8o Encontro da ABCP 01 a 04/08/2012, Gramado, RS
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8o Encontro da ABCP 01 a 04/08/2012, Gramado, RS Área Temática: Estado e Políticas Públicas O impacto da atuação dos grupos de interesse na formulação das regras da Agência Nacional de Aviação Civil - Anac Marcello Fragano Baird – Universidade de São Paulo Bacharel em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Bacharel em Ciências Sociais pela Faculdade de Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Mestre em Ciência Política pelo Departamento de Ciência Política da Faculdade de Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. [email protected] Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes – Universidade de São Paulo Bacharel em Relações Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo Mestre e doutorando em Ciência Política pelo Departamento de Ciência Política da Faculdade de Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. [email protected] Agosto – 2012 1 1. Introdução1 Os jornais noticiam diariamente matérias a respeito dos planos de saúde, das tarifas de telefonia e de energia elétrica, da proibição de medicamentos, das regras para a segurança nos aeroportos, entre outras. O que esses temas têm em comum é justamente o fato de serem regulados pelas agências reguladoras em âmbito federal, que têm ganhado crescente proeminência no Brasil. Criadas a partir de meados da década de 1990, no bojo do processo de reforma do Estado brasileiro, as agências reguladoras são uma importante inovação institucional dentro da configuração política do país. Afinal, responsáveis pela regulação de ampla gama de setores que afetam a vida de todos os cidadãos, as agências têm a particularidade de serem comandadas por políticos não eleitos cujo poder deriva da delegação feita pelos poderes incumbentes. Essa condição peculiar das agências acarreta duas consequências básicas: por um lado, há uma constante tentativa, por parte dos políticos eleitos, de manter as agências sob seu controle, garantindo, assim, que as ações destas não destoem de seus interesses e de seus eleitores. Por outro lado, houve, na criação de todas as agências, a preocupação de se criar mecanismos institucionais para a participação popular, de modo a garantir uma maior democratização e controle social desses entes cujas características principais seriam o caráter técnico e a relativa independência frente ao jogo político tradicional. Um dos principais mecanismos de participação previstos nas leis de criação das agências são as consultas públicas, mediante as quais os grupos podem enviar contribuições escritas às agências a respeito da regulação em tela. Se conjugarmos essa abertura à participação social, facultada pelo desenho institucional das agências, ao crescente impacto que as medidas adotadas pelas agências geram na sociedade, é de se esperar que os grupos sociais se articulem com vistas a atuar junto às agências de modo a influenciar na formulação de suas regras (Baird, 2012). É importante mencionar, no entanto, que as agências reguladoras não têm a obrigação legal de instituir consultas e/ou audiências públicas; da mesma forma, não há um padrão de funcionamento para as consultas, que podem tomar diversas formas dentro de uma mesma agência (ver Alves, 2009, para um estudo a respeito 1 Registramos o agradecimento a Mauro Calvin pelo apoio na coleta dos dados. Os erros que existirem, naturalmente, são de responsabilidade dos autores. 2 das consultas públicas na Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa). No entanto, é praxe a realização de consultas públicas, ao menos para temas polêmicos que afetem importantes interesses. A despeito desse fato e da importância do tema, pouca atenção tem sido dada à ação política dos grupos de interesse junto às agências reguladoras. A maior parte dos estudos sobre as agências procura analisar sua relação frente a outras instâncias do Poder Executivo, mormente a Presidência da República e o ministério ao qual a agência está administrativamente vinculada (Pó, 2009; Silva, 2011a; Silva, 2011b). Por outro lado, os estudos de lobby dos grupos de interesse costumam focar outras arenas políticas, principalmente o Congresso Nacional (Taglialena e Carvalho, 2006; Cabral, 2007; Mancuso, 2007). A presente análise, na mesma linha de outros estudos, detalhados a seguir, busca suprir essa lacuna, dirigindo sua atenção ao impacto da atuação dos grupos de interesse junto à Agência Nacional de Aviação Civil – Anac. Com vistas a cumprir tal objetivo, analisaremos os comentários enviados em todas as audiências públicas2 desde a criação da agência em 20063. Ao empreender esse estudo, temos três objetivos básicos: o primeiro referese à identificação dos tipos de comentadores (seja grupos de interesse, seja indivíduos) participantes das audiências públicas e da intensidade de sua participação; em segundo lugar, buscamos avaliar o impacto da atuação dos grupos por meio de suas contribuições, o que será aferido por meio da observação da taxa de incorporação dos comentários de cada um dos tipos de grupos de interesse participantes. Por fim, objetivamos explicar por que esses comentários são incorporados ao texto final da norma a ser expedida pela agência. É importante frisar que, independentemente da quantidade e/ou qualidade das contribuições, as agências têm poder discricionário sobre as resoluções a serem adotadas, ficando a seu critério a incorporação ou não dos comentários propostos à versão final da norma. 2 Cabe esclarecer que todas as agências reguladoras estabelecem diferenças entre as consultas e as audiências públicas. Aquelas referem-se ao período destinado ao envio de contribuições escritas à agências, enquanto estas dizem respeito a uma sessão presencial, na sede da agência, na qual se discutem os principais pontos relativos à regulação que se quer pôr em marcha. Diferentemente das outras agências, a Anac não faz distinção entre esses dois mecanismos, tendo unificado seu significado sob o termo audiência pública. Desta forma, utilizaremos neste trabalho, seguindo a nomenclatura da agência, o termo audiência pública para referir-se ao processo de abertura à participação popular por meio de comentários escritos, bem como às sessões presenciais cujos discursos foram transcritos. 3 A Anac, única agência reguladora criada no governo de Luís Inácio Lula da Silva, foi a última agência em âmbito federal a ser instituída. 3 O artigo está dividido em sete seções, incluindo esta introdução. Na próxima, apresentamos a literatura internacional sobre grupos de interesse e burocracia. Na terceira, analisamos a literatura nacional sobre grupos de interesse e agências reguladoras. Na quarta seção, apresentamos a discussão sobre a presença dos grupos de interesse na Anac e as hipóteses de pesquisa. Na quinta, a metodologia da pesquisa, com a apresentação de nossos dados e dos métodos de estimação. Na sexta, apresentamos os resultados empíricos. Por fim, na sétima e última, concluímos o estudo, resumindo os principais achados e propondo novos caminhos a serem perseguidos para melhor entendermos o papel dos grupos de interesse nos processos decisórios das agências reguladoras brasileiras. 2. Grupos de interesse e burocracia – a literatura internacional A literatura estadunidense sobre grupos de interesse, que possui importante produção sobre o papel e a ação política desses grupos, sempre deu grande ênfase à atuação desses grupos junto ao Congresso estadunidense. Afinal, como afirma Golden (1998), “in the textbook version of American politics, Congress is responsible for law making” (Golden; 1998, p. 245). Ocorre, no entanto, que importantes funções governativas foram progressivamente, ao longo da segunda metade do século passado, sendo transferidas para agências governamentais, encarregadas de detalhar e executar as leis promulgadas pelo Poder Legislativo. Estas agências tornaram-se, desta forma, importantes atores na arquitetura político-institucional dos modernos Estados. A expansão e a evolução institucional dessas agências são fenômenos políticos de primeira grandeza, devendo ser estudadas suas consequências e implicações. A crescente expansão dos Estados em termos de suas funções e capacidades de ação a partir de meados do século XX só fez valorizar o papel das agências como instituição política. O Estado atual é responsável por tarefas complexas, provendo serviços ou regulando atividades privadas, muitas dentre as quais foram delegadas ou são exercidas por meio dessas burocracias (Peters, 1995 e Fernandes, 2011). A despeito dessa importante transformação, poucos esforços foram feitos no campo teórico para dar conta desse novo quadro político-institucional. A literatura sobre a atuação dos grupos de interesse nas agências governamentais e suas implicações políticas produziu menos informações sistemáticas sobre este aspecto 4 do governo do que de qualquer outro. Enquanto eleições, partidos e Legislativos foram extensivamente analisados, os aspectos administrativos do governo foram deixados de lado (Meier, 1979 e Fernandes, 2011). Somente no final da década de 1990 que os primeiros trabalhos buscaram dar conta de compreender a relação entre os grupos de interesse e as agências. Antes de passarmos em revista esses trabalhos, cabe apontar duas outras linhagens teóricas, mais antigas, que, de uma maneira ou de outra, acabaram por tratar da ação política dos grupos de interesse junto às agências, os estudos sobre policy subsystems e a teoria econômica da regulação Os estudos de policy subsystem procuravam mapear as relações entre os principais atores políticos em determinada área de política pública. Esses estudos procuravam fazer uma análise diacrônica da evolução de determinada política pública a partir do desvendamento das relações estabelecidas entre os grupos de interesse, as agências e o Congresso (Fritschler, 1969; Heclo, 1978). Embora levasse em conta as agências, esse tipo de análise não tinha um olhar mais atento e focado na ação política dos grupos de interesse junto às agências, estando antes preocupado com o entendimento dos macroprocessos políticos e com a descrição dos principais eventos ocorridos no desenrolar das política públicas. No início da década de 1970, os economistas também entraram no debate, buscando explicar, entre outras coisas, quais seriam os grupos beneficiados pelas regulações postas em vigor pelas agências. O trabalho seminal nessa área foi “The theory of economic regulation”, de George Stigler (1975), que deu origem à teoria da regulação econômica, muitas vezes chamada de teoria da captura. A teoria da regulação econômica, partindo dos pressupostos da microeconomia para explicar a maximização dos interesses próprios, modelou um sistema de relação entre os políticos e os grupos de interesse ligados à indústria, por meio do qual estes demandariam regulação para se proteger da concorrência no mercado, enquanto aqueles ofertariam essa regulação. A comunhão de interesses ocorre pois os grupos necessitam de proteção para sobreviver no mercado, enquanto os políticos têm altos custos para manter sua máquina partidária e angariar votos, o que só e viável por meio do apoio financeiro da indústria. Essa teoria teve grande acolhida na academia, tendo influenciado e estimulado os estudos de diversos autores (Posner, 2004; Peltzman, 1976; Becker, 5 1982). Em que pesem suas contribuições no sentido de uma compreensão teoricamente sofisticada do fenômeno regulatório e do papel primordial da ação dos grupos de interesse, a teoria da regulação econômica estava assentada, basicamente, em modelos econômicos abstratos, que não davam conta de captar os mecanismos e as nuances da atuação política concreta dos grupos de interesse. Além disso, a teoria acaba por naturalizar a regulação como uma atividade que por definição reduziria a eficiência dos mercados ao criar barreiras à entrada de novos atores, diminuindo, portanto, a concorrência e distorcendo o equilíbrio entre oferta e demanda. Conforme apontado anteriormente, foi somente na década de 1990, com o estudo pioneiro de Golden (1998), que a literatura de grupos de interesse enxergou uma nova forma de analisar o lobby desses grupos junto às agências, observando sua participação e aferindo sua capacidade de influência. Embora simples, a metodologia empregada por Golden (1998) foi inovadora e de grande valor heurístico, pois, ao focar o impacto das contribuições nas regulações normatizadas pelas agências, permitiu uma avaliação mais acurada e concreta do lobby dos grupos de interesse numa fase importante do processo decisório das políticas públicas. O lobby pode ser definido de várias maneiras, abarcando desde campanhas de conscientização a contatos diretos com atores-chave do sistema político. Um de seus principais formatos é a provisão de informações técnicas aos burocratas responsáveis pela formulação e implementação das políticas públicas. Nesse sentido, as consultas públicas tornam-se um valioso instrumento para a observação do impacto da ação dos grupos de interesse junto à burocracia pública, uma vez que é o momento no qual a interação entre grupos de interesse e a burocracia é formal e documentado. Golden (1998) percorreu justamente esse caminho, cotejando as versões inicial e final de 11 resoluções promulgadas por três agências norte-americanas e observando se as alterações guardavam correspondência com as contribuições enviadas. Assumindo que as mudanças teriam ocorrido em razão dos comentários, A autora pôde verificar se havia ou não influência dos grupos de interesse nessa fase particular do processo decisório de uma política pública. 6 A partir do trabalho inovador de Golden (1998), diversos autores começaram a fazer análises similares, adotando metodologias semelhantes e observando o conteúdo e o tipo de participação popular nesse momento do processo decisório, regulado nos Estados Unidos pelo Administrative Procedure Act – APA4 (Balla, 1998; West, 2004). Susan Yackee (2005), adotou essa nova perspectiva, mas trazendo uma maior sofisticação metodológica ao desenho de pesquisa, de modo a abarcar um rol mais amplo de resoluções e obter resultados passíveis de maior generalização. A autora reuniu mais de mil contribuições em cerca de quarenta regulações e realizou análises inferenciais e não apenas descritivas, para aferir o impacto dos comentários sobre as versões finais das resoluções. A autora observou que as agências alteram suas resoluções de modo a melhor corresponder à posição média dos comentadores durante o período de consultas públicas. Sua aferição partiu da mensuração do teor e dos tipos de mudança solicitadas pelos comentadores por meio de uma escala de cinco pontos (-1; -0.5; 0; 0.5; 1), que estipula se os pedidos ou as alterações foram moderadas ou suaves e em direção a mais ou menos regulação. A despeito de problemas relativos a esse tipo de análise, como a dificuldade para a codificação das mudanças ocorridas (West, 2005) e a ausência de variáveis contextuais que poderiam auxiliar na explicação dos resultados finais das políticas (Baird, 2012), o estudo de Yackee (2005) abriu novas portas para a literatura, especialmente aqueles interessados na obtenção de resultados generalizáveis para uma população mais abrangente desse momento da participação dos grupos de interesse no processo decisório. A própria autora encarregou-se de expandir os estudos na área com base nessa metodologia. Yackee e Yackee (2006) analisaram o viés empresarial na incorporação de quase 1.700 comentários referentes a 30 regulações de quatro agências governamentais. Kelleher e Yackee (2006) observaram os contatos informais - telefonemas e encontros pessoais - realizados por legisladores, governadores e grupos de interesse com vistas a influenciar as agências. Para tanto, valeram-se de surveys realizadas com os decisores de cerca de 80 agências nos 50 4 O APA refere-se a um regulamento editado em 1946 que obriga todas as agências governamentais a publicarem suas propostas de regulamento no Diário Oficial do governo dos Estados Unidos, chamado de Federal Register. Feito isso, há um prazo para o recebimento de comentários de quaisquer grupos ou cidadãos interessados na matéria, os quais podem ou não ser incorporados à versão final da resolução. 7 estados norte-americanos. McKay e Yackee (2007) estudaram os efeitos da competição entre os grupos de interesse no lobby junto às agências. Sua amostra baseou-se em aproximadamente 1.700 comentários de 40 regulações governamentais. Naughton, Schmid, Yackee e Zhan (2009) avaliaram a importância da participação dos grupos de interesse nos estágios iniciais do processo decisório. Analisando praticamente 500 comentários oriundos de 36 regulações do Departamento de Transportes, os autores concluíram que as contribuições feitas no início do processo condicionam o texto finalmente aprovado. Nelson e Yackee (2011) estudaram o papel das coalizões na influência junto às agências. A partir da conjugação de dados de surveys realizados com entidades que fazem lobby e de análises de conteúdo referentes a sete agências governamentais, os autores encontraram evidências da efetividade das coalizões para impactar as versões finais dos regulamentos aprovados. 3. Grupos de interesse e as agências reguladoras – a literatura no Brasil O processo de criação e evolução institucional das agências ensejou uma profusão de trabalhos na área. Diversos trabalhos dentro da Ciência Política brasileira buscaram compreender o jogo político por trás da formação dessas agências e o seu desenho institucional (Nunes, 2001; Piovesan, 2002; Nunes et al., 2007; Baird, 2011). Outros procuraram discutir a racionalidade do modelo de agências reguladoras vis-à-vis o modelo de agências executivas, propugnado pelo Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) (Costa, 2002; Pacheco, 2006). Os mecanismos de participação da sociedade civil e a accountability presente no modelo das agências também foram estudados por Pó (2004) e Pó e Abrucio (2006). Em que pese a diversidade de estudos feitos sobre as agências, o principal debate refere-se à independência das agências reguladoras vis-à-vis o núcleo central do governo, composto pela Presidência da República e os ministérios (Pó, 2009; Silva, 2011a; Silva, 2011b). Como as agências foram criadas como entes técnicos, supostamente livres de maiores interferências políticas, o que se busca observar são os mecanismos de controle à disposição do governo eleito e a medida em que este os usa para supervisionar e constranger as ações dos órgãos 8 regulatórios. Esses estudos analisam, de uma maneira ou de outra, o lobby realizado junto às agências. No entanto, seu foco é a ação do próprio governo como lobista, e não dos grupos de interesse, embora possamos afirmar que os interesses desses grupos também são representados, em alguma medida, pelo governo eleito. Conforme aponta Baird (2012), é possível “grosso modo, distinguir entre dois olhares possíveis para as agências reguladoras: um que focaliza os principais atores estatais e outro mais atento à atuação dos grupos de interesse” (Baird; 2012, p. 71). Este segundo olhar, embora menos difundido, também foi contemplado pela literatura brasileira, com estudos que buscaram acompanhar a ação dos grupos de interesse via contribuições durante a consulta pública (Mattos, 2004; Silva e Filho, 2008; Alves, 2009). E até onde pudemos verificar, ainda não há na literatura estudos importantes que tenham analisado o impacto dos grupos de interesse nas agências reguladoras via outros mecanismos institucionais ou mesmo informais, além da literatura que tratou da conjunção entre interesses estatais e dos grupos de interesse na formação dos anéis burocráticos (Cardoso, 1974). Esses estudos, seguindo o caminho aberto pela literatura estadunidense, procuraram descrever os participantes das consultas públicas (o primeiro na Agência Nacional de Telecomunicações - Anatel, o segundo na Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel, e o terceiro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa) e analisar a taxa de incorporação dos comentários feitos por esses atores, de modo a aferir a influência exercida por esses grupos. Os estudos de Mattos (2004) e Alves (2009) analisaram por volta de uma dezena de resoluções e demonstraram que os interesses dos grupos são contemplados em alguma medida: nos dois casos, a taxa de incorporação das contribuições foi de aproximadamente 25%. Cabe esclarecer que o interesse teórico dos autores relacionava-se à participação democrática, de modo que a escolha das resoluções guiou-se por temas não técnicos que possivelmente despertassem o interesse de uma gama mais ampla de atores, para além dos grupos de interesse do setor regulado. O trabalho de Silva e Filho (2008), por sua vez, foi mais abrangente, abarcando a totalidade das resoluções da Aneel postas em audiência pública no período entre 1998 e 2006. Também interessados na accountability da agência, os autores buscaram comparar a incorporação dos comentários feitos pelos grupos de interesse empresariais vis-à-vis os consumidores, grupos difusos, ou latentes, na 9 terminologia olsoniana. A principal hipótese dos autores, amparada nas ideias de Olson (1999) e Stigler (1975), relacionava-se à expectativa de uma forte assimetria entre os grupos, com um acolhimento relativamente maior dos comentários feitos pelo setor regulado. A conclusão aponta para um maior favorecimento aos grupos empresariais, embora a diferença percentual seja mínima. 4. A influência dos grupos de interesse nas audiências públicas Esses estudos, cuja atenção recai sobre a ação direta dos grupos de interesse junto às agências por meio das audiências públicas, inserem-se num esforço teórico de completar uma lacuna deixada pelos teóricos da literatura do agente-principal. Estes estão preocupados em observar de que mecanismos os três Poderes dispõem para controlar a burocracia pública, aí incluídas as agências, de modo a garantir a consecução de seus interesses. A necessidade de supervisionar a administração pública decorre da delegação de poderes feita a seus burocratas5. A literatura neoinstitucionalista que trata das audiências públicas, inspirada nessa discussão do agente-principal, enxerga esse mecanismo de participação como uma maneira de os “principais” – leia-se os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário - manterem o controle sobre a burocracia. De acordo com essa lógica, os grupos de interesse que se sentirem afetados pelas regulações propostas pelas agências farão uso das audiências públicas para sinalizar a esses Poderes sua contrariedade. Uma vez alertados, os “principais” poderão definir a decisão a ser tomada. Para esses teóricos, portanto, the true role of public notice and comment is not to secure policyrelevant information in a direct way; rather, it serves as a fire alarm that alerts politicians to agency actions that have significant adverse effects on their constituents (who will complain about proposed values they do not like) (West, 2005). Sem querer avaliar o caráter factual da hipótese, é importante observar os diversos trabalhos citados mostram uma participação robusta dos grupos de interesse nos mecanismos de participação disponibilizados pelas agências. Nesse sentido, e tendo em vista o caráter técnico das agências, é bastante plausível supor que os grupos de interesse tentem influenciar diretamente a agência mediante suas 5 Para uma revisão dessa literatura e uma descrição dos mecanismos utilizados pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário para controlar a burocracia, ver Baird (2012). 10 contribuições, e não utilizem as audiências públicas apenas como instrumento de acionamento de outros Poderes. Kerwin (1996) foi direto ao ponto em sua crítica à literatura neoinstitucionalista: “os grupos de interesse nunca são considerados os principais, mas influenciam profundamente essas outras instituições”. (Kerwin; 1996, p. 297). É importante, portanto, que também se atente para a ação direta dos grupos de interesse junto às agências, e não apenas indiretamente via outros Poderes. Essa lacuna vem sendo suprida por essa literatura interessada no impacto das contribuições dos grupos de interesse, à qual este trabalho busca unir esforços com vistas a uma compreensão mais ampla da ação dos grupos de interesse e do papel destes mecanismos de participação. Na mesma linha dos estudos inaugurados pela literatura estadunidense e levados a cabo, de maneira similar, pela literatura brasileira, pretendemos observar a participação em todas as audiências públicas da Anac no período entre 2007 e 2012 e analisar o impacto dos comentários enviados pelos grupos de interesse nas resoluções finais promulgadas por aquela agência. Da mesma forma que Silva e Filho (2008), levaremos em conta todas as resoluções submetidas a audiência pública na Anac, sem qualquer viés no sentido de encontrar cenários que favoreçam a participação de determinado grupo. Nosso trabalho ainda procura avançar em relação à literatura nacional sobre o tema, na medida em que apresenta e procura testar algumas hipóteses que explicariam a motivação das agências ao incorporar determinados comentários em detrimento de outros. Procuraremos avaliar não apenas o número de comentários realizados por cada um dos grupos de interesse que participaram das audiência públicas, e suas respectivas taxas de incorporação, mas também os tipos de comentários realizados. A primeira forma de qualificar os comentários é dividi-los entre técnicos e não técnicos, uma vez que é possível que comentários técnicos tendam a ser mais incorporados pela agência reguladora, uma vez que estes proveem à agência informações que podem não ter sido avaliadas durante a primeira elaboração da proposta de resolução. Além disso, classificaremos os argumentos apresentados nos comentários como econômicos ou jurídicos. Com isso buscaremos descobrir se 11 a agência é mais sensível a um tipo específico de argumentação. Por fim, analisaremos se o comentário pede mais ou menos regulação. A introdução dessas variáveis que qualificam os comentários realizados é relevante, pois uma maior taxa de incorporação de comentários pode estar relacionada a uma maior capacidade de produção de comentários mais informativos, alertando para consequências econômicas, políticas ou jurídicas da resolução em questão, sem que necessariamente isso signifique uma maior influência desses grupos. Vale dizer, é possível que um grupo possua uma taxa maior de incorporação por produzir comentários e análises qualificadas sobre a resolução e não por possuir maior influência sobre a Anac. Diante dessas considerações, propomos as seguintes hipóteses de pesquisa: H1: Tecnicidade dos comentários: as agências tendem a incorporar comentários técnicos a comentários não técnicos. Uma possível explicação para as diferentes taxas de incorporação dos grupos é que, na realidade, a agência tende a incorporar comentários técnicos a comentários não técnicos. Assim, a audiência pública seria um momento de aperfeiçoamento das resoluções, e não de disputa de poder. Os comentários serviriam para aumentar a informação disponível para a agência e melhorar a qualidade da regulação. As agências abririam as audiências públicas na expectativa de obter um feedback dos stakeholders da política regulada. Além disso, durante as audiências públicas, a mera pressão política, quando não qualificada, não produziria grandes efeitos nessa etapa do processo decisório. Os argumentos vitoriosos seriam justamente aqueles que trazem informações relevantes para a agência. H2: Comentários econômicos: as agências tendem a incorporar comentários que apresentem argumentos econômicos Durante as audiências públicas, a mera pressão política, quando não qualificada em argumentos econômicos, não teria grandes efeitos durante esse momento do processo decisório. Os argumentos que tenderiam a ser vitoriosos são justamente aqueles que produzem informações relevantes para a agência, incluindo 12 advertências sobre potenciais riscos econômicos ao setor regulado em caso de aprovação da política proposta. Isto porque a Anac seria sensível aos interesses econômicos em jogo durante o seu processo de decisão e evitaria aumentar custos aos atores envolvidos com a política regulada quando suas decisões estivessem afetando a performance agregada do setor. H3: Comentários jurídicos: as agências tendem a incorporar comentários que apresentem argumentos jurídicos Durante as audiências públicas, a mera pressão política, quando não qualificada em argumentos jurídicos, não acarretaria grandes efeitos nessa etapa do processo decisório. Os argumentos que tenderiam a ser vitoriosos são justamente aqueles que produzem informações relevantes para a agência, incluindo alertas de que a regulação viola lei nacionais ou internacionais, sinalizando futuras batalhas judiciais caso a resolução não seja alterada. As ameaças de retaliação judicial elevariam os custos de mudança da regulação para a agência. H4: Poder dos grupos empresariais: as empresas e os grupos empresariais tendem a ter resultados melhores nas audiências públicas Os grupos de interesse empresariais são mais organizados e possuem mais recursos para pressionarem as agências, além de contarem com outros mecanismos de pressão. Deitando raízes nos problemas de ação coletiva analisados por Olson (1999), sabemos que a formação e a atuação dos vários grupos da sociedade não são simétricos e equilibrados. A capacidade organizacional e de ação dos grupos menores dão-lhes um poder desproporcional em relação aos grupos latentes, de tal forma que aqueles tendem a ser beneficiados no mais das vezes em detrimento de grandes grupos sociais com interesses comuns, mas sem incentivos para a mobilização. E os grupos empresariais seriam, naturalmente, um grupo beneficiado por sua maior capacidade de organização, na medida em que são compostos por um menor número de partes. 13 H5: Grupos empresariais produzem melhores comentários: as empresas e os grupos empresariais tendem a ter resultados melhores nas audiências públicas, pois produzem comentários mais qualificados, oferecendo às agências argumentos que corroborem e justifiquem os seus interesses. Caso os comentários mais incorporados sejam os comentários técnicos e os grupos empresariais sejam o grupo mais privilegiado nas audiências públicas da Anac, pretendemos observar se essa relação é acentuada quando em interação. Isto é, se os comentários realmente incorporados são os comentários técnicos do empresariado. A lógica por trás dessa hipótese é a mesma que explica a Hipótese 4, matizada pelo fato de que a Anac não atende a qualquer comentário do empresariado, mas apenas àqueles que são justificados de maneira técnica, embora não dê a mesma atenção aos argumentos técnicos de outros grupos não empresariais. 5. Metodologia Em nosso desenho de pesquisa não pretendemos esgotar as explicações referentes à razão pela qual as resoluções da Anac tomam uma ou outra forma, atendendo a estes ou aqueles interesses. Vale dizer que por certo existem outros mecanismos à disposição dos grupos de interesse para pressionar as agências reguladoras em prol de seus interesses. Isso pode se dar tanto direta mas informalmente, com o contato direto junto aos diretores das agências, como indiretamente, quando os grupos de interesse acionam outros Poderes e/ou outras instâncias do Poder Executivo para que façam gestões junto às agências (Yackee, 2005). Além disso, não estamos preocupados em compreender como os temas cobertos por essas resoluções entraram na agenda política das agências e por que outros temas igualmente relevantes não entraram, (Bachrach e Baratz, 1962), uma vez que mecanismos que expliquem a seleção de temas a serem regulados transcendem o método de pesquisa aqui proposto. Nosso objetivo, mais modesto, é atentar para a ação dos grupos de interesse exclusivamente na fase de audiência pública, buscando compreender as causas que explicam a influência exercida nesse momento específico do processo decisório. 14 5.1. Dados A análise será feita a partir de um banco de dados original, organizado pelos próprios autores, sobre todos os comentários feitos em todas as audiências públicas da Anac realizadas entre os anos de 2007 e 2012. A unidade básica de análise é o comentário, sendo que este se refere ao conjunto de proposições realizadas por um ator específico, seja este uma instituição ou uma pessoa física, a respeito das regulações propostas nas audiências públicas da Anac. A escolha desta unidade de análise deve-se ao fato que as respostas feitas pela Anac a respeito da incorporação ou não das contribuições realizadas em suas audiências públicas não são uniformes. Em alguns relatórios, as considerações são feitas em relação aos comentários de cada um dos atores, em outros os comentários são divididos em proposições e as considerações feitas a cada uma das proposições, organizadas em conjuntos semelhantes de proposições e referentes a artigos e parágrafos específicos das regulações. Desta forma, quando grupos de interesse apresentaram documentos distintos numa mesma audiência pública, estes são considerados como partes de um mesmo comentário. Tabela 1. Resoluções e Comentários por ano Ano 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Total Nº Regulações Nº Comentários 2 31 3 44 20 219 14 185 6 32 3 7 48 518 Fonte: Banco de Dados No total, analisamos 518 comentários feitos em 48 regulações. Na tabela abaixo, apresentamos o número de resoluções por ano que receberam comentários e quantos comentários foram feitos em cada um desses anos. Para testar a influência relativa dos participantes nas audiências públicas realizadas pela Anac, classificamos os comentários nas seguintes variáveis: 1) incorporação do comentário; 2) tecnidade do comentário; 3) argumento econômico; 4) argumento jurídico; 5) autoria do comentário; 6) demanda por regulação. Estas seis variáveis foram avaliadas por três codificadores independentes, que atenderam às regras expostas abaixo sobre a atribuição dos valores às 15 variáveis. Para avaliarmos a confiabilidade dos resultados, uma parte das regulações foi codificada por dois dos três codificadores, pareados um a um, permitindo a comparação dos valores atribuídos às variáveis. Dois dos três codificadores avaliaram 21 regulações e o terceiro avaliou 27. Do total de 48 regulações, 15 foram analisadas por dois dos codificadores e a partir destes dados analisamos a confiabilidade das variáveis listadas abaixo. A variável incorporação mensura se o comentário foi incorporado ou não. Para isso, atribuímos o valor de 0 quando o comentário não é incorporado, 1 quando o comentário é considerado pertinente e será submetido a análise futura e 2 quando é efetivamente incorporado e altera a resolução final. Cabe ressaltar que, ao atendimento parcial à demanda do comentador, é atribuído o valor 2. Ou seja, incorporações parciais são contabilizadas como 2, na medida em que a versão final da resolução é alterada em consequência dessa contribuição. A variável tecnicidade mensura a qualidade técnica do comentário. O valor de 0 é atribuído quando o comentário é não técnico, 1 quando o comentário demonstra um conhecimento da questão por parte do comentador mas sem ser uma avaliação exaustiva, e 2 quando há uma avaliação exaustiva. Como esses critérios são menos objetivos que os anteriores, para verificar a validade dos dados, usamos outras duas mensurações da qualidade técnica dos comentários: o número de palavras dos comentários e o número de proposições de mudanças nas resoluções. A variável comentário econômico indica que o comentário trata de uma temática ou de um argumento econômico ou não. Atribuímos o valor de 1 quando o argumento é econômico e 0 caso contrário. O mesmo acontece para a variável comentário jurídico. Atribui-se o valor de 0 quando o argumento não é jurídico e 1 quando o é. Um argumento jurídico é aquele que diz que mudanças nas resoluções devem ser realizadas devido à inconsistência com regras e leis nacionais e/ou internacionais. A variável demanda por regulação mensura se o comentário pede mais ou menos regulação. Quando o comentário pediu mundanças em direção a ou defendeu maior regulação, a ele foi atribuído o valor de 1. Quando o comentário pediu mudanças em direção a ou defendeu menor regulação, a ele foi atribuído o 16 valor de -1. Quando o comentário não solicitou nem mais nem menos regulação, a ele foi atribuído o valor de 0. Por fim, a variável autoria do comentário indica a que tipo de grupo de interesse o comentador pertence. São seis tipos distintos de comentadores: i) ator institucional público; ii) pessoa física; iii) empresa; iv) associação empresarial; v) sindicato trabalhista; e, por fim, vi) organização da sociedade civil. Nossas categorias são mutuamente exclusivas e exaustivas, sendo que o tipo vi é residual. Confiabilidade das Variáveis Na tabela 2 apresentamos os dados de confiabilidade de nossas variáveis, comparando a correlação entre as atribuições feitas pelos codificadores independentes. Tabela 2. Confiabilidade das Variáveis Variáveis \ Codificadores INCORPORACAO TECNICIDADE PALAVRAS PROPOSICOES ECONOMICO JURIDICO REGULACAO AB 0.8879 0.8234 0.9986 0.9723 1.000 0.7802 1.000 AC 0.9412 0.7235 0.9527 0.9581 0.8403 0.7343 0.6831 BC 0.9345 0.5401 0.7277 0.9951 0.6847 0.5952 0.6765 Fonte: Banco de Dados Conforme podemos conferir na tabela 2, os dados são confiáveis. Todas as variáveis possuem confiabilidade superior a 0,5 e a principal variável de interesse, incorporação, possui correlação superior a 0,88. A confiabilidade média do banco é de 0.8313 e se excluírmos as variáveis número de palavras e número de proposições, a confiabilidade média é de 0.790. 5.2. Métodos Na próxima seção, primeira empírica, analisamos a estatística descritiva de nosso banco de maneira a ilustrar quais são os grupos de interesse que mais participam e quais são os tipos de comentários mais comumente realizados. Na seguinte, analisamos quais são as respectivas taxas de incorporação e, por fim, quais são as variáveis mais relacionadas com a incorporação dos comentários. Para 17 a execução desta última análise, utilizaremos modelos de regressão de dados binários e de dados multi-categóricos. Quando a variável dependente for 0 ou 1, usaremos modelos de regressão logística, e quando a variável dependente tiver os valores 0, 1 e 2, usaremos modelos de regressão logística ordenada. Em todos estes, apresentamos erros padrões robustos e clusterizados por regulação. Os modelos logísticos forçam que os resultados preditos pelo modelo estimado esteja entre 0 e 1, estimando, portanto, a probabilidade de que o evento (Y=1) aconteça. Por sua vez, os modelos logísticos ordenados são adequados quando a variável dependente possui mais de duas categorias e os valores de cada categoria possuem uma ordem seqüencial natural. Isto porque os valores atribuídos às variáveis não são arbitrários, mas a diferença intervalar não é igual a cada intervalo. Isto é, o 2 não representa um valor duas vezes maior que o 1. (Wooldridge, 2002, p. 504). Modelo Econométrico: O modelo logístico ordenado é o mais geral entre as duas estimações propostas e deste modo definimos nossa técnica de estimação apenas para esse. O modelo logístico binário é um caso especial do primeiro. Em ambos, o y (condicionado nas variáveis independentes x) pode ser derivado de um modelo de variável latente. Assumindo que a variavel latente y* é determinada pelo processo (Wooldridge, 2002, p. 505): (1) y* = xβ + e; e|x ~ Normal (0,1), onde β é K x 1 e x não possui uma constante. E α1 < α2 < ... < αj são parâmetros de separação que definem: (2) y = 0; se y* ≤ α1 y = 1; se α1 ≤ y* ≤ α2 (...) y = j; se y* > αj 18 Estimação: Os parâmetros αi e βi são estimados por máxima verossimilhança pela função de log-verossimilhança (Wooldridge, 2002, p. 506): (3) ... L i (α, β) = 1[ yi=0] log [Λ(α1 – xiβ)] + 1[yi=1] log [Λ(α2 – xiβ) - Λ(α1 – xiβ)] + ... + 1 [ yi =J ] log [1 - Λ(αj – xiβ)] 6. Resultados 6.1. Quem e como participa Nosso primeiro interesse é observer o grau relativo de participação nas audiências públicas da Anac. Para tanto, mostraremos quantos comentários foram feitos por cada um dos grupos de interesse, redivididos em quatro categorias de grupos distintos: o empresariado, composto pelas empresas e associações empresariais; os atores públicos; as pessoas físicas; e os atores da sociedade civil, compostos pelos sindicatos e pelas associações não governamentais. Como os comentários variam no número de proposições e em extensão, apresentamos também a comparação segundo o número de proposições feitas e o número de palavras de cada um dos comentários. Encontramos que o grupo mais participativo é o grupo empresarial. Esse grupo apresentou mais de 50% dos comentários, 68% das proposições e 70% das palavras enviadas à Anac. Em números absolutos, o empresariado apresentou 263 dos 518 comentários, 1599 das 2345 proposições e 433.280 das 618.481 palavras. Bastante atrás dos índices do empresariado, atores que se apresentam individualmente como comentadores são o segundo grupo mais expressivo, atingindo 30,7% dos comentários realizados, 14,5% das proposições e 11,2% das palavras, indicando, portanto, que, ainda que sua participação bruta seja relativamente grande (159 dos 518 comentários), os seus comentários são menos sofisticados que os realizados pelo empresariado. O terceiro grupo mais participativo é constituído pelos atores do poder público, que são os responsáveis por cerca de 10% dos comentários, 12% das 19 proposições e 14% das palavras. E, por fim, o quarto e menos participativo grupo são os representantes da sociedade civil organizada, como organizações não governamentais e sindicatos, que atingiram índices bastante reduzidos, a saber, 8% dos comentários, 5% das proposições e 5% do número de palavras. Esses resultados estão resumidos na Tabela 3 exposta abaixo: Tabela 3. Participação nas Audiências Públicas da Anac Participação nº de comentários Público 54 10.4% Física 159 30.7% Empresariado 263 50.8% Sociedade Civil 42 8.1% Total 518 100% nº de proposições 285 12.2% 339 14.5% 1599 68.2% 122 5.2% 2345 100% nº de palavras 87274 14.1% 68967 11.2% 433280 70.1% 28960 4.7% 618481 100% Fonte: Banco de Dados Ademais, se analisarmos esses dados tendo como referência o tamanho dos comentários como uma forma de mensuração da tecnidade deles, o resultado continua bastante favorável ao empresariado. A quantidade relativa de palavras e proposições por comentários é bastante superior na participação empresarial. Todavia, neste quesito a diferença entre comentários empresariais e comentários dos atores públicos é sensívelmente menor, não sendo possível, portanto, indicar que os comentários empresariais sejam tecnicamente superiores aos comentários dos atores públicos. Por outro lado, a extensão relativa dos comentários desses dois grupos é cerca de 2 a 3 vezes maior do que a extensão relativa dos comentários das pessoas físicas e dos representantes da sociedade civil organizada, a saber 2.25 vezes maior quando a extensão é mensurada em número de proposições e 2.91 vezes maior quando a mesma é mensurada em número de palavras. Os dados relativos são apresentados na Tabela 4 abaixo. Tabela 4. Extensão relativa dos comentários Participação Empresariado Público Física Sociedade Civil Total de Casos por proposições 6.08 5.28 2.13 2.90 4.53 por palavras 1,647.45 1,616.19 433.75 689.52 1,193.98 Fonte: Banco de Dados 20 Essas informações são um ponto de referência importante a respeito da tecnicidade dos comentários. Posto isso, comparamos os achados da Tabela 4 com a mensuração feita pela variável tecnidade, que, conforme expusemos, atribui os valores de 0 quando o comentário é não técnico, 1 quando o comentário demonstra conhecimento da questão mas sem ser uma avaliação exaustiva e 2 quando há uma avaliação exaustiva. Na Tabela 5, expomos os valores absolutos e a tecnicidade média dos comentários apresentados pelos respectivos tipos de grupos de interesse. Tabela 5. Comentários por Nível de Tecnicidade Grupo de Interesse Público Empresariado Sociedade Civil Física Total Não técnico (0) 8 40 13 76 137 Conhecimento da Questão (1) 29 166 25 78 298 Avaliação Exaustiva (2) 17 57 4 5 83 Média (0-2) 1.17 1.06 0.79 0.55 0.90 Fonte: Banco de Dados Conforme podemos ver, o mesmo padrão encontrado na Tabela 4 se repete, o que é um bom indicativo da validade da variável tecnicidade6, pois os comentários dos atores do setor público e do setor empresarial continuam sendo muito mais técnicos que os comentários da sociedade civil e das pessoas físicas, sendo que o nível técnico destas últimas é bastante reduzido. Já na Tabela 6, apresentamos as proporções de cada nível de tecnicidade do comentário por tipo de grupo de interesse. O objetivo desta análise é elucidar quais são os tipos de comentários mais frequentes por cada grupo de interesse. Na tabela apresentamos a propoção de comentários em cada um dos nível de tecnicidade por cada tipo de grupo de interesse. Conforme podemos observar, todos os grupos de interesse tendem a apresentar majoritariamente comentários que reflitam um conhecimento sobre a questão, sem apresentarem uma avaliação exaustiva. Por outro lado, apenas o empresariado e o setor público tendem a apresentar consistentemente comentários sofisticados e que avaliam a questão regulada exaustivamente. Estes dois grupos 6 Outro indicativo da validade desta variável é a sua correlação com o logaritimo de palavras e com o logarítimo de número de proposições de mudanças + 1, a saber: 0.7071 e 0.5752. 21 raramente (cerca de 15% das vezes) apresentam comentários não técnicos, enquanto isso acontece mais frequentemente nos comentários realizados pela sociedade civil organizada e pelas pessoas físicas (cerca de 31% e 48% das vezes, respectivamente). Tabela 6. Concentração Relativa da Tecnicidade dos comentários Participação Não técnico Público Empresariado Física Sociedade Civil Total 0.15 0.15 0.48 0.31 0.26 Conhecimento da Questão 0.54 0.63 0.49 0.60 0.58 Avaliação Exaustiva 0.31 0.22 0.03 0.10 0.16 Total 1.00 1.00 1.00 1.00 1.00 Fonte: Banco de Dados Por fim, resta-nos analisar se os comentários utilizam argumentos econômicos e jurídicos. Fazemos isso na Tabela 7 e na Tabela 8. Na Tabela 7 verificamos que, com exceção do empresariado, os outros atores não se utilizam muito de argumentos econômicos. Enquanto 30% dos argumentos do empresariado foram econômicos, apenas 16,7% dos comentários da sociedade civil organizada o foram. Por sua vez, o índice chegou a 13% no setor público, enquanto nos comentários feitos por pessoas físicas o valor é menor do que 5%. Tabela 7. Argumentação Econômica Participação Empresariado Público Sociedade Civil Física Total Não econômico 184 47 35 152 418 Econômico Proporção 79 7 7 7 100 30.0% 13.0% 16.7% 4.4% 19.3% Fonte: Banco de Dados Por sua vez, na Tabela 8 verificamos que o setor que mais recorre à argumentação jurídica é o setor público, cujos argumentos são jurídicos em nada menos do que 37% dos comentários. Já o empresariado faz uso de argumentos jurídicos em cerca de 20,5% das vezes, enquanto a sociedade civil o faz em 19% e as pessoas físicas em 12,6%. 22 Tabela 8. Argumentação Jurídica Participação Público Empresariado Sociedade Civil Física Total Não jurídico 34 209 34 139 416 Jurídico 20 54 8 20 102 Proporção 37.0% 20.5% 19.0% 12.6% 19.7% Fonte: Banco de Dados Os resultados acima demonstram que as audiências públicas da Anac constituem uma arena na qual os atores empresariais, qualificados tecnicamente, têm grande preponderância na participação. Todavia, a menor presença de atores da sociedade civil organizada, dos próprios cidadãos individualmente ou de atores do poder público não significa que estes possuam mais dificuldades em terem seus argumentos atendidos pela agência. É importante frisar que, embora os empresários sejam responsáveis por cerca de 50% dos comentários, 68% das proposições e 70% das palavras enviadas à Anac, não é possível definir um padrão ideal de participação para os diferentes grupos sociais. É possível, portanto, que os 50% de participação dos outros grupos seja um número elevado, dadas as maiores restrições a recursos organizacionais, financeiros e políticos que, por exemplo, atores da sociedade civil e indivíduos possuem para participar desse momento do processo decisório. Voltamo-nos agora à discussão dos aspectos que influenciam a incorporação dos comentários. Não seria improvável, caso a agência possuísse um viés antiempresarial, que outros grupos de interesse possuíssem taxas de incorporação mais elevadas que os grupos empresariais. É disto que trataremos na próxima seção, na qual avaliaremos quais são os fatores determinantes da incorporação dos comentários pela Anac. Feito isso, poderemos afirmar se existe algum ator com maior capacidade de persuasão sobre a agência. Da mesma forma, seremos capazes de verificar se essa incorporação está relacionada ao tipo de comentário realizado. 23 6.2. Quem influência A variável que mede a influência dos atores presentes nas audiências públicas realizadas pela Anac é a incorporação do comentário. Os seus valores são 0 quando o comentário não é incorporado, 1 quando o comentário é considerado pertinente e a Anac diz que vai analisá-lo futuramente e 2 quando é efetivamente incorporado e altera a resolução final. Conforme podemos ver na tabela abaixo, a taxa de incorporação média de todos os comentários é bastante alta, mostrando que a agência é razoavelmente sensível às argumentações levantadas pelos comentadores. Aproximadamente 41% dos comentários têm alguma de suas proposições incorporadas pela agência. Todavia esta taxa não é semelhante a todos os grupos. Os atores públicos e empresarias são mais atendidos, enquanto as pessoas físicas e os atores da sociedade civil organizada são menos. Os resultados são apresentados na Tabela 9 abaixo. Tabela 9. Incorporação dos Comentários Participação Público Física Empresariado Sociedade Civil Total Não Incorporado 22 106 118 25 271 A ser analisado Incorporado 3 9 15 7 34 29 44 130 10 213 Taxa de Incorporação 53.7% 27.7% 49.4% 23.8% 41.1% Fonte: Banco de Dados Em que pese o fato de os grupos empresariais e os atores públicos apresentarem taxas maiores de incorporação (proporção de comentários com alguma proposição incorporada entre todos os comentários realizados), isto não quer dizer que estes atores são privilegiados pela Anac. Conforme foi longamente exposto na seção anterior, os grupos tendem a apresentar diferentes tipos de comentários, que variam na tecnicidade de sua argumentação ou nos tipos de argumentos apresentados. Dessa forma, é necessário fazer uma análise multivariada, incorporando as variáveis que qualificam os comentários, de tal forma que possamos aferir se a maior taxa de incorporação observada para os grupos empresariais e atores públicos, explicitada na Tabela, 9 reflete um favorecimento feito pela Anac a esses grupos ou se são meros reflexos das características dos comentários apresentados por esses dois grupos. 24 Para realizar esta análise, nos valeremos de dois modelos distintos de regressão. No primeiro, utilizaremos a natureza tricotômica de nossa variável dependente e, deste modo, estimaremos modelos logísticos ordenados para verificarmos se as relações encontradas valem para as duas diferentes respostas dadas pela Anac: a incorporação que altera a resolução e a consideração da pertinência do resultado para futura análise. Já no segundo, consideraremos como evento apenas a incorporação do comentário, considerando a pertinência ou a não incorporação como não evento, de forma que a variável dependente torna-se binária e a estimação por regressão logística é adequada. Em ambas as análises, apresentamos, em primeiro lugar, modelos que incluem somente as dummies de grupos de interesse, para depois incorporarmos as variáveis independentes que qualificam os comentários. Por fim, criamos interações para ver se tipos específicos de comentários são mais aceitos pelo Anac, quando trazidos por determinado conjunto de grupos de interesse. Modelo Logístico Ordenado. Na Tabela 10 apresentamos os resultados do modelo logístico ordenado para inferir quais são os grupos de interesse que mais influenciam as resoluções da Anac por meio de pressões nas audiências públicas. No primeiro modelo, incluímos os identificadores de grupos de interesse, tendo como baseline a sociedade civil organizada (e que, portanto, não aparece na tabela). Como pode ser visto na primeira coluna, o indicador de comentário realizado por pessoa física não é diferente da baseline e portanto será retirado do modelo básico que é aquele disposto na segunda coluna e que inclui apenas os indicadores de comentários realizados por grupos de interesse empresariais e do setor público, ambos positivos e significantes. No segundo modelo, incorporamos as variáveis que caracterizam os comentários, a saber: tecnicidade, econômico, jurídico e regulatório. Os resultados são bastante interessantes. As duas variáveis indicadoras do tipo de comentador perdem significância e apenas a variável que indica que o comentário é técnico mostra-se estatisticamente significante7. Os resultados continuam robustos quando 7 O mesmo resultado permanece se a variável tecnicidade for computada como uma dummy indicando que o comentário é 0 – não técnico ou técnico não exaustivo e 1 – exaustivo. 25 mensuramos tecnicidade segundo o número de palavras ou o número de proposições feitas em cada um dos comentários, que são o terceiro modelo apresentado nas colunas 4 e 5. Tabela 10. Incorporação dos Comentários Regressão Logística Ordenada Incorporacao Empresariado Setor Publico Ator Individual 1 modelo 0.771* 0.365 0.943* 0.371 -‐0.151 0.496 Tecnicidade Log(palavras) Log(proposicoes) Economico Juridico Regulatorio Empresariado x Tecnicidade Setor Publico x Tecnicidade cutt1 2 modelo 3 modelo 1 -‐ Variaveis de Grupo 0.887* 0.530 0.303 0.151 0.440 0.402 0.402 0.443 1.060* 0.702 0.571 0.630 0.466 0.477 0.482 0.598 2 -‐ Carcateristicas dos Comentarios 0.698** 0.253 0.644*** 0.131 1.705** 0.235 0.498 0.057 0.187 0.398 0.261 0.303 0.121 -‐0.076 -‐0.531 0.392 0.437 0.496 -‐0.112 -‐0.220 -‐0.358 0.279 0.233 0.240 3 -‐ Interacoes 0.538 0.655 1.174* 0.279 0.420 0.582 cutt2 0.818** 0.934* 1.471* 0.303 0.445 0.613 Obs1: * p<0.05, ** p<0.01, *** p<0.00 Obs2: N= 518 Obs3: Erros padroes clusterizados por regulacao 4 modelo 5 modelo 0.137 0.636 0.805 0.441 0.558 0.387 -‐0.081 1.021 0.461 0.360 0.619* 0.262 0.467 0.402 0.125 0.385 -‐0.088 0.297 0.493 0.406 0.122 0.392 -‐0.106 0.268 0.460 0.403 4.234*** 2.256*** 1.028 0.589 4.555*** 2.627*** 1.080 0.640 1.009 0.632 1.307* 0.667 0.734 0.717 1.119 0.595 1.417* 0.625 Fonte: Banco de Dados No quarto e quinto modelos, verificamos se a relação entre tecnicidade e grupo de interesse é mais forte quando as variáveis interagem. Isto é, se a Anac é mais responsiva a argumentos técnicos do empresariado e/ou do setor público. Conforme podemos ver na Tabela 10, as interações entre tecnicidade e setor público 26 e entre tecnicidade e empresariado não são significantes, indicando que a Anac não responde de maneira diferente a argumentos técnicos oriundos de tipos distintos de grupos de interesse. Desta maneira, a primeira etapa inferencial sobre quem influencia as audiências públicas realizadas pela Anac parece indicar que nenhum grupo de interesse tem prevalência nesse momento do processo decisório. As maiores taxas de incorporação dos atores do setor público e do empresariado parecem ser justificadas não por um suposto favorecimento a esses grupos, mas sim pela própria qualidade de sua argumentação, pois são aqueles que elaboram comentários mais qualificados8. Observamos, por fim, que em alguns dos modelos apresentados, a diferença entre as categorias comentário não é incorporado e comentário considerado pertinente e a ser analisado futuramente não é estatisticamente significante (modelos 1, 4 e 5) e, devido a isso, refazemos a análise, dessa vez tendo como variável dependente uma variável binária que mensura como evento apenas a efetiva incorporação do comentário, considerando as categorias acima citadas como não evento. Probabilidade de Incorporação Gráfico 1. Probabilidade de Incorporação por Tecnicidade do Comentário 0.8 0.7 0.6 0.5 0.4 0.3 0.2 0.1 0 0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 0.6 0.7 0.8 0.9 1 1.1 1.2 1.3 1.4 1.5 1.6 1.7 1.8 1.9 2 Tecnicidade P(Y=0) P(Y=1) P(Y=2) 8 Como uma simples verificação dos achados empíricos, refizemos todos as análises usando o estimador de mínimos quadrados ordinário. Resultados bastante semelhantes foram obtidos. Ademais, refizemos as análises incorporando dummies de ano de modo a eliminar impactos específicos que tenham ocorrido em cada ano. Mais uma vez, os resultados foram bastante similares. 27 Ademais, em relação à variável independente de interesse, tecnicidade, a categoria comentário considerado pertinente e a ser analisado futuramente não é afetada pela variação no nível de tecnicidade. Usando a função básica do Modelo 2, observamos que apenas a probabilidade de não incorporação (0) e de incorporação (2) é afetada pela variação no nível de tecnicidade, conforme pode ser visto no gráfico 1 abaixo9. Modelo Logístico Binário Na Tabela 11, apresentamos os resultados do modelo logístico para inferir se os padrões encontrados com essa variável dependente mais rígida são semelhantes. Assim como no anterior, no primeiro modelo incluímos os identificadores de grupos de interesse, tendo como baseline a sociedade civil organizada e o grupo de comentários de pessoas físicas. O resultado é surpreendente, pois apenas o setor público mostrou-se estatisticamente significante. O empresariado não aparece diferente da baseline, ainda que esteja no limite da não significância estatística. No segundo modelo, incorporamos as variáveis que caracterizam os comentários, a saber: tecnicidade, econômico, jurídico e regulatório. Novamente os resultados indicam que a variável relevante é a tecnicidade do comentário10. E os resultados são mais robustos quando mensuramos tecnicidade segundo o número de palavras ou o número de proposições feitas em cada um dos comentários, que são o terceiro modelo apresentado nas colunas 3 e 4. No quarto e quinto modelos, verificamos novamente se a relação entre tecnicidade e grupo de interesse é mais forte quando as variáveis interagem. Isso é, se a Anac é mais responsiva a argumentos técnicos do empresariado e/ou do setor público. Conforme podemos ver na Tabela 11, as interações entre tecnicidade e setor público e entre tecnicidade e empresariado são não diferentes de zero, indicando que a Anac não responde de maneira diferente a argumentos técnicos oriundos de tipos distintos de grupos de interesse. 9 P(Y=0) = 1 / [1 + exp (Xβ - α1)]; P (Y=1) = {1/[1 + exp (Xβ - α2)]} – {1/[1+ exp (Xβ - α1)]}; P(Y=2) = 1 – [1/1 exp (Xβ - α2)]. 10 O mesmo resultado permanece se a variável tecnicidade for computada como uma dummy indicando que o comentário é 0 – não técnico ou técnico não exaustivo e 1 – exaustivo. 28 Tabela 11. Incorporação dos Comentários Regressão Logística Binária Incorporacao Empresariado Setor Publico 1 modelo 2 modelo 3 modelo 1 -‐ V ariaveis de Grupo 0.979 0.608 0.366 0.213 0.502 0.476 0.483 0.538 1.150* 0.736 0.577 0.712 0.532 0.532 0.550 0.702 4 modelo 5 modelo -‐0.034 0.492 0.910 0.492 0.641 0.458 -‐0.048 1.104 0.302 0.368 0.591* 0.296 0.233 0.374 0.277 0.387 0.159 0.253 0.265 0.384 0.279 0.393 0.120 0.226 Ator Individual Tecnicidade Log(palavras) Log(proposicoes) Economico Juridico Regulatorio 2 -‐ Carcateristicas dos Comentarios 0.676* 0.277 0.671*** 0.144 1.735*** 0.266 0.278 -‐0.220 -‐0.174 0.371 0.244 0.266 0.272 0.064 -‐0.328 0.391 0.429 0.492 0.110 0.009 -‐0.018 0.236 0.192 0.209 3 -‐ Interacoes Empresariado x Tecnicidade Setor Publico x Tecnicidade constante -‐1.001* -‐1.512 -‐4.772*** -‐2.726*** 0.509 0.694 1.248 0.740 Obs1: * p<0.05, ** p<0.01, *** p<0.00 Obs2: N= 518 Obs3: Erros padroes clusterizados por regulacao 0.736 0.419 -‐1.254 0.709 0.717 0.709 -‐1.453* 0.707 Fonte: Banco de Dados Desta maneira, nosso dados indicam que nas audiências públicas realizadas pela Anac, não há prevalência de nenhum grupo de interesse. As maiores taxas de incorporação dos atores do setor público e do empresariado parecem ser justificadas não por algum suposto viés a esses grupos, mas por serem aqueles que elaboram os comentários mais qualificados11. 11 Aqui também refizemos as análises usando o estimador de mínimos quadrados ordinário. Novamente, resultados semelhantes foram obtidos. Ademais, refizemos as análises incorporando dummies de ano de modo a eliminar impactos específicos que tenham ocorrido em cada ano. Mais uma vez, os resultados foram bastante similares. 29 Mais uma vez, usando a função básica do Modelo 2, observamos como a probabilidade de incorporação é afetada pela variação no nível de tecnicidade, conforme pode ser visto no gráfico 2 abaixo, no qual fica claro que o aumento da tecnidade do argumento implica um aumento da probabilidade de incorporação do comentário. Ao longo do artigo, apresentamos cinco hipóteses de pesquisa. Os resultados empíricos apresentados mostram que apenas a Hipótese 1 encontra respaldo, pois, conforme demonstramos na seção anterior, os melhores resultados obtidos pelos atores públicos e pelo empresariado nas audiências públicas da Anac não refletem o fato de esses grupos possuírem maior influência sobre a agência, mas sim a propensão da Anac pela incorporação de comentários de matiz eminentemente técnica. Como pudemos observar, foram justamente esses grupos que produziram, ao longo dos últimos seis anos (2007-2012), os argumentos mais técnicos. As hipóteses 2, 3, 4 e 5 não encontraram respaldo. Em relação às duas primeiras, o fato de os argumentos serem econômicos ou jurídicos não aumenta a probabilidade de incorporação do comentário. No que concerne à terceira hipótese, uma vez controlada a qualidade do comentário, não encontramos evidências de que os grupos empresariais sejam beneficiados, vis-à-vis outros grupos sociais, nesta etapa do processo decisório. A hipótese 5 foi refutada, outrossim, pois a não significância estatística das interações demonstrou que argumentos técnicos apresentados pelo empresariado não são privilegiados em comparação aos argumentos técnicos de outros tipos de grupo de interesse. 30 Deste modo, esta pesquisa contribui com a literatura sobre as agências reguladoras demonstrando que, ao menos nas audiências públicas realizadas pela Anac entre 2007 e 2012, não há evidências de captura por parte dos interesses empresariais. Nesse momento do processo decisório, o que parece guiar as alterações nas resoluções propostas é a qualidade da argumentação visando ao aperfeiçoamento da regulação realizada por parte da agência. 7. Conclusões Os cientistas políticos no Brasil têm se interessado crescentemente pelo tema das agências reguladoras. Vimos, porém, que ainda são escassos os esforços no sentido de analisar a ação política e a influência exercida pelos grupos de interesse junto às agências. O presente trabalho soma-se a essa promissora literatura e busca dar sua contribuição com vistas a uma melhor compreensão da participação dos grupos de interesse e de seu impacto nas audiências públicas. É importante ressaltar que o método de aferição do impacto da ação dos grupos de interesse restringe-se à participação formal nas audiências públicas. Não pretendemos dar conta da totalidade da influência exercida pelos grupos, o que só poderia ser feito mediante um exame detido da ação desses grupos junto à Anac para além dos mecanismos de participação disponibilizados pela agência e uma análise mais ampla que levasse em conta o papel de outras arenas políticas possivelmente acionadas por esses grupos, como outros órgãos do Poder Executivo e o Legislativo. Nossa análise das audiências públicas da Anac revelou, assim como o trabalho de Silva e Filho (2008) a respeito da Aneel, um predomínio na participação do empresariado, seja individualmente, por meio de suas empresas, seja mediante associações empresariais. Tal resultado era esperado, na medida em que se trata de um setor, a aviação civil, caracterizado pela presença de fortes grupos empresariais. Por outro lado, a tecnicalidade das discussões tendia a reduzir a participação de um leque mais amplo de atores sociais. Deve-se ressaltar, todavia, que a participação das pessoas físicas foi bastante expressiva. Conforme colocado anteriormente, é difícil estipular um patamar ideal de participação para os diversos setores da sociedade civil. 31 A taxa de incorporação dos comentários realizados também segue um padrão similar ao trabalho de Silva e Filho (2008). Somando as categorias “aceita” e “parcialmente aceita” das contribuições da Aneel, observaremos que a taxa geral de incorporação dos comentários está em 40,1%, patamar semelhante ao encontrado neste trabalho: 41,1%. Outro padrão interessante a ser notado está nos grupos mais atendidos pelas agências na incorporação dos comentários. Identificamos que os atores públicos, seguidos do empresariado, são os participantes mais contemplados pela Anac. Da mesma forma, Silva e Filho (2008) observaram esse mesmo padrão na Aneel. A literatura brasileira sobre o tema começa a esboçar, portanto, certas conclusões sobre a participação e o impacto dos grupos sociais nas audiências públicas das agências reguladoras. Em primeiro lugar, parece haver um predomínio na participação do empresariado. Em segundo lugar, as agências consideram relevante a participação dos grupos sociais, o que é expresso numa taxa relativamente alta de incorporação, ao menos parcial, de suas contribuições. Por fim, cabe notar que as instituições públicas são participantes importantes nesse processo, e costumam ter suas demandas atendidas em boa medida. Isso nos leva ao último ponto, que talvez seja a principal contribuição de nosso trabalho, qual seja, a motivação para a incorporação dos comentários. Nossa análise mostrou que a principal razão pela qual os comentários são incorporados ao texto final das normas relaciona-se à tecnicidade dos mesmos. Assim, comentários de grande qualidade técnica, que sirvam efetivamente de subsídio para a resolução propugnada pela agência e possam aperfeiçoar o texto em discussão, têm maiores chances de serem incorporados pela agência. Em que pese o poder do empresariado e a pujança de sua participação, é a qualidade técnica o principal fator a explicar as taxas de incorporação levadas a cabo pela Anac. Este achado coaduna-se perfeitamente com o papel das consultas públicas, conforme análise realizada por Gonzalo Vecina Neto, primeiro diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa12. De acordo com ele, há duas funções básicas que devem ser cumpridas por esse expediente. Por um lado, legitimar o processo desencadeado pelas agências reguladoras. Por outro lado, 12 Entrevista realizada em 23/02/2012. 32 colher as informações técnicas necessárias à atuação da agência, mesmo que isso implique a imposição de perdas econômicas ao setor regulado. Em suas palavras, ela (a consulta pública) vai impor mesmo um novo comportamento para o mercado. Qual é então a função? Ver se ela está muito afastada do conhecimento. Expor à luz do conhecimento. Expostas à luz do conhecimento, as decisões são tomadas técnica e juridicamente. Socialmente, nem tanto, porque muitas legislações acabam tendo um peso importante econômico sobre a indústria. Nossa pesquisa buscou realçar justamente esse ponto, qual seja, que as audiências públicas têm como papel precípuo colher informações embasadas junto à sociedade, que é afetada, em última instância, pelas decisões das agências. Nossos achados indicam que, ao menos na Anac, o papel concebido teoricamente para as audiências públicas, e que está expresso formalmente nos objetivos desse mecanismo de participação, reflete-se na práxis da agência, que tem no conhecimento o fator determinante de suas decisões. Conforme enunciado nesta conclusão, já avançamos em diversos aspectos na literatura sobre agências e grupos de interesse, encontrando padrões na interação entre esses grupos e as agências. No entanto, novos estudos sobre a ação política dos grupos de interesse junto às agências reguladoras são necessários para aprimorarmos nosso conhecimento sobre o tema. West (2005) aponta questões não respondidas nessa discussão, como as áreas de políticas públicas em que há maior ou menor participação, onde há maior ou menor equilíbrio nessa participação e sob que circunstâncias e em que áreas as agências tendem a ser mais responsivas aos grupos de interesse, incorporando mais seus comentários. Da mesma forma, estudos que extrapolem o âmbito das audiências públicas e levem em conta um rol mais amplo de estratégias e arenas políticas acionadas pelos grupos de interesse (Baird, 2012) podem ser muito profícuos no sentido de desvendar a totalidade da influência exercida por esses grupos. 33 7. Referências ALVES, Sandra Mara C. (2008) Processo de participação da sociedade civil nas consultas públicas realizadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa (2000 – 2006). UNB, Brasília, Dissertação de Mestrado. BACHRACH, Peter; BARATZ, Morton S. (1962) Two Faces of Power. 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