DETERMINANTES DO ACESSO FINANCEIRO NO BRASIL
Transcrição
DETERMINANTES DO ACESSO FINANCEIRO NO BRASIL
DETERMINANTES DO ACESSO FINANCEIRO NO BRASIL: EVIDÊNCIA A PARTIR DA PESQUISA DE ECONOMIA INFORMAL 2003 Camille Bendahan Bemerguy1 RESUMO Tem havido um rápido crescimento na literatura que percebe as microfinanças como instrumento de alívio da pobreza para trabalhadores informais. Porem tem se tornado cada vez mais evidente que a solução quanto à pobreza e bem mais complexa do que se imaginava. Entender o comportamento das estratégias de gerenciamento financeiro da população de baixa renda inserida no setor informal é essencial para provê-los com melhores serviços. Esse artigo procura contribuir para um melhor entendimento dos determinantes do acesso aos serviços financeiros da população de baixa renda no Brasil. Utilizando uma base de dados dos trabalhadores informais no Brasil, constrói um indicador de acesso financeiro, e testa os determinantes a partir de uma análise ordered probit. Palavras-Chave: acesso serviços financeiros, economia informal, crédito, pobreza, América Latina, Brasil SUMMARY There has been a rapid growth in the literature on microfinance as an antipoverty tool for informal workers. It is becoming clearer that solutions to poverty are more complex than often assumed. Understanding the behavior and complex financial management strategies of the poor engaged on the informal sector is essential to providing them with better services. This article seeks to contribute to a better understanding of the determinants of financial services access of low-income people in Brazil. Drawing on a dataset of informal workers in Brazil, it builds a financial access indicator and tests its determinants through an ordered probit analysis. . Key-words: financial services access, informal economy, credit, poverty, Latin America, Brazil 1 Doutoranda de Economia da Universidade Federal Fluminense ( UFF) 1 1. INTRODUÇÃO As microfinanças se desenvolveram a partir do reconhecimento de que as instituições financeiras clássicas não estavam preparadas para apoiar atividades privadas do segmento mais pobre da população e ainda contribuir para alívio da pobreza. Segundo Rutherford (2000) as microfinanças desafiaram várias crenças, dentre elas: que o pobre não pode poupar, reembolsar o crédito e repagar com taxas de juros. Essa crença manteve a população de baixa renda excluída do sistema de crédito por muito tempo. Atualmente as instituições de microfinanças (MFI) estão presentes na Ásia, África e América Latina. Segundo o Consultative Group to Assist the Poor (CGAP), em 2005, globalmente, mais de 60 milhões de pessoas já teriam se beneficiado das microfinanças. As características sócio-econômicas do Brasil poderiam sugerir um ambiente propício para o desenvolvimento das microfinanças. A desigualdade de renda no Brasil é uma das maiores no mundo – os cidadãos 10% mais ricos recebem 45,5% da renda total, enquanto os mais pobres recebem 0,8% 2. Essa distribuição desigual significa que, apesar da riqueza do país, o Brasil tem o maior número de pobres da América Latina, o que poderia sugerir que uma grande parcela da população teria necessidade de produtos microfinanceiros. Embora aparentemente esse ambiente seja propício ao desenvolvimento das microfinanças, o Brasil tem experimentado um crescimento relativamente lento nessa área e apresenta uma baixa cobertura de sua demanda potencial (menos de 4% da população estimada de microempreendedores) para as microfinanças.3 A Tabela 1 apresenta uma relação das principais instituições de microfinanças atuando no Brasil, com informações do número de clientes e do volume de crédito a seus clientes. Mostra que apenas poucas MFI têm uma escala significativa e que o Crediamigo, do Banco Nordeste, representa cerca de 50% de todo o mercado atendido de microfinanças. Percentuais elaborados pelo IETS com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2004. IBGE estima que o Brasil tenha 10,4 milhões de microempresas. CGAP usa um redutor de 50% para estimar o Mercado potencial de microfinanças o que significa cerca de 5 milhões. Os dados recentes coletados (Dezembro 2005) junto às instituições de microfinanças mostram que atingem cerca de 300.000 clientes, o que nos dá uma cobertura de cerca de 6%. 2 3 2 TABELA 1: Principais MFI no Brasil Instituicao MFI CREDIAMIGO CEAPE/MA BLUESOL VIVACRED PORTOSOL CEAPE/PI ano inicio 1998 1989 1997 1997 1996 1996 numero clientes 175,000 10,404 1,875 3800.000 2,004 3445 credito ativo $136,000,000 $6,301,070 $5,707,976 $3,737,276 $3,597,377 $1,891,812 CEAPE/PB TOTAL BRASIL 1994 2397 275000 $1,371,566 $230,000,000 Fonte: Elaborado pelo autor com dados coletados junto às instituições de MFI em Dezembro de 2005. Para Christen (2001) a taxa de penetração das microfinanças no Brasil é bem menor que a dos demais países da América Latina. Como pode ser visto na Tabela 2, as MFI no Chile, Peru, El Salvador e Paraguai têm uma taxa de cobertura entre 16 – 30% da demanda potencial. Essas estatísticas mostram que, mesmo a região Nordeste, que apresenta uma cobertura das microfinanças bem superior a das demais regiões, tem uma taxa de cobertura menor se comparada com os demais países latinoamericanos. TABELA 2 COBERTURA ESTIMADA DAS MICORFINANÇAS NOS PAÍSES DA AMÉRICA LATINA E CARIBE PAIS BRASIL BOLIVIA CHILE EL SALVADOR PARAGUAY PERU COLOMBIA MEXICO HONDURAS VENEZUELA GUATEMALA TOTAL MERCADO ESTIMADO 5,000,000 681,160 603,590 333,590 493,660 3,433,095 3,250,900 5,136,950 445,590 1,623,635 710,855 21,713,025 COBERTURA (% COBERTURA) DO MERCADO 275,000 5,5% 379,713 55.7% 168,799 28.0% 89,427 26.8% 82,658 16.7% 899,196 26.2% 442,109 13.6% 347,874 6.8% 17,356 3.9% 13,368 0.8% 42,491 6.0% 2,757,991 14.9% Fonte: (1) Westley 2001 (2) Source: Accion international, MixMarket, CGAP 3 Em estudos clássicos, Stiglitz e Weiss (1981), Banerjee e Newmann (1993), Galor e Zeira (1993) mostraram que o mercado de crédito é imperfeito e a população de baixa renda é excluída do setor formal por falta de renda e colateral. Assim, podemos supor que a exclusão de grande parte da população brasileira do mercado de crédito se verifica por se defrontar com restrição de crédito. Essa restrição explicaria então a razão pela qual não demandam crédito.Nesse sentido, as instituições de microfinanças e forma de atuação seriam uma possibilidade de superar o problema. Mas ao longo dos últimos anos temos vivenciado uma ampliação do número de instituições voltadas ao segmento de microfinanças, um aumento da oferta de produtos microfinanceiros, bem como uma reestruturação da legislação como forma de aumentar a inserção e estimular a oferta; mas ainda assim a abrangência continua baixa e as microfinanças não parecem repetir no Brasil o sucesso de outros países. A questão básica é: por que? Não existem estudos que dêem conta de explicar a razão da baixa penetração das MFI para o caso brasileiro. Inicialmente se supunha que era uma questão de inadequação da oferta onde a instituição financeira formal seria, por natureza, excludente da população de baixa renda. Mas a ampliação da oferta a partir de 2000 não foi suficiente para gerar uma manifestação da demanda que supostamente estaria reprimida e apenas aguardando a ampliação da oferta. A suposta “fila” na porta das instituições de microfinanças não se verificou na prática como mostram os dados de número de clientes ativos explicitados na Tabela 1. Poucos trabalhos acadêmicos deram conta de analisar a peculiaridade da demanda por microfinanças no mercado brasileiro. Seriam os potenciais demandantes efetivamente excluídos do acesso aos serviços financeiros? Quais seriam os determinantes do acesso financeiro por parte da população de baixa renda? Quais as razões de uma demanda potencial não se transformar em revelada? Seria uma questão de preço? Taxa de juros? Produto? Existem produtos substitutos que acomodem as necessidades dessa população? Como forma de contribuir ao debate sobre a geração de políticas sociais capazes de incluir parcela da população que normalmente é excluída do acesso de serviços financeiros faz-se necessário identificar as necessidades da população de baixa renda, e entender como, seus agentes - conta própria e microempreendedores - financiam suas atividades. Que serviços financeiros utilizam? Quais são os fatores determinantes do acesso aos serviços financeiros? Quais são aqueles que têm maior probabilidade de receber crédito? É o microcrédito produtivo o que precisam? A divulgação recente pelo IBGE e outras instituições de dados sobre acesso aos serviços financeiros tem permitido se ampliar a investigação sobre as necessidades financeiras da população de baixa renda, identificando os determinantes do acesso financeiro.Os trabalhadores por conta-própria 4 (CP) e os microempreendedores (SB) são grupos tão desconhecidos quanto heterogêneos em termos de quem são, a que grupo de atividade pertencem, quais são suas necessidades financeiras e como resolvem essas necessidades. Nesse sentido coloca-se o desafio de um maior entendimento das exigências de serviços financeiros dessa população bem como criar meios de atender essas necessidades, possibilitando que tenham controle sobre suas vidas financeiras e possam, efetivamente, construir caminhos de saída da pobreza. O objetivo desse trabalho é, através da exploração dos microdados da Pesquisa da Economia Informal Urbana (ECINF) realizada pelo Instituto Brasileiro de Estatísticas (IBGE) e que se refere às firmas urbanas e informais, 4 identificar os determinantes do acesso financeiro. Para alcançar tal objetivo utilizaremos indicadores de acesso financeiro, construídos como um gradiente de possibilidades variando da exclusão financeira total ate o mais diversificado acesso financeiro. Esse paper é uma contribuição para abrir a caixa preta das necessidades financeiras dos conta própria e microempreendedores; e dessa forma, verificar quais seriam os determinantes do acesso financeiro. Organizamos o paper da seguinte forma: na seção 2 fazemos uma resenha da literatura que trata de acesso financeiro e pobreza. Na seção 3 apresentamos o indicador de acesso financeiro que utilizaremos na seção 4 que tratará da análise dos determinantes do acesso financeiro. A seção 5 apresenta comentários e conclusões. 2. LITERATURA SOBRE ACESSO FINANCEIRO E POBREZA A literatura sobre finanças e desenvolvimento deve muito aos trabalhos seminais de Gurley-Shaw (1955). De acordo com eles: “ …. development is associated with debt issue at some points in the economic system and corresponding accretion of financial assets elsewhere. It is accompanied, too, by the institutionalization of saving and investment that diversifies the channels for flow of loanable funds and multiplies varieties of financial claims. Development also implies, as cause and effect, change in market prices of financial claims and in other terms of trading in loanable funds. ” ( Gurley-Shaw/ 1955, p 515) Baseado no trabalho de Gurley-Shaw houve uma tentativa de melhor entender o elo entre finanças e atividade real. O elo que foi enfatizado foi o do papel do sistema financeiro de canalizar recursos 4 Utilizamos a edição de 2003 dessa pesquisa e restringimos nossa análise aos indivíduos que são os proprietários do negócio e que, além de informal, estão na categoria de baixa renda. Essa pesquisa contém informações sobre 48.944 unidades econômicas de todos os estados da federação do Brasil, possibilitando uma visão geral, tanto do indivíduo, quanto da família e da unidade econômica. A ECINF é a única fonte estatistica disponível nos permitindo caracterizar a demanda de recursos necessários para capitalizar e financiar as empresas daqueles que representam uma significativa parcela da ocupação e renda e que vivem perto da linha de pobreza. 5 da poupança para o investimento permitindo que um maior volume de recursos ficasse disponível para uso produtivo, evitando que oportunidades fossem desperdiçadas. Intermediação financeira seria um meio de transferir recursos das unidades superavitárias para as deficitárias e promover um aumento da taxa de crescimento da economia. Baseado nessa análise existe uma crença de que um mais amplo acesso aos serviços financeiros geraria uma melhora no bem estar das pessoas. Os modelos de restrição de crédito baseados em Stiglitz e Weiss (1981) incorporam a visão de Gurley-Shaw de que o subdesenvolvimento financeiro pode representar um obstáculo ao crescimento. Quando o mercado de crédito não funciona perfeitamente, a riqueza individual se torna o principal determinantes nas decisões de investimento (Aghion e Bolton , 1997; Banerjee e Newman,1993 ; Galor e Zeira, 1993). As restrições de crédito tendem a excluir aqueles sem fundos suficientes. Sendo o mercado de crédito imperfeito e a riqueza distribuída desigualmente alcançaríamos uma economia com um nível não ótimo de investimentos. A ampliação do acesso aos serviços financeiros seria o caminho de reduzir a pobreza a partir dos mesmos canais que afetam o crescimento, aumentando o nível de investimentos e a produtividade resultando num aumento da renda. O mercado de crédito seguiria o mesmo critério para contribuir para o crescimento. Contudo, obter um empréstimo e/ou crédito exige a existência de instituições que estão sujeitas a: a) Problemas de moral hazard, onde aquele que empresta não pode observar as ações dos tomadores (Aghion /Bolton, 1997); b) Problema de seleção adversa , o talento do empreendedor não é observável; c) Limitada capacidade de fornecer garantias (Galor e Zeira, 1993; Banerjee e Newman, 1993). Em suma, o mercado de crédito é caracterizado por “informação assimétrica”. Existiriam agentes que gostariam de incorrer em custos se tivessem renda suficiente ou acesso aos serviços financeiros (Bourguignon 2002). Portanto a população de baixa renda enfrenta dificuldades no acesso aos serviços financeiros e, em conseqüência, desperdiça oportunidades produtivas. Enquanto a literatura teórica e empírica focou na análise da relação entre desenvolvimento financeiro e crescimento econômico, pouco foi explorado quanto aos aspectos distributivos. Pouco foi estudado sobre a relação entre finanças e pobreza. Mais recentemente existe uma crescente literatura que busca dar conta desse elo, percebendo nas finanças um possível canal através do qual se poderia contribuir para auxiliar na redução dos níveis 6 assombrosos de pobreza no mundo Essa preocupação tem sido particularmente verdadeira nos paises em desenvolvimento, cujo setor financeiro é considerado pouco desenvolvido, e, sem o qual, o desenvolvimento econômico pode ficar restrito mesmo que outras condições favoráveis ao crescimento econômico se verifiquem. Ellis (2004) aponta que o sistema financeiro pode ser excludente e não responder às necessidades das micro-empresas e, menos ainda, às do conta-própria. A população de baixa renda nos paises em desenvolvimento geralmente não tem acesso aos serviços financeiros e são forçados a depender de uma gama de serviços informais mais custoso e arriscado. Isso restringe a capacidade deles de participar plenamente no mercado, aumentar sua renda e contribuir para o crescimento econômico. A importância da expansão do acesso aos serviços financeiros pode ser justificada de várias formas. O primeiro argumento se assenta na literatura teórica e empírica que associa finanças e crescimento, como resenhada por Levine (2005). Além disso, existe a literatura que aponta a importância de um sistema financeiro desenvolvido como forma de alívio da pobreza (Beck, Demirguc-Kunt e Levine 2004 e Honohan 2004a).5 Dada a imperfeição do mercado financeiro, os custos de transação tendem a recair mais sobre o micro e pequenos empreendedores para quem faltam colaterais, histórico de crédito Essas restrições de crédito tornam muito difícil que possam financiar seus projetos sem que se amplie o acesso aos serviços financeiros, gerando implicações no crescimento e no alívio da pobreza (Galor e Zeira, 1993). Por outro lado, o acesso financeiro por maior parte da população é visto como importante fator para expandir as oportunidades além dos ricos, crucial para uma estrutura mais democrática e para uma economia de mercado mais sólida (Rajan e Zingales, 2003). O último argumento é sócio-político, e vê o acesso aos serviços financeiros em nível similar ao acesso às necessidades básicas como água potável, saúde e educação (Peachey e Roe, 2004). Porém, independentemente das razões que balizem a defesa de um sistema financeiro inclusivo, é necessário ressaltar que acesso aos serviços financeiros não é sinônimo de uso de serviços financeiros. O uso é muito mais fácil de ser mensurado. 5 As imperfeições do mercado de capitais são o cerne dos modelos teóricos que mostram que uma redistribuição da riqueza iria engendrar aumento da produtividade e, portanto, do crescimento. Na ausência de um mercado de capitais e um mais amplo acesso ao serviço financeiro, seria a redistribuição de riqueza que iria criar oportunidades de investimento. Ver também Banerjee e Newman (1993) e Aghion e Bolton (1997). 7 Claessens (2006) aponta que os agentes econômicos podem ter acesso aos serviços financeiros, mas decidirem não utilizá-los. Pelo lado da demanda sabemos que clientes potenciais, ou seja, a população que poderia ter acesso, não expressa a demanda por serviços financeiros por uma série de razões que abrangem desde fatores culturais, sócio-econômicos e de gênero, falta de confiança na instituição financeira, localização geográfica, custos de transação e falta de produtos não adequadamente desenhados às suas necessidades. Portanto seria interessante, e necessário, distinguir cuidadosamente esses dois conceitos quando se discute o alcance do sistema financeiro: (i) acesso e possibilidade de uso dos serviços financeiros e (ii) desejo e uso efetivo dos serviços financeiros.6 Mas nossa análise se aterá ao acesso financeiro pois a pesquisa de economia informal disponibiliza informações sobre acesso e não sobre uso; para análise de uso teríamos que recorrer a outra fonte de dados. Muito pouco é conhecido sobre a atividade econômica do microempreendedor bem como do conta própria. Caso se pretenda combater a pobreza a partir da crença de que a construção de um sistema financeiro inclusivo gera efeitos diretos e indiretos no crescimento da renda desse segmento (Ellis, 2004), precisamos de um maior detalhamento das necessidades financeiras desse segmento da população, normalmente excluído. Que é o que faremos a seguir. . 3. INDICADORES DE INCLUSÃO FINANCEIRA A pesquisa de economia informal do IBGE de 2003 introduziu um complemento que dá conta de fornecer dados sobre acesso financeiro da parcela da população inserida no segmento informal.7.Com base nos dados da ECINF 2003 construímos um indicador que descreve o acesso aos serviços financeiros no Brasil de uma forma mais ampliada do que a desenvolvida pelos estudos recentes do Banco Mundial (Kumar, 2004) - que se baseia numa análise funcional, medindo o acesso específico a determinados serviços financeiros (conta corrente, poupança, cartão de crédito e crédito recebido). Criar um indicador de acesso aos serviços financeiros (denominado nesse trabalho por FII) não é algo simples de ser feito, os limites de uma abordagem por tipo de produto financeiro nem sempre são 6 Estudo recente do Banco Mundial ( Kumar, 2004) investiga o acesso aos serviços financeiros no Brasil apenas junto às principais regiões metropolitanas. 7 Essas informações se tornam importantes na medida em que o IPEA divulgou que estima que, em 2005, cerca de 60% da população economicamente ativa no Brasil está no mercado informal IPEA, 2006 8 claros. Ainda não existe um consenso na literatura teórica e empírica sobre como deveria ser feita a construção de um indicador de acesso financeiro, em grande parte porque são raros os países em que existem pesquisas representativas da população e que consigam discriminar o tipo de acesso aos serviços financeiros. Além disso, as poucas pesquisas existentes obedecem a diferentes padrões o que torna muito difícil qualquer tentativa de comparação entre os países.8 O acesso a uma conta corrente costuma ser o indicador de acesso financeiro mais utilizado. Existe um senso comum de que ter uma conta corrente pode também, pelo menos teoricamente, proporcionar acesso aos demais serviços financeiros. Mas com a diversidade e complexidade do sistema financeiro atual vai se tornando cada vez mais insuficiente e pouco esclarecedora uma análise que se baseie apenas na posse ou não de uma conta corrente. Além disso, a possibilidade de separar a origem do crédito obtido ( se de uma instituição formal ou informal) agrega um nível de informação até então inexistente nas pesquisas sobre acesso financeiro no Brasil. O diagrama da Figura 1 nos mostra as possíveis combinações que os indivíduos podem ter em termos dos serviços financeiros objetos da pesquisa – conta corrente, poupança, cartão de crédito e crédito recebido nos três meses anteriores à pesquisa. Ao agruparmos as abordagens funcionais – conta corrente, poupança, cartão de crédito e crédito teremos uma visão mais precisa e abrangente do padrão de acesso financeiro dentro do país, entre as regiões e ainda, por tipo de ocupação (conta própria e microempreendedor). Cabe ressaltar que a informação sobre a poupança se refere única e exclusivamente ao montante de recursos que os agentes possuem em uma conta poupança não sendo levado em conta outras formas eventuais de poupança que porventura tenha . 8 Existe uma primeira tentativa de construção de uma análise comparativa entre países feita pelo Banco Mundial “Indicators of Access to Finance through household level surveys: Concepts and Measures for Six Countries” Chidzero (2006) 9 F1- conta corrente, sem poupança, sem cartão de crédito, sem crédito F2- conta corrente, poupança, sem cartão de crédito, sem crédito. F3- conta corrente, sem poupança, cartão de crédito, sem crédito. F4- conta corrente, sem poupança, sem cartão de crédito, crédito formal. F5- conta corrente, poupança, sem cartão de crédito, crédito informal F6- conta corrente, poupança, cartão de crédito, sem crédito . F7-conta corrente, poupança, sem cartão de crédito, crédito formal. F8- conta corrente, poupança, sem cartão de credito, crédito informal. F9-conta corrente, sem poupança, cartão de crédito, crédito formal. F10 - conta corrente, sem poupança, cartão de crédito, crédito informal. F11- conta corrente, poupança, cartão de crédito, crédito formal. F12 – conta corrente, poupança, cartão de credito, credito informal F13- sem conta corrente, poupança, sem cartão de crédito, sem crédito. F14- sem conta corrente, poupança, cartão de crédito, sem crédito. F15- sem conta corrente, poupança, sem cartão de crédito, crédito formal. F16 - sem conta corrente, sem poupança, sem cartão de crédito, crédito informal. F17 – sem conta corrente, poupança, cartão de crédito, crédito formal F18 – sem conta corrente, poupança, cartão de crédito, crédito informal F19 – sem conta corrente, sem poupança, cartão de crédito, sem crédito F20- sem conta corrente, sem poupança, cartão de crédito, crédito formal F21- sem conta corrente, sem poupança, cartão de crédito, crédito informal F22- sem conta corrente, sem poupança, sem cartão de crédito, crédito formal F23- sem conta corrente, sem poupança, sem cartão de crédito, crédito informal F24 – sem conta corrente, sem poupança, sem cartão de crédito, sem crédito O primeiro passo na construção do indicador foi agregar os microdados segundo as 24 categorias acima (F1 a F24). A Tabela 3 mostra não só os indicadores por categoria para o Brasil assim como a distribuição por região do país. A última linha da Tabela 3 mostra que 45% dos trabalhadores de baixa renda no mercado informal encontram-se excluídos do sistema financeiro, tanto formal como informal. Na região Sul, que apresenta o menor percentual, a exclusão atinge a 31% dos trabalhadores. A 10 disparidade regional fica evidenciada nos indicadores acima, pois nas regiões Norte e Nordeste a exclusão financeira chega a atingir 65% muito acima da media nacional. Observamos que, em boa parte dos indicadores, existe uma baixa proporcionalidade e como o que nos interessa é conseguir separar por tipo de acesso financeiro e para facilitar a análise que faremos a seguir dos determinantes da exclusão financeira, decidimos, na Tabela 4, agregar os códigos dos indicadores de inclusão financeira em 6 categorias de forma a termos uma percepção de acesso financeiro gradativo, variando de total exclusão – FII 0 até a total inclusão código FII 5. TABELA 3: Indicadores de inclusão financeira por região INDICADOR FINANCEIRO BRASIL NORDESTE NORTE SUL SUDESTE CENTRO OESTE 1 11% 7% 8% 18% 15% 13% 2 5% 3% 2% 8% 6% 5% 3 11% 8% 4% 14% 17% 16% 4 1% 0% 0% 2% 1% 1% 5 0% 0% 1% 1% 0% 1% 6 8% 1% 3% 11% 10% 10% 7 0% 0% 0% 1% 0% 0% 8 0% 0% 0% 0% 0% 0% 9 2% 1% 1% 3% 3% 3% 10 0% 0% 0% 1% 1% 0% 11 1% 1% 0% 1% 1% 1% 12 0% 0% 0% 0% 0% 0% 13 7% 8% 7% 7% 6% 8% 14 15 2% 0% 3% 0% 2% 0% 1% 0% 2% 0% 2% 0% 16 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 17 0% 0% 0% 0% 0% 18 19 0% 3% 0% 4% 0% 4% 0% 2% 0% 2% 0% 2% 20 0% 0% 0% 0% 0% 0% 21 0% 0% 0% 0% 0% 0% 22 1% 1% 1% 0% 1% 1% 23 24 1% 45% 1% 53% 1% 65% 1% 31% 1% 34% 1% 35% Fonte: Elaborado pelo autor com base na ECINF 2003 11 TABELA 4 Indicadores agregados de inclusão financeira CATEGORIAS AGREGADAS 24 23,21,19 13,16 1,2,5,8 3,6,9,10,12,14,15,17,18 4,7,11,20,22 FII 0 1 2 3 4 5 BRASIL 45% 4% 8% 17% 24% 3% Fonte: Elaborado pelo autor com base na ECINF 2003 FII 0 – excluído dos serviços financeiros FII 1 – acesso informal apenas FII 2 – apenas poupança FI 3 – conta corrente com/sem poupança. FI 4 –conta corrente com/sem poupança e cartão de crédito FI 5 – conta corrente com/sem poupança, cartão de crédito e crédito formal. Diante do indicador construído observamos que 45% são totalmente excluídos do acesso financeiro. E que mesmo que 24% tenham acesso a um leque maior de serviços financeiros apenas 3% tem acesso ao leque de serviços e ainda usufruem crédito formal. Para se ter uma idéia melhor das necessidades financeiras da população de baixa renda e qualificar melhor a exclusão financeira a que estão sujeitos é necessário que estudemos os determinantes de acesso financeiro no Brasil. A análise nos levanta a questão sobre quais seriam as barreiras à ampliação do acesso aos serviços financeiros e nos possibilita construir políticas inclusivas mais efetivas. A próxima questão seria analisar quais seriam os determinantes de acesso. E é essa investigação que faremos a seguir. 4. OS DETERMINANTES DO ACESSO FINANCEIRO A ECINF, como já dissemos, é o levantamento estatístico mais abrangente sobre a economia urbana e informal no Brasil. Os dados utilizados nesse trabalho são um subconjunto da base de dados da pesquisa, pois excluímos os trabalhadores que não foram considerados como baixa renda.9 . Utilizamos os indicadores de acesso financeiro (FII0, FII1, FII2, FII3, FII4 e FII5) conforme apresentado na seção anterior e que são representações de seis possíveis outcomes, indo de menos inclusão financeira ( FI0) até inclusão total. (FI5). 9 Acima de R$ 1000,00 foi excluido por queremos identificar as analise para a populacao de baixa renda. A exclusao significou um corte de 18% na amostra da pesquisa. 12 A base de dados agrega uma população onde 85% são conta-própria e na sua totalidade são indivíduos bastante heterogêneos em termos de escolaridade, grupo de atividade, com ou sem geração de uma renda estável. A Tabela 5 lista as principais dificuldades do negócio. Mostra que cerca de 70% têm negócios em atividades caracterizadas pela falta de clientes, com alta competitividade e baixo lucro. Essas dificuldades costumam ser típicas de atividades de geração de renda precária, que oscila com os ciclos econômicos e com as dificuldades da população de baixa renda. Apesar das diferenças entre os CP e SB as dificuldades percebidas são basicamente as mesmas e não parecem referir a atividades que precisem de microcrédito produtivo, indo de encontro com a analise de Messer (2005) aplicada ao Equador , que detectou uma limitação das políticas de credito enquanto estratégia anti-pobreza a partir de um eventual elo entre uso de credito e vulnerabilidade da atividade. A Tabela 5 permite supor que, independentemente do nível de inclusão financeiro, descrito com base nos indicador de acesso financeiro construído, as mesmas dificuldades se apresentam. Porém na medida em que caminhamos para mais inclusão observamos que os indivíduos percebem mais a falta de capital próprio e de crédito como dificuldade de seu próprio negócio. TABELA 5 PRINCIPAL DIFICULDADE DO NEGÓCIO POR INDICADOR FINANCEIRO PRINCIPAL DIFICULDADE falta de clientes falta de credito baixo lucro falta de infraestrutura problemas legais forca de trabalho falta de materia prima rotatividade de mao de obra alta competitividade infraestrutura fisica falta de capital proprio falta de capacitacao gerencial outros FII 0 FII 1 FII 2 FII 3 FII 4 FII 5 34% 25% 29% 27% 27% 23% 5% 6% 5% 6% 5% 5% 12% 11% 12% 13% 14% 15% 0% 1% 0% 0% 0% 0% 1% 1% 1% 17% 1% 2% 0% 1% 1% 1% 2% 1% 1% 1% 0% 0% 0% 1% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 22% 22% 24% 22% 21% 15% 3% 3% 3% 3% 2% 1% 18% 25% 18% 18% 17% 30% 0% 4% 1% 5% 0% 5% 1% 6% 1% 7% 1% 6% Fonte: Elaborado pelo autor com base na ECINF 2003 Ao fazermos a analise dos determinantes de acesso financeiro esperamos que, quanto maior o capital humano - cuja proxy utilizada é o nível de escolaridade - maior a inclusão. Também é esperado que quanto menor a distância às instituições de oferta de serviços financeiros maior o acesso. 13 Devido a uma eventual endogeneidade entre acesso financeiro e renda – isto é- quanto maior a renda maior tende a ser ao acesso e quanto maior o acesso maior tende a ser a renda - fica difícil definir a causalidade inerente à análise. Dessa forma preferimos, ao invés de utilizar a renda, construir um indicador para ser uma proxy da riqueza. A informação contida na pesquisa é quanto à propriedade ou não de casa própria e para qualificar melhor a riqueza agregamos o número de cômodos do imóvel. Supõe-se que quanto mais rico maior a probabilidade de ter acesso financeiro. A importância do capital social também merece ser investigada e para isso utilizamos a informação contida na pesquisa sobre a filiação ou não do indivíduo aos sindicatos ou junto a alguma entidade de classe. Espera-se que o capital social tenha um impacto positivo na inclusão financeira, e que acompanhe a lógica que se manifesta na área rural, onde as cooperativas exercem importância fundamental no grau de inclusão financeira ( Abramovay et all , 2003). Para a análise dos determinantes de acesso financeiros, com recorte individual sobre os CP e microempreendedores com até cinco trabalhadores, utilizamos o modelo de regressão ordered probit 10 com as seguintes variáveis explicativas11: (1) Idade: idade do dono do negócio. (2) Feminino: uma variável dummy que indica se o proprietário do negócio é do sexo feminino. De um total de 41000 observações, 30% são mulheres e 70% são homens. (3) Escolaridade: Criamos quatro categorias: noschoolling uma variável dummy que indica que o individuo não tem nenhuma escolaridade; elementary : uma variável dummy que indica que o indivíduo tem o nível elementar de educação; intermediate: uma variável dummy que indica que o indivíduo tem o nível intermediário de escolaridade e graduate : dummy indicando que o indivíduo tem nível superior. (4) Riqueza – é um índice construído a partir da informação sobre ter casa própria qualificada pelo número de cômodos da residência. O índice de riqueza vai de R0, caso não tenha casa própria, passa por R1 onde tem casa própria com apenas um cômodo e segue por R2 casa própria cm dois cômodos e R3 caso tenha casa própria com mais de dois cômodos. 10 A opção pelo modelo de ordered probit deve-se ao fato de termos construído indicadores ordenados e por querermos investigar os efeitos marginais sobre a inclusão das variáveis que julgamos serem explicativas do modêlo . 11 A análise pormenorizada da metodologia encontra-se no Apêndice. 14 (5) Organização social – uma variável dummy indicando se o indivíduo é afiliado a algum sindicato ou entidade de classe. De um total de 35.524 observações, 14% são afiliados. (6) Distância a agencia bancária mais próxima – variável que nos diz em termos de minutos qual seria a distância até a agencia bancária e/ou correspondente bancário mais próximo. (7) Sudeste: uma variável dummy que indica se o individuo vive na região sudeste. De um total de 44320 observações, 17042 (31,07%) são do nordeste, 8.140 (18,16%) são do Norte; 5131 (11,4%) são do Centro-Oeste; 5998 (13,34%) são do Sul e 8009 (18,03%) são do Sudeste. A Tabela 6 apresenta as estatísticas básicas das variáveis explicativas do modelo de acordo com o indicador de acesso financeiro construído. Como era esperado encontramos que quanto maior o nível de escolaridade maior a inclusão. Também, de acordo com as estimativas, as mulheres mais provavelmente serão financeiramente incluídas. Essa afirmação, no entanto, merece ser mais bem investigada, uma vez que a proporção das mulheres na amostra, enquanto CP e chefe do negócio, é menor que a dos homens e a distribuição é concentrada em alguns indicadores enquanto a dos homens é mais bem distribuída, o que pode viesar de alguma forma a análise. As mulheres também apresentam maior escolaridade menor renda. Cabe ressaltar que a pesquisa exclui os empregados domésticos, onde uma parte considerável das mulheres de baixa renda se concentra. Quanto mais jovem maior a probabilidade de inclusão. Em termos de filiação a algum orgão classista – nossa proxy para capital social – há um efeito positivo dessa variável, pois a entidade disponibiliza informação (possibilidade de educação financeira e sobre direitos de propriedade). E esse e um dos resultados mais significativos de nossa análise e que nos mostra a importância do capital social – representado pela filiação a sindicatos e/ou a organismos e entidades de classe - para a inclusão financeira. Tabela 6 ESTATISTICAS BASICAS DE ACORDO COM O INDICADOR DE ACESSO FINANCEIRO AGE SCHOOLEVEL WEALTH ORG. STATUS TIME TO BANK INCOME INCOME TT FII 0 42 2.1 3.48 0.04 24 321 393 FII 1 39 2.3 3.45 0.1 22 325 425 FII 2 41 2.25 3.38 0.07 24 386 450 FII 3 41 2.5 3.51 0.21 22 428 465 FII 4 38 2.61 3.56 0.31 20 455 480 FII 5 38 2.5 3.49 0.26 18 394 447 15 Fonte: Elaborado pelo autor com base na ECINF 2003 Em termos de renda percebemos que há uma relação positiva entre inclusão financeira e renda. independentemente se tomamos por base a renda de todas as fontes ( IncomeTT) ou se apenas a renda do trabalho ( Income). Ainda que fique pouco claro o nexus dessa relação (e nem é nosso propósito investigá-lo) observamos que a renda daqueles incluídos financeiramente, mas sem crédito formal (FII 4) é maior do que aqueles com acesso ao crédito. A princípio poderíamos pensar ser um contra-senso, mas devemos lembrar que a pesquisa abrange profissionais que operam na informalidade e em muitos casos incluem aqueles que são profissionais liberais tais como professores particulares que pelas características de seu negócio na maior parte não necessitam do crédito para expandir sua atividade pois se assentam essencialmente em capital humano. Porém essa segmentação foge ao escopo do presente trabalho. REGRESSÃO TABELA 8 COEFICIENTES E EFEITOS MARGINAIS DO MODELO AGE MALE ELEMENTARY INTERMEDIARY GRADUATE WEALTH ORG. STATUS TIME TO BRANCH NORTHEAST NORTH CENTER WEST SOUTH COEF -0.0035 -0.2307 0.4667 0.9459 1.1770 0.0604 0.0604 0.6348 0.0039 -0.6486 0.0113 0.0108 FII 0 MG EFF 0.0014 0.0941 -0.1839 -0.3388 -0.3639 -0.0239 -0.2339 -0.0016 0.1276 0.2530 -0.0045 -0.0043 FII 1 MG EFF 0.0014 0.0941 -0.1839 -0.3388 -0.3639 -0.0239 -0.2339 -0.0016 0.1276 0.2530 -0.0045 -0.0045 FII 2 MG EFF 0.0000 -0.0012 0.0062 -0.0114 -0.0346 0.0006 -0.0066 0.0000 -0.0036 -0.0172 0.0001 0.0001 FII 3 MG EFF -0.0003 -0.0184 0.0428 0.0367 -0.0118 0.0053 0.0296 0.0003 -0.0289 -0.0700 0.0010 0.0009 FII 4 MG EFF -0.0009 -0.0634 0.1208 0.2657 0.3105 0.0163 0.1828 0.0011 -0.0853 -0.1470 0.0031 0.0029 FII 5 MG EFF -0.0001 -0.0087 0.0146 0.0609 0.1251 0.0020 0.0366 0.0001 -0.0105 -0.0139 0.0004 0.0004 95% confianca, robust R2 = 0.0792 Quando observamos as características por tipo de ocupação (Tabela 7) percebemos que os conta própria são mais velhos, possuem menos escolaridade, apresenta menor capital social e menor nível de renda. O passo seguinte na análise é rodar a regressão para analisarmos o nível de significância dessas variáveis explicativas (Tabelas 8 e 9). A variável dependente utilizada é o indicador de acesso aos serviços financeiros construído na análise. 16 Os coeficientes gerados informam que a probabilidade de ser totalmente incluído, a região geográfica, a riqueza, educação e capital social são variáveis significativas. As características socioeconômicas como educação e capital social desempenham o papel principal ao explicar o acesso financeiro observado. Quanto maior o nível de escolaridade maior a probabilidade de ser incluído financeiramente. Possuir nível elementar diminui 18% a probabilidade de ser excluído financeiramente e aumenta em 13%a de ser incluído. Já possuir nível superior aumenta em cerca de 45% a probabilidade de ser incluído financeiramente. Essas percentagens são ainda maiores quando observamos a regressão por tipo de ocupação. Junto ao CP o aumento no grau de escolaridade tem maior repercussão em termos de inclusão que junto aos microempreendedores; o que, em parte, pode ser explicado na medida em que, de um modo geral, apresentam um maior grau de escolaridade per si. Ao analisarmos a relação entre riqueza e inclusão financeira percebemos que também há uma relação positiva entre essas variáveis. Porém a análise sob a ótica dos efeitos marginais é menos impactante do que o da escolaridade. Um aumento da riqueza (representado por possuir casa própria com mais de dois cômodos) aumenta em cerca de 2% a probabilidade de ser incluído financeiramente. Por outro lado aparentemente ser homem diminui a probabilidade de ser incluído quando comparado com as mulheres, mas ao olharmos a distribuição vemos que os homens são mais bem distribuídos enquanto as mulheres estão mais concentradas nas duas pontas (inclusão total e exclusão total). Quanto mais pobre for a região geográfica, menor a probabilidade de pertencer ao segmento com acesso mais amplo. Efeitos marginais para as diferenciações regionais mostram que os indivíduos no Norte e Nordeste têm cerca de14% menos probabilidade de usar bancos do que aqueles comparados com o Sudeste. Estar no Nordeste aumenta em mais de 13% a probabilidade de ser excluído financeiramente. Além disso, fica evidenciada a importância do capital social enquanto determinante do acesso financeiro. Pertencer a algum sindicato ou órgão de classe aumenta em quase 20% a probabilidade de ser incluído financeiramente. Em resumo, nossa análise mostrou que não existe nenhuma peculiaridade nos determinantes da demanda por serviços financeiros no Brasil que pudesse explicar a baixa cobertura das microfinanças. Os determinantes de acesso financeiro são os já tradicionalmente esperados, tais como, riqueza, escolaridade; cabendo apenas, chamar atenção à importância do capital social enquanto determinante de acesso financeiro. 17 6. CONCLUSÃO O objetivo desse trabalho foi o de analisar os determinantes de acesso financeiro ordenando características individuais relevantes por grupos de trabalhadores com diferentes indicadores de inclusão financeira. Identificamos e construímos um indicador ordenado de inclusão financeira e verificamos que as variáveis sócio-econômicas são as que apresentam maior nível de significância. Depois verificamos a importância relativa das diferentes variáveis que influenciam o acesso baseado num modelo de ordered probit. A análise utilizou um indicador ordenado e rankeado e as variáveis explicativas foram ligadas às características individuais. Como era esperado, as características socioeconômicas – escolaridade e riqueza foram os principais determinantes de acesso financeiro. O resultado mais importante foi o da importância do capital social enquanto determinante do acesso. A população de baixa renda no Brasil é excluída dos serviços financeiros principalmente do acesso ao crédito; porém, vai se tornando mais claro, que a solução de inclusão financeira como forma de alívio da pobreza, é bem mais complexa do que geralmente se presume. As características sócio-econômicas como renda, riqueza e educação desempenham o papel principal na explicação do acesso observado. Pessoas educadas além do nível elementar dobram a probabilidade de serem incluídas comparadas com aqueles sem educação formal. O que se observa é que para as pequenas empresas a dificuldade principal é o acesso ao crédito, de um modo geral têm acesso aos serviços financeiros mas não ao crédito especificamente. Porém os CP já são mais excluídos financeiramente de um modo geral. Seria apropriado desenvolver políticas específicas para os segmentos analisados assim como investigar as origens da restrição creditícia. A grande disparidade entre as regiões merece ser mais investigada assim como as características específicas dos CP e dos microempreendedores. A literatura (Rutherford (2000), Abramovay ( 2004)) reconhece que a população de baixa renda valoriza os serviços financeiros não apenas para ajudá-lo nos investimentos, mas também para amortecer o consumo, enfrentar riscos e reduzir a vulnerabilidade de seu negócio. O entendimento do comportamento e do gerenciamento das estratégias financeiras dos pobres se mostra essencial para provê-los com melhores serviços. Quando a literatura de microfinanças começou os clientes eram considerados como dados. Hoje há uma nova tendência onde a agenda das microfinanças é orientada no entendimento do cliente e do mercado em si. 18 A preocupação está focada no nexus produto-cliente e nas implicações para atrair e manter o cliente. Mas isso é apenas parte da equação – deve se estender também ao elo entre o cliente e a instituição bem como ao leque de produtos financeiros com que se defronta. Poucas instituições de microfinanças no Brasil ofertam produtos outros que não o crédito produtivo, voltado para capital de giro e ativos fixos ligados ao processo produtivo Poucas tentam efetivamente compreender as necessidades da demanda, ou seja, compreender quais seriam os produtos que iriam ao encontro das necessidades do segmento e publico alvo. Os serviços financeiros (empréstimos, poupança e seguros) precisam ser mais responsivos ao fluxo de caixa dos clientes em termos de tamanho, prazo, sazonalidade, ciclos e repagamento. A adaptação de um produto universal ou a introdução de novos produtos focados num determinado nicho de mercado significa buscar um melhor match entre os diferentes produtos e o mercado particular do cliente que se pretende atingir. Isso iria tornar as microfinanças mais atraentes a uma maior número de clientes e diminuiria o risco de emprestar aos clientes mais pobres. Os dados sugerem que no mosaico dos serviços financeiros a microfinanças tem um nicho a preencher. Raramente, as microfinanças substituem outros serviços financeiros, ao contrário, é mais um produto que se insere no leque de serviços financeiros Os recursos disponíveis para conviver com choques é geralmente insuficiente e os clientes são obrigados a cooptar com diferentes fontes de empréstimos e pequenas quantidades de dinheiro de diferentes fontes. Acredita-se que através das microfinanças a população de baixa renda pode atingir um acesso permanente aos recursos financeiros que necessita, permitindo que resolvam os problemas financeiros e permitindo que lidem com possibilidade de aliviarem a pobreza em seus próprios termos. Isso nos permite dizer que, dada a importância observada do capital social, a educação financeira parece ser política complementar necessária numa política financeira que se pretende ser inclusiva e que pode ajudar a explicar, em parte, a dificuldade de ampliação dos serviços microfinanceiros no Brasil. Também podemos supor que há um grande número de produtos substitutos ao crédito em uso por esse segmento da população. Produtos mais conhecidos e mais baratos tais como: crédito consignado, crediário de bens duráveis, compra fiado. Podemos supor achar que há uma inadequação do produto ofertado às necessidades financeiras dessa população de baixa renda. A análise parece ilustrar que a população de baixa renda no Brasil não necessariamente precisa de microcrédito, precisam de recursos de mais curto prazo para capital de giro e nem sempre o MC 19 produtivo é a solução. Além disso, não é substituto para o investimento em serviços básicos como saúde e educação. MC parece se aplicar mais àqueles que já têm uma capacidade mínimo de repagamento. MF é apenas uma entre outras políticas sociais. Diferentes serviços financeiros servem a propósitos particulares no leque financeiro da população e baixa renda. Em conjunto podem ajudar a eliminar o risco e aumentar a renda e ser parte essencial de serviços para ajudar o pobre a melhorar sua vida. Futuras pesquisas necessitam ser feitas de forma a dar conta de clarear essas questões – saber se é uma questão de preço? Produto? Informação? E é nessa trilha que pretendemos desenvolver futuras pesquisas. 20 BIBLIOGRAFIA ABRAMOVAY, R ( org) - Laços financeiros na luta contra a pobreza, São Paulo, 2004 AGHION, P e BOLTON, P. A Theory of trickle-down growth and development. Review Economic Studies, v. 64, p.151-172, 1997. ANJALI, K (org) Access to Financial Services Washington: World Bank 2004 BANERJEE, A e NEWMANN, P, Occupational choice and the process of development, Journal of Political Economy, v 101, Nº 2, p.274-298, 1993 BANERJEE, A. V ; DUFLO, E. Inequality and growth: What can the data say? MIT: Dept. of Economics, 2003 BOURGUIGNON, F Theoretical relationships between economic growth and distribution . Disponível em www.delta.ens.fr/bourguignon/buenosaires cfa c2.pdf.2002, Acesso em Fevereiro/2005 CHIDZERO, ANNE-MARIE – Proposal on headline indicators of financial access. Finmark Trust, Londres, Junho 2005 CLAESSENS, S Access to Financial Services: A review of the issues and public policy issues. World Bank Researcher Observer, 2006 _______________ Measuring Access to Financial services through household level surveys, World Bank 2006 CHIRSTEN , R - Commercialization and Mission drift: The transformation of Microfinance in Latin America, CGAP, 2001 DOLLAR, D e KRAAY, A. Growth is good for the poor, Journal of Economic Growth 7, p 195-225, 2002 ELLIS, K - The importance of Financial Sector for Growth and Poverty reduction. London: Department for International Development, 2004 21 GALOR, O. e ZEIRA, J. “Income Distribution and Macroeconomics”, Review of Economic Studies, v 60, n.1, p.35-52, 1993 GOLDMARK, Lara et al Entendendo as microfinanças no contexto brasileiro – Rio de Janeiro, BNDES , 2002 GREEN, W Econometric Analysis, New York University, 2003 GREENWOOD, J e JOVANOVIC, B ,Financial Development, Growth and the Distribution of Income, Journal of Political Economy, 98(5, Pt.1), pp.1076-1107, 1990 GURLEY, J e SHAW, E Financial Aspects of Economic Development American Economic Review , v 14, nº 4, p. 515-538, Setembro 1955 HERMANN, J Microcrédito como política de geração de emprego e renda: possibilidades e limites in: SABOYA,J (org) Novo Desenvolvimentismo- um projeto nacional de crescimento com equidade social, Rio de Janeiro: Manole, 2004. LEVINE, R - Financial Development and economic growth: views and agenda . Journal of Economic Litrature, vol 35, nº 2, pp 688-726, 1997 . MADDALA, G - Econometric Methods and Applications (Economists of the Twentieth Century) , Edward Elgar Publishing; Reprinted Ed edition , Junho 1994 MESSER, J – Credit Use, Enterprise Investment and earnings: Evidence from the informal Economy in Ecuador - Working paper American University, 2005 PEACHEY, S E ROE, A - Access to finance, a study for the world savings banks Institute . Oxford policy Management , 2004 RAJAN, R E ZINGALES, L - Saving capitalism from capitalists. Crown Business division of random house, 2003. STIGLITZ,J; WEISS, S, Credit rationing in markets with imperfect information, American Economic Review, vol. 71, p. 393-410, 1981 22 APÊNDICE METODOLOGIA Os indicadores de inclusão financeira podem ser vistos como oriundos de um índice ordenado, discreto e não observável de serviços financeiros. Cada indicador financeiro corresponde ao acesso a um determinado grupo serviços financeiros, onde quanto maior o índice maior o leque a que o indivíduo tem acesso Como o indicador financeiro representativo dos serviços financeiros é uma variável ordinal e qualitativa a estimação do modelo para tal variável dependente necessita de uma técnica especial. Considere, por exemplo, uma variável dependente dicotômica, não ordenada, isto é, uma variável que possa assumir dois valores ( tal como, sim ou não) . Assuma que essa variável, representada como uma variável binária 0-1, é modelada como uma função linear de um grupo de variáveis explicativas e um termo de erro. O valor estimado desse modelo deveria se situar entre o intervalo 0-1, sugerindo que pudessem ser interpretadas como probabilidades de que a variável dependente assumo o valor 0 ( ou 1) , dados os valores das variáveis explicativas. Entretanto, essas probabilidades estimadas podem cair fora do intervalo 0-1.. Existem várias funções de distribuição capazes de forçar a probabilidade estimada a cair no intervalo (0,1); a mais freqüentemente utilizada é a função cumulativa normal padrão e função logística. O modelo probit faz uso da primeira enquanto o modelo logit usa a última. De acordo com Maddala (1994), se a variável qualitativa dependente pode ser classificada em mais do que duas categorias (i.e, se é uma variável policotômica), a estimação pode ser feita através de modelos de probit multinomial ou logit multinomial, que são generalizações dos modelos probit e logit. Entretanto os indicadores financeiros construídos, representações do acesso aos serviços financeiros não são apenas variáveis qualitativas policotômicas ; também são variáveis 23 ordinais, i.e, variáveis com uma ordem que lhes é inerente. Uma variável dependente, ordinal e policotôomica seria, geralmente, codificada como 0,1 ,2 ,3 e assim por diante. Essa representação reflete apenas um rankeamento, não se sabe em que medida ir de 0 até 1 é diferente ( ou equivalente) a ir de 2 para 3 . Greene (2003) aponta que diante de uma variável dependente e ordinal, o uso de modelos multinominais probit ou logit não seria eficiente. O uso desses modelos iria causar problemas de especificação ao assumir que não existe uma ordem a ser atribuídas às diferentes categorias que a variável dependente pode assumir. A estimação de regresses pelo método de mínimos quadrados ordinários ( OLS) seria inadequada. A OLS considera que as diferenças na variável dependente entre 0 e 1 seria equivalente às diferenças entre 1 e 2 e equivalente às diferenças entre 2 e 3. O . The ordered multinomial probit (OMP) é o modelo utilizado para estimações no contexto de variáveis dependentes ordinais e policotomicas ( Zavoina and McElvey, 75). Yi* = x i’ β + µi ( i = 1,2,3,4,5,6) (1) Onde Y é o índice de indicador de acesso financeiro, x é o conjunto de variáveis explicativas ( idade, escolaridade, gênero, região geográfica, riqueza, tempo de deslocamento até agencia mais próxima etc...), parâmetros desconhecidos a serem estimados com β, e u é o resíduo. Assumimos que µ é normalmente distribuído entre as observações. Como de costume Y* não é observado. O que observamos é: Y = FI0 se Y = FI1 se Y* ≤ 0 (2) 0 < Y * ≤ µ1 Y = FI2 se µ1 < Y* ≤ µ2 Y = FI3 se µ2 < Y* ≤ µ3 Y = FI4 se µ3 < Y* ≤ µ4 Y = FI5 se µ4 ≤ Y* O in é uma forma de construir um indicador de acesso financeiro que captura uma idéia de ranking ( com uma abordagem funcional e institucional). Os µ’s são limites desconhecidos 24 ( pontos de corte) que definem o intervalo dos acessos aos serviços financeiros (i.e., FI0, FI1, FI2, FI3, FI4 e FI5); esses parâmetros devem ser estimados em conjunto com o vetor β. Fazemos a estimação por maximum likelihood ( devido às propriedades de asymptotic dos estimadores ML : consistência, distribuição normal e eficiência). Chegamos às seguintes probabilididades: Prob ( y= B0 | x ) = θ ( - x’β) (3) Prob ( y= B1 | x ) = θ (µ1 - x’β) - θ ( - x’β) Prob ( y= B2 | x ) = θ (µ2 - x’β) - θ (µ1 - x’β) Prob ( y= B3 | x ) = θ (µ3 - x’β) - θ (µ2 - x’β) Prob ( y= B4 | x ) = θ (µ4 - x’β) - θ (µ3 - x’β) Prob ( y= B5 | x ) = 1 - θ (µ4 - x’β) Para que todas as probabilidades sejam positivas devemos ter: 0 < µ 1 < µ 2 < µ3 < µ4 (4) Ao assumir a existência de um ranking, a OMP também reconhece que o tamanho da diferença entre dois indicadores adjacentes não é conhecido, mas não importa a ponto de ser levado em consideração na análise, diferentemente, por exemplo, das regras comuns de regressão, aonde o tamanho da diferença entre os elementos adjacentes é conhecido e importa na análise. A magnitude do coeficiente é difícil de ser interpretada. Ao invés disso podemos computar os efeitos parciais como na equação ( 5 ). O efeito marginal dos regressores x sobre as probabilidades não é igual aos coeficientes. Ao aumentarmos x mantendo β constante, µ irá deslocar a distribuição para a direita causando um efeito não ambíguo. Alguns irão cair for a. caso β seja positivo: Prob 25 ( y =FI0 | x) deve diminuir. Mas o que acontece com a distribuição no caso dos indicadores intermediários ( FI1, FI2, FI3 e FI4) é ambíguo. Somente a Prob ( y = FI0 | x) e Prob ( y = FI5 | x) não é ambígua 26
Documentos relacionados
características e especificidades da demanda por operações
operações de crédito, pela carência de garantias colaterais, que sustentem tais transações financeiras e, em geral, pela inobservância, por parte das instituições financeiras, das características e...
Leia mais