profissão docente na educação profissional técnica

Transcrição

profissão docente na educação profissional técnica
PROFISSÃO DOCENTE NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
TÉCNICA: EXPERIÊNCIAS E SUBJETIVIDADES
EM DISCUSSÃO
Graziela Ninck Dias Menezes
Universidade do Estado da Bahia – UNEB/ Programa de Pós-graduação em Educação e
Contemporaneidade - PPGEduC
Instituto Federal de Educação da Bahia - IFBA
[email protected]
Jane Adriana Pacheco Vasconcelos Rios
Universidade do Estado da Bahia – UNEB/ Programa de Pós-graduação em Educação e
Contemporaneidade - PPGEduC
[email protected]
RESUMO: O presente trabalho é fruto de uma pesquisa em andamento que busca
analisar como as experiências de vida, formação e profissão e os sentidos de trabalho e
técnica constituem a docência e implicam nos modos em que os professores da
Educação Profissional Técnica produzem a profissão. A Educação Profissional Técnica
tem suas raízes ligadas ao movimento de formação de mão-de-obra para o mercado
capitalista sendo a docência produzida nessa modalidade educacional em acordo às
orientações políticas do país adequadas historicamente às demandas do setor produtivo.
Nesse sentido, a discussão também evoca a reflexão sobre os processos de
profissionalização/desprofissionalização presentes na constituição política e histórica da
docência nessa modalidade educacional, bem como sobre o desenvolvimento de um
processo formativo diante à complexidade que envolve o ato educativo que exige uma
atitude reflexiva e autônoma. Portanto, no cenário da Educação Profissional Técnica é
preciso pensar um processo formativo que atenda às novas demandas de uma educação
de Ensino Médio integrada à formação técnica e às relações produzidas pelos
professores frente à realidade de seus alunos. No que tange à discussão da docência
enquanto uma produção contínua de sujeitos e seus processos de profissionalização e
formação, considerando o contexto da Educação Profissional, dialogamos com Nóvoa
(2007, 1995), Pérez (2006), Rios (2011), Schön (1995), Contreras (2002), Oliveira
(2010), Fartes (2010, 2011), Machado (2013) e Cunha (2005). Assim, o trabalho tem
como centro de sua discussão os professores, percebidos como sujeitos da ação que
pensam, ressignificam e fazem seu mundo. Nesse artigo abordamos a docência como
uma prática produzida pelos sujeitos que tecem seus fazeres no bojo das relações sociais
que estabelece com o mundo, portanto como uma profissão mediatizada por sujeitos
constituintes e constituidores de uma história individual e coletiva, numa realidade de
práticas e formação de uma profissão instituída por meio dispositivos legais e
prescritivos. Desse modo olhamos para as interfaces entre os percursos formativos de
vida, formação e profissão, entendendo a docência como resultante da própria
subjetividade da pessoa-professor. É uma pesquisa qualitativa onde o movimento
epistemológico, teórico e metodológico perpassa pela superação da radical dualidade
sujeito-objeto. Nesse enfoque a abordagem autobiográfica constituiu-se no caminho
necessário para o encontro com a experiência do vivido, compreendendo a ação humana
como reveladora das apropriações que os indivíduos fazem das estruturas sociais as
quais estão submetidos, reescrevendo estes processos, interiorizando-os e transformando
suas vidas numa síntese e reflexo da história coletiva. A pesquisa é desenvolvida no
Instituto Federal da Bahia, no Campus de Ilhéus, e conta com seis colaboradores das
diversas áreas curriculares de dois cursos do Ensino Médio Integrado. Utilizamos como
dispositivo de pesquisa as entrevistas narrativas e a análise se fundamenta numa leitura
fenomenológica-hermenêutica, sendo estruturada sob as bases da teoria
compreensiva-interpretativa que nos permite alcançar as referências que orientam os
sujeitos na construção dos significados, desvelando os aspectos contextuais e
construtivos de sua docência. Isso porque se entende que o sujeito se revela mediante
comportamentos simbólicos que, ao serem decifrados, transpõem o sentido oculto para
um sentido aparente. O estudo destaca os processos de profissionalização/
desprofissionalização vividos pelos docentes no contexto de implantação do
Campus/Ilhéus e aponta para a necessidade de articulação de ações e políticas que
colaborem com o processo de profissionalização. Outras reflexões se encaminham para
pensar sobre a condição da docência nesse contexto no que tange à formação de
coletivos docentes que possam dialogar com pares de suas áreas de conhecimento;
também na necessidade de se pensar os processos de trabalho e a organização temporal
e espacial dos docentes já que os estes também atuam nas demandas burocráticas da
instituição; outro fator relevante já ressaltado na pesquisa em andamento é a necessidade
de formação continuada voltada para os aspectos que definam a especificidade da
modalidade educacional, o que transversaliza os modos de produzir a docência.
PALAVRA-CHAVE: Docência; (Des)Profissionalização, Educação Profissional
Técnica.
1. Introdução
Produzida no bojo do processo histórico de formação da sociedade brasileira, a
educação profissional foi sendo instituída em acordo aos objetivos políticos econômicos
que foram regendo a formação da nossa sociedade, sobretudo no séc. XX, onde se inicia
a formação de uma política institucional para a educação profissional.
Pertencentes a Rede Federal de Educação Profissional Tecnológica – RFEPT os
Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia – Institutos Federais - IFs, são
aqueles que estão presentes em todos os estados brasileiros do território nacional, sendo
que alguns estados possuem mais de um instituto como é o caso da Bahia, que dispõe do
Instituto Federal da Bahia – IFBA e Instituto Federal Baiano - IFBAIANO. No total, há
trinta e oito institutos, cada um com seus diversos campi.
Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia foram criados pela Lei
nº 11.892 de 2008. Especializados na oferta de educação profissional e tecnológica, são
considerados como instituições de educação superior, básica e profissional.
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Considerando a demanda existente para o Ensino Médio e a implantação do
Decreto 5.154/04 que resgatou na RFEPT o Ensino Médio Integrado de base unitária, a
expansão da formação profissional de nível técnico ganhou forças no âmbito da rede
federal, sobretudo nos IF, sendo que nessas instituições são destinadas cinquenta por
cento de suas vagas, conforme Art. 7º, inciso I e Art. 8º da Lei nº 11.892/08 para o
Ensino Médio Integrado, ou seja, vinculado à formação técnica com vistas a comportar
“a diversidade própria da realidade brasileira, inclusive possibilitando a ampliação de
seus objetivos, como a formação específica para o exercício de profissões técnicas”
(FRIGOTTO;CIAVATTA; RAMOS, 2006, p.38).
Esse cenário de expansão da Educação Profissional é fruto de lutas históricas dos
trabalhadores, mas também é palco do jogo político-econômico que vem demandando
mão-de-obra especializada para atender aos processos de desenvolvimento tecnológico e
logístico do país. Diante dos movimentos importantes que vem sendo produzidos em
torno da educação profissional tanto nos seus aspectos curriculares, administrativos,
didáticos, infraestruturais, destaco os processos de produção da docência no que tange a
profissionalização.
É nessa perspectiva que essa pesquisa se insere e tem como centro de sua
discussão a docência compreendida como uma atividade profissional que tem voz
própria, uma profissão mediatizada por sujeitos constituintes e constituidores de uma
história individual e coletiva, sendo este processo atravessado por contextos políticos e
sociais.
Nesse sentido identificamos, a partir dos estudos de Machado (2013), uma
história da profissão docente na educação profissional produzida por demandas do
processo político econômico do país. Tal processo foi tendo por meio da formação
docente a autorização legal e burocrática para o exercício da profissão.
No cenário atual há um franco processo de expansão que exige uma ação
ampliada na contratação de servidores da educação para atuarem nos Institutos Federais.
Assim, diante de uma definição política e econômica, a docência na Educação
Profissional Técnica – EPT vem sendo produzida nesse contexto de ampliação sem uma
discussão profícua no que tange à formação, aos modos de viver e fazer a docência, nas
demandas existentes e exigidas aos professores nos campus dos institutos em expansão.
Isso implica num eminente processo de precarização, considerando as condições em que
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estão sendo desenvolvidas ou se desenvolverão para a inserção de novos professores e o
desenvolvimento da profissão docente na Educação Profissional Técnica.
2. A docência na educação profissional: a instituição de uma profissão
A Educação Profissional Técnica tem suas raízes ligadas ao movimento de
formação de mão-de-obra para o mercado capitalista, mas que, na contrapartida, buscou
a superação desse modelo de teoria dissociada da prática. Nesse sentido alguns períodos
e fatos históricos refletem a constituição da profissão docente como um movimento
exógeno à categoria preso às legislações que apenas foram moldando a profissão em
acordo com as demandas do mercado produtivo.
Apesar da instalação das Escolas de Aprendizes e Artífices em 1909, o primeiro
curso de formação de professores data de 1917 com a Escola Normal de Artes e Ofícios
de Wenceslau Braz, no antigo Distrito Federal, que durou 20 anos, mas com tendência
de descarte da necessidade de uma formação pedagógica.
Na Era Vargas (1930-1945) abriu-se as portas para a mudança do sistema
agrário-exportador para o capitalista-industrial (CUNHA, 2005) exigindo da formação
profissional dentro das fábricas a apropriação de saberes voltados apenas para trabalhos
manuais o que colocava como horizonte distante a formação de professores. Tal
preocupação só aparecerá após 1940 com a Lei Orgânica do Ensino Industrial em
consonância com a elevação da formação profissional até o nível do Ensino Médio de 2º
ciclo.
A partir desse novo sistema, amplia-se a política de formação de professores e os
critérios para o exercício da docência na EPT. Nesse contexto é que se tem uma
previsão de formação específica para professores de cultura geral, cultura técnica ou de
cultura pedagógica e prática educativa em cursos apropriados. Com essa lógica
observamos a partir da segunda metade do séc. XX, um movimento incessante de
medidas legais de implantação e extinção de cursos de formação de professores para a
EPT, distinguindo formação de professores para Ensino Profissional ou Formação de
Cultura Geral, definindo currículos mínimos ou produzindo arranjos que façam
equivalência de programas de formação com as licenciaturas plenas. Destacamos na
década de 60 a intensa liberação de pareceres que vão adequando os cursos as demandas
solicitadas. Assim, em 1967 surgiu o Parecer nº 12 que explicava que os cursos especiais de
educação técnica eram para formar professores de disciplinas específicas, podendo cursá-los
tanto portadores de diploma de curso superior quanto de nível técnico, conforme Portaria
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Ministerial nº 11/68. Ainda em 1968 o CFE aprovou o Parecer nº 479 fixando um currículo
mínimo que permitiu uma primeira aproximação entre a formação de docentes para o ensino
técnico e a formação de docentes para o ensino médio (MACHADO, 2013).
Cabe ressaltar que na Reforma Universitária (Lei 5.540/68) instituiu-se que a
atuação no 2º grau em disciplinas do nível médio ou técnicas seria por profissionais com
formação no ensino superior, seguindo uma direção apontada pelo Parecer nº 479/68
que mostrava uma intenção de diminuir o fosso entre a formação docente do ensino
técnico para o ensino médio. Porém, ainda na lógica dos arranjos, da formação
aligeirada e focada em objetivos comerciais, surge o Decreto-Lei nº 464/69, no seu art.
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habilitados para áreas específicas, a habilitação de profissionais para atuarem nas
disciplinas técnicas seria feita por instituições oficiais de ensino superior indicadas pelo
Conselho Federal de Educação - CFE.
Nessa circunstância destaca-se já em 1970, sob Parecer CFE nº 214 a criação dos
cursos emergenciais de formação de professores para EPT denominados Esquema I e
Esquema II que amparado legalmente pela Resolução do CFE nº 7/82 deixava opcional
a formação de professores por via dos Esquemas I e II ou de Licenciaturas Plenas, dando
a primeiro status de equivalência à segunda.
Destaca-se que toda a preocupação sobre uma atualização da formação dos
docentes na EPT deve-se ao fato de que muitos professores que atuavam nas instituições
de educação profissional eram bacharéis, profissionais técnicos de áreas específicas e
não apenas licenciados. Então, tratava-se de política de formação inicial de professores e
de formação de uma identidade de professor, constituídas diante às perspectivas perante
a sua formação e as suas formas de atuação profissional.
Nos períodos que seguem, décadas de 80 e 90, há um desmonte da educação
profissional no país, resultando na oferta apenas na rede federal, em algumas redes
estaduais e no sistema privado. Segundo Manfredi (2002) com a forte política neoliberal
implantada no país a partir de 90 o dualismo na EPT se aprofunda e a atuação e
convocação de professores para o ensino técnico foi feita para professores ou
profissionais com experiência na condição de instrutores e/ou monitores.
Esse movimento implicou no acirramento da adequação de currículos à visão
mercantil de competências ditadas pelas leis do mercado. A legislação então vigente
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atribuiu às escolas federais, então Centro Federal de Educação Tecnológica - Cefets, a
elaboração de currículos com definição de perfil profissional para cada curso,
consequentemente, definição de competências para cada curso, além de adequar do
ponto de vista da gestão administrativa e pedagógica à condição dos docentes das
disciplinas do ensino médio regular.
Nesse contexto esses docentes convivam com a possibilidade de extinção do
Ensino Médio regular nos Cefets e com a necessidade de atuarem por área de
conhecimento, conforme Parecer CNE/CEB nº16/1998 e Resolução CNE/CEB nº
3/1998. Nesse sentido alguns arranjos eram produzidos para formalmente adequarem as
grades curriculares, porém na prática, muitas vezes via-se o isolamento disciplinar e
independente de cada disciplina.
Essa perceptiva salientava a necessidade de trabalhos por projetos,
interdisciplinares, porém as condições de trabalho, os processo formativos docentes, a
organização de tempos e horários docentes eram limitadores e até promotores de
organizações curriculares múltiplas e confusas.
O que fica acentuado é que apesar da importância da normatização da docência
na EPT e da valorização da profissão, esse movimento se faz para atender um status
burocrático da docência, gerando perda da noção de integridade do processo,
fragmentando a ação docente, inclusive de sua concepção (OLIVEIRA, 2010). Assim,
ser docente é resultado de um processo de prescrição, de precarização pedagógica e de
desprofissionalização, colocando a docência e sua atividade formativa numa lógica de
movimentos emergenciais, desconexos e flutuantes. Evidencia-se uma fragilidade na
ação docente, pois a formação e o reconhecimento profissional ficam a mercê de
determinantes exteriores ao sujeito e ao coletivo a qual pertence.
A docência na EPT revela-se, portanto, recortada por um processo perverso que
a coloca numa posição apartada dos caminhos de produção da docência mediados pela
ação-reflexão dos professores, sujeitos reais e produtores de suas histórias.
Após o início do Governo Lula (2003-2010), com a implementação de uma
política de expansão e de retorno do Ensino Médio Integrado à Formação Profissional
pela lei 5.140/04, a discussão sobre a docência dos professores na EPT se acirra no
momento atual pela ampliação da RFETP, das Novas Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio - DCNEPTM, e a forte demanda
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de mão-de-obra especializada para atender aos processos de desenvolvimento
tecnológico e logístico do país.
Como sujeitos histórico-culturais os professores estão imersos nesse processo,
vivenciando tais mudanças com implicações em seus processos/percursos de vida,
formação e profissão. Assim, surgem demandas para os docentes que implicam
diretamente na organização didática do seu ensino, bem como nas práticas educativas
que perpassam dimensões do trabalho docente intensificados no processo de
implantação de novos campi, tais como a produção de uma cultura organizacional, a
implantação de propostas, projetos, normativas, além do desenvolvimento de pesquisa e
extensão e da formação docente.
Destacamos que as novas DCNEPTM são organizadas para uma proposição de
Ensino Médio Integrado – EMI, com intuito do desenvolvimento de uma proposta
curricular integrada, que esse “se define na superação do dualismo entre propedêutico e
profissional (...) ganhe uma identidade unitária para esta etapa e que assuma formas
diversas e contextualizadas da realidade brasileira” (BRASIL, 2012, p.14).
Essa
identidade unitária é prevista pela articulação das categorias trabalho, ciência,
tecnologia e cultura, apresentadas como dimensões da formação humana.
Tal questão se insere nas relações produzidas sobre os processos de organização
didática, postos em diálogo com a perspectiva apontada pela proposta para a RFEPT,
implicando na tomada do trabalho como princípio educativo e a pesquisa como
princípio metodológico, conforme o Parecer do CNE nº 11/2012, aprovada em 09 de
maio de 2012, pela plenária do Conselho Nacional de Educação. Entretanto,
observam-se lacunas entre a implantação que se iniciou em 2005, sobretudo nos IFs, e
as referências legais que discutiam as concepções dessa proposta. Desse modo, só em
dezembro de 2007 o Documento-Base da Educação Profissional Técnica de Nível
Médio Integrado ao Ensino Médio foi publicado. E só em 2012 promulga-se sob
Resolução nº 6/2012 as DCNEPTM.
Apesar dessa lacuna, entre o elemento legal de implantação do EMI e a
elaboração de diretrizes em geral, a RFEPT cresce vertiginosamente. Com o aumento
de matrículas na RFEPT também se amplia a demanda por docentes tanto para áreas
propedêuticas quanto para as áreas técnicas com possibilidades de atuação nos Cursos
Técnicos Integrados ao Ensino Médio, inclusive na modalidade do Proeja, Cursos
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Técnicos Subsequentes e Concomitantes e Ensino Superior, além de atuar na educação à
distância, entre outros, conforme Decreto nº 6.095/07.
Nesse contexto de ampliação da RFEPT, no que diz respeito ao seu quadro
docente, vem se dando pela contratação de estagiários, de professores temporários e
substitutos o que aponta uma precarização do trabalho docente e da necessidade de
formação de um quadro permanente que possa ser qualificado.
Cabe destacar que o processo de expansão acabou deslocando o foco sobre as
questões dos processos de ensino-aprendizagem e da própria materialidade do EMI para
aspectos de gestão e infraestrutura. Tal processo ainda repercute nas condições gerais do
trabalho docente diante à necessidade de atendimento das demandas administrativas
fruto da implantação de novos campi ou institutos. Segundo Oliveira (2010, p. 24) esse
processo de múltiplas funções e atividades da docência “contribuem para um sentimento
de desprofissionalização, de perda de identidade, da constatação de que ensinar às vezes
não é o mais importante”.
Nesse sentido, a docência na EPT vai ganhando outros contextos e cenários no
sentido de reconhecer-se, de firmar-se numa identidade profissional. Assim ser docente
hoje no IFBA exige um modo de atuar que perpassa pela gestão, pela elaboração de
projetos, pelo desenvolvimento de atividades de pesquisa e extensão, pela elaboração
coletiva de documentos institucionais tais como o Plano de Desenvolvimento
Institucional, Projeto Político Pedagógico, Proposta Curricular, entre outros. Além
disso, é requerida a postura de compartilhar as discussões sobre currículo, processo
avaliativos, métodos de ensino com demais profissionais da educação, exigindo uma
compreensão e análise muito mais complexa do exercício da docência.
Considerando os dados atuais, a EPT vive momentos de grandes alterações, não
apenas nas formas de atendimento, mas na ampliação de suas demandas, na alteração da
sua concepção, no próprio corpo docente que se expande e altera junto com o aumento
de matrículas já citado. Contraditoriamente, o que seria a valorização do docente como
agente produtor de políticas e caminhos pedagógicos para a educação, torna-se um
fardo, uma geração de movimentos que sobrecarregam os docentes e os impelem a um
movimento de desprazer e limitação no exercício de sua profissão.
Tal situação gera riscos para uma proletarização, ou seja, uma perda do controle
do trabalhador da educação, em particular do professor, sobre o seu processo de
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trabalho. Assim, a exigência de uma atitude crítico-reflexiva, de compreensão da prática
desenvolvida e dos processos que a atravessam, constitui-se em contraposição a esse
processo gerando a profissionalização docente. Segundo Oliveira (2003, p. 27), a
profissionalização é condição de “preservação e garantia de um estatuto profissional que
levasse em conta a auto-regulação, a competência específica, os rendimentos, a licença
para atuação, as vantagens e benefícios próprios, a independência etc”.
Ainda cabe salientar que no contexto em que muitos professores são jovens ou
recém-chegados e o seu reconhecimento como inexperiente o coloca em situações de
hesitação, receios e descrença diante dos alunos na sala de aula Cavaco (1999). Isso
possibilita uma reatualização das experiências vividas enquanto aluno como suporte
para decisão diante situações conflituosas levando-o a manter posturas mais tradicionais
e bloqueando a ação de atitudes mais criativas e inovadoras.
Além disso, o professor novo é suscetível às mudanças estruturais de lugar,
fazendo com que rompa em frequência seus laços, seus projetos, exigindo
deslocamentos não apenas físicos, mas também afetivos pelo enfrentamento de
situações, arranjos novos que vão se produzindo em ambientes diferenciados. Tal
situação pode gerar um conformismo ao invés de uma ação subversiva.
A entrada de professores nos institutos leva em consideração a titularidade, o
grau de formação, os resultados objetivos dos processos seletivos, homogeneizando
sujeitos diversos que constituem uma rede de complexidade. Entretanto, não se
considera, nem enquanto política de ingresso, nem como política de formação
continuada, as diferenças e as particularidades dos docentes. Ao contrário, o professor se
despersonifica, torna-se mais um em meio há tantos, identificado por sua matéria de
ensino, sua titularidade e sua capacidade produtiva.
Deve-se considerar que tais processos mobilizam e desestabilizam as práticas
instituídas e inauguram novos modos de construir a prática educativa. Entretanto,
observa-se que a cotidianidade na escola fica centrada numa racionalidade instrumental,
absorvida por processos novos que vão sendo elaborados e editados em portarias,
resoluções e comissões que atravessam o fazer do professor, fazendo com que as
experiências produzidas e vividas fiquem relegadas a um espaço menor. Assim, as
mudanças atuais nem sempre são sentidas e discutidas e é necessário tempo para
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acomodar as inovações e as mudanças, dando à experiência lugar na aprendizagem
como mobilizadora de uma prática educativa interativa e dialógica.
Ainda considerando que a política de expansão dos Ifs está fortemente atrelada
ao processo de crescimento econômico do país o professor é marcado por um modelo de
racionalidade instrumental, gerado, sobretudo, num movimento de formação pessoal e
profissional que se apodera da ciência e da tecnologia como conhecimentos únicos e
verdadeiros. Isso invade os processos criativos, o espírito investigativo, transformando
professores em profissionais que ensinam para um mundo competitivo e excludente e os
alienam em sua própria profissão. Assim, o sucesso do desempenho escolar é
reconhecido e mensurado pelos modelos quantitativos, na adequação dos alunos aos
requisitos das empresas, bem como na inserção destes no mercado de trabalho e,
sobretudo, nos mecanismos constantes de avaliação institucional (FARTES, 2008).
O quadro apontado sugere que a produção da docência requer uma capacidade de
atuar frente aos contextos históricos e sociais produzidos. Uma capacidade de reflexão,
de análise e de organização de estratagemas que possibilitem findar por vez o domínio
hostil que o processo político institucional implementa sobre a docência ao longo de sua
história. Nesse sentido, requer análise da própria prática, das razões que sustentam as
posições; uma tomada de decisão diante a função real do ensino, das condições e
condicionantes da prática educativa, dos próprios pensamentos e das demandas sociais.
3. Caminho teórico-metodológico e o processo de pesquisa
A docência é uma profissão que abarca marcas históricas, incorpora marcas de
um ofício com perícias e diálogos próprios da história do trabalho docente. Essa
historicidade constitui-se numa herança social e cultural que também é parte das
imagens produzidas da docência e lhe dão formas pelas relações estruturadas, inclusive
das escolas e dos sistemas educacionais.
Ao propor esta pesquisa definimos por objetivo compreender como as
experiências de vida, formação e profissão constituem a docência e como os sentidos de
trabalho e técnica atravessam a docência dos professores da Educação Profissional
Técnica.
Para atender tal proposição nos filiamos às pesquisas assentadas em um
movimento epistemológico, teórico e metodológico, voltados à superação da radical
dualidade sujeito-objeto, pois consideramos que são relevantes para o universo
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educacional, sobretudo, para pesquisas onde o olhar para o sujeito/professor reside em
uma escuta das subjetividades e processo identitários que constituem a docência.
Considerando a especificidade epistemológica, metodológica e técnica adotamos
o método autobiográfico nesse trabalho, pois reconhecemos a subjetividade como
conhecimento produzido. Tal questão se materializa já na definição das narrativas
autobiográficas como materiais primários da pesquisa com a sua possibilidade de
comunicação interpessoal complexa e recíproca entre narrador e observador
(FERRAROTTI,1998).
Nesse movimento, as narrativas de vida, formação e profissão possibilitam a
emersão das relações que se produzem entre subjetividades e práticas, cruzamentos
entre discursos, por expressarem a complexidade da docência com suas tensões,
contradições e afirmações. Segundo Souza (2003, p. 21) “Através da narrativa
(auto)biográfica, torna-se possível desvendar modelos e princípios que estruturam
discursos pedagógicos que compõem o agir e o pensar do professor”. Assim possibilita
compreender como os docentes da Educação Profissional Técnica vem lidando com as
tensões provocadas no movimento de rupturas, anúncios e permanências e como
ordenam sentidos existenciais para sua vida-profissão.
As narrativas constituem-se em espaços que permitem a interação discursiva
entre sujeitos, a partir de uma existência real e uma leitura analítica transversal atenta as
tecituras da trama interdiscursiva que produz a construção da subjetividade. Enquanto
espaço de produção de sentidos, as narrativas exercem um papel quando os indivíduos
compreendem a si próprios e se reestruturam na relação consigo mesmo e com o mundo,
porque há uma relação entre o espaço-tempo individual e o espaço-tempo social
(DELORY-MOMBERGER, 2012) o que indica um conhecimento por parte do
indivíduo sobre as instituições e os contextos.
É nesse sentido que reconhecemos a importância da abordagem autobiográfica
para compreender como os docentes da Educação Profissional Técnica vêm lidando
com as tensões provocadas no movimento de rupturas, anúncios e permanências e como
ordenam sentidos existenciais para sua vida-profissão. É possível ainda encontrar os
cenários de constituição da docência no contexto político-social e cultural em que foi
formada a profissão professor na Educação Profissional Técnica, estabelecendo relações
entre os modos particulares de apreensão do mundo e o conjunto das ações humanas.
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Assim, as entrevistas narrativas são um dispositivo importante para desvelar “os
saberes práticos, com a condição de orientar para a descrição das experiências vividas
pessoalmente e dos contextos nos quais elas se inscrevem” (BERTAUX, 2019, p. 29)
produzidas nos movimentos em que se encontram os docentes da EPT no campus de
realização da pesquisa. Considero que esses saberes práticos advêm dos movimentos de
inserção no espaço novo, de iniciar a docência e/ou dar prosseguimento à profissão em
um novo contexto, de lidar com demandas burocráticas e legislativas do universo da
escola e da instituição, de atuar com base em processos formativos destoantes da
realidade escolar ou acessar experiências do mundo do trabalho, da vida e da formação
para ir tecendo a docência.
A estruturação das narrativas fundamenta-se nas proposições de Bauer;
Jovchelovitch, (2002) ao considerarem a entrevista narrativa como modelo que supera o
esquema de pergunta-resposta e caminha para uma comunicação cotidiana que se
resuma em contar e escutar.
O
processo
de
análise
baseia-se
na
proposta
da
análise
compreensivo-interpretativa, pois compreende os modos de ver uma situação pelo
entrevistado ao narrar-se, já que, enquanto narra também exerce uma forma de
interpretação do vivido. Tal perspectiva fundamenta-se em Souza (2014, p. 43), ao
afirmar que
A análise compreensiva-interpretativa das narrativas busca evidenciar
a relação entre o objeto e/ou as práticas de formação numa
perspectiva colaborativa, seus objetivos e o processo de
investigação-formação, tendo em vista apreender regularidades e
irregularidades de um conjunto de narrativas orais ou escritas, parte
sempre da singularidade das histórias e das experiências contidas nas
narrativas individuais e coletivas dos sujeitos implicados em
processos de pesquisa e formação.
A pesquisa realiza-se no Câmpus Ilhéus, do Instituo Federal da Bahia que conta
com uma estrutura pluricurricular, com 16 campi e cinco núcleos avançados, oferecendo
cursos de nível médio, nas modalidades integrada, subsequente, e Proeja (educação de
jovens e adultos), além de cursos superiores (bacharelados, engenharias, licenciaturas,
formações tecnológicas) e pós-graduações.
Inaugurado em novembro de 2012, o campus Ilhéus ainda está em processo de
implantação. Assim, continuamente, agrega novos alunos e professores, o que vem
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alterando seu quadro e a organização de trabalho dos docentes. Ainda vale ressaltar que
é comum no grupo de professores a condição de ser de outras localidades, com
experiências docentes diversas, ou ter uma história de vida na cidade ou cidades
circunvizinhas, mas com experiência anterior em outros campi da instituição.
Assim, como é um espaço com crescente número de professores e alunos, são
muitos e diversos contextos da vida, das profissões, dos processos formativos que vão
contornando a compreensão do que é a docência produzida num campo educacional que
visa, além da formação integral do ser humano, a formação para a apropriação de um
saber técnico e para o mundo do trabalho.
A exigência metodológica dessa pesquisa impôs a necessidade de encontrar
sujeitos colaboradores que desejassem e permitissem compartilhar o que pensam, o que
sentem e como significam sua docência dentro do Campus Ilhéus no Instituto Federal da
Bahia, mas que também pudessem compor uma rede que elencasse os microespaços de
relações produzidas na escola.
Considerando que atividades, eventos, projetos e o próprio coletivo de
professores são organizados visando à estrutura curricular, o campus tem seus
professores divididos em coletivos por campo/área de formação e atuação. Primeiro,
consideramos que os docentes são organizados em dois grandes coletivos: os que
ministram aulas nas disciplinas propedêuticas, compondo o que se chama de Núcleo
Comum, e os das disciplinas técnicas.
Assim, existem reuniões que são feitas com os professores por área, o que faz de
cada grupo um núcleo específico que divide angústias, metas, projetos e,
consequentemente, também vive conflitos e ações colaborativos na cotidianidade na
escola. Assim, definimos por seis, o número total de entrevistado diante dessa
composição.
No momento atual o trabalho já está em fase de análise, com as entrevistas
narrativas já concluídas e devidamente autorizadas, conforme legislação vigente. Assim,
nossos resultados são parciais, mas apontam aqui para questões referentes os processos
de (des) profissionalização, na necessidade de se pensar os processos de trabalho e a
organização temporal e espacial dos docentes já que os estes também atuam nas
demandas burocráticas da instituição e na necessidade de formação continuada voltada
13
para os aspectos que definam a especificidade da modalidade educacional, o que
transversaliza os modos de produzir a docência.
4.
Desenvolvendo a pesquisa: a docência que vai se revelando...
Como uma pesquisa ainda em andamento, apontamos algumas análises prévias
do trabalho. Nesse sentido buscamos em três das seis narrativas docentes destacar como
os dilemas atuais vêm sendo enfrentados pelos professores do campus Ilhéus,
entendendo o professor como um sujeito ativo no mundo, que se constrói diante do
vivido, marcado por uma subjetividade que lhe instituí uma potência para dar
significados e produzir o mundo com o qual se encontra.
Nesse sentido, compartilho com Rios (2011, p. 38) a noção de sentido como
“uma construção social, um empreendimento coletivo por meio do qual as pessoas
lidam com as situações e fenômenos a sua volta”. Assim a docência é uma elaboração
que perpassa pela vida profissional, pelas memórias pessoais, pelos processos
formativos e pelo próprio acontecimento cotidiano tecido nas relações intraescolares.
Portanto, exige compreender a articulação do eu pessoal com o eu profissional, como
afirma Nóvoa (1995;2007).
Nessa condição trata-se de uma atividade que se realiza a partir dos interesses
pessoais, de suas emoções, de suas histórias, de suas escolhas pela profissão que, por
condição existencial, é um estar com o outro, frente a frente e, por isso mesmo, um
compromisso ético.
Assim, é preciso compreender a docência como um acontecimento e um devir,
uma tecitura constituída de experiências visíveis e invisíveis, de movimentos contínuos
que desestabilizam as subjetividades e exige novos arranjos e ressignificados para a
própria existência (PÉREZ, 2006).
A partir das narrativas é emergente a constatação de que os professores são em
sua maioria oriundos de diversas áreas e mundos do trabalho, portanto ingressam na
docência como um acontecimento, uma bifurcação ou desvio de um caminhar
profissional outrora pensado. Assim, a docência é uma aventura, um caminho a
percorrer. Sem dispositivos formativos específicos, os docentes bacharéis e licenciados
são entregues a sua própria realização e tem sua experiência formativa como principal
legado para produzir sua prática educativa. Isso fica evidenciado na fala do Professor 1
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(...) surgiu o convite para a docência, que foi uma coisa caída do nada
e (parada longa) foi uma transferência assim imediata de realidade.
Sair de um universo e cair em outro universo. Já dentro de um curso
de Arquitetura com mil e uma dificuldades, com um currículo
diferente do meu, tendo que me deparar com conhecimento que eu
não tinha tido na minha formação, então foi uma época de estudo
assim desesperadora (ênfase), mas foi muito bacana.
(Entrevista narrativa, Professor 1, 2014)
A consciência de ser sujeito histórico leva a pessoa ao desafio de sua formação
que é de atualização do sujeito em sua condição de devir e de objetivar-se diante das
condições históricas. Esta consciência propõe uma tensão permanente entre os desejos,
aspirações individuais e as transformações e exigências sociais. Portanto, ter consciência
de si é a integração/interface entre conhecimentos, representações, atribuição de
sentidos,
tomada
de
consciência
de
suas
potencialidades,
concretização
e
intencionalidade de um projeto e transformação permanente do ser, como é nítido na
fala do Professor 2
(...) minha primeira experiência foi aqui no instituto. Entrei
totalmente verde, eu tive que ir desenvolvendo isso aqui dentro, mas
não foi problema pra mim, sou bem disciplinada, faço as coisas da
melhor forma, tento desenvolver o conteúdo, estar estudando também,
é claro. Temos sempre que estar estudando para atender ao que os
alunos querem, as necessidades do curso mesmo e aí a minha
experiência é essa, estou aprendendo aos poucos.
(Entrevista narrativa, Professor 2, 2014)
O processo de iniciação na docência na Educação Profissional tem se revelado
como um acontecimento sem uma atenção à história da formação dos docentes. O que
se vê é o esquecimento do desenvolvimento pessoal do professor, a anulação da
cotidianidade e dos dilemas vitais e comuns e a desarticulação nas dinâmicas formativas
com os projetos das escolas, estas aqui consideradas como espaços produtores de
autonomia e de realização da profissão, como aponta o Professor 1
é a primeira vez com que eu estou lidando, que eu estou lidando com
o ensino técnico profissionalizante. Então, eu não tinha experiência
com o segundo grau. É... alguma dificuldade estou tendo, não de
ministrar os conteúdos propriamente, mas em estar assimilando a
proposta do curso e de não encontrar o espaço que eu tinha no curso
superior (...)estar com adolescentes é algo que eu não tinha tido
experiência antes e eu estou percebendo necessidade de reinventar
minha prática como professor para atender a meninada.
(Entrevista narrativa, Professor 1, 2014)
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Enquanto espaço de relações humanas e de ensino-aprendizagem cada campus é
um mecanismo vivo, repleto de representações, lutas, contradições, afetos, valores que
marcam os modos se sentir-pensar-viver dos professores. Essa pungência de elementos
produz a escola. Portanto, os processos formativos precisam pensar numa nova
profissionalidade docente, estimulando uma cultura organizacional, que a partir da
condição de reflexividade do professor (SCHÖN, 1995) produza um uma escola
reflexiva e promotora de uma política de profissionalização.
É importante que o professor experiencie a escola em sua cotidianidade, para
ampliar o processo de identificação com as demandas da comunidade escolar. Isso
potencializa a atividade de pensar o trabalho escolar, sua concepção, análise,
possibilidades e limites. Mas, atualmente, observa-se mais um exercício burocrático e
individual da docência, ou da colocação desta como uma atividade de segunda ordem.
Tal processo é evidenciado pela dinâmica do processo de implantação que exige de
muitos docentes assumir funções de gestão concomitante com o próprio processo da
docência no Ensino Médio Integrado que, por sua vez, exige novos desafios para os
docentes. Segundo o Professor 3 as demandas da gestão dificultam a pungência do fazer
docente que implica na inventividade, na ampliação de espaços educativos e formativos
para si e para os discentes.
(...) trabalhar na gestão atrapalha, de fato me proíbe meter as pernas e
as mãos e alcançar alguns lugares. Eu vejo passar alguns editais e não
tenho tempo e disponibilidade para fazer. (...) mas como eu vou captar
recursos para fazer o que? jogar tudo pra cima? porque eu não tenho
condição de dar conta de tudo. Doí muito (...) é um campus em
implantação tem tudo o que fazer aqui . Se você olhar por lado direito
tem trabalho, coisa para fazer do lado esquerdo tem trabalho, pra
frente, pra trás, o campus de Ilhéus está implantando.
Segundo Cavaco (1999) superar esse processo e permanecer na docência pode
gerar dois movimentos contrários: por um lado permite o desenvolvimento de
autonomia, de segurança, de competência, de estabilidade podendo ocupar espaços e
viver experiências de forma gratificante; por outro lado, se as condições efetivas de
trabalho forem ruins e a mediocridade imperar, pode levar o professor a fazer de sua
docência um segundo plano profissional, uma semiprofissão, levando-o a buscar a
realização de suas necessidades fora da escola, como declara o Professor 1
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Agora não sei se eu tenho que continuar nisso como atividade
(parada) central da minha vida produtiva. Ser docente por
diletantismo também seria um luxo, não é? (...). Mas, realmente,
penso numa segunda atividade, não posso viver só de docência!
Contraria aquilo que minha vida, que minhas pulsões criativas exigem
de mim. Pedem não! Elas exigem!
O cenário apontado da EPT no IFBA indica uma nova instituição, com
demandas novas para o currículo, para os campos de atuação docente, para o
projeto-político pedagógico. Tais circunstâncias exigem dos docentes um compromisso
de exercer a profissão dotando-a de significado e vontade. É a compreensão do agir, do
sentido da própria prática educativa que entregue ao controle burocrático, a dependência
do outro ou de conhecimento alheio que desumaniza a ação e retira autonomia
(CONTRERAS, 2002). Nesse sentido práticas que dicotomizam ação e reflexão geram a
coisificação do fazer e colocam os professores em situação de dependência de um
sistema e ainda gera perda de competência técnica e de autonomia. Assim, a prática
pedagógica dos professores precisa está investida de valores, de intenção, só assim gera
autonomia.
Essa postura é uma necessidade educativa, pois diante o acontecimento da sala, a
cotidianidade, cabe ao professor a decisão e o compromisso pessoal com seus alunos e
com seu fazer. Isso não significa poder de agir sozinho sem precisar prestar conta do
que se faz. Ao contrário, exige saber relacionar-se com as regras produzidas
coletivamente, decidir conforme seu próprio juízo, mas em consonância com objetivos
morais e concretos que atendam a todos envolvidos no processo. No cenário do campus
em estudo isso é fundamental, pois quanto mais solidários e em ação coletiva, mais
fortes tornam-se os professores que em sua maioria estão chegando na escola e
recentemente na docência da EPT. O exercício dessa prática conduz a uma radicalidade
ética e a uma construção de uma identidade pautada em princípios de dialogicidade e de
relação mútua. É uma construção constante de uma identidade profissional baseada na
utilização de seus saberes e poderes em cada caso.
Por isso desafiar-se, diversificar o trabalho, procurar dimensões mais criativas
pode contribuir para a superação do quadro de mediocridade por ora descrito. Uma
forma de enfrentamento dessa situação é a formação de redes informais onde o professor
compartilha, troca experiências e reorganiza esquemas de ação, entretanto, muitas vezes
esses espaços funcionam mais como um campo e apoio do que como espaço formativo.
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Podem não passar de ações rotineiras, irrefletidas, se não produzirem desenvolvimento
profissional. Tal processo vem sendo experienciado, sobretudo, na formação de grupos
de estudos e de projetos, mas que ainda resguardam a fragmentação das áreas de
conhecimento, formando coletivos separados na própria organização curricular e
administrativa no campus, como é evidenciado na narrativa do Professor 1
É muito bom porque eu me vi meio isolado em dois anos de escola
porque eu tinha como ter diálogo, eu tive diálogo na parte de
tecnologia, porque tive colegas engenheiros, eu comecei a ter diálogo
na questão da... discussão humana, que está dentro dos aspectos da
atuação do arquiteto. (...). Mas, a arquitetura como produto de uma
formulação que toma isso para gerar, através do projeto, que é uma
atividade específica, com metodologia própria, eu não tinha com
quem dialogar com isso, não tinha profissional de criação e de
projeto. Os engenheiros também colegas trabalham com projeto, mas
projeto dentro de uma demanda muito específica, muito numérica, de
um resultado que não requer diálogo, você recebe uma demanda
técnica, numérica e você dá uma resposta para aquilo. Então agora, eu
penso poder estar trabalhando com alguém que lide com aspectos de
criação, com demandas humanas que alimentem esse aspecto de
criação, e eu estou doido para estar conversando, para está gerando
um curso a partir disso.
Portanto, o modelo profissional deve ser encarado a partir de um projeto político
que alie competência técnica e compromisso ético e político que se configure como um
esquema mediador onde o sujeito produza sua realidade, pois o processo formativo é
complexo, atravessado por múltiplas dinâmicas e, como tal, precisa ter um horizonte
definido. Assim, a formação de professores diante da complexidade que envolve o ato
educativo precisa ser pensada“ no sentido da diversificação dos modelos e das práticas
formativas, instituindo novas relações do professor com os saberes e a realidade de seus
alunos” (FARTES, 2010, p. 51)
Assim, deve distanciar-se da perspectiva instrumentalizadora, pois o professor
precisa ser percebido como sujeito imerso em dinâmicas que exigem criatividade,
reflexão, crítica, proposição e competência. Entretanto, este mesmo sujeito está
submetido ao cotidiano e precisa poder fazer a crítica e a transposição de ação.
Nesse sentido, o primeiro passo nesse processo é a construção subjetiva do
problema como uma questão ético-política, ou seja, precisa compreender o que pensa e
como se posiciona diante da situação. Assim, tal processo formativo precisa fazer
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interface com objeto da profissão, com modos de atuação profissional e da esfera da
atuação profissional, constituindo, então num ethos da profissão docente.
5. Considerações Finais
A cotidianidade na profissão docente exige ações muito específicas, abordagens
únicas ligadas ao contexto no qual se aplica e o enfretamento da incerteza sobre os
resultados da ação. Assim, uma postura que promove o diálogo, a negociação e
recriação junto aos alunos e aos pares possibilita outras esferas de ação e realização de
práticas educativas. Quanto mais imersos nos seus processos de ensino, nas suas ações,
mais os professores são capazes de responder com criatividade, com inovações as
situações complexas, incertas e conflituosas. A capacidade de responder as questões
cotidianas amplia o nível de satisfação confiança e autoestima dos docentes.
O professor, como qualquer outro profissional, é falível, portanto, precisa
compreender o outro e suas necessidades e os significados que estes atribuem às
situações vividas. Desse modo, é preciso criatividade e percepção aguçada para
compreender suas próprias experiências. Cabe lembrar que essas situações são sínteses
de uma integração de fatores internos e externos ao ambiente escolar, dos elementos
culturais, sociais, emocionais que perpassam a esfera pública e privada ao sujeito e a
escola.
Em um cenário de implantação com demandas tão intensas no campo da gestão,
da formação e da organização de um currículo integrado entre os conhecimentos
propedêuticos e técnicos, o campus em discussão apresenta a necessidade de um amplo
processo de configuração, de formação de uma identidade escolar e de um espaço
reflexivo que potencialize a ação inventiva e criadora da educação.
Nesse sentido é fundamental possibilitar que as experiências produzidas ganhem
espaços e centralidade na cotidianidade da escola, Assim, também é possível promover
uma práxis docente voltada para o reconhecimento de si, de seus desafios, itinerários,
desejos de seu imaginário, de modo a estabelecer uma relação com o contexto
sociocultural. Por meio da experiência, os docentes podem tomar consciência de suas
posturas no mundo e das suas ideias que estruturam essas posturas. Assim, se
reinventarem diariamente como pessoa-professor marcando sua própria história pela
escrita de si e assumindo a profissionalização como um projeto ético e existencial.
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