Dica Livro do Futuro

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Dica Livro do Futuro
Tecnologia - fonte: Revista Veja - Edição 1863 . 21 de julho de 2004
A tinta digital salva as árvores
Carlos Rydlewski
Sony e Panasonic lançam os primeiros livros eletrônicos que podem evitar no
futuro o corte de florestas para fazer papel.
Fotos AP
A tela da E Ink (à esq.), que pode ser colada sobre superfícies
flexíveis, e o Librié, da Sony, (à dir.) lançado no Japão
Imagine uma tecnologia tão avançada de registro de informações que seu produto
possa ser carregado debaixo do braço, dobrado, amassado e, de tão barato, possa ser
jogado fora assim que perder a serventia. Essa tecnologia já existe. Chama-se papel e
foi desenvolvida há quase 2.000 anos pelos chineses. Substituir algo tão prático e
eficiente é muito difícil. As melhores cabeças da era digital têm se empenhado nisso.
Recentemente surgiram no mercado do Japão e dos Estados Unidos algumas das mais
bem-sucedidas tentativas já feitas até agora.
Dois gigantes globais, a Sony e a Matsushita, que faz os aparelhos da marca
Panasonic, lançaram no Japão modelos de livros eletrônicos surpreendentemente
práticos – embora nada baratos. São tecnologias embrionárias que um dia poderão
substituir o uso do papel impresso em larga escala. As conseqüências dessa revolução
terão efeito em áreas tão distintas como a do comportamento e a da ecologia, com a
diminuição da demanda por novas árvores. Somente para rodar a edição dominical do
New York Times, o jornal mais respeitado dos EUA, por exemplo, gastam-se 4,5
milhões de toneladas de papel, que demandam o corte de 75.000 árvores.
O Librié, o livro eletrônico da Sony, a gigante japonesa que fatura 62 bilhões de
dólares por ano, incorpora um grande número de novidades. O Librié surgiu da
associação entre a empresa japonesa e as firmas responsáveis pela tecnologia das
telas dobráveis, a holandesa Philips e a americana E Ink. O visor do livro eletrônico
tem apenas 12,6 centímetros de largura por 19 centímetros de altura. É pouco menor
que uma folha de papel A4 dobrada ao meio. Pesa apenas 200 gramas, o equivalente a
um livro de 100 páginas. Sua memória permite armazenar meia centena de livros.
Quatro pilhas pequenas comuns são suficientes para garantir a leitura de 10.000
páginas. O desenvolvimento de uma tela que demande pouca energia, seja leve,
transportável e durável foi a chave para a produção dos primeiros livros eletrônicos
com algum potencial de mercado. Foi preciso também equacionar o problema do
reflexo da luz, que torna as telas de cristal líquido convencionais impróprias para
lugares muito iluminados, como uma praia, por exemplo.
O visor do Librié chega bem perto dessas características ideais. Ele pode ser usado
tanto em ambientes bem iluminados quanto em salas escuras. A resolução é
comparável à da impressão de um jornal. Todos esses avanços se devem à utilização
de uma tinta eletrônica, criada pela E Ink, empresa que teve como berço o Instituto
de Tecnologia de Massachusetts (MIT). O nome da companhia é uma sigla tirada
da expressão "tinta por eletroforese", em inglês, e é uma alusão ao processo de
formação dos caracteres do texto na tela. Na prática, as imagens surgem pela
movimentação de partículas microscópicas de pigmentos claros e escuros. Elas trocam
de lugar, entre o fundo e o topo da tela, dando origem por contraste às letras e aos
desenhos. "Estamos criando um produto que mudará totalmente o hábito de leitura",
diz Russell Wilcox, presidente da E Ink.
AP
Ivan Carneiro
O livro eletrônico da Panasonic (à esq.) permite acesso a 5 500
livros. Uma edição dominical do New York Times consome 75 000
árvores
Além do Librié, lançado em abril, no Japão, por 375 dólares, há outras novidades no
mercado. A Eastman Kodak também persegue o sonho das telas perfeitas, flexíveis e
comercialmente viáveis. A partir de uma tecnologia conhecida como Oled – abreviação
em inglês de "diodo orgânico emissor de luz" –, já lançou um visor para uma câmera
fotográfica. A pesquisa da Motorola usa recursos da nanotecnologia, a ciência que
estuda objetos de dimensão infinitesimal. Mesmo sem objetivos comerciais, o
Pentágono também está em busca do papel e da tinta digitais. Os militares americanos
investiram 43,7 milhões de dólares nos últimos cinco anos para desenvolver um tipo
de painel que ocupe menos espaço em veículos de combate. O dinheiro foi aplicado na
formação de um centro para telas flexíveis, localizado em Tempe, no Arizona. Aberto
em abril, o centro vai produzir seu primeiro protótipo baseado na tecnologia E Ink.
Os principais livros eletrônicos disponíveis no mercado já possuem recursos que os
tiram da categoria de meras e caras curiosidades eletrônicas. Vários desses aparelhos
têm marcadores de página, bloco de anotações, dicionários internos, busca por
palavras, além do acesso a bibliotecas. A captura dos arquivos é feita por meio do
computador e posteriormente repassada para o livro eletrônico. No caso do Librié, só é
permitido o acesso a um site da Publishing Link, empresa filiada à Sony, que conta
com investimento da maioria das grandes editoras do Japão. O site dispõe de cerca de
600 títulos, quase todos ainda em japonês. O acesso a um livro custa 2,92 dólares,
uma pechincha em comparação com o preço da brochura em qualquer prateleira do
ramo, no Brasil ou no exterior.
Já o novo produto da Panasonic, o Sigma Book, lançado em fevereiro, custa 357
dólares. Ele abre outras possibilidades nesse campo, apesar de não ser tão
revolucionário no quesito tela. O site da empresa tem 100 títulos disponíveis para o
leitor, mas o sistema permite a conexão com um endereço independente, chamado 10
Days Book. Nessa biblioteca virtual, existem 5.500 livros. O visor do Sigma é duplo,
como um livro convencional, e feito de cristal líquido. O equipamento não tem
memória interna. Utiliza um cartão.
A experiência de Steve Jobs, o mago da Apple, na área de música digital é uma
inspiração para parte do setor de livros eletrônicos. Na semana passada, o iTunes, o
serviço de oferta de canções pela internet da Apple, alcançou a marca de 100 milhões
de músicas vendidas. O estoque do iTunes é de 700.000 canções em formato digital.
Não é difícil que os livros sigam o mesmo caminho – que já começa a ser trilhado
também por filmes. A estimativa é que apenas os títulos gratuitos disponíveis em
bibliotecas digitais da rede de computadores somem mais 20.000 obras, entre as quais
centenas de best-sellers e clássicos esgotados.
Um dos problemas mais vitais que precisam ser solucionados é o do padrão. Os
fabricantes usam sistemas diferentes que não se comunicam entre si. Foi esse entrave
que dificultou o avanço no mercado dos primeiros equipamentos de leitura, que
chegaram às prateleiras seis anos atrás. Entre os pioneiros de maior destaque estão o
SoftBook e o Rocket eBook, da NuvoMedia. A comparação entre os pioneiros e os
atuais dá uma idéia clara dos progressos. O Soft pesava 1,4 quilo, sete vezes mais que
o Librié. O Rocket foi lançado custando 500 dólares, 35% mais caro que os exemplares
mais modernos de hoje. E essa é uma comparação, ressalte-se, apenas de preços – o
que está em jogo é a evolução tecnológica. Mesmo depois de resolver toda a parte
técnica, os fabricantes terão de combater um costume milenar, o de ler sentindo o
papel entre os dedos. Além de agradar, os livros eletrônicos terão de baixar bastante
de preço para competir em condições de igualdade com os tradicionais livros de papel.
Por muito tempo ainda, florestas continuarão sendo cortadas para alimentar o hábito
de leitura da humanidade.
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QUADRO: A HISTÓRIA DO PAPEL
GRÁFICO: COMO FUNCIONA A NOVA TECNOLOGIA DE TINTA ELETRÔNICA

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