Acabar com o capitalismo de casino

Transcrição

Acabar com o capitalismo de casino
Jornal de Leiria
ID: 22498829
23-10-2008
Tiragem: 15000
Pág: 18
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Semanal
Área: 26,34 x 15,97 cm²
Âmbito: Regional
Corte: 1 de 1
| O p i n i ã o |
Acabar com o capitalismo de casino
capitalismo de casino obrigou a Administração Bush a
recorrer ao Estado,
isto é aos contribuintes, para salvar
bancos e seguradoras através do
Fundo Paulson. Numa aflição para
tentar poupar a main street (a
economia real) das piores consequências da escroqueria que andava à solta em Wall Street. Em
bancos ditos "de investimento",
fundos especulativos como os
hedge funds e outras instituições
financeiras peritas em driblar
supervisores e inventar produtos
"tóxicos", encorajados por políticos defensores da desregulamentação e da tese absurda de
que "os mercados se regulavam
a si próprios".
A Europa tardou a reagir. A
Comissão Europeia andou a fazer
de avestruz, como convém ao Dr.
Durão Barroso para obter mais
um mandato: embora as sirenes
de alarme não parassem de tocar
desde que rebentou nos EUA a
crise do subprime há mais de um
ano, a CE resistiu a tomar acções
legislativas ou práticas para asse-
O
gurar transparência, regulação e
supervisão dos produtos e instituições financeiras, não obstante repetidos apelos do Parlamento Europeu.
Graças ao PM Gordon Brown
e ao Presidente Sarkozy, a Europa a 27 começou, finalmente, na
primeira semana de Outubro, a
adoptar medidas, sobretudo para
injectar liquidez no sistema bancário, travando os efeitos da crise financeira na economia real
na Europa.
Na pragmática Grã-Bretanha
o liberalismo foi logo mandado
às urtigas: impôs-se o controle
dos bancos utilizadores dos fundos estatais através da nacionalização parcial. Em países mais
lentos a libertar-se da ortodoxia
reaganómica, como Portugal, oferecem-se garantias de financiamento estatal aos bancos em
necessidade - esperando-se que
tais garantias não precisem de ser
muito utilizadas...
A crise já está a estrangular a
economia real globalmente: até
a China está a ser afectada. E deve
causar 20 milhões de novos despedimentos daqui até ao final de
A Comissão
Europeia andou a
fazer de avestruz,
como convém ao Dr.
Durão Barroso para
obter mais
um mandato
ANA GOMES
Eurodeputada
2009, segundo a OIT: "Precisamos de acção rápida e coordenada dos governos para prevenir uma crise social que pode vir
a ser prolongada, severa e global", disse Juan Somavia, o director geral do BIT, identificando
como sectores mais atingidos a
construção, finança, serviços e
turismo. "Não é apenas uma crise de Wall Street, mas sim uma
crise da rua (street) inteira", avisou, ao pedir que se agarrasse
esta oportunidade para regular a
globalização, até aqui desequilibrada e não sustentável.
Sarkozy e Barroso correram a
convencer o já irrelevante Presidente Bush de que é precisa uma
nova conferência tipo Bretton
Woods para "refundar o sistema
capitalista", sentando também à
mesa quem conta: a China, a Índia,
o Brasil e a Rússia. Mas não parece que, a nível europeu, os 27
estejam já a fazer o trabalho de
casa indispensável para propor a
refundação do sistema financeiro e económico mundial em bases
saudáveis:
- Na UE, Barroso, Trichet e
vários governos continuam a recu-
sar rever o PEC, obstinando-se
contra a necessidade de medidas
excepcionais para a excepcional
crise económica que o capitalismo de casino criou.
- França e Alemanha falam de
fechar off-shores na OCDE, mas
outros parceiros - incluindo Portugal - não estão para aí virados,
apesar de saberem que os "paraísos fiscais" são os buracos negros
que processam a maior parte dos
fundos especulativos, vivem da
evasão fiscal e financiam a criminalidade organizada, a corrupção e o terrorismo.
- Não se assegura que as medidas de combate à crise económica contemplem um plano mundial eficaz de luta contra o
aquecimento global, incluindo
investimento na eficiência energética e em energias alternativas.
- E, finalmente, não se garante que o socorro às economias
dos países mais ricos do planeta
não impliquem desinvestir do
progresso dos países mais pobres,
através dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio visando
reduzir para metade a pobreza no
mundo em 2015.