (1965). ________, Política Nacional do Meio Ambiente (1981). _________, Constituição Federal da República Federativa do Brasil (1988). ________, Sistema Nacional de Unidades de Conservação (2000). BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 4 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. Conselho Indigenista Missionário. Disponível em: http://www.cimi.org.br/site/ pt-br/?system=news&conteudo_id=8192&action=read Acesso em: 1º jul 2015. Constituição federal de 1934. Disponível em: http://www.soleis.com.br/ebooks/ Constituicoes1-14.htm Acesso em: 30 jun 2015. FONSECA, Ozório J. M. Índios, Caboclos, Sociedade Branqueada e o Socioambientalismo Amazônico. Hiléia: Revista de Direito Ambiental da Amazônia. Ano 8, nº 15. 2010. GUIMARÃES, Roberto. A Ética da Sustentabilidade e a formulação de políticas de desenvolvimento. In: SANTILLI, Juliana. Socioambintalismo e Novos Direitos – Proteção Jurídica à diversidade biológica e cultural. São Paulo. Peirópolis, 2005. MARÉS, Carlos Frederico. O Direito para o Brasil Socioambiental. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris. 2002. 197 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE SANTILLI, Juliana. Socioambintalismo e Novos Direitos – Proteção Jurídica à diversidade biológica e cultural. São Paulo. Peirópolis, 2005. SANTILLI, Márcio. Transversalidade na corda bamba. Apresentação a um balanço doo seis meses do governo Lula na área socioambiental, realizado pelo Instituto Socioambiental (ISA). Disponível em <http://www.socioambiental. org> In: SANTILLI, Juliana. Socioambintalismo e Novos Direitos – Proteção Jurídica à diversidade biológica e cultural. São Paulo. Peirópolis, 2005. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo – 33.ed. – São Paulo: Malheiros, 2009 _______________. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011. SILVEIRA, Edson Damas da. Meio Ambiente, Terras Indígenas e Defesa Nacional. Curitiba: Juruá, 2010. _______________. Direito Socioambiental: Tratado de Cooperação Amazônica. Curitiba: Juruá. 2005. 198 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE O PLANTIO DE ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS NO ENTORNO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO LA PLANTATION D’ORGANISMES GENETIQUEMENT MODIFIES DANS LES ZONES TAMPONS D’AIRES PROTEGEES Marcelo Pires Soares Bacharel em Direito. Mestrando em Direito Ambiental pelo Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas. Elisa Oliveira Da Silva Bentes Advogada. Mestranda em Direito Ambiental no Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas. Resumo: A presente pesquisa objetiva analisar a validade do Decreto 5.950/2006, que autoriza o cultivo de organismos geneticamente modificados (OGMs) no entorno de unidades de conservação. O estudo tem como ponto de partida a função das zonas de amortecimento, as incertezas quanto ao plantio de OGMs e a aplicação do Princípio da Precaução. A análise da questão passa pela Resolução CONAMA 428/2006 e pela jurisprudência, confirmando que o Decreto ofende o Princípio da Precaução. Primeiro, porque o Decreto 5.950/2006 admite limites reduzidos de proteção, em regra inferiores ao da Resolução CONAMA 428/2010. Segundo, porque condiciona esses limites à criação no futuro de zona de amortecimento, quando deveriam ser adotadas faixas maiores desde logo, subvertendo o raciocínio construído pela precaução. O método científico adotado é o da pesquisa bibliográfica e jurisprudencial qualitativa. Palavras-Chave: Unidades de Conservação; Zonas de Amortecimento; Organismos Geneticamente Modificados; Princípio da Precaução. Resume: Cette recherche vise à analyser la validité du décret 5950/2006 autorisant la culture d’organismes génétiquement modifiés (OGM) dans le voisinage de zones protégées. L’étude prend comme point de départ le rôle des zones tampons, des incertitudes quant à la plantation d’OGM et l’application du principe de précaution. L’achèvement des travaux comprend l’analyse de la Résolution CONAMA 428/2006 et la jurisprudence confirmant que le décret viole le principe de précaution. D’abord, parce que le décret 5950/2006 supporte faibles limites de la protection de la règle inférieure de la Résolution CONAMA 428/2010. Deuxièmement, parce que ces conditions limites de créativité dans la zone tampon avenir quand elles devraient être adoptées plus grandes pistes à la fois, renverser le raisonnement construit par mesure de précaution. La méthode 199 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE scientifique adoptée est la littérature jurisprudentielle et la recherche qualitative. Mots-Cles: Zones Écologiquement Protégées; Zones Tampon; Organismes Génétiquement Modifiés; Principe de Précaution. INTRODUÇÃO O plantio de organismos geneticamente modificados (OGMs) tem crescido bastante nas últimas décadas, sob a promessa de aumento da eficiência produtiva na agricultura e fim das incertezas quanto à falta de alimentos. Isso gerou um avanço das plantações em direção às áreas circunvizinhas de unidades de conservação. Os OGMs ainda hoje são alvo de questionamentos quanto a seus efeitos nocivos ao meio ambiente e, por isso, o cultivo exige a observância do Princípio da Precaução. Assim, toda a legislação sobre o plantio deve considerar que a ausência de certeza científica não pode justificar o adiamento de medidas viáveis para evitar a degradação ambiental. Porém, em 2006, foi editada a Medida Provisória 327, convertida na Lei 11.460/2007, que modificou a Lei 9.985/2000, sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), para dispor sobre o plantio de organismos geneticamente modificados em unidades de conservação e suas zonas de amortecimento. Ao regulamentar a matéria, o Decreto 5.950/2006 fixou faixas limites de plantio desses organismos no entorno das unidades de conservação, conforme o tipo de cultivo a ser realizado, enquanto não criadas as zonas de amortecimento. Desse modo, autorizou-se o plantio de OGMs nas faixas circunvizinhas às unidades de conservação em limites fixos, a depender da espécie de cultivo. Surge aí o problema central do trabalho: o Decreto 5.950/2006, assim procedendo, atende ao Princípio da Precaução? Este tema cobra atenção, porque envolve o exercício de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras próximo de espaços territoriais de inestimável valor ambiental. A pesquisa pretende investigar a compatibilidade do referido Decreto com o Princípio da Precaução e, secundariamente, entender parte da disciplina jurídica nas áreas de entorno das unidades de conservação e o plantio de OGMs. O método científico adotado é o da pesquisa bibliográfica e jurisprudencial qualitativa. 1. UNIDADES DE CONSERVAÇÃO No interesse de preservar o meio ambiente, a Constituição Federal impõe ao poder público o dever de criar espaços territoriais especialmente 200 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE protegidos. Entre estes, destacam-se as unidades de conservação, as quais se diferem por características naturais relevantes, recursos e funções socioambientais singulares. Preconiza a Constituição Federal: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (...) III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; As unidades de conservação destinam-se à preservação da natureza em seu próprio local, mediante a delimitação do espaço físico. Podem ser identificadas pelos seguintes dados: a relevância natural de seus recursos; o caráter oficial de sua criação, então por lei ou por decreto; a delimitação territorial do espaço físico; o objetivo conservacionista e o regime especial de proteção e administração. Tais características das unidades de conservação são sintetizadas no conceito previsto no artigo 2º, I, da Lei 9.985/2000: Art. 2º Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I - unidade de conservação: espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção; 201 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Historicamente, as unidades de conservação nasceram com o propósito central de conservação, isto é, de preservação integral de determinado espaço territorial delimitado. Porém, na atualidade, além dessa perspectiva, elas devem visar também à conservação da biodiversidade e a melhoria da qualidade de vida das populações, adotando um conceito socioambientalista. Nesse sentido, foi o Parecer do Deputado Fábio Feldmann, em 1994, quando da primeira proposta de substitutivo ao Projeto de Lei do SNUC (SANTILLI, 2005, p. 75): A despeito de sua inegável oportunidade, o Projeto, na forma proposta, padece os efeitos de uma concepção envelhecida sobre o significado e o papel das unidades de conservação, concepção esta que tende a desconsiderar as condições específicas de países pobres como o nosso, e que vem sendo paulatinamente revista e atualizada no mundo todo. Na perspectiva tradicional, criar uma unidade de conservação significa, em essência, cercar uma determinada área, remover ou – alguns diriam – expulsar a população eventualmente residente e, em seguida, controlar ou impedir, de forma estrita, o acesso e a utilização da unidade criada. A preocupação básica, quase exclusiva muitas vezes, é com a preservação dos ecossistemas. (...) Esta concepção tradicional do sentido e finalidade das unidades de conservação desenvolveu-se nos países ricos do norte, particularmente nos Estados Unidos, cuja afluência permite que se mantenham intactas grandes áreas naturais. Naquele país, as unidades de conservação são percebidas, em grande medida, como sendo um complemento lógico de uma vida estressante mas de elevado padrão, que requer relaxantes fins de semana. Nos países do Terceiro Mundo, para onde foi exportada essa concepção, a situação é radicalmente diferente. Nossos parques e reservas estão rodeados, não raro, de pobreza extrema. Essas áreas sobrevivem a duras penas como ilhas em um agitado mar de pressões sociais. 202 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE (...) Diante de situações como essas, vem se desenvolvendo uma concepção nova sobre o papel das unidades de conservação que procura redefinir o manejo dessas áreas protegidas tendo em vista assegurar, ao mesmo tempo, a conservação da biodiversidade e a melhoria da qualidade de vida das populações humanas. Essa mudança de perspectiva caminha em conjunto com a evolução do conceito de conservação e das estratégias de desenvolvimento. Desse modo, estes espaços dividem-se em dois grupos: as Unidades de Uso Sustentável e as de Proteção Integral (artigo 7º, da Lei 9.985/2000). As primeiras são marcadas pelo uso direto dos recursos naturais, que pode envolve a coleta e uso, comercial ou não (art. 2º, X, da Lei 9.985/2000). Já as de Proteção Integral caracterizam-se pelo uso indireto, onde não há interferência do homem, não envolvendo consumo, coleta, dano ou destruição (art. 2º, IX, da Lei 9.985/2000). Art. 7o As unidades de conservação integrantes do SNUC dividem-se em dois grupos, com características específicas: I - Unidades de Proteção Integral; II - Unidades de Uso Sustentável. § 1o O objetivo básico das Unidades de Proteção Integral é preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, com exceção dos casos previstos nesta Lei. § 2o O objetivo básico das Unidades de Uso Sustentável é compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais. Todas as unidades, salvo a Área de Proteção Ambiental e a Reserva Particular do Patrimônio Natural, são contempladas com zonas de amortecimento. 2. ZONAS DE AMORTECIMENTO Conceitualmente, as zonas de amortecimento correspondem a faixas geográficas ao redor das unidades de conservação e servem para evitar ou 203 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE minimizar os efeitos externos, de maneira que o dano ambiental vindo de fora atinja em menor intensidade a unidade de conservação. Portanto, tais áreas exercem importante função na preservação desses espaços. Nesse sentido, a Lei 9.985/2000 traz o conceito de zona de amortecimento: Art. 2º [...] XVIII - zona de amortecimento: o entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade; e As zonas de amortecimento não fazem parte das unidades de conservação. Contudo, as atividades humanas ali desenvolvidas estão sujeitas a normas e restrições específicas, ainda que em nível inferior às definidas para o interior das unidades. Para isso, o órgão responsável pela unidade é quem estabelece as restrições de uso e aproveitamento dos recursos para as zonas de amortecimento e pode autorizar em licenciamento ambiental o cultivo de OGM, como estabelece a Lei 9.985/2000: Art. 25[...] § 1o O órgão responsável pela administração da unidade estabelecerá normas específicas regulamentando a ocupação e o uso dos recursos da zona de amortecimento e dos corredores ecológicos de uma unidade de conservação. Atualmente, o principal problema do SNUC é a falta de eficácia das medidas implementadas. Muitas unidades de conservação foram criadas somente no papel, não dispondo de mecanismos organizados de gestão e fiscalização das áreas. Em igual sentido, explica Farena (2007): Contudo, o principal problema do Sistema é relativo à sua eficácia. A maioria dessas unidades de conservação existe apenas no papel ou ressente-se da falta de recursos materiais e humanos. Além disso, o sistema apresenta outras carências, tais como a insignificante participação do setor privado na estratégia de áreas 204 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE protegidas, a despeito de previsões legais, como a da Reserva Particular do Patrimônio Nacional (RPPN), a inexistência de ações expressivas de reflorestamento e recuperação de áreas degradadas, a escassa preocupação com corredores ecológicos e zonas de amortecimento, a falta de planejamento estratégico e, por fim, a desarticulação entre as diversas instâncias (municipal, estadual e federal). Essa situação é mais grave quando as unidades de conservação estão em zonas limítrofes de expansão do plantio de organismos transgênicos, cuja regulamentação também é deficiente ou mesmo contrária a princípios fundamentais do Direito Ambiental. Nesse contexto, as zonas de amortecimento são fundamentais à preservação das unidades de conservação, pelo que a falta ou deficiência dessa proteção pode trazer prejuízos aos ecossistemas que se busca conservar nesses espaços especialmente protegidos. 3. ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS (OGMS) Os transgênicos ou organismos geneticamente modificados (OGMs) são produzidos pela indústria biotecnológica a partir da introdução de genes de outras espécies, com a finalidade de atribuir a eles características que não poderiam ser incorporadas naturalmente, ou por seleção artificial. Os OGMs são produzidos mediante a transferência de genes de um organismo para outro, que pode ser da mesma espécie ou não. Quando transferidos de espécies diferentes, recebem o nome de transgênicos, sendo estes um tipo de OGM. Estes organismos modificados encontram-se em plantas, como nos cultivos de soja, algodão e milho; em vacinas, especialmente para animais; em microorganismos e também em insetos, como a linhagem específica de Aedes aegypti. Apesar dos avanços trazidos, pesquisas indicam que o processo de engenharia genética não é controlável. Esta conclusão decorre das circunstâncias instáveis em que operadas as transferências genéticas. Assim, a utilização destes organismos é um tema de bastante controvertido. Isso porque os genes têm funções muito mais complexas do que espera e, durante esse processo, não se sabe a posição onde o gene novo será inserido ou se ele codifica somente uma função, de maneira que a substituição pode gerar efeitos desconhecidos. 205 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE A propósito, o GreenPeace, em informe técnico, conclui que a imprevisibilidade dos efeitos dos OGMs acarretam incertezas à preservação ambiental, principalmente diante da impossibilidade de separar tais organismos depois de introduzidos no meio ambiente: A conseqüência de tal complexidade é a imprevisibilidade dos efeitos ao longo do tempo. Uma vez liberado no meio ambiente, não será mais possível recolher o organismo vivo. A provável irreversibilidade do impacto dos organismos transgênicos é atribuído à capacidade de reprodução dos seres vivo. Se os transgênicos cruzarem com espécies selvagens semelhantes, mudanças genéticas podem ser incorporadas no código genético natural e alterar o caminho da evolução. No curso da história, existem várias evidências de que os organismos geneticamente modificados não são seguros, o que demonstra a importância de uma conduta de precaução. No citado informe técnico, o GreenPeace elenca alguns desses acontecimentos: ·experimentos para fazer batatas resistentes aos insetos usando um gene para produzir lecitina causou a redução da taxa de glicoalcalóides, que confere à planta resistência química natural aos insetos. Demonstrouse que foi um efeito não intencional do pró- prio processo de engenharia genética, assim como a introdução de outro gene de resistência a inseto gerou o mesmo problema12 . ·levedura geneticamente modificada pela transgenia para aumentar a fermentação alco- ólica aumentou, inesperadamente, 30 vezes mais a concentração de metilglioxal (um composto altamente tóxico) comparado como a linhagem de controle que não passou pelo processo de transgenia13 . · pesquisadores da Monsanto, que tentavam aumentar o conteúdo de carotenóides (substância química que é usada para formar vitamina A) em óleos da semente da colza (canola) perceberam que os níveis de vitamina E e de clorofila nas sementes foram dramaticamente e inexplicavelmente 206 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE reduzidos14 . · outros pesquisadores tentando construir geneticamente um caminho para a síntese de carotenóide em tomates encontraram uma superexpressão de um gene que causou uma inesperada redução no tamanho natural da planta15 . · A soja transgênica Roundup Ready da Monsanto sofreu inesperadas perdas de produtividade em climas quentes e secos devido a rachadura do caule causada, provavelmente, por aumento de lignina16 . Os níveis de fitoestrogeno da soja também são 12-14% menores do que na soja convencional, o que significa que produtos cuja matéria prima é derivada da soja Roundup Ready serão menos utilizados como fonte de fitoestrogenos, que são considerados benéficos na dieta de adultos. Diante dessas incertezas geradas pelos OGMs, o Direito Ambiental encontra resposta no Princípio da Precaução, segundo o qual, pelo menos até que mais estudos sejam realizados, até que melhorias na fiscalização sejam adotadas, e até que argumentos e resultados consistentes relativos à segurança desses organismos sejam obtidos, deveria ser adotada uma postura de precaução. 4. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO Previsto no Princípio 15, da Declaração sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, elaborada na Conferência Internacional do Rio de Janeiro, em 1992, o Princípio da Preocupação expressa a ideia de que, havendo dúvidas quanto aos riscos da atividade, então desconhecidos, como é o caso das transferências genéticas, deve ser adotada uma postura de cautela, no sentido de aguardar o fim das pesquisas científicas, antes de liberá-las para uso e consumo. Por oportuno, segue o teor da Declaração sobre Meio Ambiente de 1992: Princípio 15. Com o fim de proteger o meio ambiente, o Princípio da Precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental. 207 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE O Princípio da Precaução, resultado de anos de experiências negativas com produtos químicos e outras formas de poluição, foi desenvolvido com a intenção de impedir que danos desconhecidos na atualidade surjam no futuro. Ele tem origem na necessidade de uma ética de antecipação e a introdução de dever perante as gerações futuras. Esse Princípio expressa o brocardo “é melhor prevenir do que remediar”. Importa destacar que a ideia da precaução não significa um retrocesso no desenvolvimento científico da humanidade. Na verdade, encoraja a pesquisa científica na busca de alternativas às dúvidas e valoriza a diversidade, mediante uma análise mais rigorosa, com maior número de especialistas. Por outro lado, o Princípio da Precaução não se confunde com o da Prevenção. Esta se relaciona com riscos conhecidos, enquanto aquela, a potenciais ou desconhecidos, quanto não há certeza científica. Com efeito, o objetivo da precaução é ultrapassar a prevenção, garantindo maior proteção ao meio ambiente equilibrado. Nos OGMs, a incidência da precaução é ainda mais relevante. Isso porque a avaliação dos riscos é conduzida pela própria indústria de biotecnologia, cujo julgamento envolve fatores políticos e econômicos. Além disso, não existe monitoramente ambiental independente, para impedir rapidamente os efeitos negativos decorrentes do plantio. Sobre o tema, o GreenPeace pontua: “A avaliação convencional de riscos é objeto de uma crítica bem fundamentada. Esse método de avaliação de riscos é um processo que sofre julgamentos científicos, sociais, políticos e econômicos que tendem a não ser explícitos”. Por outro lado, não está comprovado que os organismos geneticamente modificados são fundamentais para o desenvolvimento da agricultura e a superação da fome mundial, pelo que a avaliação de riscos não pode ser influenciada por essa assertiva. A propósito, concluiu o GreenPeace: A avaliação de risco dos transgênicos é fundamentado com a suposição que eles são importantes para o desenvolvimento da agricultura. Apesar de raramente ser reconhecido no processo de avaliação de riscos, isso influencia a forma como os transgênicos são avaliados. As probabilidades são favoráveis para a indústria e desfavoráveis para a saúde do ser humano e para o meio ambiente. Em consequência, a Constituição Federal, em seu artigo 225, § 1º, IV, exige para a instalação de obras ou atividades potencialmente poluidores ao meio ambiente o estudo prévio de impacto ambiental (EIA): 208 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Art. 225. (...) § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (...) IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; Este instrumento destina-se a diagnosticar a viabilidade ambiental da atividade, a fim de encontrar alternativas, condicionantes ou compensações aos impactos causados. O estudo prévio de impacto é fase componente e obrigatória do licenciamento ambiental. Assim explica Machado (2012, p. 26): A aplicação do Princípio da Precaução relaciona-se intensamente com a avaliação prévia das atividades humanas. O Estudo Prévio de Impacto Ambiental insere na sua metodologia a prevenção e a precaução da degradação ambiental. Diagnosticado o risco, pondera-se sobre os meios de evitar o prejuízo, isto é, emprega-se a prevenção. Desse modo, verificando-se a incerteza científica, a atividade não deve ser autorizada, uma vez que, por princípio, há imposição de cautela no comportamento. Analisa-se a seguir a compatibilidade do Decreto 5.950/2006, sobre o plantio de OGMs no entorno de unidades de conservação, com o Princípio da Precaução. 5. O PLANTIO DE OGMS NO ENTORNO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO Em 1990, a Resolução CONAMA n. 13, ao estabelecer normas referentes às atividades desenvolvidas no entorno das unidades de conservação, definiu que nas zonas de amortecimento, em um raio de dez quilômetros, qualquer atividade prejudicial ao ecossistema estava sujeita a licenciamento ambiental. Eis o teor do art. 2º, da Resolução CONAMA 13/1990: Art. 2º Nas áreas circundantes das Unidades de Conservação, num raio de dez quilômetros, qualquer 209 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE atividade que possa afetar a biota, deverá ser obrigatoriamente licenciada pelo órgão ambiental competente. Parágrafo único. O licenciamento a que se refere o caput deste artigo só será concedido mediante autorização do responsável pela administração da Unidade de Conservação. A despeito desse limite, em 2006, o Governo federal editou a Medida Provisória 327, convertida na Lei 11.460/2007, que modificou a Lei 9.985/2000, sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), para dispor sobre o plantio de organismos geneticamente modificados em unidades de conservação e suas zonas de amortecimento. Ao acrescer o § 4º no artigo 27, ficou admitida a possibilidade de liberação planejada e cultivo de OGMs nas zonas de amortecimento de todas as categorias de unidades de conservação, desde que regulamentada no plano de manejo: Art. 27. As unidades de conservação devem dispor de um Plano de Manejo. (...) § 4o O Plano de Manejo poderá dispor sobre as atividades de liberação planejada e cultivo de organismos geneticamente modificados nas Áreas de Proteção Ambiental e nas zonas de amortecimento das demais categorias de unidade de conservação, observadas as informações contidas na decisão técnica da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança CTNBio sobre: I - o registro de ocorrência de ancestrais diretos e parentes silvestres; II - as características de reprodução, dispersão e sobrevivência do organismo geneticamente modificado; III - o isolamento reprodutivo do organismo geneticamente modificado em relação aos seus 210 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE ancestrais diretos e parentes silvestres; e IV - situações de risco do organismo geneticamente modificado à biodiversidade. Na mesma ocasião, foi incluído ainda o artigo 57-A na Lei 9.985/2000, que autorizou o Poder Executivo definir novos limites para o plantio de transgênicos nas áreas que circundam as unidades até que definida sua zona de amortecimento. Art. 57-A. O Poder Executivo estabelecerá os limites para o plantio de organismos geneticamente modificados nas áreas que circundam as unidades de conservação até que seja fixada sua zona de amortecimento e aprovado o seu respectivo Plano de Manejo. No interesse de regulamentar a matéria, editou-se o Decreto 5.950/2006, fixando faixas limites de plantio de organismos geneticamente modificados no entorno das unidades de conservação, conforme o tipo de cultivo a ser realizado, enquanto não criadas as zonas de amortecimento. Nestes termos, preconizam os artigos 1º e 2º do aludido Decreto: Art. 1º Ficam estabelecidas as faixas limites para os seguintes organismos geneticamente modificados nas áreas circunvizinhas às unidades de conservação, em projeção horizontal a partir do seu perímetro, até que seja definida a zona de amortecimento e aprovado o Plano de Manejo da unidade de conservação: I - quinhentos metros para o caso de plantio de soja geneticamente modificada, evento GTS40-3-2, que confere tolerância ao herbicida glifosato; II - oitocentos metros para o caso de plantio de algodão geneticamente modificado, evento 531, que confere resistência a insetos; e III - cinco mil metros para o caso de plantio de algodão geneticamente modificado, evento 531, que confere resistência a insetos, quando existir registro 211 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE de ocorrência de ancestral direto ou parente silvestre na unidade de conservação. Parágrafo único. O Ministério do Meio Ambiente indicará as unidades de conservação onde houver registro de ancestral direto ou parente silvestre de algodão geneticamente modificado, evento 531, com fundamento no zoneamento proposto pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA. Art. 2o Os limites estabelecidos no art. 1o poderão ser alterados diante da apresentação de novas informações pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio. Como se observa, os limites estabelecidos para o plantio nessas áreas, variando de quinhentos metros até cinco mil metros, são bastante reduzidos, com chance de que impactos ambientais venham atingir as unidades de conservação, espaços estes de inestimável valor ambiental. Não há dúvida de que plantações em grande escala, acaso dispostas a quinhentos ou oitocentos metros, irão propagar efeitos prejudiciais às regiões circunvizinhas, com a dispersão e introdução de espécies não autóctones nas unidades de conservação, impedindo a conservação “in situ”. A Resolução CONAMA 13/1990 foi revogada pela Resolução CONAMA 428/2010. Apesar disso, a nova Resolução, responsável por disciplinar o licenciamento ambiental em unidades de conservação e suas zonas de amortecimento, define um limite maior para o plantio de OGM no entorno de unidades de conservação, o qual deverá respeitar uma faixa estabelecida de três mil metros de distância e será obrigado a obter o licenciamento ambiental com autorização do órgão gestor da unidade. A propósito, importante a leitura do artigo 1º da Resolução CONAMA 428/2010: Art. 1º O licenciamento de empreendimentos de significativo impacto ambiental que possam afetar Unidade de Conservação (UC) específica ou sua Zona de Amortecimento (ZA), assim considerados pelo órgão ambiental licenciador, com fundamento em Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), só poderá ser 212 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE concedido após autorização do órgão responsável pela administração da UC ou, no caso das Reservas Particulares de Patrimônio Natural (RPPN), pelo órgão responsável pela sua criação. [...] §2º Durante o prazo de 5 anos, contados a partir da publicação desta Resolução, o licenciamento de empreendimento de significativo impacto ambiental, localizados numa faixa de 3 mil metros a partir do limite da UC, cuja ZA não esteja estabelecida, sujeitarse-á ao procedimento previsto no caput, com exceção de RPPNs, Áreas de Proteção Ambiental (APAs) e Áreas Urbanas Consolidadas (sem destaque no original). Além disso, o Decreto não poderia autorizar o plantio de OGMs em limites inferiores condicionado à criação posterior das zonas de amortecimento, como o fez, uma vez que não se pode pretender cultivar em espaços próximos às unidades de conservação e só depois, quando evidentes os riscos gerados pela atividade, ampliar a restrição. Pelo Princípio da Precaução, as incertezas nos OGMs justificam adotar, desde cedo, faixas maiores de proteção no entorno das unidades, o que não é atentado pelo Decreto. Ressalte-se que o princípio da preocupação significa que, havendo dúvidas quanto aos riscos de um empreendimento, então desconhecidos, como é a hipótese dos OGMs, cujos efeitos das transferências genéticas não são determinados, deve ser adotada uma postura de cautela, no sentido de aguardar o fim das pesquisas científicas, antes de liberá-las para uso e consumo. Nesse sentido, a Justiça Federal do Rio Grande do Sul, na Ação Popular n. 2007.71.00.042894-1, reconheceu que não se aplicam às Unidades situadas naquele Estado os limites do artigo 1º do Decreto 5.950/2006 e que devem prevalecer, quanto ao plantio de OGMs, os limites espaciais de dez mil metros estabelecidos pelo artigo 55, do Código Estadual do Meio Ambiente (Lei n. 11.520/2010), até a definição da zona de amortecimento e aprovação do plano de manejo de cada unidade. Estabelece o artigo 55, do Código do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul: Art. 55 - A construção, instalação, ampliação, reforma, recuperação, alteração, operação e 213 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE desativação de estabelecimentos, obras e atividades utilizadoras de recursos ambientais ou consideradas efetivas ou potencialmente poluidoras, bem como capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento do órgão ambiental competente, sem prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis. Parágrafo único - Quando se tratar de licenciamento de empreendimentos e atividades localizados em até 10km (dez quilômetros) do limite da Unidade de Conservação deverá também ter autorização do órgão administrador da mesma (sem destaque no original). Ao ensejo, segue trecho da sentença da Justiça Federal gaúcha que aborda a questão: Ainda que aparentemente a lei pudesse em tese permitir o plantio de organismos geneticamente modificados em áreas circundantes a unidades de conservação, é certo que isso não poderia ser liberado de forma indiscriminada por Decreto executivo que tenha desconsiderado a exigência de zona de amortecimento da unidade de conservação e as normas previstas no respectivo plano de manejo. A cláusula “até que” constante do Decreto, abrindo exceção transitória às regras sistemáticas que regem nacionalmente as unidades de conservação, torna juridicamente nula a permissão contida no art. 1º do Decreto 5.950/06, ainda que o Presidente da República tivesse autorização legal para estabelecer aqueles limites, por ofensa às normas do art. 225 da Constituição Federal pertinentes à proteção ambiental, como segue. Primeiro, a inconstitucionalidade decorre da sistemática utilizada com a cláusula “até que”. O Decreto executivo estabelece os limites e autoriza o plantio (art. 1º), e depois prevê normas para corrigir eventuais desvios que tenham ocorrido (art. 2º). Ora, é incompatível com a proteção ambiental e 214 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE com o dever de preservação da qualidade de vida e da higidez dos ecossistemas que o poder público autorize ou permita algo sobre o que ainda não tem segurança ou certeza. Na situação dos autos, não parece existir nenhum risco urgente que motivasse a dispensa da cautela própria da precaução ambiental: se não se tem certeza se danos graves podem ser causados, não se libere a atividade enquanto a certeza não existir. É inviável liberar “até que” (art. 1º), ainda que se estabeleça que poderão ser alterados os limites conforme “novas informações” do órgão técnico apropriado (art. 2º). Ora, se o próprio Decreto sabe que “novas informações” poderão surgir, se o próprio Decreto sabe que as regras poderão ser alteradas pelo plano de manejo, e se nenhuma situação de relevante interesse público justifica a liberação imediata e provisória do cultivo de organismos geneticamente modificados naqueles espaços especialmente protegidos de unidades de conservação, então é certo que o estabelecimento de limites foi prematuro e que a precaução se impõe. Recorro às palavras claras da autora para demonstrar a desconsideração quanto ao princípio da precaução: “os princípios da precaução e da prevenção foram sepultados pela transcrita norma, pois primeiro se plantam transgênicos nos raios reduzidos, para, depois, se definir a Zona de Amortecimento e o Plano de Manejo (art. 1º, caput). Assim, primeiro as Unidades de Conservação sofre os danos ambientais dessa intervenção antrópica, para depois se definirem os limites com bases científicas. Soa óbvio que o indigitado dispositivo faz tabula rasa do art. 225 da Constituição Federal e representa um dos mais emblemáticos retrocessos em política ambiental da história brasileira” (fls. 18, grifei). Segundo, a inconstitucionalidade decorre do tratamento privilegiado dispensado aos organismos geneticamente modificados, em detrimento das culturas convencionais, por exemplo. Isso foi muito bem apanhado pela autora: “Salta aos olhos, ainda, 215 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE que esse regime de exceção tenha sido estabelecido apenas para os transgênicos, não para as plantas comerciais comuns, mostrando sem pudores a submissão brasileira ao lobby de multinacionais do ramo, preocupadas com seus resultados financeiros, sem nenhum interesse na preservação de nossos biomas” (fls. 19). Realmente, nada de relevante foi trazido pelos réus nas informações preliminares que justificasse um tratamento privilegiado aos organismos geneticamente modificados. Parece que a norma foi feita de forma especial e excepcional para permitir especial e excepcionalmente o plantio e o cultivo de organismos geneticamente modificados naquelas áreas de amortecimento de unidades de conservação, o que a torna viciada por desvio de finalidade. Terceiro, o Decreto 5.950/06 desconsidera as zonas de amortecimento legalmente definidas e o plano de manejo legalmente imposto às unidades de conservação: “até que seja definida a zona de amortecimento e aprovado o Plano de Manejo da unidade de conservação” da parte final do caput do art. 1º. Ora, ainda que o art. 57-A da Lei 9.985/00 (na nova redação dada pela Lei 11.460/07) tivesse pretendido autorizar o Presidente da República desconsiderar aqueles instrumentos de proteção ambiental (plano de manejo e zona de amortecimento), é certo que a estrutura das unidades de conservação deve ser preservada e o sistema legalmente instituído para ter alcance nacional (Lei 9.985/00) não pode sofrer exceções e retalhos provisórios, ao sabor dos interesses dominantes no momento. Quarto, porque a edição da norma excepcional e transitória viola o dever do poder público proteger o meio ambiente, positivado nos incisos I e II do § 1º do art. 225 da Constituição Federal. Efetivamente, o poder público tem dever constitucional de “preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover 216 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE o manejo ecológico das espécies e ecossistemas” (inciso I) e “preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético” (inciso II). No tocante às unidades de conservação da natureza, isso deve ser feito a partir da respectiva legislação (Lei 9.985/00), que instituiu um sistema nacional para reger essas instituições, prevendo mecanismos relevantes como a definição de zonas de amortecimento e a adoção de planos de manejo. Não é possível desconsiderar esses instrumentos genéricos e sistemáticos, a pretexto de dar conta de interesses momentâneos ainda não definitivamente resolvidos. Se não se tem certeza da inexistência de riscos às unidades de conservação, não se pode abrir exceções transitórias à política nacional das unidades de conservação. Se isso é feito, com risco (ainda que desconhecido ou oculto) aos processos ecológicos e ao patrimônio genético nacional, tem-se conduta do poder público que deixa de observar deveres constitucionais (incs. I e II do § 1º do art. 225 da CF/88). Quinto, porque a edição da norma transitória e excepcional do art. 1º do Decreto 5.950/06 também viola a estrutura constitucional das unidades de conservação da natureza (art. 225-§ 1º-III da CF/88). Um Decreto executivo não pode alterar as regras de aproveitamento econômico de zonas de amortecimento de unidades de conservação nem abrir exceções ao sistema nacional de unidades de conservação legalmente instituído a partir do mandamento constitucional. O poder público tem obrigação constitucional de “definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção” (art. 225-§ 1º-III da CF/88, 217 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE grifei). Ora, as exceções transitórias pretendidas pelo art. 1º do Decreto 5.950/06, ainda que pretensamente tenham amparo no art. 57-A da Lei 9.985/00, são inconstitucionais porque: (a) desconsideram componente específico e essencial essencial ao espaço territorial especialmente protegido (plano de manejo e zona de amortecimento); (b) alteram utilização da zona de amortecimento sem lei específica, já que o conteúdo contido no Decreto 5.950/06 deveria ser veiculado especificamente pela lei em sentido formal; (c) não há comprovação de que a utilização dada à zona de amortecimento pelo Decreto 5.950/06 não “comprometa a integridade dos atributos que justificam sua proteção”, tanto que está previsto que os limites ou a permissão poderão ser alterados pela definição da zona de amortecimento ou aprovação do plano de manejo (art. 1º do Decreto 5.950/06) ou se “novas informações” (art. 2º do Decreto 5.950/06). Ora, se a Constituição Federal exige do poder público a definição de espaços especialmente protegidos (com os respectivos componentes), que somente podem ser alterados por lei específica, e se foi editada legislação instituindo um sistema nacional de unidades de conservação da natureza, é certo que não se pode aceitar que sejam abertas exceções provisórias ou temporárias quanto à utilização daqueles espaços constitucionalmente protegidos, sob pena de afronta do poder público ao seu dever constitucional de preservação ambiental (art. 225-§ 1º-III da CF/88). Sexto, porque enquanto não se tiver certeza científica quanto à inocência do plantio e cultivo de organismos geneticamente modificados nas proximidades de unidades de conservação da natureza, não é possível descaracterizar essa atividade como “atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente” para fins de ser exigido o estudo prévio e público de impacto ambiental de que trata o art. 225-§ 1º-IV da Constituição Federal. Como dito no parecer do Ministério Público Federal, “como é inerente à toda tecnologia nova, 218 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE a biotecnologia comporta riscos que, quando não analisados previamente e adequadamente, podem causar danos irreversíveis. Justamente por isso, quaisquer operações que envolvam a liberação de organismos geneticamente modificados precisam ser precedidas de estudos de impacto ambiental, além de estarem previstas no Plano de Manejo da Unidade de Conservação. O exame prévio é uma exigência, antes de mais nada, razoável e de bom senso, além de ser determinação expressa da Constituição Federal e da Legislação Federal” (fls. 195-v). Nesse contexto, pode-se verificar que o Decreto 5.950/2006 ofende o Princípio da Precaução. Primeiro, porque admite limites reduzidos de proteção, em regra inferiores ao da Resolução CONAMA 428/2010. Segundo, porque condiciona esses limites à criação no futuro de zona de amortecimento, quando deveriam ser adotadas faixas maiores desde logo, subvertendo o raciocínio da precaução. Vale ressaltar, ainda, que a Constituição Federal exige que, para de toda atividade poluidora, seja realizado o licenciamento ambiental, independente de sua localização, como expressão do Princípio da Precaução, o que é indevidamente fragilizado pelo Decreto, ao admitir o cultivo em tais hipóteses. Como ressaltado antes, pelo menos até que mais estudos sejam realizados em torno dos organismos geneticamente modificados, até que melhorias na fiscalização sejam adotadas, e até que argumentos e resultados consistentes relativos à segurança dessa espécie de produto sejam fornecidos, deveria ser adotado o princípio da precaução. Assim, a legislação sobre o plantio de OGMs nos entornos de unidades de conservação é atualmente inadequada e incompatível com a proteção do meio ambiente natural. Isso porque, em razão das incertezas existentes, não se poderia justificar nessas áreas uma proteção em menor nível, tampouco condicionar o seu aumento para o futuro. Diante da relevância das unidades de proteção para o meio ambiente, o tema debatido merece uma reanálise pelo Poder Executivo, para readequar os limites mínimos de cultivo de OGMs, nas proximidades desses espaços, aos princípios do Direito Ambiental. 219 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE CONCLUSÃO Apesar das promessas quanto aos OGMs, pesquisas científicas indicam que o processo de engenharia genética não é seguro, uma vez que instáveis as circunstâncias em que operadas as transferências genéticas. Como dito, os genes têm funções muito mais complexas do que espera e, durante esse processo, não se sabe a posição onde o gene novo será inserido ou se ele codifica somente uma função, de maneira que a substituição pode gerar efeitos desconhecidos. Em razão das inúmeras dúvidas quanto aos benefícios e malefícios trazidos pelo cultivo de OGMs, é imperiosa a observância do Princípio da Precaução, uma vez que, de acordo com o Princípio 15, da Declaração do Rio de 1992, a ausência de certeza científica não pode retardar as medidas necessárias para evitar a degradação ambiental. Entretanto, foi editado o Decreto 5.950/2006, que autorizou a plantio nas faixas circunvizinhas às unidades de conservação, atentando contra o Princípio da Precaução. Tratando-se este de norma-princípio do ordenamento jurídico, esse Decreto não poderia reduzir os limites de proteção, muito menos condicionar a ampliação para o futuro. Isso é verificado a partir da análise comparativa da Resolução CONAMA 428/2010, que amplia a faixa de proteção no entorno das unidades de conservação para três mil metros, assim como pela jurisprudência citada, a qual, em caso concreto, evidencia o indevido condicionamento da proteção integral à futura criação das zonas de amortecimento. 220 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE REFERÊNCIAS ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 12. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010. BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução n. 428, de 17 de dezembro de 2010. CONAMA, Brasília, 2010. ______. Constituição da República Federativa do Brasil. Congresso Nacional, Brasília, 1988. ______. Decreto n. 5.950, de 31 de outubro de 2006. Presidência da República, Brasília, 2006. ______. Justiça Federal do Estado do Rio Grande do Sul. Ação Popular n. 2007.71.00.042894-1. Juíza Federal Substituta Clarides Rahmeier. Porto Alegre, RS, 02 de março de 2012. Diário da Justiça Federal da 4ª Região. Porto Alegre, 07 mar. 2012. Disponível em: <http:// http://www2.trf4.gov.br/ trf4 /processos/visualizar_documento_ gedpro.php?local=jfrs&documento=76 57268&DocComposto=&Sequencia=&hash=9c5ae2f007d879442a856da341c cf832>. Acesso em: 7 jul. 2015. ______. Lei n. 9.985, de 8 de julho de 2000. Congresso Nacional, Brasília, 2000. FAO. Technical Consultation on Low Levels Of Genetically Modified (GM) Crops in International Food and Feed Trade. Disponível em: < http:// http:// www.fao.org/fileadmin/user_upload/agns/topics/LLP/AGD803_4_Final_En. pdf>. Acesso em: 7 jul. 2015. FARENA, Duciran Val Marsen. Aspectos polêmicos acerca da criação e implantação de unidades de conservação. In: Boletim Científico. ESMPU, Brasília, a. 6 - n. 24/25, p. 123-150 – jul./dez. 2007. 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Acesso em: 7 jul. 2015. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Princípios da política nacional de resíduos sólidos. In: Revista do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, ano 2012, n. 7, jul/2012. Brasília: Tribunal Regional Federal da Primeira Região. ONU. Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Disponível em: < http://www.mma.gov.br/port/sdi/ea/documentos/convs/decl_rio92.pdf>. Acesso em: 7 jul. 2015. RIO GRANDE DO SUL. Lei n. 11.520, de 03 de agosto de 2000. Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2000. SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e Novos Direitos: proteção jurídica á diversidade biológica e cultural. Editora Peirópolis, Instituto Socioambiental e Instituto Internacional de Educação do Brasil, 2005. Disponível em: < http:// inspirebr.com.br/uploads/ midiateca/ 5ae0c782ad69c77da266160cb4cfb676. pdf>. Acesso em: 6 nov. 2015. TERRA DE DIREITOS. Justiça restringe o cultivo de transgênicos no entorno de unidades de conservação do RS. Disponível em: <http://terradedireitos. org.br/2012/03/26/justica-restringe-o-cultivo-de-transgenicos-no-entorno-deunidades-de-conservacao-do-rs/>.Acesso em 7 jul. 2015. 222 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE O PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO NO DEVER DE FISCALIZAÇÃO E PROTEÇÃO AMBIENTAL THE POLLUTER-PAYS PRINCIPLE AND THE CIVIL LIABILITY OF THE STATE FOR OMISSION IN DUTY OF ENVIRONMENTAL SUPERVISION AND PROTECTION Laís Batista Guerra Mestranda em Direito Ambiental na Universidade do Estado do Amazonas – UEA Juliana de Carvalho Fontes Mestranda em Direito Ambiental na Universidade do Estado do Amazonas – UEA Resumo: O presente artigo trata da responsabilidade civil do Estado por omissão no dever de proteção e fiscalização ambiental, à luz da aplicação do princípio do poluidor-pagador e das normas constitucionais e legais vigentes. Buscouse analisar a conformação do princípio do poluidor-pagador, a estruturação da responsabilidade civil ambiental no ordenamento jurídico brasileiro e as atribuições constitucionais e legais do Estado. Ao final, concluiu-se que é possível responsabilizá-lo objetiva e solidariamente por danos ambientais na qualidade de poluidor indireto, mas que a execução em face do Estado será subsidiária. A metodologia utilizada no presente trabalho foi de pesquisa bibliográfica, com o auxílio de doutrina, legislação, jurisprudência e trabalhos científicos. Palavras-Chave: Responsabilidade Civil do Estado; Poluidor-pagador; Proteção Ambiental. Abstract: This article deals with the liability of the State for omission in duty of environmental protection and supervision by the application of the polluterpays principle and the current constitutional and legal rules. It sought to analyze the conformation of the polluter-pays principle, the structure of environmental liability in Brazilian law and the constitutional and legal powers of the State. At the end, it concluded that it is possible to charge the State objective and severally for environmental damages as an indirect polluter, but his execution will be subsidiary. The methodology used in this work was literature search with the aid of doctrine, legislation, jurisprudence and scientific works. Keywords: Liability of the State; Polluter-pays; Environmental Protection. 223 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE INTRODUÇÃO A atuação do Estado para a proteção do meio ambiente decorre de suas competências legislativas e materiais previstas na Constituição Federal e é indispensável para a efetivação das normas que objetivam evitar a degradação ambiental. Desse poder-dever estatal pode decorrer a sua responsabilidade por condutas praticadas por terceiros. O presente artigo objetiva verificar se, à luz do princípio do poluidor-pagador e das normas vigentes é possível atribuir ao Estado responsabilidade civil por danos ambientais decorrentes de sua omissão no dever de proteger o meio ambiente e de fiscalizar atividades efetiva ou potencialmente causadoras de degradação ambiental. Para responder à indagação proposta, analisou-se a origem, a definição e os elementos do princípio do poluidor-pagador, além de sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro. Em seguida, estudaram-se as atribuições do Estado no que concerne ao poder-dever de fiscalização e proteção ambiental para, então, tratar da responsabilidade do Estado por danos ambientais decorrentes de omissão no exercício desse dever. A metodologia utilizada no presente trabalho foi de pesquisa bibliográfica, com o auxílio de doutrina, legislação, jurisprudência e trabalhos científicos. 1. DEFINIÇÃO DE PRINCÍPIOS O estudo proposto no presente artigo não prescinde da análise, ainda que superficial, da definição e da relevância dos princípios no ordenamento jurídico, a fim de melhor compreender a sua aplicação. Segundo Alexy (2008, p. 87-90), as regras e os princípios integram o conceito de norma, pois ambos são razões para juízos concretos de dever-ser. Para o autor, os princípios são mandamentos de otimização, pois ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Assim, a sua distinção em relação às regras seria qualitativa, uma vez que estas não comportam graus variados de satisfação. Por sua vez, conforme Reale (2004, p. 303), “os princípios são ‘verdades fundantes’ de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da praxis”. De outro lado, para Mello (2010, p. 53), os princípios constituem mandamentos nucleares de um sistema, que se irradiam sobre diferentes normas, 224 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE “compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico”. Os princípios são, portanto, alicerces do ordenamento jurídico, normas dotadas de alto grau de abstração e elevada carga axiológica, que inspiram a confecção das regras jurídicas e a aplicação do Direito. Assim como as regras, os princípios são dotados de imperatividade. Embora o direito ambiental tenha caráter interdisciplinar, como ciência dotada de autonomia científica, obedece a alguns princípios específicos que, em razão de sua força normativa e elevada carga axiológica, orientam a elaboração e a aplicação das normas e o desenvolvimento de políticas públicas destinadas à conservação do meio ambiente, dentre eles, o princípio do poluidor-pagador. 2. PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR A análise do princípio do poluidor-pagador e de seus fundamentos passa necessariamente pelo estudo da teoria das externalidades e, mais especificamente, das externalidades ambientais negativas. Segundo Aragão (2014, p. 31), o conceito de externalidade foi idealizado por Marshall, em 1890, quando constatou que o preço de mercado dos bens pode não refletir exatamente os verdadeiros custos ou benefícios resultantes de sua produção ou consumo. O preço de mercado só seria adequado para avaliar as perdas e ganhos sociais decorrentes do uso dos recursos se correspondesse, em concorrência perfeita, à avaliação dos consumidores a respeito dos benefícios decorrentes de seu consumo, e se o preço dos fatores de produção fosse igual ao valor da produção que estes poderiam gerar em sua melhor utilização alternativa. No entanto, a produção ou consumo de determinados bens pode significar benefícios ou prejuízos a pessoas que não fazem parte da relação econômica principal, independentemente da vontade de quem produz, de quem consome, ou dos terceiros beneficiados ou prejudicados (outsiders). Trata-se das externalidades positivas ou negativas. A esse respeito, leciona Derani (1997, p. 158): Durante o processo produtivo, além do produto a ser comercializado, são produzidas “externalidades negativas”. São chamadas externalidades porque, embora resultante da produção, são recebidas pela coletividade, ao contrário do lucro, que é percebido pelo produtor privado. Daí a expressão “privatização dos lucros e socialização de perdas”, quando identificadas as externalidades negativas. 225 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE As externalidades, conforme Aragão (2014, p. 32), reúnem duas características: “a interdependência entre as decisões dos agentes económicos, e a inexistência de compensações. Quem causa estorvos a outrem não os paga, quem criam benefícios a outrem, não é compensado.” No âmbito do Direito Ambiental, são relevantes as externalidades negativas, geradas mais comumente pela poluição decorrente da atividade industrial. Em geral, os subprodutos dessa atividade não são incluídos pelos agentes econômicos no cálculo dos custos de produção e, portanto, não refletem o custo real imposto à sociedade. Ora, sendo as decisões de produção tomadas com base em cálculos de custos inferiores aos custos reais globalmente impostos à sociedade, então o nível de produção será logicamente superior ao que seria socialmente desejável e superior ao ponto que permite a manutenção do equilíbrio ecológico, o que é ainda mais perigoso (ARAGÃO, 2014, p. 35). Por conseguinte, se o custo da atividade econômica é superior àquele efetivamente calculado, em decorrência do custo social gerado, o equilíbrio será atingido através da internalização dessa diferença. Assim, os prejuízos ocasionados pelos poluidores devem ser suportados como custos da produção e considerados pelos agentes econômicos em suas decisões acerca de sua atuação. Nesse contexto foi concebida a noção de poluidor-pagador como forma de intervenção do Estado na regulação do uso dos bens ambientais, ou seja, os poluidores são convocados a arcar com os custos dos recursos naturais que utilizam, a fim de gerirem com mais racionalidade e parcimônia os bens ambientais disponíveis. Antes do final da década de 1960, a proteção ambiental não estava entre as preocupações dos governantes, pois as atenções estavam voltadas à promoção do desenvolvimento econômico e industrial e à superação da crise pós-guerra. No entanto, ao longo dos anos, os problemas ambientais, decorrentes da industrialização, do modelo de produção capitalista e dos acidentes com graves impactos ecológicos, passaram a ser percebidos com maior intensidade, o que erigiu o debate acerca das questões ambientais ao centro das discussões políticas. Conforme narra Aragão (2014, p. 44), […] quando alguns países industrializados começaram a adoptar medidas preventivas mais 226 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE activas de controlo da poluição, aperceberam-se das implicações que as suas políticas internas e a afectação dos custos dessas politicas, tinham sobre o comércio internacional. Assim, os países que tinham adoptado medidas mais rigorosas de protecção do ambiente, onerando as empresas nacionais com os elevados custos, receavam que outros Estados com menores preocupações ambientais não fizessem o mesmo, ou então, o que seria também grave, pudessem desenvolver politicas de protecção do ambiente baseadas na atribuição de subsídios as suas empresas, gerando distorções da concorrência, do comércio e do investimento internacionais. Diante da preocupação com as disparidades entre as políticas ambientais dos diferentes países e, em consequência, com as distorções relacionadas à concorrência, nas décadas de 1970 e 1980, foram realizadas conferências internacionais e acordos multilaterais destinados à uniformização das medidas de preservação ambiental. Em 1972, foi realizada a Conferência de Estocolmo, mesmo ano em que foi publicado o relatório intitulado “Os Limites do Crescimento” pelo Clube de Roma, que alertava para os limites do Planeta Terra diante do crescimento populacional e da pressão gerada sobre os recursos naturais e energéticos, mesmo diante das inovações tecnológicas. O princípio do poluidor-pagador, no âmbito internacional, foi concebido em 1972, na Recomendação 128 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre política do ambiente na Europa, que estabeleceu que os custos das medidas de prevenção e controle da poluição deve ser refletido no custo dos produtos e serviços que causam poluição em virtude de sua produção ou consumo (OCDE, 2015). A Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, por sua vez, consagrou o referido preceito no Princípio 16. O princípio em questão inspirou outros documentos internacionais e a legislação de diversos países, inclusive do Brasil. 3. POLUIDOR-PAGADOR E RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL O princípio do poluidor-pagador encontra-se inserido no ordenamento jurídico de muitos países, principalmente da Comunidade Europeia, seja em 227 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE dispositivos próprios no direito interno, seja pela adoção das recomendações e declarações internacionais sobre a questão. No ordenamento brasileiro, foi adotado de forma mais ampla, abrangendo não apenas os agentes econômicos, mas todos aqueles que contribuam, direta ou indiretamente, para a degradação ambiental. A Constituição Federal dispõe, no artigo 225, § 3º, que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.” A seu turno, a Lei 6.938/81 elenca, dentre os princípios da Política Nacional do Meio Ambiente, a recuperação das áreas degradadas e a proteção das áreas ameaçadas de degradação (artigo 2º, incisos VIII e IX). Ao tratar dos objetivos da PNMA, o artigo 4º da referida lei previu a imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos. Por sua vez, no artigo 14, a referida lei previu a responsabilidade civil do poluidor para indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente, independentemente de culpa e da concomitância da responsabilidade administrativa e criminal. Portanto, sob o aspecto repressivo, a aplicação do princípio do poluidorpagador envolve a responsabilidade civil, uma vez que, como ensina Fiorillo (2011, p. 97), o pagamento efetuado em decorrência da degradação ambiental não tem natureza de pena e tampouco de sujeição à infração administrativa, embora não exclua a cumulatividade da responsabilização nessas três esferas, como determina o § 3º do artigo 225 da Constituição da República. No mesmo sentido, segundo Milaré (2014, p. 270), o princípio em questão constitui “um mecanismo de responsabilidade por dano ecológico, abrangente dos efeitos da poluição não somente sobre bens e pessoas, mas sobre toda a natureza”. Em consequência, alguns aspectos do regime jurídico da responsabilidade civil são aplicados aos danos ambientais por força do princípio em questão: “a) a responsabilidade civil objetiva; b) prioridade da reparação específica do dano ambiental; e c) solidariedade para suportar os danos causados ao meio ambiente.” (FIORILLO, 2011, p. 97). Com efeito, a Lei 6.938/81, no artigo 14, § 1º, é expressa no sentido de que, independentemente de culpa, o poluidor é obrigado a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade. O texto constitucional, por sua vez, indica que o mero nexo de causalidade entre as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores à reparação dos danos causados, além da responsabilidade penal e administrativa, uma vez que não traz qualquer elemento relacionado à culpa 228 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE do poluidor. Consagrou-se, portanto, a aplicação da responsabilidade civil objetiva, fundada classicamente na existência de dano e nexo de causalidade. Em relação ao ressarcimento do dano ambiental, conforme Fiorillo (2011, p. 99), pode ser feito através da reparação natural ou específica (ressarcimento in natura) e do pagamento de indenização em dinheiro. No entanto, não se trata de opção do poluidor, devendo-se verificar, inicialmente, se é possível o retorno ao estado inicial por meio da reparação específica para, só então, caso demonstrada a inviabilidade, ou se a recuperação não for integral, buscar a reparação pecuniária. A prevalência da reparação in natura decorre também dos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente previstos no artigo 4º, incisos VI e VII, da Lei 6.938/81. Desse modo, o princípio do poluidor-pagador está diretamente relacionado à responsabilização civil por danos ambientais, servindo como vetor para a elaboração e a aplicação das normas e o desenvolvimento de políticas públicas destinadas à conservação do meio ambiente. 4. PODER-DEVER DO ESTADO DE FISCALIZAÇÃO E PROTEÇÃO AMBIENTAL A Constituição da República e a legislação infraconstitucional outorgam ao Estado o poder-dever de proteger o meio ambiente e, ao mesmo tempo, de zelar por sua conservação, o que ocorre principalmente por meio da fiscalização de atividades efetiva ou potencialmente causadoras de degradação ambiental. O artigo 23, incisos VI e VII, da Constituição Federal atribui competência comum à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formar, bem como para preservar as florestas, a fauna e a flora. Por sua vez, no artigo 24, incisos VI, prevê a competência legislativa concorrente entre União Estados e Distrito Federal para legislar sobre proteção ambiental. Na mesma linha, o artigo 225 da Constituição Federal impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, conferindo especialmente ao Estado, no § 1º, obrigações dirigidas a assegurar a efetividade do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Por sua vez, no âmbito infraconstitucional, alguns diplomas legais concedem ao Estado os instrumentos adequados para viabilizar o mandamento constitucional. Exemplificativamente, a Lei 9.605/98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, estabelece, a partir do artigo 70, o poder-dever de atuação do Estado diante do conhecimento de infrações ambientais, devendo exercer o seu poder de polícia. Por sua vez, a Lei 7.347/85 estabelece, no artigo 6º, que o 229 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE servidor público deverá provocar a iniciativa do Ministério Público quanto tiver conhecimento de fatos que constituam objeto de ação civil pública, abrangendo, portanto, a ameaça ou a lesão ao meio ambiente (CF, art. 29, III, e Lei 7.347/85, art. 1º, I). A Lei Complementar 140/11, por sua vez, estabelece diversas ações administrativas atribuídas à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o exercício da competência comum de proteção ambiental. O exercício do poder de polícia, conceituado pelo artigo 78 do Código Tributário Nacional, constitui prerrogativa da Administração Pública e, ao mesmo tempo, imposição legal e constitucional de que não pode se furtar, sob pena de responsabilidade. Não se trata, portanto, de discricionariedade administrativa, mas de atuação vinculada, na forma da lei. A efetividade das normas está relacionada com o compromisso do estatal de cumpri-las fielmente e de fiscalizar o seu cumprimento. Nesse sentido, leciona Milaré (2014, p. 340): A importância do correto exercício desse poder reflete-se tanto na prevenção de atividades lesivas ao meio ambiente através do controle dos administrados, como em sua repressão, quando as autoridades noticiam formalmente a ocorrência de uma infração às normas e aos princípios de Direito Ambiental, ensejando o desencadeamento dos procedimentos para a tutela civil, administrativa e penal dos recursos ambiental agredidos ou colocados em situação de risco. Em consequência, os tribunais brasileiros têm reconhecido a responsabilidade civil do Estado em diversas searas, inclusive ambiental, quando a inércia administrativa quanto ao exercício do dever de fiscalização concorrer para a configuração do evento danoso, ainda que praticado diretamente por terceiro. Desse modo, o poder-dever do Estado de tutela ambiental decorre diretamente de suas competências constitucionais legislativas e materiais, sendo imperativo o seu exercício na forma da lei para a efetivação do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. 5. RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR DANOS AMBIENTAIS DECORRENTES DE OMISSÃO NO DEVER DE FISCALIZAÇÃO E PROTEÇÃO AMBIENTAL O princípio do poluidor-pagador tem como objetivo imputar ao poluidor, direto ou indireto, os custos sociais da degradação ambiental causada por sua ação ou omissão. 230 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE No artigo 3º, inciso IV, a Lei 6.938/81 apresentou o conceito de poluidor, estabelecendo que se trata da “pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.” Portanto, a teor da Lei 6.938/81, considera-se poluidor não apenas aquele que causa diretamente, de forma comissiva, a degradação ambiental, mas também quem a provoca indiretamente, por ação ou omissão, imputandolhe a lei responsabilidade pela recuperação e indenização dos danos causados, sem prejuízo das penalidades legais. O artigo 225 da Constituição Federal, por sua vez, permite a identificação de todos, pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, na qualidade de poluidores. É o que se depreende do caput do referido dispositivo, que impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, e do seu § 3º que, expressamente, caracteriza como infratores, pessoas físicas ou jurídicas, aqueles que praticam condutas ou exercem atividades consideradas lesivas ao meio ambiente, imputando-lhes responsabilidade civil, penal e administrativa. Portanto, a responsabilidade pelos danos causados ao meio ambiente, além de objetiva, é solidária, uma vez que envolve a todos aqueles que, direta ou indiretamente, sejam responsáveis pela degradação ambiental. Conforme Aragão (2014, p. 132), o poluidor que deve pagar “é aquele que tem poder de controlo sobre as condições que levam à ocorrência da poluição, podendo, portanto, preveni-las ou tomar precauções para evitar que ocorram”. Diante da natureza solidária da responsabilidade pelos danos ambientais, bem como do dever imposto pela Constituição Federal ao Poder Público de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, é possível atribuir responsabilidade ao Estado em razão de omissão no dever de fiscalizar as atividades causadoras de degradação ambiental. Como regra, a responsabilidade do Estado por omissão é subjetiva , o que decorre do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, que somente prevê a responsabilidade objetiva do Estado por atos praticados por seus agentes. Para alguns autores, a natureza da responsabilidade civil por omissão do Estado não é diferente na seara ambiental. Nesse sentido leciona Barroso (2011, p. 221) que “não há como impor ao Estado, portanto, uma responsabilidade civil por danos ambientais, em caso de omissão, quando ele não tenha decisivamente colaborado para o evento lesivo, pois que isso seria recolocar sobre a sociedade o ônus por ela sofrido com o dano ambiental”. Também nessa linha se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial 647493/SC, relatado pelo Ministro João Otávio 231 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE de Noronha (BRASIL, 2007), afirmando que “a responsabilidade civil do Estado por omissão é subjetiva, mesmo em se tratando de responsabilidade por dano ao meio ambiente, uma vez que a ilicitude no comportamento omissivo é aferida sob a perspectiva de que deveria o Estado ter agido conforme estabelece a lei.” Ademais, como o Estado é a representação da própria sociedade, esta seria onerada duplamente, primeiro pelo dano ambiental suportado e depois pelos custos da reparação desse dano. Para outros autores, contudo, a responsabilidade civil ambiental por omissão do Estado é objetiva. Conforme Milaré (2014, p. 449), “esse regime comum é excepcionado – em se tratando de tutela ambiental – por expressa previsão legal, em microssistema especial, que considera objetiva tal responsabilidade (art. 3º, IV, c/c. o art. 14, § 1º, da Lei 6.938/1987).” Nesse sentido tem se pronunciado o Superior Tribunal de Justiça em julgados mais recentes, como no Recurso Especial 1071741/SP, relatado pelo Ministro Herman Benjamin (BRASIL, 2010). Confira-se o teor do aresto: AMBIENTAL. UNIDADE DE CONSERVAÇÃO DE PROTEÇÃO INTEGRAL (LEI 9.985/00). OCUPAÇÃO E CONSTRUÇÃO ILEGAL POR PARTICULAR NO PARQUE ESTADUAL DE JACUPIRANGA. TURBAÇÃO E ESBULHO DE BEM PÚBLICO. DEVER-PODER DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL DO ESTADO. OMISSÃO. ART. 70, § 1º, DA LEI 9.605/1998. DESFORÇO IMEDIATO. ART. 1.210, § 1º, DO CÓDIGO CIVIL. ARTIGOS 2º, I E V, 3º, IV, 6º E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981 (LEI DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE). CONCEITO DE POLUIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DE NATUREZASOLIDÁRIA, OBJETIVA, ILIMITADA E DE EXECUÇÃO SUBSIDIÁRIA. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO. 1. Já não se duvida, sobretudo à luz da Constituição Federal de 1988, que ao Estado a ordem jurídica abona, mais na fórmula de dever do que de direito ou faculdade, a função de implementar a letra e o espírito das determinações legais, inclusive contra si próprio ou interesses imediatos ou pessoais do Administrador. Seria mesmo um despropósito que o ordenamento constrangesse os particulares a cumprir 232 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE a lei e atribuísse ao servidor a possibilidade, conforme a conveniência ou oportunidade do momento, de por ela zelar ou abandoná-la à própria sorte, de nela se inspirar ou, frontal ou indiretamente, contradizê-la, de buscar realizar as suas finalidades públicas ou ignorá-las em prol de interesses outros. 2. Na sua missão de proteger o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações, como patrono que é da preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais, incumbe ao Estado “definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção” (Constituição Federal, art. 225, § 1º, III). 3. A criação de Unidades de Conservação não é um fim em si mesmo, vinculada que se encontra a claros objetivos constitucionais e legais de proteção da Natureza. Por isso, em nada resolve, freia ou mitiga a crise da biodiversidade – diretamente associada à insustentável e veloz destruição de habitat natural –, se não vier acompanhada do compromisso estatal de, sincera e eficazmente, zelar pela sua integridade físicoecológica e providenciar os meios para sua gestão técnica, transparente e democrática. A ser diferente, nada além de um “sistema de áreas protegidas de papel ou de fachada” existirá, espaços de ninguém, onde a omissão das autoridades é compreendida pelos degradadores de plantão como autorização implícita para o desmatamento, a exploração predatória e a ocupação ilícita. 4. Qualquer que seja a qualificação jurídica do degradador, público ou privado, no Direito brasileiro a responsabilidade civil pelo dano ambiental é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios do poluidor-pagador, da reparação in integrum, da prioridade da reparação in natura, e do favor debilis, este último a legitimar uma série de 233 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE técnicas de facilitação do acesso à Justiça, entre as quais se inclui a inversão do ônus da prova em favor da vítima ambiental. Precedentes do STJ. 5. Ordinariamente, a responsabilidade civil do Estado, por omissão, é subjetiva ou por culpa, regime comum ou geral esse que, assentado no art. 37 da Constituição Federal, enfrenta duas exceções principais. Primeiro, quando a responsabilização objetiva do ente público decorrer de expressa previsão legal, em microssistema especial, como na proteção do meio ambiente (Lei 6.938/1981, art. 3º, IV, c/c o art. 14, § 1º). Segundo, quando as circunstâncias indicarem a presença de um standard ou dever de ação estatal mais rigoroso do que aquele que jorra, consoante a construção doutrinária e jurisprudencial, do texto constitucional. 6. O dever-poder de controle e fiscalização ambiental (=dever-poder de implementação), além de inerente ao exercício do poder de polícia do Estado, provém diretamente do marco constitucional de garantia dos processos ecológicos essenciais (em especial os arts. 225, 23, VI e VII, e 170, VI) e da legislação, sobretudo da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981, arts. 2º, I e V, e 6º) e da Lei 9.605/1998 (Lei dos Crimes e Ilícitos Administrativos contra o Meio Ambiente). 7. Nos termos do art. 70, § 1º, da Lei 9.605/1998, são titulares do dever-poder de implementação “os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização”, além de outros a que se confira tal atribuição. 8. Quando a autoridade ambiental “tiver conhecimento de infração ambiental é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante processo administrativo próprio, sob pena de co-responsabilidade” (art. 70, § 3°, da Lei 9.605/1998, grifo acrescentado). 9. Diante de ocupação ou utilização ilegal de espaços ou bens públicos, não se desincumbe do dever-poder de fiscalização ambiental (e também urbanística) o Administrador que se limita a embargar obra ou 234 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE atividade irregular e a denunciá-la ao Ministério Público ou à Polícia, ignorando ou desprezando outras medidas, inclusive possessórias, que a lei põe à sua disposição para eficazmente fazer valer a ordem administrativa e, assim, impedir, no local, a turbação ou o esbulho do patrimônio estatal e dos bens de uso comum do povo, resultante de desmatamento, construção, exploração ou presença humana ilícitos. 10. A turbação e o esbulho ambiental-urbanístico podem – e no caso do Estado, devem – ser combatidos pelo desforço imediato, medida prevista atualmente no art. 1.210, § 1º, do Código Civil de 2002 e imprescindível à manutenção da autoridade e da credibilidade da Administração, da integridade do patrimônio estatal, da legalidade, da ordem pública e da conservação de bens intangíveis e indisponíveis associados à qualidade de vida das presentes e futuras gerações. 11. O conceito de poluidor, no Direito Ambiental brasileiro, é amplíssimo, confundindo-se, por expressa disposição legal, com o de degradador da qualidade ambiental, isto é, toda e qualquer “pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental” (art. 3º, IV, da Lei 6.938/1981, grifo adicionado). 12. Para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano urbanístico-ambiental e de eventual solidariedade passiva, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem não se importa que façam, quem cala quando lhe cabe denunciar, quem financia para que façam e quem se beneficia quando outros fazem. 13. A Administração é solidária, objetiva e ilimitadamente responsável, nos termos da Lei 6.938/1981, por danos urbanístico-ambientais decorrentes da omissão do seu dever de controlar e fiscalizar, na medida em que contribua, direta ou indiretamente, tanto para a degradação ambiental em si mesma, como para o seu agravamento, 235 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE consolidação ou perpetuação, tudo sem prejuízo da adoção, contra o agente público relapso ou desidioso, de medidas disciplinares, penais, civis e no campo da improbidade administrativa. 14. No caso de omissão de dever de controle e fiscalização, a responsabilidade ambiental solidária da Administração é de execução subsidiária (ou com ordem de preferência). 15. A responsabilidade solidária e de execução subsidiária significa que o Estado integra o título executivo sob a condição de, como devedor-reserva, só ser convocado a quitar a dívida se o degradador original, direto ou material (= devedor principal) não o fizer, seja por total ou parcial exaurimento patrimonial ou insolvência, seja por impossibilidade ou incapacidade, inclusive técnica, de cumprimento da prestação judicialmente imposta, assegurado, sempre, o direito de regresso (art. 934 do Código Civil), com a desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do Código Civil). 16. Ao acautelar a plena solvabilidade financeira e técnica do crédito ambiental, não se insere entre as aspirações da responsabilidade solidária e de execução subsidiária do Estado – sob pena de onerar duplamente a sociedade, romper a equação do princípio poluidor-pagador e inviabilizar a internalização das externalidades ambientais negativas – substituir, mitigar, postergar ou dificultar o dever, a cargo do degradador material ou principal, de recuperação integral do meio ambiente afetado e de indenização pelos prejuízos causados. 17. Como consequência da solidariedade e por se tratar de litisconsórcio facultativo, cabe ao autor da Ação optar por incluir ou não o ente público na petição inicial. 18. Recurso Especial provido. (BRASIL, 2010). O caso em questão consistiu em Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra pessoas físicas e o Estado de São Paulo, buscando a reparação dos danos ambientais causados em decorrência da ocupação e construção irregular por particulares no Parque Estadual de Jacupiranga. 236 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE No excerto afirmou-se a natureza objetiva da responsabilidade estatal em relação especificamente à reparação por danos ambientais decorrente da omissão no dever de fiscalizar, tendo em vista que a previsão constitucional e legal específica nesse aspecto, e a aplicação do princípio do poluidor-pagador. Com efeito, a efetividade das normas de proteção ambiental e das obrigações impostas aos particulares decorre diretamente da atuação fiscalizadora do Estado no sentido de zelar por seu cumprimento. Portanto, verificada a efetiva omissão no exercício desse poder-dever, a responsabilidade do ente público será objetiva. De outro lado, como alerta Milaré (2014, p. 450), atribuir ao Poder Público responsabilidade subjetiva significaria afastá-lo do polo passivo da maior parte das demandas em que se buscasse a responsabilização do poluidor direto, dada a incompatibilidade de, nos mesmos autos, perquirir a existência de culpa de um dos demandados e buscar a responsabilização objetiva de outro. Também em decorrência do disposto no artigo 225, caput e § 3º, e no artigo 3º, inciso IV, da Lei 6.938/81, a responsabilidade por danos ao meio ambiente é solidária, uma vez que envolve a todos aqueles que, direta ou indiretamente, sejam responsáveis pela degradação ambiental. Deve-se considerar, no entanto, que o principal responsável pelo dano ambiental é o poluidor direto e este deve arcar com os custos decorrentes das externalidades negativas relacionadas a sua atividade, sendo este o sentido e a razão do princípio do poluidor-pagador. Com efeito, admitir que o Estado responda diretamente pela reparação dos danos causados por terceiros significaria esvaziar o conteúdo do referido princípio e carrear novamente à sociedade as externalidade negativas. Por essa razão, também no julgamento do Recurso Especial 1071741/SP (BRASIL, 2010), considerou-se que, a despeito da responsabilização solidária do Estado, a sua execução seria subsidiária, ou seja, o Estado integraria o título executivo, mas somente seria convocado a pagar a dívida se a execução não fosse frutífera em face do devedor principal, causador direto do dano ambiental, pelo total exaurimento de seu patrimônio, por sua insolvência ou qualquer outra razão, assegurando-se, ainda, o direito de regresso em face do poluidor direto, inclusive com a desconsideração da personalidade jurídica se presentes os requisitos legais. Desse modo, conclui-se que a responsabilidade do Estado por danos ambientais decorrentes de omissão no dever de fiscalização e proteção ambiental é objetiva e solidária, mas de execução subsidiária. CONCLUSÃO O direito ambiental, como ciência autônoma, é regido por alguns princípios específicos que orientam a elaboração e a aplicação das normas e 237 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE o desenvolvimento de políticas públicas destinadas à conservação do meio ambiente, dentre eles, o princípio do poluidor-pagador. O princípio em questão está intimamente relacionado à responsabilização civil por danos ambientais e objetiva imputar ao poluidor, direto ou indireto, os custos sociais da degradação ambiental causada por sua ação ou omissão. De outro lado, a Constituição da República e a legislação infraconstitucional outorgam ao Estado o poder-dever de proteger o meio ambiente e, ao mesmo tempo, de zelar por sua conservação, o que ocorre principalmente por meio da fiscalização de atividades efetiva ou potencialmente causadoras de degradação ambiental. Portanto, o poder-dever do Estado de tutela ambiental decorre diretamente de suas competências constitucionais legislativas e materiais, sendo imperativo o seu exercício na forma da lei para a efetivação do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. A Constituição Federal permite a identificação de todos, pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, na qualidade de poluidores, de forma que a responsabilidade pelos danos causados ao meio ambiente, além de objetiva, é solidária, uma vez que envolve a todos aqueles que, direta ou indiretamente, sejam responsáveis pela degradação ambiental. Nesse contexto, o Estado pode ser qualificado como poluidor indireto quando comprovada a omissão no exercício do dever de proteção do meio ambiente. Como regra, a responsabilidade do Estado por omissão é subjetiva , o que decorre da Constituição Federal, que somente prevê a responsabilidade objetiva do Estado por atos praticados por seus agentes. No entanto, na seara ambiental, a responsabilidade civil por omissão do Estado é objetiva por expressa previsão no microssistema especial da legislação ambiental, bem como em virtude da aplicação do princípio do poluidor-pagador. Com efeito, a efetividade das normas de proteção ambiental e das obrigações impostas aos particulares decorre diretamente da atuação fiscalizadora do Estado no sentido de zelar por seu cumprimento. Portanto, verificada a efetiva omissão no exercício desse poder-dever, a responsabilidade do ente público será objetiva. De outro lado, em que pese seja solidária a responsabilidade por danos ao meio ambiente, envolvendo a todos que contribuiram para a degradação ambiental, deve-se considerar que o principal responsável pelo dano ambiental é o poluidor direto e este deve arcar com os custos decorrentes das externalidades negativas relacionadas a sua atividade, sendo este o sentido e a razão do princípio do poluidor-pagador. Admitir que o Estado responda diretamente pela reparação dos danos causados por terceiros significaria esvaziar o conteúdo do referido princípio e carrear novamente à sociedade as externalidade negativas. 238 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Em consequência, considera-se que, a despeito da responsabilização solidária do Estado, a sua execução seria subsidiária, ou seja, o Estado integraria o título executivo, mas somente seria convocado a pagar a dívida se a execução não fosse frutífera em face do devedor principal, causador direto do dano ambiental, pelo total exaurimento de seu patrimônio, por sua insolvência ou qualquer outra razão, assegurando-se, ainda, o direito de regresso em face do poluidor direto, inclusive com a desconsideração da personalidade jurídica se presentes os requisitos legais. Desse modo, conclui-se que o Estado pode ser qualificado como poluidor indireto quando comprovada a omissão no exercício do dever de fiscalização e proteção do meio ambiente, e que a sua responsabilidade é objetiva e solidária, mas de execução subsidiária, a fim de que seja atendido o objetivo de internalização das externalidades negativa e não seja duplamente onerada a sociedade, vítima da degradação ambiental. 239 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE REFERÊNCIAS ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. ARAGÃO, Alexandra. O principio do poluidor pagador: pedra angular da política comunitária do ambiente. Sao Paulo: Instituto O Direito por um Planeta Verde, 2014. BARROSO, Ricardo Cavalcante. A Responsabilidade Civil do Estado por Omissão em face do Dano Ambiental. Revista de Direito Ambiental , v. 63, p. 203-238, 2011. BRASIL. 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Entretanto, a supervalorização da economia em detrimento das questões ambientais representa um impasse na aplicação da educação ambiental como meio de construir uma sociedade sustentável. O presente estudo objetiva mostrar a importância do papel da educação ambiental para a mudança na forma de se posicionar do ser humano, de modo a permitir a efetivação do desenvolvimento sustentável preceituado constitucionalmente no artigo 225. Para tanto, será utilizada uma metodologia indutiva, baseada, quantos aos meios, em pesquisa bibliográfica, e quanto aos fins, no método qualitativo. O desafio é estabelecer um ponto de equilíbrio entre as necessidades do ser humano e as necessidades do meio ambiente, utilizando para isso a educação ambiental, formando um sujeito ecológico, que se coloca como próprio elemento da natureza, e não apenas como elemento explorador. Palavras-Chave: Meio ambiente; economia; educação ambiental; sociedade sustentável; Abstract: The Federal Constitution of 1988 brought in its text expressly the duty to promote environmental education at all levels of education and public awareness to preserve the environment. However, the overvaluation of the economy at the expense of environmental issues is an impasse in the implementation of environmental education as a means to build a sustainable society. This study aims to show the importance of the role of environmental education for the change in position of the human being, in order to allow the realization of sustainable development precepts Constitution in Article 225. To this end, an inductive, based methodology is used, how the media, in literature, and about the purposes, the qualitative method. The challenge is to establish a 243 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE balance between human needs and the needs of the environment, making use of environmental education, forming an ecological subject, which arises as a proper element of nature, and not just as an explorer element. Keywords: Environment; economy; environmental education; sustainable society; INTRODUÇÃO O grave problema da poluição do ar e das águas nas grandes cidades, o corte ilegal de árvores, o aquecimento global e o derretimento das calotas polares são grandes exemplos do que hoje se identifica como crise ambiental. Resultado da exploração desmedida dos recursos naturais sem a preocupação com as consequências negativas, baseada no modo de produção capitalista, que se intensifica a cada dia desde a Revolução Industrial do século XVIII, remete a uma reflexão de mudança imediata de comportamentos na sociedade, principalmente na convivência do homem com o meio ambiente. Nesse contexto, tem emergido uma nova perspectiva de educação como meio de reação frente à crise ambiental, uma inovadora maneira de educar com responsabilidade, desenvolvendo uma relação sustentável entre o ser humano e a natureza. É importante ressaltar que, a definição de sustentabilidade alimenta critérios subjetivos, mostrando a dificuldade de estabelecer um conceito global, permeando entretanto, sem maiores controvérsias, expressões universais: meio ambiente como bem comum, preservação para futuras gerações, ponderação entre meio ambiente e economia. Tratando da educação ambiental, a Lei n. 9.795/97, a qual instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental, conceitua em seu artigo 1º como sendo “os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial a sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade”, se revela assim uma solução para persecução da sadia qualidade de vida no planeta. Nota-se que, para estabelecer tal conceito, foram usadas referências individuais e do coletivo, bem como a noção de sustentabilidade e meio ambiente, como preceitua a Constituição Federal. Aliás, a Carta Magna prevê uma ação conjunta do Estado, fornecendo meios de implantação do meio ambiente equilibrado para a sadia qualidade de vida, e da sociedade, abstendo-se de prática prejudiciais a este equilíbrio. A temática se revela de grande complexidade, primeiro porque não é consenso entre os estudiosos o que de fato representaria as linhas de uma 244 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE verdadeira educação ambiental e ainda, aliar um conceito não determinado à prática do desenvolvimento sustentável (que também se mostra bastante controverso) é sobremaneira dificultoso. Ainda que, tanto a Constituição Federal quanto as leis infraconstitucionais já disponham sobre educação ambiental, o distanciamento entre o texto legal e sua aplicabilidade, muitas vezes motivado pela luta incessante do progresso econômico a qualquer custo, tem sido um dos maiores óbices à construção de um país sustentável. O presente artigo analisa o grande desafio imerso no universo da educação ambiental é, por meio da educação, além de compreender as relações entre sociedade e natureza, intervir nos conflitos inerentes dessa relação, agindo sobre eles e estabelecendo um ponto de equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e o cuidado com a natureza. Educação esta que não se restringe apenas à Ecologia, mas depende de ações transformadoras implementadas por cidadãos críticos, dotados de conhecimentos e habilidade formados a partir de valores éticos e de justiça social. O atual modelo de desenvolvimento econômico da sociedade capitalista tem fulminado as boas práticas ambientais e colocado em xeque a efetivação do desenvolvimento sustentável. Também as desigualdades sociais representam entrave e impõe uma nova maneira de enxergar o indivíduo e suas necessidades e incluí-lo como agente participativo nas questões ambientais. O mais importante é compreender que fomentar a educação ambiental não se trata apenas da participação em congressos e seminários. É o real comprometimento com a prática, compatibilizando o discurso e a ação, e a expansão de novas maneiras de explorar os recursos naturais sem que isso represente a destruição do meio ambiente. 1. BREVE ANÁLISE HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO BRASIL Em meados da década de 1960, o tema educação ambiental começou a emergir para o mundo. Mesmo antes da promulgação da Carta Magna, em outros lugares do mundo já se ventilava as ideias da educação ambiental como maneira de construir sociedades sustentáveis. Na realidade, as Constituições anteriores não se preocuparam com a tutela ambiental, restando tal tarefa à legislação infraconstitucional. Internacionalmente foi ganhando forma e força a partir da Conferência de Estocolmo, em 1972, que desencadeou o Programa Internacional de Educação Ambiental, instituído no ano de 1975, também em Estocolmo54. Informações retiradas do Programa Nacional de Educação Ambiental - ProNEA / Ministério do Meio Ambiente, Diretoria de Educação Ambiental; Ministério da Educação. Coordenação Geral de 54 245 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Dois anos depois, em 1977, com a Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental (a Conferência de Tbilisi), desenvolveu finalidades e prioridades e estabeleceu estratégias para a promoção da educação ambiental. É como narra Leff (2001, p.210): Desde a Conferência de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano celebrada em 1972, a educação ambiental foi apresentada como um meio prioritário de alcançar s fins do desenvolvimento sustentável. Depois a Conferência Internacional de Educação Ambiental, celebrada em Tbilisi, em 1977, estabeleceu os princípios gerais que deviam orientar os esforços de uma educação relativa ao meio ambiente. A educação ambiental entende-se, portanto, como a formação de uma consciência fundada numa nova ética que deverá resistir à exploração, ao desperdício e à exaltação da produtividade concebida como um fim em si mesma. O Relatório “Nosso Futuro Comum”, também chamado de Relatório de Brundtland, de 1987, inaugurou a terminologia desenvolvimento sustentável, que quase 30 anos depois ainda é tido como uma utopia a ser alcançada. No Brasil, no início do século XX, houve a primeira legislação conservacionista a respeito do assunto, e a emergência de um ambientalismo resultado das lutas pelas liberdades democráticas nos anos 70. O processo de institucionalização da educação ambiental no governo brasileiro teve início em 1973, com a criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente. Em 1981, com a Politica Nacional de Meio Ambiente, tratou-se da necessidade de inclusão da educação ambiental em todos os níveis de ensino, objetivando a capacitação da sociedade para participação ativa na defesa do meio ambiente. Em 1988, a Constituição Federal reservou o artigo 225 para tratar sobre o ambiente, estabelecendo no inciso VI a “promoção da educação ambiental em todos os níveis de ensino e conscientização pública para a preservação do meio ambiente”, e em 1991, a Comissão Interministerial para a preparação da Rio-92 considerou a educação ambiental como um dos instrumentos da política ambiental brasileira. O II Fórum Brasileiro de Educação Ambiental foi realizado em 1992, onde se adotou o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Educação Ambiental. - 3. ed - Brasília : Ministério do Meio Ambiente, 2005. Disponível em: http:// portal.mec.gov.br/ secad/arquivos/pdf/educacaoambiental/pronea3.pdf Acesso em: 26 jun. 2015 246 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Sustentáveis e Responsabilidade Global, representou um marco mundial para a educação ambiental. Neste mesmo ano foi criado o Ministério do Meio Ambiente e o IBAMA instituiu Núcleos de Educação Ambiental em todas as suas superintendências estaduais. Em função dos compromissos internacionais assumidos na Rio92, foi criado o PRONEA, Programa Nacional de Educação Ambiental, em 1994, e foi aprovada a Lei n. 9.795/97, que dispõe sobre a Política Nacional de Educação Ambiental. A Rio-92 foi também responsável pela criação da Carta Brasileira para a Educação Ambiental, documento que recomendava ao MEC, em conjunto com as instituições de ensino superior, definir metas para a inserção articulada da dimensão ambiental nos currículos, para estabelecer um marco de implantação da educação ambiental no ensino superior. Os esforços empreendidos no início deste século até os dias atuais também são significativos. Podemos citar como exemplo a Conferência Nacional do Meio Ambiente em 2003 e o V Fórum Brasileiro de Educação Ambiental em 2004. Indaga-se, entretanto, se tais esforços no âmbito nacional tem sido suficientes para promover, de fato, uma ação transformadora proposta pela educação ambiental, como meio de alcançar uma sociedade sustentável. Igualmente, no âmbito internacional, em que pese a participação do Brasil em diversas reuniões e conferências, se comprometendo com as questões ambientais, é fácil constatar que muito pouco efetivamente se tem aplicado no nosso país, à medida que a valorização da economia ainda se revela como prioridade para grande maioria da população. Senão vejamos o que relata Dias (1992, p.44): Considerada um marco histórico político internacional decisivo para o surgimento de políticas de gerenciamento do ambiente, a Conferência de Estocolmo, além de chamar atenção do mundo para os problemas ambientais, também gerou controvérsias. Os representantes dos países em desenvolvimento acusaram os países industrializados de querer limitar seus programas de desenvolvimento industrial, usando a desculpa de poluição como um meio de inibir a capacidade de competição crescente dos países pobres. Para espanto do mundo, representantes do Brasil pediram poluição dizendo que o país não se importaria em pagar 247 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE o preço da degradação ambiental, desde que o resultado fosse o aumento do PNB (produto interno bruto). O trecho acima nos indica que a relação entre meio ambiente e economia ainda é tida como inconciliável, de modo que, se uma estiver lucrando a outra estará em sacrifício, o que minimiza as chances de concretização da sociedade sustentável. 2. A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NOS DIVERSOS NÍVEIS DE ENSINO Como já tratado anteriormente, a educação ambiental não se restringe a um espaço físico denominado comumente de escola ou a práticas de ensino desenvolvidas fora do ambiente escolar, muito menos a uma determinada classe de alunos. Conquanto não se limite a esse gênero, é forçoso negar que o trabalho feito dentro das instituições de ensino dos mais diversos níveis representa uma grande contribuição neste sentido. É conveniente ressaltar que se devem tomar certos cuidados ao estipular conceitos para a educação. Carvalho (2004, p.153) discorre sobre o tema, de modo a evitar uma visão dita por ela “ingênua”: O uso cada vez mais corrente e generalizado da denominação “Educação Ambiental” pode contribuir para uma apreensão ingênua da idéia contida nela, como se fosse uma reunião de palavras com poder de abrir portas para um amplo e extensivo campo de consenso. Com frequência se dissemina a ideia simplista de que, cada vez que essas palavras quase mágicas são mencionadas ou inseridas em um projeto ou programa de ação, imediatamente está garantido um campo de alianças e compreensões comuns a unir todos os educadores de boa vontade desejos de ensinar as pessoas a serem mais gentis e cuidadosas com a natureza. Tomadas as devidas precauções quanto ao tema, é possível observar que a cada dia, o universo escolar pode (e deve) ser agente transformador da sociedade e, no caso em análise, instrumento de multiplicação e conscientização do ser humano como parte do corpo natural, isto é, como pedaço da própria natureza. Essa tarefa, que está inclusa na educação ambiental, ajuda na construção e desenvolvimento de uma nova perspectiva do homem em relação às questões socioambientais e o seu papel decisivo na solução delas. 248 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Para que se possa iniciar um processo de mudança, faz-se necessário saber o que se quer e o que realmente é preciso mudar. A consciência do problema é mais facilmente alcançada por meio do conhecimento da realidade, principalmente local e do contexto em que se situa o caso, consubstanciada no ensino não-formal, nos conhecimentos empíricos da comunidade. Neste ínterim, é imprescindível lembrar que, o ensino não-formal também funciona como meio de propagação da educação ambiental. De acordo com o Artigo 13, da Lei n.º 9.795/99, que dispõe sobre a Política Nacional de Educação Ambiental “entendem-se por Educação Ambiental não-formal as ações e práticas educativas voltadas à sensibilização da coletividade sobre as questões ambientais e à sua organização e participação na defesa da qualidade do meio ambiente.” Nessa esfera, opina Carvalho (2004, p.157): Além de sua presença no ensino formal, a EA abarca amplo conjunto de práticas sociais e educativas que ocorrem fora da escola e incluem não só as crianças e jovens, mas também adultos, agentes locais, moradores e líderes comunitários. Tais práticas educativas não-formais envolvem ações em comunidade e são chamadas de EA comunitária ou, ainda, EA popular. Estas dizem respeito a uma intervenção que, de modo geral, está ligado à identificação de problemas e conflitos concernentes às relações dessas populações com seu entorno ambiental, seja ele rural ou urbano. Dessa forma, analisando o artigo 2º da Lei n. 9.795/99, que prevê “a educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal”, verifica-se que a educação ambiental se revela tanto no âmbito da educação formal (aquela formada pela aprendizagem escolar) quanto da não-formal (aquela formada no seio da organização comunitária), objetivando provocar processos de mudanças no uso racional dos bens ambientais, bem como um posicionamento equilibrado entre as necessidades socioeconômicas e ambientais. Além disso, quanto à educação ambiental no ensino formal, a Constituição Federal reservou em seu texto essa promoção, estabelecendo-a em todos os níveis de ensino, que foram identificados pela Lei n. 9394/96, a conhecida Lei de Diretrizes e Bases da Educação, da seguinte forma: 249 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Art. 21. A educação escolar compõe-se de: I - educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio; II - educação superior Muito embora preceituada pelo documento de ordem máxima do nosso país, a educação ambiental não é tratada como disciplina específica no currículo de ensino brasileiro, conforme artigo 10, § 1º, da Lei n.9795/999, que instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental, o que vem sendo objeto de debate, senão vejamos Machado (2006, p.141): A Lei 9.9795/99 dispôs sobre a educação ambiental e instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental. Entre seus princípios básicos está a concepção do meio ambiente em sua totalidade, considerando a interdependência entre o meio natural, o socioeconômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade. Como um dos objetivos da lei está o incentivo à participação individual e a coletiva. Não se criou a disciplina “Educação Ambiental” no currículo de ensino (art. 10, §2º) – o que acredito mereça ser objeto de mais reflexão. (gn) Mesmo assim, limitar a educação ambiental a esta formação profissional seria praticar um reducionismo de termos, como bem explica Tozoni-Reis (2004, p.27): A formação dos educadores ambientais nos cursos de graduação, embora não sistematizada nas instituições de ensino superior, é efetivada por práticas educativas que não se reduzem a formação profissional em sua área específica de conhecimento. Essa formação, nesses espaços educativos, é influenciada por condicionantes sociais, políticcas e culturais que configuram diferentes concepções de homem, de natureza e de sociedade. Dada importância do ensino formal na construção de um sujeito humano enquadrado no contexto atual de desenvolvimento de uma sociedade sustentável, um problema vem inquietando o cenário brasileiro: a mercantilização do ensino. 250 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Não é novidade que a sociedade de consumo experimentada neste século XXI, prioriza a economia em detrimento de quaisquer outras áreas, principalmente a socioambiental. Na educação não é diferente. O professor Bahr (2011, p.46) assim se manifesta, quanto à educação superior no Brasil: O sistema de educação superior no Brasil apresenta grande complexidade em razão da natureza dos vínculos administrativos das instituições e da magnitude e complexidade de cada uma delas. Em razão disso, esse sistema impõe a necessidade de regulação e de articulação de modo a garantir que a educação seja tratada e reconhecida como bem público relevante para toda a sociedade brasileira, cujo desenvolvimento é fundamental na promoção da igualdade e equidade de oportunidades, para os indivíduos e para todas as regiões do país, buscandose no ordenamento jurídico-constitucional os meios para evitar-se, no setor privado, a chamada mercantilização do ensino superior. (g.n.) A mercantilização do ensino nos remonta a um círculo vicioso em que, a economia se sobrepõe à qualidade do ensino, implicando diretamente na falha do dado modelo de educação ambiental. Para melhor compreensão: o ensino formal e não-formal são objetos propulsores da educação ambiental. Em havendo deficiência nesses quesitos, neste caso por conta da valorização econômica acima das demais questões que compõe a vida em sociedade, ter-se-á inevitavelmente uma grande dificuldade de se divulgar e colocar em práticas as bases da educação ambiental, afastando a já quase inócua ideia de sustentabilidade. Ademais, o ensino formal precisa de uma reformulação para implantar uma educação ambiental na correta acepção do termo, como observa Leff (2001, p.213): A estruturação de diferentes matérias e a reorientação dos temas de estudo das disciplinas tradicionais implicam um processo de produção e transformação do conhecimento para a elaboração de conteúdos ambientais de diversas matérias, carreiras e pósgraduações. Nesta perspectiva, a educação relativa ao meio ambiente implica mudanças nos conteúdos 251 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE educacionais que vão além de uma melhor integração das diversas disciplinas contidas nos programas curriculares tradicionais. Os objetivos da educação ambiental não se alcançam com o ensino de métodos sistêmicos, com uma prática pedagógica interdisciplinar ou com a incorporação de uma matéria de caráter integrador – a ecologia – dentro dos programas existentes. A educação ambiental exige a criação de um saber ambiental e sua assimilação transformadora às disciplinas que deverão gerar os conteúdos concretos de novas temáticas ambientais. A educação ambiental apresentada pelo ensino formal deve, nesta esteira, propiciar uma transformação social, com enfoque na relação homem, natureza e universo de forma interdisciplinar, com o objetivo máximo de formação do sujeito ecológico, como sustenta Pedrini (1997, p. 269) “não há EA se a reflexão sobre as relações dos seres entre si, do ser humano com ele mesmo e do ser humano com seus semelhantes não estiver presente em todas as praticas educativas”. 3. A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO FERRAMENTA DE EFETIVAÇÃO DA SOCIEDADE SUSTENTÁVEL Desde os primórdios, a capacidade de racionalidade do ser humano deu a ele o privilégio de interferir na natureza e dela retirar tudo aquilo necessário a sua sobrevivência. Acontece que, com o tempo, perdeu-se a noção dos limites desta relação, dando início a uma exploração desmedida, sem levar em consideração a finitude dos recursos naturais. O acesso e uso dos bens ambientais, apesar de previstos na Constituição Federal como de usufruto comum, têm sido alvo de disputas por interesses particulares em detrimento dos interesses coletivos. O fato é que a utilização dos recursos naturais para impulsionar a economia não pode deixar dívidas ambientais, dívidas estas que já estão sendo cobradas da sociedade presente que as criou como também serão cobradas das futuras gerações. Sobre o tema, se posiciona Leff (2001, p.16): Portanto, a degradação ambiental se manifesta como sintoma de uma crise de civilização, marcada pelo modelo de modernidade regido pelo predomínio 252 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE do desenvolvimento da razão tecnológica sobre a organização da natureza. A questão ambiental problematiza as próprias bases da produção; aponta para a desconstrução do paradigma econômico da modernidade e para a construção de futuros possíveis, fundados nos limites das leis da natureza, nos potenciais ecológicos, na produção de sentidos sociais e na criatividade humana. Neste contexto, o ser humano se revela o ator principal da história. Ora, o que é o homem senão parte da própria natureza? Se ele é responsável por sua degradação, abandonando um visão romântica, ele está se auto-destruindo, a medida que, além de ser parte do todo, não consegue viver sem os recursos que extrai da natureza. Para desenvolver a economia, seu principal interesse, também depende do meio ambiente. É muito simples concluir que, daqui a um tempo até a própria economia restará prejudicada por essa exploração predatória. É a lição de Arent (2014, p. 254) (...) a expressão “dominar a natureza” só tem sentido se partirmos da premissa de que o homem não é natural. Mas se o homem é também Natureza, não podemos falar em dominar o homem. E aqui se evidencia uma contradição: se o homem domina a Natureza, quem o dominará? Outro homem? Isso só seria concebível se admitíssemos a ideia de um homem superior, uma raça superior, e a História já comprovou o desastre de tal concepção. A ideia Natureza-objeto versus Homem-sujeito, que prevalece entre nós, parece ignorar que a palavra sujeito comporta mais de um significado: sujeito quase sempre é entendido como ser ativo, ser dono do seu destino. Todavia, o termo pode também indicar ser ou estar sujeito (submetido) a determinadas circunstâncias. Analisada por este ângulo a palavra possui uma conotação negativa, que foi esquecida pelo humanismo moderno no afã de afirmar uma visão antropocêntrica do mundo. A necessidade de se abandonar essa visão antropocêntrica do meio ambiente, que valoriza o homem como o centro das questões ambientais, é 253 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE o primeiro passo para a efetivação do modelo de sustentabilidade. À medida que o ser humano se colocar no seu lugar de parte do conjunto chamado natureza, as práticas de equilíbrio do ambiental para com o econômico, social e politico começarão a existir de fato. Encarar a preservação da natureza como uma condição de sua própria existência é o início da construção da sociedade sustentável. Contudo, as estratégias atuais de enfretamento da problemática ambiental têm surtido efeitos aquém do esperado, à medida que a sociedade, apesar de recepcionar todos os esforços empreendidos neste sentido, permanece com suas prioridades econômicas a qualquer custo. Tozoni-Reis (2004, p.32) assim discorre sobre essa relação: Os fatores políticos e econômicos são indicados como fatores determinantes dos problemas ambientais. Entre esses fatores identificamos a ideia de que o modelo econômico da sociedade atual produz cada vez mais necessidades e, busca das formas de satisfazê-las, esgotam-se os recursos naturais. A Revolução Industrial e o papel assumido pelo Estado na sociedade moderna foram apontados como componentes do processo de apropriação dos recursos naturais, determinantes da crise ambiental. Se o modo de produção em que nós vivemos é a principal causa da degradação ambiental, o lucro e a submissão das politicas públicas aos interesses privados são seus instrumentos. Então, uma das ideias principais sobre a origem da crise ambiental é a de transformação da natureza em mercadoria. Nesta esteira, é urgente a necessidade de uma busca, em todas as esferas da sociedade, de um novo modo de interagir com a natureza. Afinal como ensina Trevisol (2003, p.64) “a crise ambiental não pode ser tematizada apenas enquanto fenômeno físico-natural externo à evolução das sociedades. A bem da verdade, não é a natureza que se encontra em desarmonia; é a própria sociedade”. Resta claro que, o homem promove esta “insustentabilidade”, contrariando todos os mandamentos constitucionais e infralegais de preservação do meio ambiente para ele próprio e para as futuras gerações. Além disso, deve-se ter em mente, como ensina Freitas (2013, p.28) que “os recursos naturais são limitados e a sobrevivência do Homem e das espécies depende do manejo adequado e racional desses recursos e dos diversos resíduos gerados no processo de sua utilização”. 254 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Verifica-se assim que, a consciência de que os recursos oferecidos pela “Mãe Terra” são finitos e já se encontram num estágio crítico de degradação deve ser um dos parâmetros trabalhados na educação ambiental. Vale ressaltar que, a educação ambiental aqui tratada não se restringe apenas ao aspecto ecológico, englobando as esferas política, econômica, social, cultural, técnica e ética, em que estas são consideradas como um todo e podem variar de acordo com o caso concreto, interpretando a interdependência entre os diversos elementos que conformam o meio ambiente. Além disto, ainda se confunde, em nosso país, Educação Ambiental com Ecologia. A Ecologia é o estudo das relações entre os seres vivos e o meio ambiente, enquanto que a Educação, muito mais abrangente, envolve todos os aspectos da sociedade (políticos, éticos, científicos, sociais, ecológicos, tecnológicos, culturais), de modo que variam com o tempo de forma dinâmica, sendo possível que, em determinado período, um aspecto prepondere sobre os demais, estando, contudo, em constantes “contrações e dilatações” (DIAS, 1992). Assim, ainda ensina DIAS (1992, p. 29) que “o conceito de meio ambiente reduzido exclusivamente a seus aspectos naturais não permitia apreciar as interdependências, nem a contribuição das ciências sociais à compreensão e melhoria do meio ambiente humano”. Na mesma linha de raciocínio segue Philippi Jr. e Pelicioni (2005, p. 4): Aos poucos foi ficando claro que a Ecologia por si só não dá conta de reverter, de impedir ou de minimizar os agravos ambientais, os quais dependem de formação ou mudanças de valores individuais e sociais que devem expressar-se em ações que levem à transformação da sociedade por meio da educação da população. Este conceito inequívoco de educação ambiental nos faz claramente perceber uma resposta crítica a crise planetária oriunda de modo de vida desregrado. É uma esperança de amenizar os problemas ambientais por meio da sustentabilidade que, segundo Freitas (2011, p.69), se contrapõe a “insaciabilidade” do homem: A postura sustentável, sem se autocontradizer, é aquela, por assim dizer, bioética (autodeterminada, materialmente justa, não maleficente e beneficente), ecologicamente responsável e segura, que jamais acarreta sacrifícios desproporcionais à vida. O que 255 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE supõe, como se vê, muito mais do que lutar por áreas de preservação permanente e reserva legal. Apresenta-se como poderoso anteparo crítico contra o paradigma da insaciabilidade, ainda hegemônico, com os seus tentáculos corruptos, chicaneiros e dissolutos. Nesse sentido, parece sensato contrapor dois modelos de pensar e de gerir a vida. Existe o modelo sustentável, que é homeostático e faz jus à consciência em evolução. Em contraposição, existe o modelo da insaciabilidade, que conspira disfuncionalmente contra o homeostase básica e cultural. Até agora, a sustentabilidade tem representado um conceito utópico muito distante da realidade da sociedade de consumo do século XXI. Aliar meio ambiente e economia ainda significa um enorme mistério que o sujeito “empresário” não foi capaz de desvendar. Ao se colocar numa balança o que move o mundo de hoje, certamente o fator econômico pesará mais. O que se apresenta como um contrassenso, diante de tantos estudos e conferências (que inclusive o Brasil participa) que já provaram o atual estágio alarmante de degradação e, principalmente, suas consequências para a própria vida humana. No âmbito do Direito Ambiental, percebe-se que regras elaboradas visam a proteção do meio ambiente para que o homem possa dele usufruir, ou seja, pretende-se, primeiramente, a satisfação das necessidades humanas. É cristalino como o antropocentrismo se encontra enraizado em nosso ordenamento jurídico, como bem leciona Machado (2006, p.118) O caput do art. 225 é antropocêntrico. É um direito fundamental da pessoa humana, como forma de preservar a ‘vida e a dignidade das pessoas’ – núcleo essencial dos direitos fundamentais, pois ninguém contesta que o quadro da destruição ambiental no mundo compromete a possibilidade de uma existência digna para a Humanidade e põe em risco a própria vida humana. A despeito disso, sabe-se que o direito é um instrumento de organização e pacificação social, garantidor da democracia, que auxilia na construção de uma sociedade justa e igualitária. O direito garante ainda a existência e a prática da educação ambiental, por meio da participação do Estado em conjunto com a sociedade. Pelicioni e Philippi Jr. (2005, p.6) assim se posicionam: 256 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Portanto, como prática democrática, a educação ambiental prepara para o exercício da cidadania por meio da participação ativa individual e coletiva, considerando os processos socioeconômicos, políticos e culturais que a influenciam. Educar no caminho da cidadania responsável exige novas estratégias de fortalecimento da consciência crítica a fim de habilitar grupos de pressão para uma ação social comprometida com a reforma do sistema capitalista. Nesta esteira, igualmente escreve Machado (2006, P.123): A Constituição foi bem-formulada ao terem sido colocados conjuntamente o Poder Público e a coletividade como agentes fundamentais na ação defensora e preservadora do meio ambiente. Não é papel isolado do Estado cuidar sozinho do meio ambiente, pois essa tarefa não pode ser eficientemente executada sem a cooperação do corpo social. Fica claro, portanto, que a educação ambiental há muito discutida mundialmente e, devidamente incluída no texto constitucional em 1988, é o principal instrumento de efetivação da sustentabilidade, de modo a unir Estado e sociedade, para, em conjunto, desenvolver a sadia qualidade de vida, equilibrando as práticas ambientais e as econômicas, levando em considerando um série de aspectos, como o social, o ético, o tecnológico e o cultural, no âmbito do ensino formal e também do não formal. CONCLUSÕES A visão antropocêntrica do homem em relação à natureza, colocando-o como referência máxima de valores, têm nos relegado uma herança de destruições que comprometem a sadia qualidade de vida protegida pela Constituição. Uma pequena parcela da sociedade moderna apresenta, diante do caos ambiental, uma nova visão de educação capaz de contornar tais problemas e inserir o homem numa nova relação de equilíbrio para com o meio em que convive. Esta educação ambiental, nos moldes modernos, ultrapassa uma simples questão ecológica ou boas práticas ambientais. Ela chega bem mais longe, indicando um conjunto social, cultural, econômico, político, ético e 257 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE tecnológico que dinamicamente deve ser analisado pela sociedade para iniciar a construção de um modelo de sustentabilidade. Neste quesito, impende ressaltar ainda que, além desses fatores envolvidos, o homem que participa dessa educação é tido como um novo ser, um sujeito ecológico, capaz de não só tratar das questões ambientais, mas também agir sobre elas, de modo a equilibrar o econômico, o social e o ambiental. Claro está que as normas e políticas relacionadas aos recursos naturais necessitam com urgência sair do papel e ganhar vida na realidade de cada cidadão. O distanciamento entre a legislação e a efetivação da sociedade sustentável representa obstáculo na luta pela preservação ambiental. O crescimento econômico, que ao longo das últimas décadas vem obedecendo a um padrão baseado no desenvolvimento industrial, propiciou o surgimento de uma economia urbano-industrial diversificada e complexa de consumo de massa. Esse padrão de crescimento, baseado numa valorização exacerbada do “ter”, tem-se utilizado cada vez mais, indiscriminadamente, dos recursos naturais sem nenhuma medida, sem levar em consideração suas fragilidades. Desta forma, busca-se implementar o modelo de desenvolvimento sustentável, aliando-se os diversos tipos de desenvolvimento do Estado, seja politico, economico ou social à preservação, cuidado com o meio ambiente como um todo. A grande dificuldade reside no fato de que poucas pessoas conhecem verdadeiramente o modo de aplicação deste tipo de desenvolvimento e a grande maioria daquelas que ao menos conhecem o caminho, o ignoram, pois colocam a economia em primeiro lugar em detrimento de qualquer outro fator. É nesse contexto que se pode perceber a urgente necessidade de implantação de uma verdadeira Educação Ambiental, a qual implica na difusão do conhecimento e desenvolvimento de habilidades para concretizar mudanças de comportamentos, valores e estilos de vida na busca de um desenvolvimento responsável e ético. Logicamente que este é um processo lento, pois requer uma mudança drástica: primeiro de pensamentos e posteriormente de atitudes do ser humano, para que, por meio delas seja possível estabelecer uma nova relação de maior equilíbrio com o meio ambiente. Nesse sentido, a pesquisa e o ensino (formal e não-formal), são imprescindivel, pois a educação, como analisado, é uma peça chave neste processo de transformação. Implantado este modelo de educação ambiental, não só na educação formal, como disciplina obrigatória, mas também na educação informal, ultrapassando os muros escolares e se fundando no seio da comunidade, poder-se-á deixar de sonhar e por em prática o tão esperado desenvolvimento sustentável. 258 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE REFERÊNCIAS ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 11ª. Edição, 2014. BADR, Eid. Curso de direito educacional: o ensino superior brasileiro. Curitiba: Editora CRV, 2011. BRASIL. Constituição da República Federativa do. São Paulo: Saraiva, 2015. BRUNDTLAN, Comissão. Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento: o nosso futuro comum. Universidade de Oxford. Nova Iorque, 1987. CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. Educação ambiental: a formação do sujeito ecológico. São Paulo: Cortez, 2004. DIAS, Genebaldo Freire. Educação ambiental: princípios e prática. São Paulo: Gaia, 1992. FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. Belo Horizonte: Fórum, 2011. JUNIOR, Nelson de Freitas Porfirio. Responsabilidade do Estado em face do dano ambiental. São Paulo: Malheiros, 2013. LEFF, Enrique. Saber Ambiental: sustentabilidade, complexidade, poder. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. racionalidade, PEDRINI, Alexandre Gusmão (org.). Educação Ambiental: reflexões e práticas contemporâneas. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. PHILIPPI JR, Arlindo; PELICIONI, Maria Cecília Focesi; [editores]. Educação ambiental e sustentabilidade. Barueri, SP: Manole, 2004. ProNEA - Programa Nacional de Educação Ambiental/ Ministério do Meio Ambiente, Diretoria de Educação Ambiental; Ministério da Educação. Coordenação Geral de Educação Ambiental. - 3. ed - Brasília : Ministério do Meio Ambiente, 2005. Disponível em: http:// portal.mec.gov.br/secad/arquivos/ 259 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE pdf/educacaoambiental/pronea3.pdf Acesso em: 26 jun. 2015. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006. TOZONI-REIS, Marília Freitas de Campos. Educação ambiental: natureza, razão e história. São Paulo: Autores associados, 2004. TREVISOL, Joviles Vitório. A educação ambiental em uma sociedade de risco: tarefas e desafios na construção da sustentabilidade. Joaçaba: UNOESC, 2003. ______. Lei n° 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Acesso em 26 jan. 2015 (b). 260 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE OS IGARAPÉS DA CIDADE DE MANAUS: DEGRADAÇÃO E REMÉDIOS LEGAIS MANAUS’ STREAMS: DEGRADATION AND LEGAL REMEDIES Carlos Antonio de Carvalho Mota Júnior Advogado graduado no Centro Integrado de Ensino Superior do Amazonas, mestrando em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas, pesquisador do Grupo de Pesquisa de Mudanças Climáticas – PPGDA – UEA. Guilherme Gustavo Vasques Mota Advogado graduado no Centro Integrado de Ensino Superior do Amazonas, mestre em ciências sociais pela PUC/SP, professor de direito nas faculdades CIESA, Martha Falcão Devry e UFAM. Resumo: A cidade de Manaus possui fartos braços d´água conhecidos como “igarapés”, os quais atualmente encontram-se em estado de grande degradação, sem qualquer uso para a população exceto o lançamento de dejetos residenciais, comerciais e industriais. Suas características de fonte de água limpa, local para a pesca, prática da natação e outros esportes, refúgio de biodiversidade e local de lazer foram eliminadas pelas gerações passadas, seja pela a ocupação desordenada, seja pela falta de saneamento. No entanto, a República Federativa do Brasil dispõe de avançada legislação e princípios jurídicos ambientais protetivos do meio ambiente e dos recursos hídricos, os quais podem ser utilizados pelos operadores do direito para buscar a tutela de nossos igarapés, o que será apresentado no prese Palavras-chave: Constituição Federal de 1988, Política Nacional do Meio Ambiente, Igarapés, Direito à Biodiversidade, Proteção dos Recursos Hídricos, Princípios Ambientais Constitucionais. Abstract: The city of Manaus has an abundance of streams known as “igarapés”, which in present day are in state of great degradation, without any use for the population but the release of residential, commercial and industrial pollution. Its characteristic use as clean water resource of fishing, swimming and other sports, biodiversity refuge, and place of leisure has been eliminated by previous generations, by disordered occupation and lack of sanitation. In spite of this, the Federative Republic of Brazil has an advanced environmental and water resources protection legislation and legal principles, which can be used by law operators to seek out the preservation of our igarapés, which will be the scope of this article. Keywords: Federal Constitution of 1988, National Policy of Environment, 261 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Igarapes, Biodiversity rights, Protection of the Water Resources, Constitutional Environmental Principles. INTRODUÇÃO Nossa cidade é entrecortada por diversos cursos d’água denominados igarapés, que nos tempos atuais encontram-se em estado lamentável, devido à poluição que neles é despejada diuturnamente. Pode-se afirmar categoricamente que todos os igarapés na região urbanizada de Manaus estão impróprios para o uso tão difundido no passado. Será que um dia no futuro, as futuras gerações poderão usufruir de nossos igarapés, assim como nossos ancestrais55 sempre o fizeram? Ou o caminho do “progresso” sempre relegará nossos rios a meros depositários de nossos resíduos e problemas ambientais cada vez mais severos? A situação de nossos igarapés reflete o descaso dos líderes das gerações passadas em conservar o meio ambiente da cidade de Manaus. Ao longo das últimas três décadas de má gestão hídrica, nossa população foi privada de um direito cultural e de biodiversidade (arts. 225 e 231 da CF/88) com a destruição dos igarapés e da extinção dos balneários, que até bem pouco tempo atrás historicamente eram saudáveis e pujantes. A distribuição de água na cidade de Manaus não condiz com sua hidrografia, pois somos banhados pelo Rio Negro e temos em nosso território a maior bacia hidrográfica do mundo (Agência Nacional de Águas, 2015). No entanto o problema de falta de água na torneira e o rompimento de adutoras é comum e corriqueiro. A área com melhor saneamento de esgoto ainda é o Centro (Manaus Ambiental, 2015), com sistemas instalados por firmas inglesas, contratadas pelos poderes constituídos ainda no tempo de “Império do Brazil”. Na fase de República, o saneamento da cidade de Manaus parou no tempo e mesmo em bairros de classe média e alta os dejetos vão para os igarapés sem tratamento (Portal Amazônia, 2015, G1.com, 2015). Antes do advento da Constituição Federal de 1988, não havia o direito reconhecidamente constitucional de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, no entanto, o referido diploma constitucional está aí há quase 30 (trinta) anos e nossas águas continuam sofrendo com a destruição. Informações dão conta de que, já em 1982, a situação sócioambiental da capital do Amazonas estava no caminho errado (ANDRADE e VIEIRA, 1982): A área geográfica onde localiza-se a capital é habitada desde antes da ocupação portuguesa, pela tribo que dá origem ao nome da cidade, Manaós, mas também pelas tribos Tarumã, Passé e Baniwa (SOUZA, pg. 133) 55 262 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE O que se viu foi a rápida expansão da circunvizinhança de Manaus, o que intrinsecamente não é um mal. Infelizmente não se proporcionou aos imigrantes a orientação necessária quanto ao melhor sítio para a localização das residências. Os fundos de vale, alagadiços e sujeitos a inundações periódicas foram celeremente ocupados (…) As encostas também foram desordenadamente habitadas e as linhas de infraestrutura de água, esgoto e energia foram recebendo obstáculos quase intransponíveis Atualmente nossos igarapés são vetores de doenças relacionadas à poluição, e quando transbordam devido ao acúmulo de lixo, invadem o espaço urbano causando grande calamidade humana, acarretando prejuízos incalculáveis (G1.com, 2015). Não servem mais à sua função ambiental e assumiram forma de problema. Modernamente, os igarapés de Manaus nada mais são do que incômodas e insalubres porções de nossa urbe, locais a serem evitados. Há estudos demonstrando que a maioria dos jovens de Manaus nem os considera como parte da paisagem (GOMES, 2014). Por outro lado, vemos que em aglomerações urbanas estrangeiras (com grande pegada poluidora), a poluição dos cursos d’água é controlada, e a população dessas cidades como Miami (capital da Flórida nos Estados Unidos da América) livremente usufrui de seus riachos em diversas atividades, contribuindo para uma superior qualidade de vida, não obstante a pujante economia e alto desenvolvimento econômico. Parece até contraditório para aquele país, o qual encontra-se no grupo dos maiores poluidores do planeta. Em nossa cidade, temos a geração de manauaras que puderam pescar na área urbana, e se algum dia o problema dos igarapés poluídos for resolvido, as futuras gerações poderão resgatar um perdido direito cultural. Recentemente em nossa cidade, vimos o inicio da ação n. 2009.32.00.002520-6 movida pelo Ministério Público Federal contra a Prefeitura de Manaus, objetivando interromper e ressarcir os cofres públicos acerca da lamentável atuação de dragagem e eliminação de vegetação ciliar por parte da Prefeitura em nossos principais igarapés. Por outro lado, dispomos de legislação a defender os direitos ao meio ambiente, ao patrimônio cultural e genético da população de Manaus. No 263 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE entanto, iniciativa recente, o PROSAMIM, vem realocando o humilde povo que mora nos beiradões, para conjuntos habitacionais de alvenaria, livres da baixa qualidade de vida nas palafitas. Trabalho ainda para muitos anos, dado o grande problema de invasões na capital e seu entorno. Este artigo irá estudar os aspectos jurídicos acerca da defesa de nossas águas, e como estes podem ser utilizados pelos operadores do direito para que as disposições do art. 225 da CF sejam integralmente observadas pelas autoridades, utilizando-se como case de estudo, o processo acima mencionado. A metodologia utilizada será bibliográfica, com consulta aos diversos meios como livros, artigos, internet, etc. 1. DOS PRINCÍPIOS E DA LEGISLAÇÃO PROTETIVA DOS RECURSOS HÍDRICOS PRÉ E PÓS 1988 E SEUS IMPACTOS SOBRE A CIDADE 1.1. PRINCÍPIOS AMBIENTAIS E O CASO EM TELA a. Princípio da Dignidade Humana. O princípio da dignidade humana permeia todos os direitos fundamentais, atuando com função basilar sobre o qual todos os outros princípios. O direito negado à moradia da população é a pior mazela da situação atual. As baixas condições de vida da população humilde influem diretamente na saúde e na sua capacidade de vencer as barreiras impostas pela baixa condição. b. Princípio da Precaução/Prevenção. As atividades humanas potencialmente perigosas para o meio ambiente deveriam ser evitadas sem exceções (incluindo no caso de falta de certeza científica). Verifica-se que o princípio analisado estava consagrado em nossa legislação desde 198156 após verificar-se que entre os princípios do PNMA, temos orientações como “ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, racionalização do uso do solo, subsolo, água e ar, planejamento e fiscalização do uso dos recursos naturais, proteção dos ecossistemas, controle e zoneamento, incentivo ao estudo e pesquisa, acompanhamento do estado de qualidade ambiental, recuperação de áreas degradadas e proteção das ameaçadas e finalmente, o princípio da educação ambiental. O que a geração de 2015 enfrenta hoje na questão dos igarapés é fruto da total inobservância dos princípios da precaução e da prevenção, cujas bases já estavam em plena vigência em 1981. c. Princípio do Poluidor-Pagador. Se o fornecimento de serviços de saneamento básico, saúde e de manutenção de um meio ambiente sadio é uma obrigação constitucional, somente podemos apontar o Estado como o maior Lei 6.938-1981, art. 2o., incisos I a X. 56 264 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE culpado. Não podemos dizer que Manaus é uma das cidades pobres do Brasil57. Em nosso Distrito Industrial os custos sócioambientais não são computados no preço dos produtos, sendo a população que acaba arcando com esses custos, além do Poder Público. O problema não é exclusivo da cidade de Manaus, não obstante toda a legislação em defesa dos recursos naturais, principalmente hídricos, das ricas bacias hidrográficas amazonenses. d. Princípio do Protetor-Recebedor. As populações tradicionais e silvestres são pressionadas para deixarem seu estilo de vida e suas casas ribeirinhas para irem morar na capital, em busca de um salário e de uma vida mais “moderna”. Quando insistem em permanecer no caminho do “progresso”, são rechaçadas violentamente, nunca recebendo incentivos para manter o seu estilo de vida sustentável. Em nosso Estado temos o Programa Bolsa-Floresta, criado pela Lei. n. 3.135/07; consideramos o valor de R$ 400 reais por ano deveras irrisório, no entanto, demonstra uma mudança de direção nos caminhos econômicos do Estado. Poderíamos até questionar o motivo de tanta pressa em se mercantilizar ou explorar a Amazônia com grandes projetos. A cada recurso retirado nosso estoque ambiental fica mais pobre do que antes. e. Princípio Intergeracional. O art. 225 da CF/88 comanda o zelo pelo direito das futuras gerações, um compromisso psicológico recente e pesado a nível individual. Obviamente, o destino dos igarapés de Manaus demonstra o total desdém com o princípio em tela, tanto no setor público, quanto no corporativo. E a atual geração teve tolhido seu direito à cidade com a transformação dos antes aprazíveis igarapés em esgotos a céu aberto. Poderia se alegar que o progresso foi necessário para que exista a cidade que temos hoje, nos mais alto ranqueamento nacional de PIB. Mas, o progresso medido somente pelo PIB não retrata a realidade, posto que o referido índice não computa as perdas sociais e ambientais (LUTZENBERGER, 2012, p. 85): Mas então, quando retiramos petróleo do solo e o queimamos em desperdício, acaso somos mais ricos depois ou éramos mais ricos antes? Até se poderia argumentar que a exploração desses recursos foi necessária para algum motivo relevante, mas na realidade é que os grandes ciclos econômicos baseados em Manaus serviu para enriquecer poucos ao custo das mais vis formas de exploração no trabalho. O sistema de exploração de Amazonas consta na 6a. posição dentre todos os Estados, no documento Produto Interno Bruto dos Municípios, IBGE, 2011, disponível em http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/ livros/liv67269.pdf 57 265 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE trabalhadores iniciado no primeiro ciclo da borracha foi descrito como algo aterrador para os direitos humanos, com relatos de tortura, fuzilamento, castigos corporais brutais, privação de alimentos, prostituição de mulheres e etc58, com a história de abuso se repetindo até os dias de hoje, com a opressão sobre as populações tradicionais. Nos dias atuais temos a praticamente perene Zona Franca de Manaus, cujas origens remontam a 1957 com a criação do Porto Livre que através do Pólo Industrial, criou em Manaus centenas de milhares de empregos diretos e indiretos onde antes havia baixa densidade populacional (Fonte: SUFRAMA. Acesso em http://www.suframa.gov.br/zfm historia.cfm no dia 10 de julho de 2015). Vale notar, que assim como quando ocorreram problemas com a exportação de borracha, quando algo vai mal para as indústrias do PIM, os investimentos são rapidamente esvaziados, causando desemprego em massa59, como vem ocorrendo até hoje (A Crítica, 2015). Fábricas podem ser facilmente desmontadas e levadas para onde as condições forem melhores, no entanto a população criada onde antes não havia nada e o meio ambiente têm de arcar com as externalidades. O sistema corporativo é essencialmente anti-democrático, posto que um diminuto grupo de diretores pode decidir o destino de grupo de milhares de pessoas a cidades e regiões. Decisões estas que levam em conta apenas servir aos interesses dos acionistas, causando desastres como o que aconteceu com a cidade de Detroit quando da retirada da indústria automobilística (Economyincrisis.org, 2015), e também a pobreza pós ciclos da borracha e sempre que a lucratividade e a perenidade da ZFM foi colocada em risco. O modelo de desenvolvimento baseado na divisão internacional do trabalho não trouxe melhorias para a população dos países periféricos em geral, permanecendo Manaus como fornecedora de mão de obra barata para empresas nacionais e multinacionais. 1.2. ARCABOUÇO LEGAL PRÉ-1988 E ATUAL A lei 6.938 de 1981, que trata do SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente) e do CONAMA já trazia em seu bojo um completo marco legal para o Direito Ambiental Brasileiro, com princípios, conceitos, objetivos SOUZA, Márcio. “História da Amazônia” - Manaus, ed. Valer, 2009. Na notícia a seguir colacionada, demonstra que até julho de 2015 houveram mais de 15 mil demissões em Manaus, com linhas de produção inteiras enviadas para São Paulo. Acesso em http://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2015/07/em-2015-polo-industrial-de-manaus-jademite-139-mais-que-em-2014.html a 18 de julho de 2015. 58 59 266 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE e instrumentos, e com ela o referido ramo do direito passa a ser independente do Direito Administrativo (SILVA, p. 201 e 202). No diploma em análise, o seu art. 5o. e parágrafo único, as atividades empresarias, públicas ou privadas serão exercidas em consonância com a Política Nacional do Meio Ambiente. Para Sirvinkas (2015, pg. 208): A política nacional do meio ambiente tem por objetivo a harmonização do meio ambiente com o desenvolvimento socioeconômico (desenvolvimento sustentável). Essa harmonizaçào consiste na conciliação da proteção do meio ambiente, de um lado, com a garantia do desevolvimento socioeconômico, de outro, objetivando assegurar condições necessárias ao progresso industrial, aos interesses de segurança nacional, e à proteção da dignidade humana (art. 2o. da Lei 6.938/81). Significando que nossos operadores do direito e demais interessados na proteção do meio ambiente possuíam, já a partir de 1981, os dispositivos do PNMA, sem que no entanto no Município de Manaus tenha levado a situação dos igarapés de forma séria, apenas realizando limpezas esporádicas, atuando no efeito, sem combater na causa. Inclusive no art. 21, IX do referido diploma legal já havia a previsão da possibilidade do governo federal e estabelecer diretrizes específicas para uma macroregião (SIRVINKAS, 2015, pg. 210). Atualmente, na legislação pátria temos por exemplos os seguintes dispositivos na tutela de nossos igarapés: Constituição Federal, art. 225, §1o, III; Lei 9.433/97 (Política Nacional de Recursos Hídricos), Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei n. 9.985 de 2000); Código Florestal; Lei n. 9.605 de 1998; Lei n. 4.771/65, art. 2o. “a” e parágrafo único; Lei 6.938/81; Resoluções CONAMA 237/97 e 396/06 e etc. Podemos destacar que no art. 1o. e incisos da Lei 9.344/97 elege como fundamentos da Política Nacional de Recursos Hídricos os seguintes: a) a água é um bem de domínio público; b) recurso natural limitado, de valor econômico; c) prevalência do consumo humano e animal em caso de escassez; d) uso múltiplo deve ser prestigiado na gestão dos recursos hídricos; e) bacias hidrográficas como unidade territorial para políticas públicas; f) gestão descentralizada com participação popular. Verifica-se que a partir de 1997 estes fundamentos apresentados na política nacional quebraram paradigmas injustos, que se acumularam no período de crescimento populacional e que não irão realizar somente com a vontade da lei. O uso humano não deveria se sobrepor ao uso como esgoto de nossos igarapés; tampouco os mesmos têm sido tratados como bens de domínio 267 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE público, posto que utilizados como se não tivessem donos. O uso múltiplo resta prejudicado ante à contaminação pelo uso para despejo de lixo e fezes. Não possuimos comitês de bacia hidrográficas em quantidade condizente com os seus tamanhos. Ao invés de gestão descentralizada, vemos dessincroniza de discursos entre os diversos entes estatais. 1.3. REMÉDIOS JURÍDICOS E O ACESSO À JUSTIÇA NO BRASIL O sistema brasileiro de acesso a direitos coletivos e individuais foi historicamente excludente das camadas populares e do meio ambiente, desde os tempos de Colônia, depois no Império, e em nada se alterando com a proclamação da República60. Foi somente na Constituição de 1988, denominada de Cidadã, que o direito ao meio ambiente e o acesso à Justiça foram criados e fortalecidos. Patrícia Biancchi (2010) mostra que, mesmo com os avanços, o acesso à justiça no direito ambiental é restrito por motivos como morosidade processual devido a problemas estruturais como a falta de pessoal, muitas instâncias administrativas e judiciais ocasionando a demora de anos para a solução de processos relativos ao direito ambiental e a própria cultura nacional de não estar acostumada a requerer direitos coletivos e difusos. Entre os remédios previstos na CF/88 podemos destacar a ação popular, o mandado de segurança e de injunção, os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, Habeas Data, fortalecimento da Defensoria Pública e etc. A Constituição Cidadã criou e manteve ferramentas para que o indivíduo procure o acesso a direitos ao meio ambiente por si só, mas o Estado brasileiro não construiu uma forma de repressão eficaz ao abuso destes direitos, para que o cidadão não precisasse se socorrer do Judiciário para obter aquilo colocado na CF/88. Fatores que contribuíram negativamente no caso dos igarapés de Manaus, que foram vilipendiados em sua quase totalidade, tendo a sociedade manauara sido mera espectadora inerte da perda de um direito ambiental e cultural de incontáveis gerações. Tudo aquilo que está preconizado na CF/88 destoa do que pode ser constatado em qualquer rápido passeio pelas vias da cidade: situações de moradia precária às margens de igarapés poluídos, conforme demonstrado nas fotos em anexo. São pessoas vivendo em condições de três ou quatro séculos atrás, a menos de um quilômetro de obras que custaram bilhões ao Estado com objetivos futebolísticos, por exemplo. Iniciativas como o PROSAMIM retiraram milhares de pessoas nestas condições mas longe de eliminar o problema em sua totalidade. No Durante a República tivemos diversas mudanças de regime, com períodos esparsos de uma democracia efetiva. 60 268 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE entanto, a retirada dessas famílias e a consequente limpeza das margens não garantem que os igarapés sejam plenamente recuperados, pois se combateu efeitos mas não a causa, que é o lançamento de dejetos não tratados nas áreas residenciais, comerciais e industriais da cidade. O problema do acesso à Justiça Ambiental é algo palpável na situação de degradação dos igarapés da cidade de Manaus. Um problema não por falta de leis ambientais ou mecanismos de jurisdição, conforme acima demonstrado. O problema reside do fato de que, para que se utilize destes remédios legais, a realidade fática de nosso sistema requer que o cidadão os conheça e tenha tempo livre e dedicação para movimentá-los. O que denota a falta de educação ambiental e de um aparelho repressivo mais atuante, com mais capacidade de ser movimentado de ofício. 2. ESTUDO DE CASO No ano de 2009 a Prefeitura de Manaus começou a noticiar ação de limpeza de igarapés e colocação de areia em suas margens (além da remoção de vegetação). A ação, não obstante ter sido realizada objetivando evitar o transbordamento na época de chuvas, teria sido realizada ao arrepio da lei, ignorando medidas básicas de cuidado previstas em legislação, inclusive perpetrando a ação em Áreas de Proteção Permanente e no Corredor Ecológico do Igarapé do Mindú, inclusive protegidos por legislação federal. Em vista disso, podemos nos questionar se a Prefeitura dispõe em suas lideranças profissionais preparados para lidar com a coisa ambiental. Pois o que transparece é o total amadorismo com algo de suma importância. Se agem assim com a questão ambiental, fica aqui a indagação se o mesmo amadorismo é utilizado para cuidar de outras questões municipais, como o trânsito e a educação. Vale mencionar que a Prefeitura empregou R$ 120.000.000 (cento e vinte milhões de reais) na ação. O MPF ingressou com a ação n. 2009.32.00.002520-6 no ano de 2009, pleiteando da Justiça Federal medidas como o ressarcimento do dinheiro público e a suspensão liminar da atividade lesiva. Na inicial o MPF começou alegando a competência da Justiça Federal para julgar a lide, posto que o dano ocorrera em Área de Proteção Permanente, além de o recurso ter sido repassado pelo Governo Federal para o Município. Além disso, demonstra terem sido expedidas 118 Licenças de Instalação apenas 2 (dois) dias após o requerimento, sem que tenha sido realizada vistoria prévia ou parecer técnico conclusivo. Igualmente anotou a ausência de EIA/RIMA no procedimento. Além disso, alegou danos à fauna existente no Parque Municipal do Mindu. A ação ainda permanece inconcluída, no entanto 269 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE ainda vêm ocorrendo ações no mínimo duvidosas por parte da Prefeitura, com a colocada de montes de areia nas áreas de mata ciliar, e a retirada da vegetação das margens61 3. CONCLUSÃO: DA NORMA AMBIENTAL E A SUA EFICÁCIA Mesmo antes da Constituição Federal de 1988, já dispúnhamos da Lei do PNMA (Lei n. 6.938/81, uma das legislações mais avançadas em termo de proteção ao meio ambiente. De tão moderna sua aplicabilidade não era viável quando da sua publicação, e portanto, a norma teve a sua eficácia historicamente limitada, posto que para sua consecução era necessária a quebra de paradigmas e planejamento de longo prazo muito difíceis de serem realizados em uma República como a nossa, cheia de reviravoltas políticas como os diversos golpes, governos ideológicos e etc. Patrícia Bianchi (2010) quando discorre sobre o assunto, aponta a dificuldade de se fazer cumprir leis de característica programática: O fato é que o descumprimento de normas de caráter programático é de difícil sancionamento, já que tais normas estão inseridas no âmbito discricionário dos governos. Assim, os direitos econômicos, sociais e culturais acabam por fazer parte de discursos retóricos e leis vazias, como se não fossem verdadeiros direitos (BIANCHI, P. 211). Devemos acrescentar que, além do problema da discricionariedade excessiva, temos o fato de que medidas saneadoras em nosso País sempre foram encaradas com desconfiança pela população. A realocação de populações inteiras, mesmo que para locais melhores, não deixa de ser uma medida impopular para um governante, que pode ficar marcado e não mais contar com o apoio da população humilde, e com isso perder suas chances de reeleição. Além disso obras de saneamento são caras e subterrâneas - não resplandecem como obras grandiosas no nível da cidade. Sirvinkas (2015, pg. 210) entende que nem todos os princípios na lei do PNMA são verdadeiros, mas tão somente orientações, mas no entanto, no caso de contradição entre eles entende prevalecer o mais benéfico ao meio (Acesso em http://www.pram.mpf.mp.br/institucional/acoes-do-mpf/acp/20090507%20-%20 ACP%20dragagem%20igarapes.pdf a 15 de maio de 2015) 61 270 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE ambiente. Este é mais um exemplo da dificuldade em se considerar as normas ambientais como de aplicação imediata. Riccardo Petrella no seu “ Manifesto da Água”, afirma ser contra a transformação da água em uma simples commodity como o petróleo, pelo simples motivo de que não podemos colocar um preço na vida. Afirmação que em tempos de crise hídrica serve como função pedagógica: o tratamento da água como mero produto já acarreta a impossibilidade do Estado de São Paulo multar usuários gastadores em um momento de crise, pelo menos de acordo com a sua 8a. Vara de Fazenda Pública62. Claro que no Direito do Consumidor não há sanções ou penalidades pelo simples consumo de produtos, já que a escolha impera no mercado de consumo. No entanto o tratamento da água como mero produto e incluir o seu fornecimento como um simples instituto de Direito do Consumidor apequena a sua importância, ocasionando o engessamento das ações do Estado para mitigar uma crise séria. Em Manaus o tratamento da água como produto é corriqueiro também, apesar da concessionária cobrar somente a distribuição (e taxa de um esgoto quase inexistente). O mercado da água local conseguiu transformar nossa mais abundante riqueza em um produto escasso, pouco acessível aos mais desafortunados, não obstante ser o líquido da vida. Na parte de fornecimento, um contrato realizado entre o Estado e a concessionária permitiu uma cobrança de taxa de esgoto de 100%, mesmo com o fraco saneamento na capital. O Tribunal de Justiça permitiu a cobrança, medida esta que transforma o produto água em um bem mais escasso ainda para os pobres em uma cidade que fica às margens dos maiores rio do mundo em volume de água. Vale menção o valor de 100% por cento da taxa levando em consideração que em direito, o acessório não pode ser semelhante ao principal por imposição lógica. O efeito da taxa foi simplesmente duplicar os valores pagos pela população sem qualquer melhoria ou contrapartida na qualidade do serviço. A decisão do TJAM prestigiou o princípio de direito civil pacta sunt servanda ante o princípio da dignidade humana, meio ambiente sadio e equilibrado, direito à vida dentre muitos outros fundamentais. A informação sobre essa taxa relaciona-se com a situação de nossos igarapés na medida que, autorizada a concessionária a receber sem contrapartida de investimentos, não há no horizonte esperança de um saneamento de esgoto em nossa cidade, medida que atenuaria enormemente a pressão poluidora sobre os nossos igarapés63. Acesso em http://oglobo.globo.com/brasil/justica-suspende-multa-consumidores-de-sao-pauloque-aumentarem-conta-de-agua-15046333 a 10 de junho de 2015. 63 Acesso em http://acritica.uol.com.br/manaus/TJ-AM-mantem-cobranca-esgoto-Manaus_0_ 1049295075.html a 22 de maio de 2015. 62 271 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE REFERÊNCIAS SIRVINKAS, Luís Paulo - Manual de Direito Ambiental, 13. ed. - São Paulo, Saraiva, 2015. BENCHIMOL, Samuel. Amazônia - Formação Social e Cultural. 3a. Ed. Manaus.Ed.Valer, 2009. BIACHI, Patrícia. Eficácia das Normas Ambientais. São Paulo, Ed. Saraiva, 2010. ANDRADE, Moacir e VIEIRA, Roberto dos Santos. Manaus: monumentos, hábitos e costumes. Ed. Umberto Calderaro, 1982. SOUZA, Márcio. História da Amazônia - Manaus. Ed. Valer, 2009. FURLAN, Anderson e FRACALOSSI, William. Elementos de Direito Ambiental. Rio de Janeiro. Forense. São Paulo. Método, 2011. SARLET, Ingo e FENSTERSEIFER, Tiago. Princípios de Direito Ambiental. São Paulo - Saraiva, 2014. PETRELLA, Riccardo. O Manifesto da Água. Petrópolis, RJ - Vozes. , 2002. FILHO, Pontes. Estudos de História do Amazonas - Manaus. Ed. Valer, 2000. LUTZENBERGER, José. “Crítica Ecológica ao Pensamento Econômico”, ed. L&PM, Porto Alegre, 2012. DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico - 3 ed. - São Paulo, Saraiva, 2008. Hiléia: Revista de Direito Ambiental da Amazônia, ano 4, n. 7. Manaus: edições Governo do Estado do Amazonas, SEC, UEA, 2006, pgs. 191 a 202. Jornal A Crítica, acesso em http://acritica.uol.com.br/noticias/dddd_0_ 1344465576.html no dia 08 de julho de 2015 http://www.g1.globo.com/am/amazonas/fotos/2015/06/fotos-lixo-inundaigarape-de-manaus-durante-cheia.html 272 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Acesso em http://economyincrisis.org/content/detroit-americas-war-torn-city a 09 de junho de 2015. http://www.manausambiental.com.br/sistema-integrado-e-sistemas-isolados http://www.portalamazonia.com.br/editoria/cidades/prosamim-realoca-50mil-pessoas-em-manaus-e-esquece-saneamento-basico/, acesso em 21 de outubro de 2015. http://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2015/09/despejo-de-esgoto-doprosamim-polui-igarapes-de-manaus-diz-pesquisador.html http://portalamazonia.com/noticias-detalhe/cidades/igarape-tomado-por-fezeschama-atencao-em-manaus/?cHash=af49e7bac6c5c32b0132858a23761ab6 GOMES, Karla da Silveira. Os igarapés de Manaus na percepção de jovens manauaras / Karla da Silveira Gomes.-Manaus, AM: UFAM, 2004 Manaus: Monumentos, Hábitos e Costumes, ANDRADE, Moacir e VIEIRA, Roberto dos Santos. Ed. Umberto Calderaro, Manaus, AM, Brasil, 1982 273 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE RESPONSABILIDADE SOCIAL NO DIREITO AMBIENTAL INTERNACIONAL E OS REFUGIADOS AMBIENTAIS SOCIAL RESPONSIBILITY IN THE INTERNATIONAL ENVIRONMENTAL LAW AND ENVIRONMENTAL REFUGEES Narcisa Batista Lunguinho Silva Bacharel em Administração – término 2009.2. – Universidade Nove de Julho. Bacharel em Direito – Cursando – 9º semestre - Inicio 2012.1 – termino 2016.2 – Universidade Nove de Julho. Escola da Ciencia – Inicio Agosto 2014 – termino Agosto 2015.2 - Uninove. Orientador Leonardo Rafael Carvalho de Matos / Professora Dra. Samira Iniciação Cientifica – Inicio Agosto 2015 – termino Janeiro 2016 – Uninove. Orientadora: Professora Pamella dos Santos Cristan Ciencias Juridicas - Inicio Julho de 2013 Termino Janeiro 2016. Universidade Internacional Três Fronteiras - Uninter – Paraguay Leonardo Raphael Carvalho de Matos Professor da Graduação em Direito da Universidade Nove de Julho UNINOVE. Mestre em Direito pela Universidade Nove de Julho - UNINOVE (2015). Secretário Executivo da Federação Nacional de Pós-graduandos em Direito - FEPODI (biênio 2015-2017). Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-MA. Advogado inscrito na OAB-MA atuante na área de Direito Privado. Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP (2010). Link: http://lattes.cnpq.br/0262795943013047 Resumo: O presente trabalho discute sobre a questão ambiental no âmbito do direito internacional. Levantando as consequências advindas da problemática da degradação ambiental cada vez mais crescente, o que propicia o surgimento de uma nova categoria de refugiados: os refugiados ambientais, também conhecidos como (refugiados climáticos). Verifica-se a evolução dos direitos ambientais para realidade do planeta, o dever do Estado em dar abrigo e apoio aos refugiados e a necessidade do reconhecimento dos mesmos no ordenamento jurídico internacional, visando garantir as condições mínimas para a preservação da dignidade humana, verificando a crescente preocupação com os impactos das alterações no meio ambiente, econômico e social dentro do mundo globalizado, alertando para necessidade de ação SOS natureza urgente, para manter vivos e com condições melhores aos seres vivos que a ela pertencem. A pesquisa desdobra-se pelo método qualitativo e análise de literatura pertinente ao tema. 274 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Palavras-Chave: Responsabilidade social; Direito ambiental internacional; Refugiados ambientais. Abstract: This paper discusses the environmental issue under international law. Raising the consequences arising from the issue of environmental degradation increasingly growing, which promotes the emergence of a new category of refugees: Environmental refugees, also known as (climate refugees). There is a trend of environmental rights to reality of the planet, the duty of the state to give shelter and support to refugees and the need for their recognition in the international legal system in order to ensure the minimum conditions for the preservation of human dignity, checking growing concern about the impacts of changes in the environment, economic and social in a globalized world, warning of the need for urgent action SOS nature, to keep alive and better conditions for living beings that belong to it. The research is developed by qualitative method and analyzing the according literature. Keywords: Social responsibility. International environmental law. Environmental refugees. INTRODUÇÃO O direito ambiental internacional regulamentam normas que buscam, proteger e cuidar do meio ambiente, aplicando sanções àqueles que degradam o planeta, buscado ações e chamando a atenção para a importância da responsabilidade social do Estado e do setor privado. É o ramo do direito que regula a relação entre a atividade humana e o meio ambiente. Por sua natureza interdisciplinar, o direito do ambiente acaba se comunicando com outras áreas da ciência jurídica. Em alguns casos com peculiaridades próprias e distintas, em outros, se socorrendo de noções e conceitos clássicos de outras áreas. Assim, o direito ambiental está intimamente relacionado ao direito constitucional, administrativo, civil, penal e processual. Pelo fato das atividades poluidoras e de degradação do meio ambiente não conhecerem fronteiras, o direito ambiental também está intimamente ligado ao direito internacional e, com ele, compondo uma disciplina própria conhecida como direito internacional ambiental. Afinal, o que é direito ambiental e qual a sua finalidade? Onde ele é necessário e como foi construído no processo histórico de direitos e que hoje se faz muito presente na realidade contemporânea. Para tanto, no primeiro momento, pretende-se apresentar o conceito de responsabilidade social e do “direito ambiental”, as relações entre o direito ambiental e responsabilidade social; concepções do direito ambiental. No 275 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE segundo momento, vamos tratar das noções básicas da responsabilidade social e sua relação com o direito ambiental internacional e os refugiados ambientais. Por fim, aborda-se um assunto ainda esquecido por algumas empresas que visam apenas lucro: responsabilidade social um fator essencial para difundir o direito ambiental e a sua importação para a existência do ser humano no planeta. A pesquisa dar-se-á pelo método qualitativo e análise de literatura pertinente ao tema. 1. RESPONSABILIDADE SOCIAL Existem diversos fatores que originaram o conceito de responsabilidade social, em um contexto da globalização e das mudanças nas indústrias, surgiram novas preocupações e expectativas dos cidadãos, dos consumidores, das autoridades públicas e dos investidores em relação as organizações. Os indivíduos e as instituições, como consumidores e investidores, começaram a condenar os danos causados ao ambiente pelas atividades econômicas e também a pressionar as empresas para a observância de requisitos ambientais e exigindo à entidades reguladoras, legislativas e governamentais a produção de quadros legais apropriados e a vigilância da sua aplicação. Os primeiros estudos que tratam da responsabilidade social tiveram início nos Estados Unidos, na década de 50, e na Europa, nos anos 60. As primeiras manifestações sobre este tema surgiram em1906, porém essas não receberam apoio, pois foram consideradas de cunho socialista, e foi somente em 1953, nos Estados Unidos, que o tema recebeu atenção e ganhou espaço. Na década de 70, começaram a surgir associações de profissionais interessados em estudar o tema, e somente a partir daí a responsabilidade social deixou de ser uma simples curiosidade e se transformou em um novo campo de estudo, para os ambientalistas e empresas do setor privado e de sociedade mista e até mesmo as empresas do setor publico em busca de uma solução para de alguma forma ajudar a restauração do meio ambiente e proteção da espécie humana, desenvolver projetos sociais e de sustentabilidade, para conscientização da sociedade e Estado, se preocupem de fato e enxerguem a realidade atual, que a natureza precisa de ajuda urgente para sobrevivência do homem e também de todo ser vivo que a ela pertence e depende para viver e sobreviver. Grandes empresas que já implantaram um sistema de conscientização e responsabilidade social apresentam projetos para que outras empresas também possam fazer o mesmo para contribuir com a proteção do meio ambiente. A atuação social da empresa pode ser potencializada pela adoção de estratégias que valorizem a qualidade dos projetos sociais beneficiados, a multiplicação de experiências bem sucedidas, a criação de 276 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE redes de atendimento e o fortalecimento das políticas públicas da área social. O aporte de recursos pode ser direcionado para a resolução de problemas sociais específicos para os quais se voltam entidades comunitárias e ONGs. A empresa também pode desenvolver projetos próprios, mobilizar suas competências para o fortalecimento da ação social e envolver seus funcionários e parceiros na execução e apoio a projetos sociais da comunidade. (ETHOS, 2007). A inserção da empresa na comunidade pressupõe que ela tenha uma postura dinâmica e transparente frente aos grupos locais e seus representantes, respeitando as normas e costumes locais, com objetivo de poder solucionar conjuntamente problemas comunitários ou resolver de modo negociado eventuais conflitos entre as partes. (ETHOS, 2007). A comunidade em que a empresa está inserida fornece-lhe infraestrutura e o capital social representado por seus empregados e parceiros, contribuindo decisivamente para a viabilização de seus negócios. O investimento pela empresa em ações que tragam benefícios para a comunidade é uma contrapartida justa, além de reverter em ganhos para o ambiente interno e na percepção que os clientes têm da própria empresa. O respeito aos costumes e culturas locais e o empenho na educação e na disseminação de valores sociais devem fazer parte de uma política de envolvimento comunitário da empresa, resultado da compreensão de seu papel de agente de melhorias sociais. (ETHOS, 2007). 2. DIREITO INTERNACIONAL O termo adjetivo “Internacional” somente foi empregado inicialmente no século XVIII (1780) pelo jusfilósofo inglês Jeremy Bentham64 quando o utilizou com a intenção de especificar este ramo de estudo jurídico dos outros naquela época (ULLMANN, p.289). 2.1. HISTÓRICO A história do Direito Internacional (DI) compenetra-se com a história da normatização das Relações Internacionais. No início das grandes civilizações, quando dos primórdios das relações entre Estados e povos, foi necessário criar regras no intuito de equilibrar direitos entre eles. Portanto, faz“O adjectivo “internacional” surgiu em 1780 quando Bentham desculpava-se pelo que chamava temeridade em criar “mais um termo novo”: “The word ‘international’, it must be acknowledged, is a new one, though, it is hoped, sufficiently analogous and intelligible””. Tradução: “Apalavra “internacional”, deve ser reconhecida, é uma novidade, no entanto, espera-se suficientemente análoga e inteligível”. ULLMANN, Stephan. Semântica: uma introdução à ciência do significado, 5ª ed., Lisboa, Calouste Gulbekian, 1987, p.289 64 277 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE se indispensável, neste prelúdio de dissertação, expor uma evolução histórica do DI, desde o mais remoto ponto documentado até os dias de hoje. A invenção do avião, as duas grandes guerras mundiais, as conquistas do espação sideral e das profundezas dos mares, a expansão tecnológica foram fatores sociais que influenciaram diretamente e de forma revolucionária na evolução histórica do Direito Internacional. Nas palavras de Accioly, et al (2012, p.72), Se até o início do século XX o direito internacional era bidimensional, por versar apenas sobre a terra e o mar, a partir de então, graças principalmente às façanhas de Alberto SANTOS DUMONT, passa a ser tridimensional e, após a segunda guerra mundial, a abarcar ainda o espaço ultraterrestre e os fundos marinhos. Vários doutrinadores internacionalistas têm dividido a história do DI em períodos ou fases. Em assim sendo, ver-se esse trabalho também subordinado, em prol de uma melhor didática, a fazê-lo, decompondo a evolução histórica do DI em 04 fases: Dos primórdios da sociedade humana até o Tratado de Westphalia em 1648; Do Tratado de Westphalia até o Congresso de Viena de 1815; Do Congresso de Viena (1815) até a 2ª Grande Guerra Mundial; e, da 2ª Grande Guerra Mundial até os dias de hoje. 2.1.1. DOS PRIMÓRDIOS DA SOCIEDADE HUMANA ATÉ O TRATADO DE WESTPHALIA EM 1648 Desde o início da sociedade humana, quando da necessidade de agrupar-se, os povos se relacionavam, seja cooperando ou competindo entre si, seja de forma pacífica ou belicosa, eles trocavam, comercializavam, interagiam suprindo suas necessidades básicas particulares. Nesta época, devido a precariedade da escrita, da distância, do choque de culturas, religiões e tradições, mesmo que existisse interação entre povos, não se podia dizer, sob um parâmetro moderno, que houvesse um Direito Internacional. Há quem defenda na doutrina essa inexistência do ramo jurídico internacional. Amorim apud Mais (2011)65, [...] na Antiguidade inexistiu regra de Direito Internacional, uma vez que o estrangeiro era 65 http://jus.com.br/artigos/18320/a-historia-do-direito-das-relacoes-internacionais#ixzz3ld 55Sc UH 278 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE considerado bárbaro, hostil ao meio, podendo até mesmo ser sacrificado ou destruído. MAZZUOLI partilha desse posicionamento, afirmando que existia apenas um Direito que se aplicava às relações entre cidades vizinhas, de língua comum, mesma raça e religião. Não existiam leis comuns, nem igualdade jurídica. A antiga Grécia era composta de cidades-estados. Cada uma dela tinha sua própria independência administrativa. Traziam consigo sua própria soberania territorial. O relacionamento entre estas cidades-estados gregas se dava através de acordos, que salvados as devidas proporções históricoevolutiva, se assemelhavam aos atuais tratados internacionais. Pode-se afirmar que neste momento coincide com a fase “pré-histórica” do DI (CORREIA, 1998). O direito grego era baseado no jusnaturalismo e no consuetudium66, e por estes motivos, os acordos entre as cidades-estados tratavam da adoção de costumes, da relação colonial, de alianças, de proteção pacifica, associações comerciais e marítimas, de tréguas e guerras. Um fato exemplificativo de acordo internacional (entre cidades-estados gregas) encontra-se na assinatura do Pacto denominado de “Paz de Nícia”, 415 a.c., que selou uma trégua bélica entre Atenas e Esparta (CANFORA, 2015). No Direito de Roma, o interesse maior residia na economia. O estrangeiro era vendido como escravo e, como Roma não acordava com outros povos, tratavam de honrar os usos, costumes e leis dos povos nativos. Observe, comprovando o que foi exposto, que o julgamento de Jesus Cristo, foi todo ele orientado pelas leis hebraicas. Os romanos sempre agiam de forma unilateral quando ocupavam e dominavam determinado povo. Roma dividia o tratamento jurídico que era dado aos homens. Jus civile, conjunto normativo que regulava as relações entre cidadãos romanos. E, Jus gentium, normas que seriam aplicadas exclusivamente a estrangeiros. Este segundo ordenamento, com o decorrer dos tempos, passou a orientar o direito comum a todos os homens, abarcando todas as suas relações sociais de forma direta, aplicado, agora, não apenas aos estrangeiros, mas, também aos cidadãos de Roma (DOLINGER, 2005, p.127). Mais adiante, com os bárbaros dominando o Império Romano (476 d.c.), o jus gentium, perdeu espaço territorial, o que permitiu naquela época que cada homem conservasse as instituições de seu grupo, se seu povo, de seu clã. A partir daí, diante de alguma hostilidade, prevaleceria a lei do mais forte (DOLINGER 2005, p.128). Com a queda do Império Romano, vem a idade média, e no sistema feudal o comércio e a indústria se desenvolvem, e junto com eles, a Usos e costumes da época. 66 279 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE navegação, os contratos, os financiamentos, as teorias humanistas. Grandes cidades surgem, principalmente no território italiano (Milão, Pisa, Gênova etc), concorrendo para o desabrochar de um novo conjunto de normas jurídicas; agora, fundamentado nos costumes e tradições das cidades. Nasce um novo período de inter-relacionamento mercantil. Portugal, Espanha, França, Holanda, Inglaterra, grandes estados daquele momento, interagem-se de forma muito atuante, conclamando também por um direito que suprisse a necessidade de destes grandes empreendimento multiculturais e políticos – nasce aqui, neste momento, um embrião que é hoje o DI, agora, baseado em teses de pensadores humanistas, renascentistas e iluministas. Pode-se perceber a necessidade de surgimento de regras de direito entre estados nas lições de Bittar Filho (1992, p.387), A mais notável contribuição da idade média foi o desenvolvimento da concepção da unidade do gênero humano, a partir da obra dos grandes pensadores cristão da época: Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, os quais reiteraram a mensagem deixada por Jesus Cristo, [...] ...podese afirmar que o cristianismo foi embasamento cultural do direito internacional, por pregar a igualdade de todos e a fraternidade universal. O declínio do feudalismo chegou – finda-se a idade média – inicia-se a idade moderna, o mercantilismo passa a predominar. A tendência dos estados agora é ultrapassar os mares, buscar novas terras e conquista-las; surge o colonialismo. Paralelamente a esta tendência, a busca por acumular riquezas (entesouramento), a proteção dos produtos internos através da imposição de “barreiras alfandegárias” (protecionismo) e a buscar o superávit de suas balanças comerciais, foram as políticas estatais marcantes. Em termos culturais, o renascimento foi a sua demarcação temporal: Petrarca, Cervantes, Da Vinte, Michelângelo, são os arautos deste movimento erudito. No campo religioso, a Reforma marcou aquele momento, trazendo consigo uma profunda modificação social, economia e política da época; e sua reação iminente – a Contra-reforma – não deixou para menos, no que tange às suas repercussões (BITTAR FILHO, 1992). Na sequência elucidativa de Bittar Filho (1992, p.388), denota-se a maior contribuição da Idade Moderna ao DI, Este Período teve grande importância, pois nele e que surgiu o Direito Internacional Público como disciplina autônoma, em virtude, mormente, das 280 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE obras de Francisco de Vitória (1486 – 1546), Francisco Suarez (1548 – 1617) Alberico Gentili (1551 – 1608) e Hugo Grócio (1583 – 1645). Vale ressaltar a importância do jusfilósofo holandês Hugo Grócio, que em seus estudos sobre os problemas do Estado em suas relações com outros estados67, influenciou de forma muito direta o Congresso de Westphalia em 1648. 3. DIREITO AMBIENTAL INTERNACIONAL Direito ambiental internacional trata dos direitos e das obrigações dos Estados e das organizações governamentais internacionais, bem como dos indivíduos na defesa do meio ambiente. Em uma sociedade o direito interno e sua ordem jurídica são sustentados pela autoridade superior O Estado. No plano internacional, não há uma autoridade superior e central em relação aos Estados, com a autoridade de tornar obrigatório o cumprimento da ordem jurídica internacional e de cominar sanções caso esta não seja cumprida. Não há um órgão legislativo que faça valer a vontade da maioria. Isso se justifica por cada Estado ter sua soberania, seu próprio ordenamento jurídico. Os Estados não se subordinam a outro direito que não seja aquele que eles reconheceram ou criaram. No plano interno, as normas são hierarquizadas, sempre subordinadas à lei fundamental. Não há que se falar em hierarquia quando o assunto é inerente às normas internacionais. Cada Estado tem direito a não– intervenção no seu sistema jurídico. O sujeito, por excelência, do direito ambiental internacional, continua a ser o Estado, mas as organizações internacionais e intergovernamentais desempenham um papel cada vez mais importante na formulação e no seu desenvolvimento, sobressaindo a atuação das Nações Unidas e das principais organizações intergovernamentais, como o IMO, UNESCO, FAO e o PNUMA. Independentemente de ser ou não um novo ramo do Direito, preferimos adotar esta classificação para o presente trabalho, pois, o objeto deste estudo tem seu marco inicial promovido através de uma organização internacional. 3.1. SOCIEDADE INTERNACIONAL A Sociedade Internacional, também denominada de Sociedade Interestatal ou Sociedade de Estados, é conduzida pelas normas de DI e De Jure Belli ac Pacis (1625), obra-mestra de Hugo Grócio, onde de forma geral e sistêmica leciona sobre Direito Internacional Público, tratando da reconhecença do conjunto de normas pertinentes à Sociedade Internacional (comunidade global) (BITTAR FILHO, 1992) 67 281 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE empenha-se na combinação harmônica das normas internacionais e as normas e requisitos de cada sociedade estatal. [...] a sociedade internacional, ao contrário do que sucede com as comunidades nacionais organizadas sob a forma de Estados, é ainda hoje descentralizada e o será provavelmente por muito tempo adiante de nossa época. (REZEK, 2008, p.01). A Sociedade Internacional é constituída de sujeitos internacionais convivendo em constantes relações tratando de interesses comuns e compartilhando objetivos recíprocos por via da cooperação harmônica, paramentada em regulamentação exclusiva (GONÇALVES, 2014). Entende-se por sujeitos internacionais: os Estados, os organismos internacionais, os indivíduos e as organizações não-governamentais, bem como, não se pode deixar de citar as empresas, das quais algumas delas tem destaque internacional em seus empreendimento e atuações de magnitude internacional. (GONÇALVES, 2014). 3.1.1. FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL Etimologicamente, a palavra fonte é derivada do termo latino fons, significando nascedouro, origem, lugar de onde promana água (CRETELLA JR, 2000). Para estudar as fontes do DI dever-se-á partir da premissa do juspositivismo. E em assim sendo, as fontes do DI podem ser materiais e formais. As primeiras correspondem aos fatores econômicos, políticos, históricos e sociais, que, de alguma forma, influencia, na criação de normas internacionais. Tais fatos são considerados tão relevantes que a sociedade internacional clama por sua juridicização. Já as fontes formais correspondem aos atos estatais que tem por finalidade regular comportamentos e fatos sociais, bem como, tratar os conflitos que surgem da desobediência a estas regulamentações. As fontes formais do DI, conforme o art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça68, são: In literris: Artigo 38 1. A Corte, cuja função seja decidir conforme o direito internacional as controvérsias que sejam submetidas, deverá aplicar; 2. as convenções internacionais, sejam gerais ou particulares, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes; 3. o costume internacional como prova de uma prática geralmente aceita como direito; 4. os princípios gerais do direito reconhecidos pelas nações civilizadas; 5. as decisões judiciais e as doutrinas dos publicitários de maior competência das diversas nações, como meio auxiliar para a determinação 68 282 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE a. Tratados – Convenções e acordos internacionais. São revestidos de grande segurança jurídica, pois são frutos das vontades dos tratadistas, além de serem escritos e cheios de formalidades. b. Costume – “são atos reiterados dos Estados durante certo período de tempo, versando sobre um mesmo assunto” (GUTTIER, 2001, p.12). c. Princípios Gerais do Direito – Regras de cunho altamente genérico e abstrato que fundamentam as regras e relações internacionais. Pacta sunt servanda, a boa-fé, o direito adquirido, a coisa julgada, a autonomia da vontade, são exemplos destes princípios. d. A Jurisprudência (decisões de cortes internacionais) e a doutrina (teorias e trabalhos de grandes arautos de direito internacional). Vale a pena salientar, que o elenco normativo do respectivo estatuto não é exaustivo, podendo, diante de lacunas normativas, buscar-se a solução do litígio internacional em outros institutos jurídicos, tais como: a equidade, os atos unilaterais de vontade e pareceres de órgãos internacionais (decisões, diretrizes, decretos, resoluções, recomendações etc). 3.1.2. DIREITO INTERNACIONAL E OS DESAFIOS DA ATUALIDADE Como se pode observar, existe uma nova concepção de Sociedade Internacional conquistada através da própria evolução histórica da humanidade. O próprio objeto do DI deve ser adaptado às novas demandas interestatais e aos denominados direitos universais da pessoa humana. Novos fatores surgem, e os antigos devem ser redimensionados para, somente assim, serem considerados, compreendidos e inseridos como novos fatores do grande e complexo sistema internacional. Os momentos que sucederam as grandes guerras proporcionaram o surgimento desta nova concepção de sociedade internacional e do próprio DI, tornando-os mais heterogêneos. Estados tornaram-se independentes de suas colônias, Organismos Internacionais surgem, o conceito tradicional de soberania estatal sofre nova hermenêutica, os valores defendidos pelos Direito Humanos ganham universalidade; o mesmo acontece com os preceitos democráticos; quer dizer, novos indivíduos, novos conceitos, novas instituições e praticas internacionais emergem, clamando pela suas inserções na sociedade internacional, transformando-a também em uma nova sociedade global. das regras de direito, sem prejuízo do disposto no Artigo 59. 6. A presente disposição não restringe a faculdade da Corte para decidir um litígio ex aequo et bono, se convier às partes. 283 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE A internacionalização crescente do nosso cotidiano, bem como a crescente interdependência e indeterminação entre os países, conduziu a novos padrões e relações internacionais, tanto na esfera privada quanto na comercial, apresentando um desafio sem precedentes ao direito Internacional Privado (RIBEIRO, 2003, p. 19). Estes eventos acima expostos corroboram em revelar as indeterminações e os desafios atuais e do porvir do DI e das relações internacionais, pois retratam um momento real, dinâmico e cheio de contradições, evidenciando fragilidades dos acordos e dos corpos normativos internacionais. Pode-se citar alguns desses desafios, tais como: Crescimento dos fundos soberanos de riqueza, sistema multilateral de comércio, Proteção dos direitos Humanos, tutela dos direito difusos e coletivos etc. Nos dias atuais, não há dúvidas de que somente através de uma concepção integradora dos direito humanos em abrangência com outros direitos sociais (econômicos, políticos, culturais, civis etc) se logrará êxito no seu incremento e proteção. Eis um dos maiores desafios do DI na atualidade, a implementação de uma visão integradora dos Direitos Humanos na busca de uma sociedade internacional mais justa. Para tal, necessário se faz uma equipe orgânica que estabeleça um monitoramento constante e continuo da situação dos diretos humanos em toda a parte do mundo69. O que importa salientar é que a sociedade internacional de hoje caracteriza-se por sua pluralidade de interesses e membros, acabando por reproduzir uma complicada rede de relações sociais, econômicas, políticas e jurídicas. Os desafios do DI atual configura-se responder de forma imediata e eficiente ao clamor destas relações70. 4. REFUGIADOS AMBIENTAIS 4.1. HISTÓRICO A construção da definição do termo refugiado esta ligado a contextos internacionais históricos. De acordo com a Organização das Nações BRASIL, Ministério das Relações Exteriores. Instituto Rio Branco. Jornadas de Direito Internacional Público no Itamaraty – Desafios do Direito Internacional Contemporâneo – Brasília, 7 a 9 de novembro de 2005, Organizador Antonio Paulo Cchapuz de Medeiros. Fundação Alexandre de Gusmão. Brasília, 2005. P.289-290. 70 XAVIER Jr, Ely Caetano, BRANDÂO, Clarissa. DESAFIOS GLOBAIS CONTEMPORÂNEOS: CENÁRIO DE CONVERGÊNCIAS NO DIREITO INTERNACIONAL, São Paulo: Revista Direito GV 5(2), 2009, p. 425-442. P.425. 69 284 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Unidas ONU, até 2050 serão mais de 250 mil refugiados ambientais, número assustador que ultrapassa os conflitos armados e as perseguições por motivo de raça, religião ou política. Com as alterações climáticas globais, mais especialmente a elevação da temperatura da terra, são resultados do aquecimento global, com isso, a partir da década de 1970 no século XX, é que foi tomada consciência sobre a situação causal entre as atividades industriais emissoras de gases de efeito estufa, o desmatamento e as mudanças climáticas, produzindo no tempo e no espaço as alterações climáticas, uma das principais causas para o descongelamento das geleiras, inundações, fenômenos como secas, aumento do nível dos oceanos, dentre outros impactos, e desastre naturais. Observa-se que com o aumento da industrialização a emissão de gases poluentes, o que preocupa grande parte da população mundial é a ocorrência de desastres ecológicos (IPCC, 2008). O homem é o principal responsável por essas mudanças e alterações, por sua busca pela maior produção de bens de consumo, a busca pela tecnologia, a busca por maior lucratividade, faz com que muitos países explorem de forma desordenada os recursos naturais, e com a alta industrialização emitem gases poluentes o que coloca o planeta em risco com as alterações climáticas. Visando proteger e garantir a sobrevivência do homem na terra, ao longo dos anos, medidas através de tratados, acordos internacionais, criando obrigações e punindo os que não seguem as leias ambientais pagar através de multas, ou vedar essas empresas a participarem de licitações com empresas publicas, com isso obrigando as industrias a tomar medidas de sustentabilidade e cuidados com meio ambiente com políticas de melhoraria interna. O presente trabalho busca demonstrar uma nova difusão do conceito de refugiado, em face de uma nova realidade sócio-econômica-ambiental e as mudanças drásticas climáticas. Surge então um novo conceito no âmbito dos direitos humanos os refugiados ambientais. Em que pese o esforço do direito internacional em ampliar esta nova conotação, é imprescindível reconhecer o direito do refugiado ambiental a fim de preencher esta lacuna jurídica para trabalharmos os possíveis danos que as mudanças climáticas poderão trazer a estas pessoas desamparadas pelo ordenamento jurídico internacional. Há opiniões divergentes quanto à classificação desses refugiados e mesmo uma discussão sobre sua existência no cenário internacional. Há os que defendem a categoria de refugiados ambientais que se dividem entre aqueles que incluem como refugiados ambientais todos que se deslocam por motivos ambientais (BATES, 2002; ADAMO, 2001). Por outro lado estão aqueles que procuram delimitar a categoria de refugiados ambientais apenas àquelas pessoas que se deslocam em função da nova configuração de mudanças ambientais no planeta Salehyan (2005) e Myers (2001). Os críticos dessa categoria se utilizam 285 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE justamente da indecisão sobre a uma definição oficial de refugiado ambiental para dizer que essa categoria como tal é desnecessária já que migrantes internos ou internacionais motivados pelo ambiente sempre existiram. O conceito de refugiados ambientais vem sendo construído ao longo dos anos com os acontecimentos que visivelmente chama a atenção do homem para o que está acontecendo com a natureza e o meio ambiente, os estragos são notáveis ao passar dos anos e isso só tem piorado e quase nada foi feito para mudar esse cenário e na medida em que este assunto ganha importância na mídia, pois a questão dos refugiados é uma realidade social e precisa ser inserida no contexto internacional, sendo necessária sua inclusão na previsão legal. Ante a essa nova realidade mundial faz-se necessário a elaboração de novas políticas para lidar com os efeitos das mudanças climáticas, bem como, políticas de proteção ao pessoa do refugiado, visto que países inteiros desaparecerão do mapa e milhões de pessoas ganharão o status de refugiados. O PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) define refugiado ambiental como pessoas que foram obrigadas a abandonar temporária ou definitivamente a zona tradicional onde vivem, devido ao visível declínio do ambiente (por razões naturais ou humanas) perturbando a sua existência e/ou a qualidade da mesma de tal maneira que a subsistência dessas pessoas entra em perigo. (Environmental Refugees, PNUMA, 1985, tradução). Por declínio do ambiente se quer dizer, o surgir de uma transformação, tanto no campo físico, químico e/ou biológico do ecossistema que, por conseguinte, fará com que esse meio ambiente temporário ou permanentemente não possa ser utilizado. (Environmental Refugees, PNUMA, 1985, tradução). Refugiados ambientais não são conhecidos e, por conseguinte, também não são reconhecidos pelo o grande público. A razão disso é que as causas do declínio do meio ambiente são diversas e, como tal, a duração da fuga e, por conseguinte, a necessidade da buscar outro ambiente. Além disso, as causas e consequências de uma calamidade ambiental diferem bastante no tempo e no espaço. Como fato gerador de refugiados ambientais destaca-se o deslocamento forçado da população causada por questões ambientais bem como, o deslocamento voluntário, mas devido a crescente e contínua degradação do seu habitat original. Há as causas originárias de projetos de desenvolvimento que obrigam os indivíduos a se reestabelecerem dentro de uma mesma região (e nesses casos há uma grande dificuldade de se reconhecer quantos refugiados internos são formados neste processo). Assim, originam-se três categorias de refugiados ambientais, que são assim compreendidos: a) Aqueles que têm se deslocados temporariamente devido a 286 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE pressões ambientais, tais como um abalo sísmico, um ciclone (ou furação), ou uma tempestade que causa alagamentos – e que após passada, provavelmente os habitantes da região irão regressar a seu habitat natural; b) Aqueles que se deslocaram permanentemente devido a mudanças definitivas do seu habitat, tais como represas ou lagos artificiais; c) Aqueles que se deslocam permanentemente em busca de melhor qualidade de vida, posto que seu habitat natural encontra-se incapaz de provêlos em suas necessidades mínimas devido a degradações progressivas dos seus recursos naturais básicos. Outros fatores que são reconhecidos como causas da migração devida a questões ambientais são: desertificação, destruição das florestas, desaparecimento de rios e lagos, mudanças de nível do mar, degradação terrestre e a degradação das águas e do ar, aquecimento global. Cabe acrescentar, que há refugiados por conta de reassentamentos involuntários, provocados ou por acidentes industriais, ou por conflitos bélicos, ou por mudanças climáticas drásticas. Não obstante, o mesmo tipo de tratamento, de discriminação desonrosa e preconceituosa é dado aos refugiados ambientais por não terem seu status reconhecido por falta de instrumentos que garantam e viabilizem o tratamento adequado para que sejam aceitos como migrantes que deixaram seu país não apenas por mera deliberalidade ou simples conveniência, mas por serem vitimas de catástrofes naturais onde todos Estados tem uma parcela de culpa. Os problemas causados pela crise ambiental impossibilitam muitas pessoas de exercer os muitos dos seus direitos humanos fundamentais como o direito de moradia, locomoção, entre outros expressos na Declaração Universal de Direitos humanos. Conclui-se, portanto, que o conceito de refugiado ambiental, aos olhos do Direito Internacional e de Organizações de proteção a pessoa humana e também ao meio ambiente não despreza os fatores socioeconômicos e nem mesmo os políticos. Um exemplo dessa visão pode ser encontrado nos relatórios sobre refugiados climáticos elaborados recentemente pela ONG Amigos da Terra, quando diz que para determinar as nações mais suscetíveis de observar o deslocamento forçado de seus cidadãos deve ser feito um estudo que englobe vulnerabilidades geográficas às mudanças climáticas, bem como das estruturas econômicas e políticas. “as forças limitantes que invadiram a consciência pública através dos meios de comunicação como a espiral armamentista, a difusão incontrolada de armas nucleares, o empobrecimento estrutural dos países em desenvolvimento, o desemprego e os desequilíbrios sociais crescentes nos países 287 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE desenvolvidos, problemas com o meio ambiente sobrecarregado e a alta tecnologia operada às raias da catástrofe dão os sinais desta perplexidade” (HABERMAS,1987:104). Por fim, há autores que compreendem o surgimento dos “refugiados ambientais” como consequências de pressões ambientais originadas por causas exclusivamente naturais; ou por causas antropológicas. Neste último caso, derivadas da atividade propriamente humana, baseada no crescimento desmesurado, que origina um grande impacto ambiental; e, também da situação de pobreza que atinge grande contingente das populações como consequência do aumento demográfico e da escassez dos recursos naturais. CONCLUSÃO Responsabilidade social e meio ambiente caminhão juntos lado a lado em função de um único objetivo: proteger cuidar e renovar ações que protejam e renovem constantemente e urgentemente a conscientização social para proteção e preservação do meio ambiente para um mundo melhor com as nossas atitudes e ações. Nos dias atuais o maior problema é a situação das pessoas que vêm sendo expulsas de seus territórios pela elevação dos mares. Ambientalistas afirmam que existem sérias possibilidades de muitas ilhas desaparecerem. Exemplos disso são as ilhas do Pacífico, Tuvalu, e as Ilhas Maldivas, localizada no Oceano Índico, consideradas geograficamente como nação com a costa mais próxima ao nível do mar. A ONU estima que se as alterações climáticas ocasionadas pelo aquecimento global continuarem em ritmo acelerado como estão, poderão culminar no desaparecimento desses arquipélagos e consequentemente gerarão número ainda maior de desabrigados, ou seja, aumentará ainda mais o número de refugiados ambientais. Fazer algo pelo planeta em que vivemos não é somente uma obrigação imposta pelo Estado, e sim um dever de todos, cuidar do que nos garante deixar para as próximas gerações um planeta mais limpo e mais puro, com o homem trabalhando em favor da natureza, para protegê-la, preserva-la, cuidar e reflorestar. Em meio a tantos assuntos voltados ao meio ambiente surge, então, um assunto pouco falado: os refugiados ambientais, inocentes silenciosos dos desastres ambientais. em uma visão ampla é tratado refugiado todo aquele que pede socorro e precisa de ajuda para sua sobrevivência e continuação da sua 288 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE espécie no planeta terra, não estamos falando apenas do ser humano, estamos falando de toda vida em que o planeta terra com sua imensidão abriga. As florestas, a agua e o ar pedem socorro, a natureza esta reagindo as agressões do homem, está respondendo de forma visível que ela precisa e ajuda e que o homem seja mais gentil ao trata-la. Declaração do Rio: A terra é o lar da humanidade, constituindo um todo marcado pela interdependência. Portanto, devemos protegê-la e guardá-la, para a própria sobrevivência da espécie humana. 289 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE REFERÊNCIAS ABNT, Sistemas de gestão ambiental NBR ISO 14001. Rio de Janeiro, 1996. Disponível em: www.abnt.org.br/default.asp?resolucao=1280x800. Acesso em: 28 Fev. 2015. ARINI, Juliana. Estatuto dos Refugiados. In: Alto comissariado das nações unidas para os refugiados (ACNUR). REVISTA ÉPOCA, ed. 463, Abril de 2008. CALLENBACH, Ernest.et.al. Gerenciamento ecológico. São Paulo: Cultrix, 1999. JÖHR, H. O verde é negócio. São Paulo: Saraiva, 1994. LAYRARGUES, P. P. Sistema de gerenciamento ambiental, tecnologia limpa e consumidor verde: a delicada relação empresa-meio ambiente no eco capitalismo. Revista de Administração de Empresas, v. 40, n. 2, 2000. OTTMAN, J. Marketing verde. São Paulo: Makron Books, 1994. PORTER, Michael E.; LINDE, Claas van der. Competição. São Paulo: Atlas, 1998. REVISTA INTERNACIONAL DIREITO E CIDADANIA. 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Erivaldo Cavalcanti e Silva Filho Prof. Dr. do Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental – PPGDA da Universidade do Estado do Amazonas – UEA e do Centro Universitário do Norte-UNINORTE. E-mail: [email protected] Resumo: O artigo foi concebido e desenvolvido com o objetivo de apresentar as ações que corroborem a educação ambiental na Secretaria Municipal de Educação de Manaus/AM (SEMED), com o intuito de viabilizar a construção de conhecimentos que contemplem a formação de uma consciência ecológica, baseada em valores éticos, atitudes e comportamentos nos níveis individual e coletivo, focados na melhoria da qualidade de vida da sociedade em que estão docentes e discentes inseridos. O estudo enunciado requereu uma metodologia fundamentalmente dedutiva, fulcrada em pesquisa doutrinária e legislativa relativa à temática, além da base documental. Demonstra-se a importância de se traçar uma verdadeira ação pedagógica a educação ambiental, devendo esta vincular-se a uma educação interdisciplinar, pautada em projetos, desde as primeiras séries do ensino fundamental, com educadores capacitados para este objetivo, que é a formação de cidadãos para a criação de uma “sociedade sustentável”. Palavras-Chave: Educação ambiental; Agenda Ambiental Escolar; Sociedade sustentável. Abstract: This article is designed and developed to order to present the actions in support of environmental education in Municipal Education of Manaus / AM (SEMED), to enable the construction of knowledge that include the formation of an ecological conscience, founded in ethical values, attitudes and behavior at the individual and collective levels, focused on improving the 291 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE quality of life in society who are teachers and students entered. The study stated required a fundamentally deductive methodology, founded in doctrinal and legislative research on the subject, beyond the documental base. It demonstrates the importance of drawing a real pedagogical action environmental education, which shall be bound by an interdisciplinary education, based on projects, from the first years of primary school, with teachers trained for this purpose, which is the formation of citizens for the creation of a «sustainable society». Keywords: Environmental education; Educational Environmental Agenda; Sustainable society. INTRODUÇÃO O artigo tem como objetivo apresentar e tecer observações acerca do desenvolvimento da educação ambiental (EA) nas escolas públicas de ensino fundamental no município de Manaus, Estado do Amazonas. Este tema é justificável, uma vez que o ambiente escolar consiste em um espaço distinto para o desenvolvimento da educação ambiental, possibilitando a realização de um trabalho sistematizado e planejado. Neste contexto, a EA no ensino fundamental deve favorecer a construção de conhecimentos que contemplem a formação de uma consciência ecológica, baseados em valores éticos, atitudes e comportamentos nos níveis individual e coletivo, focados na melhoria da qualidade de vida. Nesta conjuntura, o objetivo basilar da apresentação é o de responder aos seguintes questionamentos: educação ambiental é realmente necessária no currículo escolar? Qual embasamento legal adotado em tais políticas? Quais programas acerca da educação ambiental escolar estão em execução? O estudo enunciado requer uma metodologia fundamentalmente dedutiva, fulcrada em pesquisa doutrinária e legislativa relativa à temática, bem como a utilização de documentos sobre o tema posto. A interdisciplinaridade é nítida nas linhas deste artigo, à medida em que se discute o pensamento de alguns educadores. Porém, recorrer-se-á maciçamente a autores da área jurídica que focam o Direito público, em especial a questão dos direitos sociais e do regime jurídico educacional vigente. Ab initio, para transportar o leitor imerso no mundo técnicojurídico para o âmbito da educação, far-se-á uma exposição da legislação, de conceitos educacionais, dos projetos desenvolvidos e sua aplicabilidade no ambiente escolar e comunitário. Assim, demonstraremos a importância de desenvolver nos discentes da SEMED/Manaus uma compreensão integrada do meio ambiente 292 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE em suas múltiplas e complexas relações, envolvendo aspectos psicológicos, legais, sociais e econômicos. É preciso gerar na administração municipal a consciência quanto à necessidade de se implementar uma gestão sustentável, bem como incentivar a participação individual e coletiva constante e responsável na preservação do equilíbrio, entendendo-se a defesa da qualidade ambiental como um valor inseparável do exercício da cidadania. 1. LEGISLAÇÃO, PROJETOS E APLICABILIDADES A Educação é um direito de natureza social e tem por fundamento a afirmação da igualdade, em contraposição aos direitos de primeira geração, fundados na liberdade individual, além de ser um direito de todo o brasileiro e um processo de vários atores, conforme reza a Constituição Federal, em seu artigo 205, in verbis: Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa humana, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 2015). A trajetória da presença da educação ambiental na legislação brasileira apresenta uma tendência em comum, que é a necessidade de universalização dessa prática educativa por toda a sociedade. Já aparecia em 1973, com o Decreto nº 73.030, que criou a Secretaria Especial do Meio Ambiente explicitando, entre suas atribuições, a promoção do “esclarecimento e educação do povo brasileiro para o uso adequado dos recursos naturais, tendo em vista a conservação do meio ambiente” (BRASIL, 2014). Entre a legislação supralegal pertinentes pode-se citar a Agenda 21, fruto da Conferência Rio - 92, da qual surgiram duas importantes contribuições para o aprimoramento da educação ambiental: o seu Capítulo 36 dedicado especialmente à educação ambiental, e o Tratado de educação ambiental para sociedades sustentáveis e responsabilidade global, com enfoques na sustentabilidade equitativa e o aumento da consciência pública. Em 1994, foi criado o Programa Nacional de Educação Ambiental (ProNEA) pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA). Em 1998, o MEC expressa nos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs à proposta de que o meio ambiente seja trabalhado como tema transversal no ensino formal. De acordo com os mesmos este tema deve ser 293 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE trabalhado durante todos os ciclos do ensino fundamental e médio, permeando todas as disciplinas e tendo a mesma importância dos conteúdos tradicionais (BRASIL, 2015c). Finalmente, a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) tiveram a iniciativa de implementar a “Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável (2005-2014)”, cuja instituição representou um marco para a educação ambiental, pois reconheceu seu papel no enfrentamento da problemática socioambiental à medida que reforçou mundialmente a sustentabilidade a partir da educação. A Educação, é o alicerce do estado democrático de direito, é um direito público subjetivo do cidadão, por intermédio do qual ele assume a plenitude de sua dignidade e da cidadania, figurando no rol dos direitos humanos, reconhecidos pela comunidade internacional. No presente século, a educação não é mais concebida como um produto, mas um processo que se desenvolve em vários espaços, não se limitando apenas ao ambiente de ensino. Conforme o artigo 1° da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB): Art. 1º. A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais (BRASIL, 2014). O inciso VI do parágrafo 1º do artigo 225 da Constituição Federal estabelece ser incumbência do poder público “promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente” (BRASIL, 2015). A Lei nº. 6.938/81, que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente, trouxe em seu bojo, notadamente no art. 2º, X, a “educação ambiental a todos os níveis do ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente” (BRASIL, 2015a). No mesmo sentido, o artigo 1º da Lei n.º 9.795/99, define educação ambiental como “o conjunto de processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade” (BRASIL, 2015b). 294 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Na legislação educacional, ainda é superficial a menção que se faz à educação ambiental. Na Lei nº 9.394/96, que organiza a estruturação dos serviços educacionais e estabelece competências, existem poucas menções à questão ambiental; a referência é feita no artigo 32, inciso II, segundo o qual se exige, para o ensino fundamental, a “compreensão ambiental natural e social do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade”; e no artigo 36, § 1º, segundo o qual os currículos do ensino fundamental e médio “devem abranger, obrigatoriamente (...) o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente do Brasil” (BRASIL, 2014). O Capítulo IX e do inciso III do art. 404 da Lei Orgânica do Município de Manaus (MANAUS, 2015), além do Código Ambiental do município de Manaus (Lei nº 605, de 24 de julho de 2001) tratam da Educação Ambiental como instrumento da Política Municipal de Meio Ambiente (MANAUS, 2015a). O Decreto nº 32.555, de 29 de junho de 2012, que regulamenta a política estadual de educação ambiental do Amazonas, o mesmo trouxe avanços importantes dentre estes podemos citar a criação do Comitê Assessor Multidisciplinar para apoiar a política estadual de educação ambiental (AMAZONAS, 2015). Tal comitê é formado por 16 Instituições parceiras, cujo foco é o estabelecimento do prazo de um ano para a elaboração do Programa Estadual de Educação Ambiental e a obrigatoriedade para os poderes executivos do Estado e dos Municípios de criarem coordenações multidisciplinares de educação ambiental nas secretarias de educação e de meio ambiente, com o fim de fortalecer a implantação de políticas e programas nacional, estadual e municipal neste segmento. A educação ambiental é meio hábil para conscientização quanto à necessidade de se ter um meio ambiente equilibrado no âmbito da Secretaria Municipal de Educação de Manaus. Pela observação, pode-se concluir que há esparsa legislação acerca da temática, embora a educação ambiental seja preocupação recente dos governos e sociedades. Para Dias (2006, p. 26) “a educação ambiental tem como finalidade promover a compreensão da existência e da importância da interdependência econômica, política, social e ecológica da sociedade”, uma vez que esses elementos estão interligados, não havendo a possibilidade de se tratar assuntos ligados à temática ambiental, sem envolver os demais. Assim, o propósito de tais programas é promover a construção do conhecimento a partir da realidade local, visualizando sua complexidade num sentido de identificar suas necessidades de modo coletivo/participativo para 295 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE viabilizar as possibilidades de transformação que resultem em novas formas de relação entre a sociedade e desta com a natureza. Podemos destacar a Agenda Ambiental Escolar (AAE), que é um instrumento de planejamento participativo e democrático para identificar os problemas ambientais, ao mesmo tempo em que prioriza as potencialidades visando o desenvolvimento sustentável da comunidade onde a escola está inserida. Ela fortalece o trabalho participativo, estimula a aproximação escola/ comunidade, além de fortalecer a relação homem/natureza e identificar novas parcerias que interfiram de forma positiva neste processo de construção coletiva de melhorias locais e globais. Segundo Marrul Filho (2002), no afã de sermos “modernos” não podemos sair construindo agendas pelo simples fato de que sua construção significa o ingresso na “contemporaneidade” e, com isso, simplificar entendimentos de realidades, e consequentemente, comprometendo nosso futuro com soluções que não constroem uma outra sociedade. A Agenda Ambiental Escolar, também, consiste em um plano de desenvolvimento e manejo ambiental para identificar os problemas, propondo ações com objetivo de solucionar e reduzir os impactos negativos, decorrentes de sua interação com o meio ambiente na realidade local, priorizando as potencialidades do ser humano em busca do desenvolvimento sustentável. Para o processo de sensibilização na construção da Agenda, é fundamental a motivação e o envolvimento de toda a comunidade (direção, pais, responsáveis, parceiros, instituições, etc.) na tomada de decisão quanto à implementação deste instrumento. Inclusive é recomendado pelo Órgão Gestor Nacional – ProNEA (Programa Nacional de Educação Ambiental) a criação de uma comissão interinstitucional da agenda ambiental. Após a criação da comissão a mesma elabora um diagnóstico para identificar os problemas ou potencialidades mediante a sistematização dos dados, e o passo seguinte é elaborar um plano de ações que possibilite avançar na construção de propostas participativa/coletiva. É fundamental um plano de acompanhamento e avaliação das agendas, além da revisão anual, através de vários instrumentos (observações, entrevistas, relatórios, formações e outros). A SEMED, por meio da Agenda Ambiental Escolar, lança o desafio para o planejamento participativo no âmbito da educação ambiental formal, não formal e informal em consonância com o Projeto Político Pedagógico Escolar (PPPE), em parceria com instituições públicas, privadas, sociedade civil organizada e outros segmentos, vislumbrando a melhoria da qualidade de vida a partir da comunidade local com amplitude regional e nacional. O Projeto “Nosso Espaço Verde”, outro exemplo de ação pedagógica, tem como objetivo propiciar o conhecimento e a sensibilização da preservação ambiental local, através da apresentação aos alunos da rede 296 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE municipal de ensino dos espaços verdes presentes na cidade de Manaus. É realizado em parceria com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade - SEMMAS, anualmente, de março a dezembro, tendo como público-alvo alunos de 5º ao 9º ano. Já o “Projeto Circuito da Ciência” é fruto de uma parceria entre o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA e a SEMED tendo como objetivo proporcionar atividades científicas e sociais mensais que possibilitem ao público participante, por meio de um maior contato com a ciência oportuniza a descoberta, a reflexão e a sensibilização do papel da educação acerca das questões ambientais, popularizando a ciência em prol da inclusão social. É voltado aos alunos de 4º ao 9º ano. Outra ação de importância é o “Projeto Adote a Vida”, que proporciona a reflexão acerca da temática ambiental através da implantação da arborização nas escolas e nas comunidades adjacentes a estas. Alunos de todas as séries do ensino fundamental dão andamento ao referido Projeto, alimentando um diário de acompanhamento de cada muda que a escola adotar. O programa “Asa Limpa”, em parceria com a INFRAERO tem como alvo alunos 1º ao 9º ano. O enfoque é a prevenção ao perigo da fauna na área de segurança aeroportuária de Manaus. Tem como intuito beneficiar esta Secretaria Municipal de Educação por meio de estudantes do ensino fundamental com a adoção de medidas que visam à melhoria do nível educacional e de vida das populações que habitam o entorno do aeroporto. Em parceria com a SEMMAS e INPA, a SEMED realiza práticas educativas de monitoramento de carbono em áreas demonstrativas, objetivando a difusão do papel da biomassa florestal na neutralização do carbono nas escolas públicas a partir do ensino fundamental com vistas à apropriação da responsabilidade social nas mudanças ambientais globais. Já o projeto “Minha Escola é Tudo de Bom” parte do pressuposto de que a escola é o local ideal para uma prática de valorização e defesa do patrimônio por oferecer todas as condições ideais para uma atitude que será sempre satisfatória para um processo de defesa dos bens ambientais, dos ambientes de cultura e dos espaços escolares. Esse processo de conhecimento gerado na escola é de grande importância para promover atitudes que levem em conta uma melhor relação dos cidadãos com o patrimônio público escolar, que faz parte de sua vida e que é financiado por este cidadão através dos seus tributos. Por fim, temos as “Ocas do Conhecimento Ambiental” que são espaços não formais de EA. Tem como finalidade desenvolver ações socioeducativas e visam articular a educação formal e não formal com o apoio e fortalecimento da educação ambiental, disponibilizado ao público escolar e comunidades em geral, palestras acerca do pensar e do agir ambiental, por meio da Prefeitura de Manaus. 297 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE Por ser um caminho onde é preciso abrir ainda muitas trilhas, a “Educação Ambiental apresenta-se como um campo novo e multidimensional ainda insuficientemente explorado em sua complexidade, diversidade, em sua (s) identidade (s) e alcance social” (LIMA, 2005, p. 11). É preciso identificar carências e pontos a melhorar, pois “O diagnóstico crítico das questões ambientais e a auto compreensão do lugar ocupado pelo sujeito nessas relações, são o ponto de partida para o exercício de uma cidadania ambiental” (CARVALHO, 2011). CONCLUSÃO Desenvolver-se plenamente significa dar vida à integralidade pessoal. A oferta fragmentada da educação limita a faculdade humana não desenvolvida. A arte de produzir conhecimentos, na perspectiva da sustentabilidade e da educação ambiental, está condicionada aos impactos e alternativas que possibilitem a construção de uma sociedade democrática, justa e ecologicamente sustentável. Educação é também “apreensão”, ou seja, analisar, criticar e ser capaz de propor mudanças. Para tanto, é necessário fomentar a sociedade para que seja composta por pessoas de grau de escolaridade elevado e mais participativa. A educação popularizada tem trazido significativos avanços na autonomia, liberdade e consciência das decisões. A lei reafirma o direito à educação ambiental a todo cidadão brasileiro comprometendo os sistemas de ensino a provê-lo no âmbito do ensino formal. Em outras palavras, podemos afirmar que todo aluno na escola brasileira tem garantido esse direito, durante sua escolaridade. A Política Nacional de Educação Ambiental traça orientações políticas e pedagógicas para a educação ambiental e traz conceitos, princípios e objetivos que podem ser ferramentas educadoras para a comunidade escolar. Mas a lei, por si mesma, não produz adesão e eficácia. Somente quando se compreende a importância do que ela tutela ou disciplina, captando seu sentido educativo, é que ela pode ser transformadora de valores, atitudes e das relações sociais. O Direito não é uma simples ideia, é uma força viva, ou seja, o mecanismo externo da lei não é suficiente; ela deve se transformar em energia viva, sendo invocada, debatida e complementada não apenas para o aperfeiçoamento da sua “letra”, mas para a reafirmação e propagação de seus valores e a concretização de sua missão. Portanto, não basta haver consenso sobre a importância da educação ambiental na SEMED/MANAUS é preciso efetivá-las através de ações pedagógicas. 298 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE REFERÊNCIAS AMAZONAS. Decreto nº 32.555, de 29 de junho de 2012, regulamenta a política estadual de Educação Ambiental do Amazonas. Disponível em: www.ipaam.br/legislacao.html. Acesso em: 13 jan. 2015 BRASIL. Constituição da República Federativa do. São Paulo: Saraiva, 2015. ______. Lei n° 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/l6938.htm. Acesso em: 13 jan. 2015 (a). ______. Lei n° 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Acesso em 13 jan. 2015 (b). ______. Lei n° 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm. Acesso em: 13 de jan. 2015 (c). ______. Legislação educacional. São Paulo: Saraiva, 2014. CARVALHO, ISABEL CRISTINA. Em direção ao mundo da vida: interdisciplinaridade e educação ambiental. Brasília: IPÊ, 2011. DIAS, Genebaldo Freire. Educação e gestão ambiental. São Paulo: Gaia, 2006. LIMA, Gustavo Ferreira. Formação e dinâmica do campo da educação ambiental no Brasil: emergência, identidades, desafios. 2005. 207f. Tese (Doutorado em Ciências sociais) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005. MANAUS. Lei Orgânica do Município de Manaus. Disponível em: https://www.leismunicipais.com.br/lei-organica-manaus-am. Acesso em: 13 de jan. 2015. _______. Lei nº 605, de 24 de julho de 2001. Institui o Código Ambiental do Município de Manaus e dá outras providências. Disponível em: http:// 299 TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE cmmanaus.jusbrasil.com.br/legislacao/232159/lei-605-01. Acesso em: 13 de jan. 2015 (a). MARRUL FILHO, Simão. Do desenvolvimento para além do desenvolvimento sustentável. In: QUINTAS, José da Silva (Org.). Pensando e praticando a educação ambiental na gestão do meio ambiente. Brasília: IBAMA, 2002. 300