berliM

Transcrição

berliM
berliM
O tempo,
o vento
e o muro
Durante a Guerra Fria, o Portão
de Brandemburgo foi um dos marcos
da Berlim dividida. Hoje, é o ponto
de partida e chegada da tradicional
maratona da capital alemã
A capital alemã é um dos grandes centros
do esporte mundial na atualidade, sem deixar
de lado as estruturas herdadas de seu
turbulento passado político
POR vanessa ruiz
74
FABRICE COFFRINI/AFP
berliM
O PERCURSO
DA MARATONA
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Tiergarten
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9
1 Portão de Brandemburgo
2 Reichstag
3 Potzdamer Platz
4 Fernsehturm (torre de TV)
5 Estádio Olímpico (Olympiastadion)
76
6 Friedrich Ludwig Jahn
7 Max-Schmeling-Halle
8 O2 World Arena
9 Estádio Katzbach (Katzbachstadion)
O TRAJETO DA MARATONA expõe a diferença entre
os dois lados. Depois da March e da Franklinstrasse, os corredores cruzam o rio Spree e entram na
Alt-Moabit, avenida que leva ao Reichstag, o edifício do Parlamento. Nesse ponto, já se está na
antiga Berlim Oriental. Andando pelo lado leste,
pode-se ver os conjuntos habitacionais de ar­qui­
te­tura simples, funcional, construídos pelo governo comunista – um deles erguido sobre a área
antes ocupada por antigos prédios do Terceiro
Reich, sede do governo de Hitler, e até do que fora
o bunker em que o Führer se suicidou.
Há pouco tempo, era difícil encontrar nas ruas
do leste – algumas preservando homenagem a figuras socialistas, como Karl Marx e Rosa Luxemburgo
– pessoa que falasse inglês. Hoje, a região se mostra
bem preparada para o turismo. Por ser mais barata,
atrai mochileiros e viajantes com orçamento apertado. Um jantar com prato de massa e bebida para
duas pessoas pode sair por € 10, menos de R$ 30. E
nem é uma região longe do interesse turístico. Por
exemplo, a Ilha dos Museus, onde estão cinco importantes museus berlinenses, e a catedral ficam na
antiga parte comunista. De qualquer modo, o metrô
(U-Bahn, extenso, mas ainda em expansão), unido
ao sistema de veículo leve sobre trilhos (S-Bahn) e
às linhas de ônibus, cobre bem a capital alemã.
Essa unificação, porém, não chegou ao esporte. Como em tantos outros regimes, o futebol foi
escolhido como ferramenta pela República Democrática Alemã, o governo do leste, para ganhar a
simpatia da população presa do seu lado do muro.
A DDR-Oberliga foi disputada entre 1947/48 e
1990/91. O Dynamo de Berlim foi a grande potência da época, com dez títulos entre 1978 e 1987.
Conquistas contestadas pelo favorecimento que o
clube recebia por ter como patrono Erich Mielke,
chefe da Stasi, a poderosa polícia secreta do governo. As acusações vão de árbitros comprados
até transferências ilegais de jogadores.
Irritados, os torcedores das outras equipes da
DDR-Oberliga alimentaram mais e mais o ódio pelo
Dynamo. Com o fim do comunismo, o clube teve
rápida decadência. Atualmente, disputa um torneio de quinta divisão, a NOFV-Oberliga Nord.
Aliás, o futebol alemão oriental entrou em desgraça nos últimos 20 anos. Revelou jogadores como
Ballack e Sammer, mas os clubes lutam para chegar
à Bundesliga unificada. O último a figurar na primeira divisão foi o Energie Cottbus, que voltou à
segundona no ano passado. O melhor representante de Berlim Oriental é o Union, que jamais teve
apoio oficial e, por isso, foi abraçado pela população. Atua em um acanhado estádio, o An der Alten
Försterei, e milita na segunda divisão, onde pode
fazer o dérbi com o recém-rebaixado Hertha.
NOSSO ROTEIRO
Há estádio construído no nazismo, outro acanhado do período comunista e várias arenas ultramodernas. O
esporte berlinense não esconde os traços históricos da capital alemã
estádio olímpico
Alte Försterei
O2 World Arena
Olympischer Platz 3. Linhas U2, S3 e
S75. Estação Olympiastadion
An der Wuhlheide 263, Köpenick.
Linha S3. Estação Köpenick
Projeto do arquiteto nazista
Albert Speer, foi construído
em 1936 para a Olimpíada. Na
reforma para a Copa de 2006,
foi encontrada uma bomba
não detonada, remanescente
da Segunda Guerra Mundial. É
casa do Hertha Berlin e serviu
ao Berlin Thunder, time de
futebol americano, até sua
extinção em 2007.
É o palco dos jogos do
Union Berlin desde sua
inauguração, em 1920.
Passou praticamente ileso
pelas grandes reformas
que tomaram conta da
cidade nas duas últimas
décadas. Não possui área
vip, algo com o qual o “cult”
Union parece não se
preocupar tanto, mas
que prometeu resolver a
partir de 2011.
Mühlenstrasse 12 – 30. Linhas S3,
S5, S7, S75, S9, U1. Estação
Warschauer Strasse
Mais uma arena multiuso na
cidade. Ali, os jogos são de
basquete, do Alba, e de
hóquei no gelo, do Eisbären.
Sua construção, toda voltada
para sustentabilidade e
economia de energia, custou
cerca de € 165 milhões. O
ponto alto do projeto,
literalmente, é o teto verde
(vegetação sobre a
cobertura) de quase 4.700 m².
EuroSpeedway
Lausitz
Max-SchmelingHalle
Lausitzallee 1, 01998 Klettwitz
Am Falkplatz, Prenzlauer Berg.
Linhas S41, S42, S8, S85, S9, U2.
Estação Schönhauser Allee
Aberto em 2000 para
substituir Avus como casa do
automobilismo na região de
Berlim. É um raro circuito oval
da Europa, mas tem pistas
para provas mistas.
Localizado a 115 km ao sul da
capital alemã, já recebeu
provas de ChampCar. Hoje, as
principais categorias a
correrem lá são DTM,
Superbike e F-3 Europeia.
Avus (AutomobilVerkehrs- und
Übungs-Strasse)
Madame Tussauds
Bundesautobahn 115
A filial alemã do museu de
cera tem esculturas do
teatrólogo Bertolt Brecht,
do compositor Johann
Sebastian Bach e da atriz
Romy Schneider. Na área de
esportes, o nível segue alto:
Oliver Kahn, Franz
Beckenbauer, Uwe Seeler
e Jürgen Klinsmann são
alguns dos homenageados.
Principal ginásio da cidade,
recebe jogos de handebol.
A cerimônia de inauguração,
em 1996, contou com a
presença do boxeador que
dá nome à construção, Max
Schmeling. Além dos títulos,
Schmeling foi considerado
herói por fazer questão de
revelar para o mundo os
males do nazismo.
PARA torcer
equipes de fora, como as decisões da Copa da Alemanha – sempre realizadas no estádio – e a final
da Copa do Mundo de 2006, vencida pela Itália.
Unter den Linden, 74. Linhas S1, S2,
S25, U55. Estação Brandenburger Tor
Foi um dos circuitos
mais inusitados. Eram
duas retas quilométricas
(o traçado sofreu reduções, mas, no auge, cada uma
tinha cerca de 9 km) que se uniam por duas curvas
muito fechadas e com grande inclinação. Recebeu a
Fórmula 1 em 1959, mas perdeu espaço pela falta de
segurança. As retas se transformaram em estrada, mas
ainda podem ser vistas as curvas, as arquibancadas e a
torre de comando (hoje, restaurante e motel).
Rio Spree
PARA CURTIR
manha já estava sob o comando de Adolf Hitler. O
estádio Olímpico foi palco das façanhas de Jesse
Owens, medalhista de ouro nos 100 e 200 metros
rasos, no revezamento 4x100 e no salto em distância. Negro, o norte-americano derrubou, diante do
Führer, a teoria nazista de superioridade da “raça
ariana”. Como homenagem ao feito, uma das avenidas que levam ao estádio ganhou o seu nome.
Desde 1971, o Olímpico é a casa do Hertha Berlin. Fundado em 1892, o clube chegou a ser instrumento do regime nazista. O fim da Segunda Guerra
Mundial não deixou o time longe das turbulências.
Em 1949, o Hertha – que ficava na região capitalista da cidade – foi acusado de ajudar um grupo de
jogadores de Dresden, na Alemanha Oriental, a entrar na Ocidental. Como punição, o governo comunista proibiu a equipe de enfrentar oponentes
orientais. A construção do Muro fez que o clube
perdesse muitos de seus torcedores, que moravam
do outro lado da barreira.
A Guerra Fria levou a um apequenamento do
Hertha, que se transformou em uma equipe média.
Além do distanciamento de parte da torcida, outro
problema era o isolamento geográfico. Berlim Ocidental era um enclave da Alemanha Ocidental no
meio da Oriental. Viagens por terra eram complexas pela necessidade de se passar pelo vigiadíssimo
controle de fronteira e muita coisa tinha de ser
feita por avião. Não era qualquer cidadão, incluindo atletas, que se dispunha a viver em uma cidade
com clima político tão tenso. Sem um forte time da
casa, o Olímpico tem seus melhores momentos com
Corta Berlim de leste a oeste
Junto com os afluentes, suas águas formam
180 km de canais navegáveis por Berlim e
mais de 3 mil hectares de lagos. É possível
fazer cruzeiros turísticos ou passear em
barcos, lanchas e caiaques alugados.
PARA ler
PARA COMPRAR
fotos divulgação
Portas e portões foram criados para estabelecer limites entre saída ou entrada, começo ou fim.
Em Berlim, esse marco é o Portão de Brandemburgo. Foi erguido no final do século 18 como uma
das aberturas das muralhas que cercavam a então
capital da Prússia. Chegou a ser, por um curto
período, um dos pontos pelos quais se cruzava o
Muro de Berlim. E foi ele o símbolo da queda da
barreira de concreto que separava os berlinenses
capitalistas dos comunistas, em 1989. Não haveria lugar mais adequado para a Maratona de Berlim ter seu início e seu fim.
A corrida é um dos grandes eventos da capital
da Alemanha. Com trajeto praticamente plano, é
muito apreciada pelos corredores de ponta por facilitar o estabelecimento da melhor marca do mundo para 42.195 metros. Ela foi criada em 1974 e
todo o seu percurso estava dentro da parte ocidental. Há exatos 20 anos, meses após a derrubada do
Muro de Berlim e quatro dias antes do fim oficial
da Alemanha Oriental (em 3 de outubro), foi disputada a primeira edição com a cidade unificada.
Cerca de 25 mil corredores puderam cruzar o Portão
de Brandemburgo e conhecer o “outro” lado da cidade. Um lado que ainda tem traços do período
comunista, mas que vai se integrando.
Os primeiros quilômetros da maratona passam
pelo bairro de Tiergarten, onde fica a residência do
presidente. Os corredores entram na Marchstrasse;
se seguissem em linha reta na Bismarckstrasse,
chegariam à região do complexo olímpico. O local
foi projetado para os Jogos de 1936, quando a Ale-
Karstadt Sports
Flying Colors
Joachimstaler Strasse 5-6. Linhas S5, S7, S75,
S9, U2 e U9. Estação Zoologischer Garten
Eisenacher Strasse 81. Linha U7.
Estação Eisenacher Strasse
A primeira unidade foi aberta em 1881 e só
chegou a Berlim quase meio século depois,
como loja de departamentos. Atualmente, já há
megalojas esportivas da rede. Em Berlim, são duas.
A mais próxima ao zoológico está perto também
da rua de compras Kurfürstendamm.
No estilo “loja de bairro”, a Flying Colors
é especializada em pipas e artigos para
malabarismo, mas vende também uma série
de outras coisas que voam ou interagem com
o vento, como bumerangues, cataventos e
até instrumentos para fazer bolhas de sabão.
A Kicker é a principal revista alemã sobre futebol.
A 11 Freunde também tem seus adeptos, mas
enfoca mais a cultura futebolística. No esporte a
motor, a Auto Motor und Sport pauta uma série de
discussões na Europa e disputa com a britânica
Autosport o posto de revista mais influente do
mundo nessa área. Outro veículo conhecido do
público brasileiro é o jornal Bild, cujas reportagens
repercutem bastante. Evite: é uma publicação
conhecida na Alemanha pelo sensacionalismo.
77
Berlim
Independência do governo comunista custou
caro ao Union Berlin no passado, mas atraiu
a simpatia dos torcedores e faz do time, hoje,
o melhor representante da ex-Berlim Oriental
MÊS A MÊS
Janeiro
A Corrida dos Seis Dias consiste em uma
combinação de provas diferentes e já passou
dos cem anos de idade. Anualmente, cerca de
75 mil torcedores vão ao Velódromo de Berlim.
Fevereiro
O German Masters de Snooker é um dos
eventos internacionais que contam pontos
para o ranking da modalidade. Voltará a ser
disputado em 2011 por 32 profissionais
inscritos.
Abril
Começa a temporada da European Football
League, de futebol americano. O Berlin Adler
NOS MOMENTOS DE GLÓRIA, o Dynamo mandava
seus principais jogos, incluindo da Copa dos Campeões, no estádio Friedrich Ludwig Jahn, localizado ao
lado do Max-Schmeling-Halle (ginásio que abriga
jogos do Füchse, time de handebol local) e a apenas
alguns quarteirões da Torstrasse, rua mais ao norte
na Maratona de Berlim. É à altura do quilômetro 11
da corrida, onde está Fernsehturm, torre de TV construída pela Alemanha Oriental com 204 metros de
altura para ser vista do lado ocidental da cidade.
Descendo a Lichtenberger Strasse, os fundistas
voltam a atravessar o rio Spree e se aproximam da
O2 World Arena. O ginásio abriga mais comemorações de equipes berlinenses que o estádio Olímpico.
No basquete, o Alba foi campeão nacional oito vezes (sete seguidas) e chegou às quartas de final da
Suproliga, precursora da Euroliga, em 2001. No hóquei sobre o gelo, o Dynamo de Berlim mudou de
nome para Eisbären (Ursos Polares) em 1992 para se
desvincular da ligação com a Stasi. O time foi campeão em quatro das seis últimas edições da Deutsche Eishockey Liga, a primeira divisão nacional.
Inaugurada em 2008, a O2 é um exemplo de
estrutura moderna que ajudou a reduzir a defasagem da Berlim Oriental em relação à Ocidental.
Tanto que, quando a maratona desce para o sudeste
e volta para o que era a região capitalista da cidade, há menos pontos de interesse. A partir do quilômetro 14, são 6 mil metros de corrida sem gran-
des atrações, até o fim da Yorckstrasse, próximo ao
estádio Katzbach. É onde está um dos símbolos da
face internacionalizada da Alemanha: o Türkiyemspor, clube da comunidade turca que atua na
quarta divisão do futebol alemão.
Do quilômetro 20 ao 38, a maratona passa pelo
sudoeste, área de pouca movimentação esportiva.
Os mais fanáticos podem se embrenhar pelos bairros da Berlim Ocidental e buscar jogos de Tennis
Borussia e Viktoria 98, equipes de sucesso nos primórdios do futebol alemão que militam em divisões
inferiores (pela ordem, quinta e sexta). No retorno
ao centro histórico, os maratonistas podem ver a
Potsdamer Platz, praça severamente atingida por
bombardeios na Segunda Guerra e praticamente esquecida durante a divisão do país. Nos anos 90, foi
reconstruída e tornou-se símbolo de modernidade,
mas é possível ver nas calçadas pedaços do Muro
que foram mantidos para registro histórico. Dois
quilômetros depois estão a praça Gendarmenmarkt
e a Ópera de Berlim.
Quem fez todo esse percurso já pode se dar por
satisfeito. Primeiro, por completar uma das provas
de rua mais famosas do mundo. Segundo, porque
sabe que conheceu o que há de mais simbólico no
esporte berlinense. Aí, é só pegar a Unter den Linden, alameda que leva à Pariser Platz e ao Portão de
Brandemburgo, fechando o passeio por uma das
mais agitadas capitais da Europa.
venceu a última edição do Eurobowl.
Maio
Final da Copa da Alemanha no OlympiaStadion. É sempre uma boa chance de times
como o Union Berlin, da segunda divisão,
destacarem-se no cenário nacional.
Junho
Em 2011, o Olympia-Stadion recebe a partida
de abertura da Copa do Mundo Feminina de
Futebol. A Alemanha é a atual bicampeã.
Agosto
Começa o campeonato da 2.Bundesliga, a
segunda divisão do futebol alemão,
disputada por Hertha e Union, e da Bundelisga
de Handebol, que tem o mediano Füchse Berlin
como representante da cidade.
Setembro
Acontece a veloz Maratona de Berlim,
com mais de 40 mil participantes.
No mesmo mês, começa a Deutsche
Eishockey Liga, o campeonato alemão
de hóquei no gelo. O Eisbären defende a
78
Não há voos diretos do Brasil para Berlim. Aqueles operados pela TAM (www.tam.com.br) em parceria com a Lufthansa (www.
lufthansa.com.br) fazem conexão em Frankfurt. Os voos da Air France fazem escala em Paris e os operados pela Delta, em
Atlanta, Estados Unidos, e também em Paris. Do mesmo modo, não há pacotes turísticos que contemplem apenas a visita a
Berlim, a não ser no caso do pacote com hospedagem por quatro noites para a maratona, oferecido pela Rent a Tour Running
Travel (http://run.site.com.br). CVC (www.cvc.com.br), RCA Tours (www.rcatours.com.br) e Agaxtur (www.agaxtur.com.br) fazem
visitas combinadas a outras cidades, incluindo programas que levam ao Leste Europeu.
Outubro
Começa a Basketball Bundesliga, o
campeonato de basquete. A torcida, em
Berlim, é toda pelo Alba.
Getty Images/AFP
Quem leva
honra da capital.

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