CELEBRAÇÃO DE PÁSCOA 2015

Transcrição

CELEBRAÇÃO DE PÁSCOA 2015
CELEBRAÇÃO DE PÁSCOA 2015 É uma das tarefas da Antroposofia cultivar uma nova e sólida compreensão
do mistério do Golgotha. Um dos meios para isso é o estudo dos evangelhos
à luz da Ciência Espiritual. Este ano, escolhemos dirigir nosso olhar às
Parábolas pronunciadas pelo Cristo como uma linguagem adequada para
transmitir ensinamentos sobre a realidade do Reino dos Céus e despertar o
sentido de uma nova relação do ser humano com sua origem e essência
espiritual. Porém não devemos esquecer que para as primeiras gerações da
Cristandade o Novo Testamento ainda não existia. O Cânone do Novo
Testamento só veio a ser definitivamente estabelecido em 393 AD. No
processo mediante o qual estes 27 textos que constituem o admirável
organismo espiritual do Novo Testamento pode-se sentir com veneração um
ato de divina direção e providência, um ato de inspiração. Todavia, as
primeiras gerações de cristãos tiveram de passar sem estes escritos. Em
vez disso tinham a proximidade apostólica dos eventos de Cristo e a
Eucaristia. O que sempre existiu desde os primórdios da Cristandade, foi a
Eucaristia. Ela nunca fora, nem mesmo no princípio, uma simples repetição
da última Ceia. Esta foi qual uma semente que agora começa a crescer. Não
se pode dizer da planta em crescimento que ela é diversa da semente. Há
identidade, mas há também metamorfose.
A última ceia, na véspera da sexta-feira da Paixão, é uma espécie de
prelúdio, um profético sumário do acontecimento do Golgotha. Revela o que
significam para o homem, Cristo e Seu ato: que o cristianismo não é
somente doutrina, que Cristo não é apenas um mestre e exemplo, senão
que Ele desceu à Terra como um Ser Divino e transformou sua divindade
em humanidade; e que para tal, passou pela morte e ressurreição. Ele
transformou a “frequência” de sua divindade sintonizando-a com a
humanidade e tornando-se destarte, acessível e comunicável. Agora Ele nos
convida a “comê-lo e bebê-lo” espiritualmente a fim de que nos
compenetremos mais e mais de Sua divina substância. A essência do
Cristianismo pode ser vista no Cristo que se oferece aos homens: “Tomai
com o pão, o meu corpo”; “Tomai com o vinho, o meu sangue”. Trazei-me
para dentro de todo o vosso ser.
Aquilo que antecipadamente se mostrou na Santa Ceia teve sua
consumação no Golgotha, mediante a morte e ressurreição. Depois do feito
vita-mortal de Cristo a Eucaristia não é mais a antecipação, mas passa a
transmitir a substancial radiação e emanação de Seu sacrifício. Nos
quarenta dias que decorrem até a Ascenção e Pentecostes, não há notícia
de que os discípulos celebram a Eucaristia. Mas logo após Pentecostes eles
começam a fazê-lo. Com a Ascenção, Cristo entrou numa nova forma de
existência, a qual em definitivo ultrapassou aquela condição anterior que o
limitava a determinado ponto no mundo espacial. Daí em diante Ele entrosa
sua primordial divindade com sua humanidade, e transfigura o terrestre
pelo celeste: “Ele é desde aquele tempo o Senhor das forças celestiais na
Terra e vive como fautor dos atos paternais do Fundamento dos Mundos”.
Assim seu corpo ressurreto atinge a plena capacidade de onipresença. Em
Pentecostes, num ato de despertamento espiritual, os discípulos
despojaram-se de certo torpor em que se achavam imersos nas semanas
precedentes. Como Cristo superara com a Ascenção as últimas limitações e
restrições, assim também os discípulos venceram em Pentecostes a
turvação de seu estado de consciência e de sua força de vontade. E
entraram a celebrar a Eucaristia “partindo o pão em casa”.
A Eucaristia tal como renovada pelo Cristo, nos é dada como uma forma de
intensificar Sua força em nossas almas, como preparo para a união mística,
até que estejamos tão preenchidos por Ele que possamos dizer, como
Paulo: “Não eu, mas o Cristo em mim”. E à medida que nos tornarmos
maduros para não somente vivenciarmos em nosso interior, pensamentos,
sentimentos e sensações abstratos, mas permear-nos com o espiritual,
experimentaremos uma nova metamorfose da Eucaristia - a comunhão em
espírito. Pois então dentro de nós viverão pensamentos que interiormente
equivalerão ao signo do pão consagrado. Talvez então, muito do que
ocorreu outrora pelos atributos do pão e do vinho, possa ocorrer
futuramente por uma eucaristia espiritual. Basta haver a possibilidade de
nosso interior ser tomado e espiritualizado por certos pensamentos e
sentimentos intimamente forjados no esforço de compreender e imitar a
Cristo.
O ato cúltico da comunhão sacramental que ainda por muito tempo manterá
seu valor, tem algo em comum com as parábolas. Assim como pudemos ver
e discernir na sequência das imagens das parábolas um caminho espiritual
que nos quer elevar ao Reino dos Céus, uma estrutura arquetípica aparece
na sequência das etapas do culto, como se fossem degraus na ascensão do
sendeiro místico da alma. De início, um despertar mediante atenção à
mensagem espiritual; em seguida, como aparecem nos textos medievais, a
purificação, a iluminação e a união mística. Uma vez aceita a mensagem
(leitura do evangelho) o simples estado de atenção transmuda-se em
consciência. A alma procura transformar-se, harmonizar-se com aquela
verdade reconhecida. Deve então seguir-se um processo de purificação a
par de uma elevação interior (consagração e ofertório). Nesse ponto o
mundo espiritual novamente responderá às nossas almas receptivas. Agora
pode ele se manifestar transfigurando o mundo terreno. O mundo deixa de
ser material e faz-se translúcido (iluminação-transubstanciação).
Finalmente o homem cresce para o espiritual em todo o seu ser, inclusive
sua carne e seu sangue ( união mística – comunhão).
A essas leis e passos da senda da alma corresponde o feito redentor de
Cristo e podemos reconhecê-lo em seu percurso terreno. Há os três anos
que decorrem entre o batismo no Jordão e o acontecimento no monte do
Golgotha.
Os três anos em que Cristo prega a presença do Reino de Deus são por
assim dizer a mensagem, o grande Evangelho. Então Cristo segue para
Jerusalém a fim de sacrificar-se no grande altar do Golgotha: o grande
Ofertório. Sua Ressurreição na Páscoa e a presença de Seu corpo
transmutado nos quarenta dias que transcorrem até a Ascenção
representam a grande Transubstanciação. Em Pentecostes, por fim, Seu
feito vivifica-se nas almas dos discípulos. A chama do Espírito Santo se
acende em cada individualidade: a grande Comunhão. Destarte, a Eucaristia
põe em evidência em suas quatro partes principais a mesma estrutura que
a série de acontecimentos redentores da vida terrena de Cristo. Como
imagem de uma realidade espiritual superior podemos participar dela até
que a realizemos em nós como experiência direta.
Então toda a vida será culto; cada encontro, um ato sagrado; e todo falar
uma oração.
( texto inspirado em a “Metamorfose da Eucaristia” de Rudolf Frieling)