Uso Abusivo De Esteroides

Transcrição

Uso Abusivo De Esteroides
Uso abusivo de esteróides anabolizantes androgênicos
Mônica Cristina Di Pietro Manetta e Dartiu X da Silveira
Os esteróides anabolizantes androgênicos (EAA) são andrógenos
sintéticos com atividade anabólica semelhante à testosterona. Os
EAA têm a função primária de desenvolver e manter características
sexuais masculinas, além da função anabolizante que acarreta
aumento da síntese protéica e conseqüente aumento da massa
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muscular.
Mônica Cristina Di
Pietro Manetta
Pós-graduanda do
Departamento de
Psiquiatria da Unifesp/EPM
e chefe de plantão do
Pronto-Socorro de
Psiquiatria da Unifesp/EPM
Correspondência
Proad – Unifesp/EPM
Rua dos Otonis, 887
04023-900 São Paulo, SP
Email:[email protected]
A testosterona foi isolada, caracterizada quimicamente e sintetizada
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em laboratório em 1935. O primeiro uso não-médico dos EAA foi
feito por soldados alemães na II Guerra Mundial com o intuito de
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aumentar a agressividade. Os anos 50 marcaram o início do uso
entre atletas competitivos. Mas só nos anos 70 pudemos observar um
aumento progressivo do uso de EAA entre atletas competitivos e o
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início do uso entre atletas recreativos, inclusive entre as mulheres.
Hoje faz até mesmo parte da cultura dos freqüentadores de
academias. O ano de 1975 ficou marcado pela inclusão dos EAA na
lista de drogas consideradas “doping” pelo Comitê Olímpico
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Internacional, sendo o ano de 1988 um marco histórico dessa
questão, pois foi quando o atleta Ben Johnson perdeu sua medalha
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olímpica em Seul devido ao uso de EAA.
Um estudo populacional realizado em 1988 nos EUA estimou em
mais de um milhão os usuários de EAA. A média de idade para início do uso na população de
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adultos é de 18 anos. Para os adolescentes, a média de idade de início do uso é de 15 anos.
Mesmo não havendo dados epidemiológicos brasileiros, esses estudos nos dão idéia da
dimensão do problema.
Em relação à forma de uso, os EAA são administrados em “ciclos” que duram de 4 a 12
semanas, freqüentemente envolvendo várias drogas simultaneamente (“empilhadas”) ou doses
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que são gradualmente aumentadas e a seguir diminuídas (pirâmide), administradas por via
oral e via intramuscular associadamente, com períodos de abstinência que variam entre um
mês e um ano. As doses usadas costumam ser 10 a 100 vezes maiores que as doses
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habitualmente preconizadas em tratamentos e estudos médicos. As principais drogas usadas
são metandienona (Dianabol), cipionato de testosterona (Testosterona Depot, Sustanon,
outros), decanoato de nandrolona (Deca-durabolin, Durabolin), oxandrolona (Anavar), enantato
de metenolona (Primobolan), estanozolol (Winstrol) e undecilenato de boldenona (Equipoise).
O undecilenato de boldenona é uma droga de preparação veterinária, o que denota a falta de
limites dos usuários. Na tentativa de evitar os efeitos colaterais e de aumentar a ação das
drogas, são usados: diuréticos, outros hormônios (diidroepiandrosterona, eritropoietina,
hormônio de crescimento humano, insulina, tiroxina e triiodotironina), estimulantes do hormônio
de crescimento, estimulantes da testosterona (clomifeno, ciclofenil e gonadotrofina coriônica
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humana). Na Internet encontramos “sites” de estímulo ao uso de EAA, com recomendação de
dosagens e “dicas” de como conseguir as drogas. Sabe-se também que os EAA são prescritos
e vendidos nas próprias academias, sem qualquer critério e controle.
Conseqüências orgânicas do uso de EAA podem ocorrer em diversos sistemas. Na pele: acne,
aumento de pelos corporais e calvície. No fígado: colestase e tumores hepáticos. No sistema
nervoso central: convulsões, dor de cabeça e trombose do seio sagital. No metabolismo:
intolerância à glicose, aumento de LDL colesterol e diminuição do HDL colesterol. No sistema
endócrino: atrofia testicular temporária, dificuldade urinária e ginecomastia.
São ainda descritos quadros psiquiátricos associados ao uso dos EAA. Na vigência do uso:
psicoses ou sintomas psicóticos, mania ou hipomania, ansiedade e/ ou pânico e
comportamento violento. Na retirada da droga podem ocorrer quadros depressivos.8 Alguns
trabalhos avaliam a dependência a EAA segundo critérios do DSM-III-R. A insatisfação com a
imagem corporal é citada como um fator que predisporia os usuários à dependência. Não há
dados de prevalência de dependência de EAA.2,9 Kindlundh (1999) menciona o consumo
pesado de álcool (mais de uma vez por semana) como associado ao uso de EAA entre
adolescentes.
Embora considere-se a importância das alterações de imagem corporal na questão do abuso
de EAA, pouco se sabe ainda sobre imagem corporal e hábito de fazer dietas e exercícios
físicos entre homens. Em contraste com o que se conhece com relação às mulheres, a
insatisfação com a imagem corporal em homens, especialmente entre os jovens, direciona-se
ao ganho de peso. Tucker (1982) estudou o tipo físico “ideal” de homens jovens universitários e
estimou que 70% não estavam satisfeitos com seu corpo e desejavam ser mais musculosos.
Um tipo de transtorno dismórfico corporal está francamente associado ao uso de EAA.
Denominado “dismorfia muscular”, caracteriza-se pelo fato de homens, mesmo sendo
musculosos e “grandes” (como se entitulam), têm medo de parecerem fracos e “pequenos” e
algumas vezes consideram que sua massa magra é insuficiente. A preocupação excessiva
com a musculatura causa ansiedade e prejuízo social, ocupacional e em outras áreas de
funcionamento. Há uma excessiva preocupação com o treinamento físico e com a dieta, o que
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pode levar ao uso de substâncias ergogênicas. O uso de EAA nessa população pode ser
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desencadeado ou mantido pela presença de transtorno dismórfico corporal.
A mídia, que estimula o culto ao corpo irreal, também tem noticiado as conseqüências do
abuso dos EAA, o que salienta a importância do meio científico na investigação mais
aprofundada e na abordagem adequada do problema.
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