Untitled - Fiocruz
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t'opyol"lil Alda Ikiwr, Alltollio Auguslo (I 'I 11 Vid 1'"1'1 tI! I, '11111 !'tlSSOS Direitos desta edição reservados ú MAUAD Editora LIda. Rua Joaquim Silva, 98, 5° andar Lapa - Rio de Janeiro - Te!.: (21) 3479.7422 - RJ - CEP: 20241-110 Fax: (21) 3479.7400 www.mauad.com.br em coedição com FapeJj - Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro Av. Erasmo Braga, 118, 6° andar - Centro CEP: 20020-000 - Rio de Janeiro - RJ Te!.: (21) 3231.2929 - Fax: (21) 2533.4453 www.faperj.br Projeto Gráfico: Núcleo de ArtelMauad Editora Agradecimentos ao Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, à Uerj, à Embrapa e à Faperj, pelos apoios recebidos. Ctr-BRAslL. SINDICATO NACIONAL CATALOGAÇÃO-NA-FONTE DOS EDITORES DE LIVROS, Ciência, civilização e república nos trópicos / [organizadores Passos Videira]. - Rio de Janeiro: Mauad X : Faperj, 20 IO. RJ. Alda Heizer, Antonio Augusto il. Trabalhos apresentados no Seminário Ciência, Civilização e República nos Trópicos: 18891930, realizado em abril de 2008, na cidade do Rio de Janeiro 384p. ; l6cm x 23cm Inclui bibliografia ISBN 978-85-7478-324-6 1. Ciência - Brasil - História - Congressos. 2. Ciência e Estado - Brasil - Congressos. 3. Brasil - História - República Velha, 1889-1930 - Congressos. I. Heizer, Alda. lI. Videira, Antonio Augusto Passos. m. Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro. CDD: 509.81 CDU: 5(81) o Museu Paraense entre o Império e a República, 1866-1907 As primeiras décadas republicanas testemunharam importantes transformações no cenário científico brasileiro. Novas instituições foram criadas pelo governo central e por alguns governos estaduais, fortalecidos pelo pacto federativo. Outras foram extintas, refonnadas ou ampliadas, e há, ainda, aquelas que tiveram seus objetivos reorientados. Cientistas e intelectuais também começaram a refletir amiúde sobre a ciência e a tecnologia no Brasil, valorizando sua trajetória histórica, destacando sua utilidade social e demandando maior apoio por parte dos governos. Existem vários exemplos dessas transformações, começando pela transferência do Museu Nacional do Rio de Janeiro para a residência do Imperador deposto, o Palácio da Boa Vista. Em dezembro de 1889, os administradores do museu solicitaram o prédio de São Cristóvão ao novo governo, indeciso sobre o destino a dar para os despojos do regime falido. Alegaram a falta de espaço para as coleções de história natural na antiga sede, a soma avultada de recursos necessários para a construção de um novo edificio e a localização adequada do palácio.! O governo logo cedeu o prédio e a mudança ocorreu a partir de 1892. Independentemente das questões técnicas que justificaram a trans- ferência, o palácio imperial que se tomou museu pode nos dizer algo do lugar que as ciências e a história ocupavam nos projetos políticos de alguns grupos republicanos. Outras instituições cariocas foram beneficiadas de imediato pelo novo regime. O Observatório Nacional ganhou "organização mais adequada a seus fins e nova orientação a seus trabalhos", além de "novos instrumentos mais modernos" (Morize, 1987, p. 124). Por sua vez, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro ganhou novo diretor. João BarCf. Acta da 155" Sessão do CD-MNRJ, em 10 de dezembro de 1889. Arquivo do Museu Nacional, Registro de Atas e Deliberações do Conselho Administrativo do Museu Nacional, Livro n. 4, 1885-1893, BR.MN.MN.CD.0.2. 1 bosa Rodrigues (1842-1909) foi nomeado em março de 1890, recebendo apoio político conhecido pelas pesquisas sobre ofidismo (Benchimol e Teixeira, 1993; Almeida, 2003; as coleções, desenvolver pesquisas e publicar livros e periódicos (Rodrigues, 1908). Con , Santos e Faria, 2003). Esses exemplos mostram, claramente, que em pouco mais de dez anos e em alguns tudo, a transferência de Barbosa Rodrigues de Manaus, onde dirigia o Museu Botânico estados, o sistema federalista transformou significativamente do Amazonas, para o Rio de Janeiro significou a extinção des~e museu, que não mereccu meio da ampliação dos espaços e das políticas que permitiram a afirmação profissional o apoio do governo local. Esse fato pode estar relacionado tanto com o perfil dos políticos do cientista (mesmo que essa afirmação tenha ocorrido em prejuízo de outras práticas e republicanos amazonenses, que não priorizaram os investimentos em instituições cientHl saberes, como no caso da medicina). Em alguns casos, como no dos museus de história cas, quanto com a figura polêmica de Barbosa Rodrigues e a atribulada criação do mllSCII, natural, pode-se afirmar que houve uma desconcentração que envolveu diretamente a família imperial (Lopes, 1997; Sá, 2001). o fortalecimento de instituições localizadas fora da capital do país. O Museu Paulista para executar obras estruturais, ampliar os passeios e recantos, reorganizar e incrementnl' Um movimento inverso ao ocorrido no Amazonas pode ser observado em São Pau 10. Tal como no Rio de Janeiro, ali a República também transformou um símbolo .1111 o cenário científico por científica com a criação ou e o Museu Paraense passaram a dividir com o Museu Nacional do Rio de Janeiro, na década de 1890, a liderança nas ciências naturais brasileiras (Lopes, 1997). O argumento que defendo, contudo, não deve ser confundido com um tipo de his- cional, o Palácio do Ipiranga, em museu científico. O "encontro do monumento à Indl' pendência com a História Natural" (Alves, 2001, p. 69) já foi estudado tendo em vis!1I tória positivista das ciências que classifica o regime imperial como "pré-científico" a aproximação entre os projetos políticos republicanos, a ciência e a instrução públiclI, o republicano como "científico", visão criticada por vários historiadores (Edler, 1992, e O Museu Paulista, fruto do discurso cientificizante das elites paulistanas, foi criado CIII 1999; Sanjad, 2001b; Almeida, 2003). Também não deve ser confundido com uma 1893 a partir da doação de uma coleção particular ao governo estadual. Seu primcil'o tentativa de delimitação da origem de uma "ciência nacional" e autônoma, como de- diretor, Hermann von Ihering (1850-1930), recebeu recursos suficientes para instalar o fenderam Azevedo (1994), Stepan (1976) e Schwartzman (1979). Mas ele merece ser museu no palácio, contratar equipe, formar coleções, desenvolver pesquisas e publictll cotejado com um outro argumento, segundo o qual a ampliação e diversificação dos um periódico (Alves, 2001; Lopes, 1997; Dantes, 1979-1980). espaços institucionais no Brasil antecedem a República e são simultâneos à especiali- No campo da higiene e da saúde, o governo federal passou a intervir fortemente, pl'ill cipalmente no Rio de Janeiro, por meio de reformas urbanas, campanhas de vacinaçilo, construção de hospitais, criação de instituições de pesquisa e órgãos burocráticos, Il1Udil11 ças que vêm sendo estudadas tendo em vista a articulação de médicos e bacteriologislll zação científica e à introdução da ciência experimental no país (Dantes, 1988; Figueirôa, 1997; Lopes, 1997). O fenômeno seria, para ser mais preciso, perceptível a partir da década de 1870, quando são criadas comissões geológicas, laboratórios, museus e escolas superiores, bem como difundidas teorias evolucionistas, doutrinas positivistas digmas científicos diferentes e a necessidade de aparelhar o Estado para o enfrentanHllIl. I e pesquisas experimentais. Não discordo desse argumento, mas faço a ressalva de que essa diversificação ins- das epidemias e doenças que grassavam em vários pontos do país (Benchim01 e Tcixuilll titucional durante o Império precisa ser mais bem qualificada, distinguindo-a do ponto 1993; Hochman, 1998; Benchimol, 1999; Santos e Faria, 2003). O Instituto Soroteróph't1 de vista científico, geográfico e político. Por exemplo, se ela ocorreu no âmbito das de Manguinhos (atual Oswaldo Cruz), criado em 1900, veio a se constituir como UI1Ido ciências naturais, priorizadas durante o Império graças ao seu vínculo com a expansão econômica e com a imagem da Nação que se desejava firmar (Figueirôa, 1997; com o poder político, o choque de gerações de médicos e higienistas formados em P/liII principais paIos de produção de soros e fármacos, de ensino científico e de pesqllllill Domingues, 1995), no âmbito das ciências da saúde o argumento é mais difícil de biomédicas e biológicas do Brasil (Stepan, 1976; Benchimol, 1990). sustentar. Por outro lado, se focarmos na distribuição geográfica das instituições cien- Em São Paulo, o movimento higienista e de incentivo às pesquisas biológiclIs IIpl cadas à saúde foi igualmente ativo. O estado foi o primeiro a implantar uma esll 11111111 burocrática apropriada para planejar e executar as reformas, o Scrviço Sanitório, 111'illdo em 1892. Serviços auxiliares também foram implantlldos, cnl110 O Instituto BlIl'lllilo lógico, que Adolpho Lutz (1855-1940) dirigiu P()f'qllillJ;OUI1I1H; o IlIslillllO VlloIIHI/11 nico; o Laboratório dc Análises Qulmicils o IiI'Olllllltllt'I/.lt'liH;II o 1,IIhol'llfúdo 01111111111 c Farmacôutico. Elll 1901,1111111 1I0VIIillsllllil,'l'Io /II'IIHI dlidll, (11111111 1l1l111l11fl), dirl/lldo pOl' VIIIII 111'11'/11 ( I H/I" PI,'") lilli iI III 111111111110 NOI'OIlIIl\plt 11 111111011 1I11t'ltlllldlllllllll tíficas durante o Império, veremos que o Rio de Janeiro concentrou o maior número dc instituições, assim como o governo central (muitas vezes personificado na própria rigura do Imporador ou de membros da família imperial) foi o maior indutor da criação de institllit,ll"lllHIlll'II<111 Corte.2 Por sua vez, as instituições criadas e mantidas pelos goVU1'1I0/'l Pl'OVillt'!lilll,IIli\1\l do um número muito mais reduzido, não foram efetivamcntc III1tI IIII MIII11111 1 1\~tI. 1111 Iltll tI<l 1111 1 11111111 AIJII()()III <111 1\1111111 ( Illfti), <111 I.ll!lolll (111 MII\IiIl (111 011111 Pllllo 11111/\1111 1\ ""IIH'"III.IOI(11111 I) II 1111 Iillpllllrllltllil~:t\lll\lllIlllr\l111r II 1111 (lIl1llplillltl (tli/") ( tll/b), ganhasse novas atribuições e iniciasse, de fato, um programa de pesquisas identificado implantadas ou tiveram uma atuação restrita por falta de apoio político e financeiro.3 Volto, portanto, ao marco republicano, afirmando sua importância para a transfor- com a região onde se localizava (Sanjad, 2005). mação do cenário científico brasileiro em razão do fortalecimento político e financeiro dos estados. Evidentemente, o apoio à ciência não foi homogêneo nos vários estados A criação do Museu Paraense e o patronato político durante o Império brasileiros. Mais autonomia, mais recursos financeiros e uma ideologia que valorizava o discurso científico (como algumas correntes positivistas) significaram, em alguns lugares, a criação ou reforma de museus, laboratórios, faculdades e escolas profissional i- A criação do Museu Paraense ocorreu em meio à discussão local sobre a instrução zantes. São Paulo possui os exemplos mais conhecidos,4 todos vinculados às demandas pública e o potencial econômico dos recursos naturais da região amazônica. Desde da dinâmica economia paulista e por vezes objetos de disputas de grupos políticos qu a década de 1850, o governo provincial vinha ensaiando um maior apoio às ciências buscavam espaço no novo regime (Santos, 1985; Figueirôa, 1997; Perecin, 2004). naturais, processo liderado por professores do Liceu Paraense e pelo então Diretor da POI' sua vez, no Amazonas e no Rio Grande do Sul, para manter os exemplos nos estados Repartição de Obras Públicas, matemático formado na Universidade de Coimbra, José que experimentavam Coelho da Gama e Abreu (1831-1906), barão do Marajó em 1881. Gama e Abreu as- algum crescimento econômico, as políticas de incentivo à ciêncill parecem ter sido bastante limitadas. Sobre esse último estado, um estudo das práticas d sumiu a Repartição em 1855 e tomou para si a tarefa de reformar e ampliar o antigo cura demonstrou que as características do positivismo gaúcho, que pregava a liberda I jardim botânico colonial. Conseguiu recursos para transferi-lo de lugar, para aumentar profissional e o ensino livre, dispensando a intervenção estatal na ciência e na educaçe o as plantações e contratar nove jardineiros franceses (Sanjad, 2001a). Simultaneamente, superior, impediram ali uma organização sanitária fundamentada científicos e jogaram médicos, médicos-positivistas escreveu um relatório ao presidente da Província sugerindo a ampliação da biblioteca em conhecimentos e o governo em disputas por apoio botânicas, zoológicas ou mineralógicas que existem na Província" e ao "recreio e ins- e espaço profissional (Weber, 1997). Não se trata, em conclusão, de fazer a oposição entre fases "metafisicas" e "posil vas", "coloniais" ou "nacionais", "pré-científicas" pública e a criação de um museu de história natural, destinado "à coleção das riquezas ou "científicas", j. e sim de procul'lll' entender quais os mecanismos políticos e ideológicos dos grupos republicanos que pOH sibilitaram (ou não) maior inserção das atividades científicas e dos próprios cientislas na sociedade. Veremos, adiante, um estudo de caso realizado com o Museu Paraens , instituição provincial fundada em 1866, em Belém, e reformada em 1894. Suas pri 111 trução da população". Gama e Abreujustificou "à especulação dos empreendedores, enriquecer esta Província". a formação de coleções como incentivo e outros tantos canais de produção [que] venham 5 Em 1860, o presidente da província contratou o naturalista francês Louis-Jacques Brunet, então Diretor do Gabinete de História Natural do Ginásio de Pernambuco, para percorrer o rio Amazonas e alguns de seus afluentes. Ao justificar a contratação de Bru- j ras quatro décadas têm como pano de fundo a passagem do Império para a Repúbli 'li, 'net, o presidente afirmou que pretendia habilitar-se "com meios seguros de promover quando ocorreram mudanças políticas que o posicionaram [no Pará] a exploração de objetos pertencentes aos três reinos da Natureza, tão abun- como uma das instituiç( estaduais prioritárias em termos de aplicação de recursos financeiros e como importElIII\\ dantes aqui, e tão desconhecidos ao mesmo tempo" (Albuquerque, 1860, p. 51). Brunet símbolo para a identidade das elites locais. Em outras palavras, a proclamação da R faria uma coleção de objetos de história natural para o ginásio pernambucano, 111'1 para o blica e o consequente sistema federalista implantado no Brasil podem ser considera 10 Museu Nacional e, ao mesmo tempo, foi encarregado de explorar e examinar alguns como marcos fundamentais para a história do Museu Paraense, uma vez que perm iI i1'11111 produtos que pudessem diversificar a pauta de exportações paraenses. que uma instituição provincial, fisicamente distante do centro político do país As coleções que Brunet fonnava ao longo da viagem eram enviadas à Repartição '111 então pouco valorizada pelo próprio governo da província do Pará, fosse requali"fi '1Idll, de Obras Públicas, ou seja, para Gama e Abreu, que logo montou um pequeno mostruário de produtos que tinham potencial para a indústria e comércio (Amaral, 1861). Foi com a intcnção dc aproveitar essas coleções que os deputados Joaquim José de Assis e Joaquim P ·dro 'orr 'o tc Freitas - ambos lentes do Liceu Paraense - propuseram um f 11I11I'1i1l1 11111 (1111'), illllllil 11 artigo aditivo à Lei do Orçamento Provincial de 1862, estipulando em 600 mil réis o montante necessário para a instalação de um "Museu de História Natural".6 O aditivo foi aprovado, mas os recursos não foram aplicados por razões de economia. 7 o barão do Arary (depois Visconde), membro de uma das mais ricas e tradicionais famílias paraenses, com raízes no século XVIII, cujo poder político e econômico vinha se perpetuando de maneira incomum por meio de casamentos e alianças comerciais Em resumo, na década de 1850 podem ser registradas algumas iniciativas 10caiR (Batista, 2004). O barão era um entusiasta da agricultura, patrocinando e apoiando po- que tiveram como objetivo incentivar as ciências naturais na capital do Pará. As pre- liticamente iniciativas voltadas para a promoção de atividades científicas e da instrução ocupações daqueles intelectuais e políticos oscilavam entre as necessárias melhorias pública, como a contratação de Brunet, a reforma do jardim botânico e a criação da na instrução pública e o desenvolvimento escola rural. Sua "proteção" foi fundamental para a fundação do Museu Paraense. Ele econômico por meio da agricultura e da in- dustrialização de produtos nativos. A coleta, a conservação e a exposição dos produtos e Ferreira Penna levaram a Sociedade Filomática para dentro do Palácio do Governo e naturais da região poderiam, dentro dessa visão, contribuir para o progresso local e para tomaram o assunto de utilidade pública. Mais ainda, buscaram apoio para o nascente a civilização da província. Essas eram, naqueles anos, as senhas para entendermos o lugar das ciências no debate entre políticos e intelectuais.8 museu no Partido Liberal, ao qual estavam vinculados. Não fosse assim, não seria pos- Na década de 1860, um novo personagem entra em cena no jogo político para a ob- Dos oito membros, quatro eram filiados ao Partido Liberal, incluindo o chefe do partido tenção de apoio e de verbas públicas destinadas ao financiamento de atividades científi- na época, Francisco Acácio Corrêa, casado com uma sobrinha do barão do Arary e ele cas. No final de 1858, o mineiro Domingos Soares FerreiraPenna mesmo nomeado barão (do Guamá) em 1880. (1818-1888) assumiu sível explicar a comissão que o barão nomeou para redigir os estatutos da Sociedade. a Secretaria de Governo da Província do Grão-Pará, cargo que ocupou por nove anos . No dia 20 de setembro de 1866, os estatutos da Associação Filomática foram pu- que era central na administração da província, sobretudo na assessoria dos president s blicados em jornaJ.9 Seus 28 artigos são bastante ilustrativos do entendimento que os e na intermediação políticos e intelectuais locais tinham de um museu de história natural, assim como da destes com a Assembleia Provincial, a quem cabia a autorização prévia para qualquer despesa do erário. Foi dessa posição que Ferreira Penna retomou O função e demanda que estabeleceram para a instituição. Os fins precípuos da Associa- projeto do grupo liderado por Gama e Abreu e pelos lentes do Liceu Paraense, seguindo ção eram a fundação e manutenção de um "Museu de história natural e de artefatos as sugestões que Louis Agassiz (1807-1873) fizera em uma das conferências que deu indígenas", que ganhou um nome similar ao do Liceu, "Museu Paraense" (art. 1°). A em Belém, em 1865, quando então demonstrou "a conveniência da criação de um Mu- instrução pública deveria ser a missão do museu, definido como um "estabelecimento seu nesta cidade, lamentando não se encontrar aqui reunidos em um tal estabelecimento tantos objetos úteis e interessantes" (Vellozo, 1867, p. 33). para instrução popular". Nesse sentido, além da mostra de produtos naturais e objetos Em julho de 1866, Ferreira Penna divulgou uma carta circular nos jornais convidando os interessados a comparecerem a uma reunião que tinha como fim criar UlTIiI indígenas, o museu deveria "instituir lições" de geografia, hidrografia, etnografia, história do Brasil e do Pará, e "preleções sobre a história natural". Essas seriam as áreas de atuação do museu, cujas atividades se concentrariam na formação e exposição de "Sociedade Filomática", ou seja, uma sociedade de amigos ou amantes da ciência. 1\ acervos, na oferta de cursos e palestras e na montagem de uma biblioteca especializada reunião se realizou no dia 2 de agosto de 1866, no salão principal do Palácio do Gov naqueles assuntos. no (Cunha, 1965). Presidia interinamente 'I' a província Antônio Lacerda de Chermolll, A reunião inaugural da Associação ocorreu no dia 6 de outubro, como de costume, no Palácio do Govemo.IO Nessa ocasião, foi eleita a primeira comissão diretora. Ferreira Penna foi escolhido o presidente e Francisco Acácio Correa, o chefe do Partido Liberal, foi eleito secretário (Cunha, 1974). A primeira missão de ambos foi obter verbas do governo, para a qual o apoio do presidente da província era fundamental. Isso ocorreu com o barão de Arary e com o presidente seguinte, Pedro Leão Vellozo. Este concedeu, cm março de 1867, sem a autorização prévia da Assembleia Provincial, uma quantia de 2:000$000 li r i para que a Associação Filomática pudesse "estabelecer nesta cidade P ,ltll/lIll tio /111 10 MIIIIHII'IIIIIIII 11/111 ,IIIIh t /11/1111/11 111, q',i1IIf1.( ( 11111'1'1/1 Ir I, ,ri 20 l. 18 I Ifl, Ali ,p. 2. 14, 2~r. 11, (1111,111(I, um museu de artigos da História Natural e de objetos pertencentes aos indígenas". 11 sar da proteção dos presidentes, a tarefa não foi fácil, pois alguns deputados protesta- Ao deixar o governo, Vellozo elogiou a ideia do museu, que merecia "o aplauso e todo ram contra o que consideraram uma intervenção em assuntos específicos da Assembleia o apoio dos homens de bem e de instrução", e lamentou que "espíritos incapazes d produzir e apreciar o bem" estivessem tentando prejudicar uma iniciativa important para o progresso e civilização da província. Pedia, assim, a "proteção mais ou menos manifesta do governo [ao museu]" (Vellozo, 1867, p. 32). Politicamente, como já foi mencionado, o debate inicial sobre o Museu Paraens Provincial: a aprovação prévia de despesas do erário. Como a verba inicial já havia sido ' gasta, a solução encontrada foi disponibilizar a mesma quantidade de recursos para outros grupos interessados em atividades científicas, protegidos por outros políticos, o que, na prática, significou a suspensão do apoio à Associação Filomática a partir de 1868.12 Ferreira Penna, desgostoso, deixou definitivamente a Secretaria de Governo no que a divulgação final de 1867 e rumou para o Amazonas como secretário de Gama e Abreu, nomeado dos produtos naturais da província contribuiria para incentivar a agricultura e a divcr- presidente daquela província. Em seguida, passaria quase um ano viajando pela região sificação das exportações. de Santarém e Óbidos a serviço do governo paraense. tinha como pano de fundo o progresso econômico. Acreditava-se Um museu seria o lugar ideal para essa divulgação, poi:4 poderia reunir em mostruários adequados ao estudo e atraentes aos visitantes todos os Ao retornar a Be1ém, Ferreira Penna e um professor do Liceu Paraense, José Ferrei- vegetais, minerais e animais de interesse para o comércio e a indústria. Essa questão ra Cantão, solicitaram ao presidente a destinação de mais verbas ao Museu Paraense. torna-se mais relevante se lembrarmos que os presidentes da província, os intelectuais Estas foram aprovadas pela Assembleia Provincial com a justificativa de que o museu e os naturalistas chamavam a atenção para o progressivo abandono dos produtos tradi- "servirá de base a uma aula de história natural no Colégio Paraense [Liceu], onde fica cionalmente cultivados e exportados pelo Pará. A maioria clamava contra as condiçõ s já estabelecido o dito Museu" (Figueiredo, de trabalho dos seringueiros e a excessiva dependência tribuiu para que, em 1871, o museu imaginado pela Associação Filomática - em detri- um único produto. a contraste da economia paraense sob r entre o potencial econômico da província - baseado nll 1869, p. 17). E assim foi feito, o que con- mento das iniciativas concorrentes - fosse oficializado como uma repartição pública, a enorme quantidade de vegetais que poderiam ser explorados - e as rápidas mudança. qual funcionaria por longos anos no pavimento térreo do Liceu. Mas isso viria a ocorrer verificadas no interior da economia pela comercialização somente depois que uma outra expedição científica aportasse em Belém, desta vez con- do 1átex foi objeto de ácido.' comentários do próprio Ferreira Penna (1864), confiante que era no caráter civilizadol duzida por Charles Frederick Hartt (1840-1878). da agricultura. Nesse sentido, um museu, ou melhor, uma exposição de produtos natll Ferreira Penna foi grande colaborador de Hartt desde a expedição de 1870, enquanto rais, na qual a ideia de "variedade" deveria aparecer como principal discurso, coaduna- este se mostrou um dos mais ativos colaboradores do Museu Paraense. Hartt fonnou va-se com os valores e as crenças que se desejava divulgar. a museu coleções, classificou e estudou as já existentes. Em 1871, então chefiando a segunda Ex- também teria a função de manter na região "esses objetos continuamcnl pedição Morgan, doou para o museu "diversos volumes, contendo produtos importantes" remetidos uns como mimos, e outros vendidos para a Europa ou Estados Unidos, on<l e, para a biblioteca, "uma boa porção de livros novos e muito estimados", trazidos espe- vão enriquecer os museus públicos ou particulares" (Vellozo, 1867, p. 33). Tratava-s cialmente dos Estados Unidos (Graça, 1871, p. 15-16). de uma referência explícita a Agassiz, citado no relatório de Vellozo, cujas colcç bendo dos professores do Liceu Paraense e a visibilidade que ganhou com as sucessivas amazônicas ganharam fama no hemisfério norte. A remessa contínua de coleçõe visitas de Hartt e de seus alunos contribuíram para que o presidente da província, Joaquim estrangeiro e o desconhecimento paru O dos produtos locais seriam, segundo Vellozo, moti vo suficientes para "criar entre nós um estabelecimento o que é nosso, o que temos em casa. a meio onde se faça conhecer, ao mOIlOS, de conseguir este fim é tão cômodo '()IIIO a apoio que o museu vinha rece- Pires Machado Portella, decidisse instalar oficialmente o Museu Paraense e a Biblioteca Pública - mais uma vez sem a autorização prévia da Assembleia Provincial. A cerimônia de instalação foi realizada no dia 25 de março de 1871, aniversário da simples: é dar o governo pleno apoio à Associação Filomática para que esta pOSSIId \ Constituição. Na "mais bela festa literária" do Pará, como definiu o vice-presidente senvolver largamente a instituição útil que se incumbiu de fl.lI1dar"(ibid., p. 3 ). Abel Graça, compareceram as altas autoridades da província, o bispo, o corpo docente Esse período inicial foi marcado, portanto, pelas t ntativlIH d obt r rccursos rt'1I 11 discente do Liceu Paraense. a museu foi aberto com "uma boa coleção de serpentes" cos para a instalação do museu, que nasccu do ini 'illtivlI <I illl 'I' 'tllois r '1IIIido,' \111 uma organizaçã.o independentc, mas qll stllv Illl b 1111 po 11' 01111(/0:4 110 I OV 1110. P P rA 1868, Titulo 3, Capo 2°, artigo 18°, § 12°. Jornal do b II( fi I 1(101 P r ta lei foi o Club ci nlifico, fund d 11111111111/1 ,[.1 moI ri r, B I m,1 n v,18 7, e "uma excelente coleção de minerais da Europa", ambas pertencentes à Repartição das da biblioteca, já existente, mediante uma gratificação como "encarregado" do museu. A Obras Públicas. 1. B. Steere, aluno de Hartt que viajava pelo Amazonas, enviou "vários possibilidade de construção de um imóvel próprio também não foi discutida, bem como objetos, prometendo remeter dos diversos pontos, em que se achar, todas as duplicatas os investimentos necessários à montagem de exposições, coleções e laboratórios. que for obtendo". Anunciava-se para breve, ainda, a chegada de uma outra coleção ge- ' ológica, em preparação no Museu Nacional do Rio de Janeiro (Graça, 1871, p. 16). A parcimônia nos investimentos do museu não pode, entretanto, ser atribuída apenas à Assembleia Provincial. Na verdade, aqueles recursos não foram discutidos porque não O museu surgia, assim, sob grandes expectativas, tendo sido saudado com entusias- foram solicitados pelo presidente da província. Isso nos leva a crer que a estratégia de mo pelo vice-presidente: "O Museu Paraense é o estabelecimento mais importante, qu Ferreira Penna para fazer aprovar o museu foi reduzir ao máximo as despesas com a sua mais poderosa influência tem de exercer para o desenvolvimento das sciencias nesta instalação, tomando o assunto de menor interesse nas discussõesda Assembleia - o fórum de ensino superior; é legítimo para discussões políticas sobre os projetos governamentais. Vale ressaltar que, o centro a que se hão acolher no Pará os estudos da ciência da natureza" (Graça, 1871, desde o início, a Assembleia Provincial não foi o ponto de partida para a criação do Mu- província. O Museu é o primeiro núcleo de um estabelecimento p. 15-16). Com base nesses argumentos, a Assembleia Provincial aprovou os recursos seu Paraense. Pelo contrário, o órgão legislativo viu-se constantemente instado a legiti- empregados e também o regulamento provisório escrito por Ferreira Penna, decretado mar as iniciativas dos presidentes, aprovando leis a posteriori. Esse procedimento exigiu que os interessados no museu justificassem constantemente a utilidade da instituição, por Machado Portella no dia 15 de abril de 1871. De acordo com o novo regulamento, o museu abriria com três seções (Mineralogia e Geologia; Botânica e Zoologia; e Ciências Físicas) e posteriormente seria ampliado bem como buscassem a cada novo presidente e a cada nova legislatura o apoio necessário para obter recursos públicos e aprovar leis e regulamentos, geralmente deficientes e mal com a criação de mais três: Agricultura; Arqueologia; Numismática, Artes Liberais dimensionados. Quando a conjuntura política mudou e as relações pessoais falharam, Artes Mecânicas. Cada seção teria um diretor, os quais formariam o Conselho Adminis- ficou evidente a insustentabilidade de um museu personificado em Ferreira Penna. trativo juntamente com o diretor-geral. Pode-se inferir, ainda, que o caráter pedagógi '() O patronato que permitiu a criação do museu não foi capaz de manter o apoio à do museu foi mantido no novo regulamento, pois um artigo determinava que, em cadll instituição. A rotatividade dos presidentes da província, geralmente nascidos em outras semana, um dos membros do Conselho ministrasse uma "lição pública" relacionada 1\ paragens e com frequência ignorantes da correlação de forças políticas locais, cedo seção sob sua responsabilidade. frustrou os planos de Ferreira Penna para o Museu Paraense. Em meados de 1872, o O museu imaginado por Ferreira Penna era grandioso. Seis seções englobavam mil de dez ramos científicos diferentes, se considerarmos que na seção de Ciências Físi i [I, diretor do museu se envolveu em uma polêmica com um presidente recém-empossado, o barão de Villa da Barra (Sanjad, 2005). Este, desconhecendo a lei que criou o museu, estavam incluídas as matérias prediletas do intelectual, como geografia e hidrogratill. de 1871, e a que o reestruturou, em 1872, criando novos cargos (inclusive o de diretor) Se compararmos e dobrando o orçamento, demitiu Ferreira Penna da biblioteca para nomear um prote- esse museu com o projetado pela extinta Associação FilomáliclI,'1 verificaremos uma significativa ampliação de atividades, assim como a substituição dll gido seu - poucos dias antes de a nova lei (1872) entrar em vigor. Automaticamente, etnografia pela arqueologia e o desaparecimento o demitiu também do museu (cuja direção ainda estava unida à da biblioteca), mas só da história, Contudo, essa estru(UI I contrasta com o orçamento estipulado para a instituição, de apenas 4:000$000 anuais,ll veio a saber disso após a irada reação de Ferreira Penna. A correspondência e com o pessoal contratado, um porteiro e um servente, O projeto de lei aprovado p I, bos terminou com uma troca de insultos pelos jornais, sendo perceptível uma profunda Assembleia não criou cargos remunerados de preparadores (taxidermistas), natural isl11• insatisfação do intelectual mineiro com o sistema político que fragilizava as instituições diretores de seções e sequer o de diretor-geral.J5 Este iria acumular o cargo de dir locais. Para Ferreira Penna, o barão nada mais era do que um "sargento político que a 101 entre am- Corte Ministerial nos enviara como uma de suas capacidades em disponibilidade". 16 Esse episódio, acrescido do fato de o museu ter sido criado à revelia da Assembleia, provocou o cancelamento dos investimentos no museu e a revisão da lei de 1872, jo- gando a instituição numa espécie de inércia que durou até 1889, quando foi finalmente Pelo documento, Chermont autorizava o diretor da Instrução Pública a reorganizar 1889). Por sua vez, Ferreira Penna desligou-se o museu, tornando nula a lei anterior que o extinguia. Também autorizava a mudança da instituição (salvo por um breve período, em 1882-1884, quando o barão do Mara- da instituição para o prédio da antiga Escola Prática, que funcionava vizinha ao Liceu jó e o então presidente conseguiram convencê-Io a reassumir a direção), passando a ' Paraense, criava o cargo de "ajudante do encarregado" e aumentava os vencimentos do dedicar-se aos estudos arqueológicos, etnográficos e históricos, bem como às coleta~ para o Museu Nacional do Rio de Janeiro. encarregado-preparador, extinta pela Assembleia (Pernambuco, equiparando-os aos dos professores do Liceu. Três dias depois, o novo diretor do museu, Ernesto de Sá Acton, já estava empossado. Sua primeira tarefa O Museu Paraense, embora criado na lei e com algum acervo e mobiliário, não foi realizar "um inventário circunstanciado dos objetos pertencentes ao mesmo Museu, chegou a ser efetivamente instalado e estruturado. Acéfalo e sem proteção política n dividindo-o em móveis e utensílios e artefatos próprios ao Museu", além de providenciar partir de 1872, seus recursos financeiros foram escassos, sempre reduzidos ao mínimo a relação dos "objetos completamente imprestáveis ou inservíveis" (ibid., p. 221 ).l7 necessário para pagar o porteiro do prédio. Com exceção de Ferreira Penna, não tev Apurado o que havia restado do antigo museu, Verissimo criou um novo regulamento pessoal científico contratado e não desenvolveu pesquisas, ou seja, foram discrepantes para a instituição, estipulando suas funções da seguinte maneira: "Fica reorganizado o os planos traçados pelos idealizadores do museu e o que foi efetivamente realizado pelo Museu Paraense, com o fim de proporcionar os meios de estudar as ciências naturais pela governo provincial, mais preocupado com as formalidades jurídicas, com a construção de luxuosos edificios e outras obras de infraestrutura. tas dos produtos do Estado, o proveito que deles podem tirar a indústria e o comércio" exposição de produtos animais, vegetais e minerais, e de conhecer, pelas amostras expos(Decretos ..., 1894, p. 197). Vemos, assim, que o museu manteve uma função pragmática, vinculada não apenas à instrução pública, mas também ao desenvolvimento do comércio e da indústria. Essa justificação social não era estranha aos demais museus do século XIX, Foi esse cenário que mudou após a proclamação da República. No início de 1890. José Veríssimo Dias de Mattos (1857-1916) foi nomeado diretor de Instrução Públi mas permanecia, no novo regulamento, a distância que separava o projeto do museu das condições criadas para sua execução, tal como aconteceu durante o Império. 'li pela Junta Governativa, liderada por Justo Leite Chermont, filho do barão do Arary (n Por exemplo, Veríssimo criou seis seções no museu: I" Anatomia comparada e zoo- primeiro "protetor" do Museu Paraense). Amigo e parceiro intelectual de Ferreira P 11 logia; 2" Botânica e agricultura; 3" Mineralogia e geologia; 4" Numismática, arqueologia na desde o início da década de 1880, Veríssimo ressuscitou o Museu Paraense e lhe d 'li e etnologia; 5" Industrial, "compreendendo uma nova função na administração estadual, ligada a um projeto pedagógico que tinllll mineral, próprias a serem usadas nas diversas indústrias"; 6" Comercial, "compreendendo como fim "reformar o povo" por meio do cultivo das ciências, das artes e dos valor' os produtos do Estado, utilizados por seu comércio" (Decretos ..., 1894, p. 198). Ape- cívicos. Esse projeto estava conectado, a um só tempo, com as ideias que Veríssill1ti sar dessa dimensão e da complexidade de tantas áreas de conhecimento, somente quatro as substâncias de origem animal, vegetal ou nutria sobre educação, bem como com as ambições políticas dos primeiros governanlt funcionários foram previstos: o diretor, que deveria acumular a função de taxidermista; republicanos do Pará, empenhados em construir, sobre os vestígios do Império nova sociedade (Sanjad, 2005). um amanuense; um ajudante do diretor; e um porteiro, que deveria acumular a função Em maio de 1890, o novo regulamento 1111111 de servente. Na prática, ao diretor cabiam todas as tarefas do museu, desde a coleta dos da instrução pública classificou o MlI. (lU Paraense e a Biblioteca como instituições dedicadas à "educação popular", ficando soil a fiscalização e a superintendência da Diretoria-Geral. Em setembro, um decreto di \I nova organização ao "Museu Público do Estado". O decreto considerava "a conv 11111 cia de reorganizar o Museu Paraense, a fim de que não fiquem em pura perda a~ d !li sas feitas com os artefatos que lá existem e ainda pod m H r aproveitado. '; e I1llltiJ~I /I a "utilidade da existência daquele estabcl im nto 1111 ('lIpllll1ll '0 )rMi 'a d lInlll" n como a nossa, convenientement (;\ 'tos ..., I H9 , p. 71, 7'~). próprill pOI'10 i Itldll di! 11i Idll pr'o<lllto<111 1111111'( 'I ," espécimes até a sua montagem na exposição, sem falar do trabalho administrativo, o que já tornava previsíveis as dificuldades que limitariam o funcionamento da instituição. No dia 13 de maio de 1891, durante as comemorações abolição da escravatura,! 8 do terceiro aniversário da ocorreu a solenidade de "restauração" do museu, na qual Ve- ríssimo fez um discurso contundente. O intelectual iniciou louvando Chermont por não ter qualquer outro elemento necessário ao seu conhecimento" (Veríssimo, 1894, p. 7). Po- "esquecido", no seu interesse pela instrução popular, de ''um estabelecimento que, havendo demos afirmar que, por meio do museu, Veríssimo recuperava um projeto cientHico e custado à antiga província do Pará, somas não mesquinhas, quase veio a desaparecer com- instalava um projeto pedagógico. pletamente após uma vida inglóría, obscura e inútil". Os responsáveis por esse estado do" Esse projeto, no qual o Museu Paraense era apenas um dos elementos, já estava museu, segundo Veríssimo, foram a "mal avisada economia" e a "ridícula parcimônia" das implantado em meados de 1891. Nessa ocasião, as mais importantes instituições cduca- administrações da província, e também o "erro" de confiarem a instituição a "indivíduos por cionais e culturais do estado já tinham seu funcionamento regulado por novo estatuto. via de regra escassamente habilitados" para dirigi-Ia (Veríssimo, 1894, p. 5). estavam sendo equipadas e passavam por obras e melhorias diversas. Essa reforma, No novo regime, prometia Veríssimo, o museu e a biblioteca teriam "meios sufi- contudo, deve ser entendida no seu conjunto. Pensados como engrenagens de um mos- cientes" e seriam "capazmente dirigidos". Essa era uma obrigação da "capital política mo relógio, cada instituição, cada escola, cada professor, cada livro, cumpriria uma de um estado fadado a ser, sem o mínimo preconceito nativista o digo, um dos mais função específica no sistema montado na Diretoria de Instrução Pública. O fim último importantes da União brasileira"; e também da "capital geográfica da mais bela, da era "reformar o povo", incutindo-lhe as noções básicas de civilidade e de patriotismo mais ricamente dotada região da América do Sul: a Amazônia" (ibid., p. 6). O governo que deveriam estar no cerne do novo regime. Reforma política e reforma cultural se- imperial surgia, assim, como o malfeitor que manteve a educação na província en I riam, para Veríssimo, indissociáveis. enquanto a cidade de Belém - conduzi da pela mão republicann Veríssimo permaneceu pouco tempo no governo, deixando Belém em razão de dis- - aparecia como a cidade ideal para um museu de ciências, pelo seu '~usto prestígio" níveis depreciativos, sensões políticas, pouco antes de o primeiro governador eleito do Pará, Lauro Sodré e pela sua localização: "( ...) à capital desta região impõe-se como um dever de (1858-1944), tomar posse, em junho de 1891. Este, contudo, corroborou a reforma Stlll civilização (...) a manutenção de um Museu que recolha, guarde, conserve e exponha ti efetuada por Veríssimo, não alterando, na sua essência, as transformações atenção e ao estudo dos naturais e dos forasteiros as incalculáveis riquezas que em os três reinos da natureza ela possui" (ibid.). na Diretoria da Instrução Pública. Em alguns aspectos, como nas ações assistenciais É neste ponto que a influência de Ferreira Penna sobre Veríssimo toma-se relevant por fortes princípios positivistas, que justificavam, com base no argumento de que era e na educação técnica, Sodré até mesmo ampliou a reforma. Sua gestão foi marcada A amizade de ambos, os interesses comuns, as ideias que defendiam, ganharam evidên necessário "incorporar cia com a morte de Ferreira Penna, no início de 1888. Veríssimo, como amigo dilcto, campos da educação, cultura e assistência social (Sanjad, 2005). escreveu o necrológio lamentando a morte obscura do "mais profundo sabedor da goo operadas o proletariado" à sociedade, todas as iniciativas voltadas aos Outra característica da gestão de Sodré foi o crescimento exponencial da arrecadação grafia da Amazônia" (Veríssimo, 1888). Também herdou os manuscritos do intelectulIl estadual, decorrente da reforma tributária promovida pelo pacto federativo, da alta veri- mineiro, publicando-os ficada na cotação internacional da borracha e da abertura de novas frentes de exploração, em jornais e revistas. 19 Nesse sentido, Veríssimo pode ser con siderado o elo principal entre o "museu imperial" e o "museu republicano", herdeiro como o Acre (Santos, 1980; Silva, 1996). Para ilustrar as perspectivas econômicas da intelectual do próprio Ferreira Penna, em quem sempre reconhecera o "verdadeiro fun dador" do museu (Veríssimo, 1895, p. 57). Nesse sentido, o museu "restaurado" devcl'i dar continuidade às investigações iniciadas vinte anos antes. época, basta citar que entre 1889 e 1891, quando Sodré assumiu o poder, a arrecadação I Para isso, ele precisaria do apoio do governo e de "uma coleção e um rep Silú rio, sistematicamente disposto e cientificamente classificado". Mas, como "elom nlll da instrução popular", também deveria "falar a linguagem pedagógica", estadual cresceu 50%. E entre 1891 e 1896, período que corresponde ao mandato de Sodré, cresceu a uma extraordinária cifra de 100%, sendo 82% do total provenientes do imposto de exportações, antes drenado pelo governo central (Silva, 1996, p. 208). A maior parte dos recursos, durante o governo de Sodré, foi aplicada na rubrica ou scja, tillli I "Educação". Foram feitos investimentos maciços em instituições educacionais, cultu- de ser uma "elo quente lição de coisas", dar "uma noção exata, clara e precisa d' t'lIdll rais e assistenciais, dentre elas o Museu Paraense. Insatisfeito com a baixa visitação e coisa exposta e da classe a que pertence, o seu nome, a sua utilidade, a sua ori! o pequeno dcscnvolvimento '!lI (lIl do museu,20 mesmo após sua "restauração", Sodré decidiu, em 1893, contratar um naturalista de renome para proceder a uma nova reforma na instituição. O escolhido foi o zoólogo suíço Emílio Goe1di (1859-1917), Em linhas gerais, o novo Regulamento já estipulava um programa de trabalho, que contactado tinha por base, como expresso no artigo 1°, a formação de coleções, a publicação de por intermédio de Veríssimo, que já estava no Rio de Janeiro. Goeldi havia se desligado trabalhos originais e as conferências públicas. As coleções deveriam ser o núcleo do há pouco tempo do Museu Nacional, onde trabalhava desde 1884, e aceitou o convite, •. museu, a partir do qual as investigações desde que lhe fossem dados autonomia e total apoio por parte do governador. Estes não científica dos funcionários deveria ser divulgada nas publicações do próprio museu, o faltaram na longa gestão de Goeldi, que durou 13 anos, pois o museu ganhara atribui· "Boletim do Museu Paraense de História Natural e Etnografia" e as "Memórias do Museu ções nobres para os ideários republicano e positivista. Ao contrário de Ferreira Penna, Paraense". E as conferências públicas seriam "um dos melhores meios de pôr o Museu quando Goeldi assumiu a direção do museu, essa instituição ocupava posição central em contato com o público e patentear a sua vitalidade" (Regulamento ..., 1894, p. 25). em um programa de governo. seriam realizadas. Por sua vez, a produção Quando Goeldi deixou o Museu Paraense, em 1907, a instituição havia sofrido com- A partir de junho de 1894, Goeldi operou a transformação do Museu Paraense em pleta transformação em relação ao museu do período imperial. A relativa autonomia e termos do perfil institucional e da infraestrutura. Com relação ao perfil, Goeldi priorizoll estabilidade que o museu gozou nas duas primeiras décadas da República, além de con- as ciências naturais (zoologia, botânica e geociências), sobretudo os estudos taxonômi· trastar vivamente com a trajetória da instituição durante o Império, permitiram aos seus cos e evolucionistas pesquisadores desenvolver investigações em diversos ramos da ciência, em quantidade (Gualtieri, 2001; Sanjad, 2006b). Para isso, estruturou a equip do museu em três carreiras: científica, técnica (taxidermistas, herboristas e aprendizefl) e qualidade inéditas no Norte do país, além de projetar a instituição em redes científicas e administrativa. nacionais e internacionais. Para a primeira (científica), exigiu a pós-graduação candidatos na Suíça-germânica, e selecionou os Alemanha e Áustria. Para a segunda carreira (técnica), exigiu dos taxidermistas a especialização em ateliês e instituições da Europa Centnd, mas dos herboristas o critério parece ter sido apenas o conhecimento Quanto à carreira administrativa, da flora local, incluía, além dos secretários, contínuos e porteirofl, os funcionários do jardim zoológico e do horto botânico que inaugurou em agosto li 1895 (Regulamento ..., 1894). Cabe, por fim, um comentário sobre a inserção do Museu Paraense na sociedade local, para além dos divertimentos públicos no jardim zoológico. Estudos recentes têm demonstrado a forte interação entre demandas políticas, econômicas e científicas no Museu Paraense. Essa interação pode ser observada, por exemplo, por meio do envolvimento de Goeldi e de outros pesquisadores no Contestado Franco-Brasileiro (1895- 1900), o episódio final da disputa secular pela maior parte da antiga Guiana Brasileira; A infraestrutura montada por Goeldi incluiu espaços públicos, profissionais e do nos debates sobre a etiologia e profilaxia da febre amarela; e no esforço do governo mésticos. Os públicos eram as exposições do acervo, o auditório, a biblioteca, o zooló local para reverter a crise na exportação de látex, já previsível em 1902 (Sanjad, 2005, gico e o horto já mencionados. Os profissionais, com acesso restrito aos funcionáriON 2003a, 2003b). da instituição, eram os laboratórios de cada seção, as oficinas taxidérmicas, as reserVlI técnicas, a tipografia, o laboratório fotográfico e as áreas para manejo de animais e pI'O dução de alimentos. Os espaços domésticos eram as residências dos funcionários, sideram a instituição, nesse período, orientada por uma visão universalista da ciência qll \ por exigência do diretor moravam dentro da instituição, tal como uma "colônia ci 111 fica", como ele mesmo denominou (Goeldi, 1897, p. 14). Esse complexo foi conslruldll ao longo da gestão de Goeldi e exigiu investimentos obtidos mediante argumentos que valorizavam crescentes do governo estadll/d, o museu como símbolo do pro r 11 material do Pará e como instrumento para a propaganda do estado e para a in:>lnl~' 11 do povo. São particularmente relevantes os índices de visitação do Museu Par'l nN período, de longe os maiores do país, utilizados por Gocldi para legitimar so iHlm os investimentos na instituição (Sanjad, 2005, 200 u),2' 11 I 1Ii\ Esses exemplos são relevantes, uma vez que muitos historiadores e sociólogos conou voltada para a chamada "ciência europeia", isto é, desconectada gionais (Schwartzman, 1979; Schwarcz, das questões re- 1993). Pelo contrário, afirmo que Goeldi e outros cientistas do Museu Paraense foram bastante receptivos às demandas do Estado, condição fundamental para a permanência do apoio político ao museu. Aqueles exemplos revelam uma instituição integrada à sociedade local, um diretor identificado com as questões nacionais e uma agenda científica permeável às contingências políticas. Também revelam uma instituição multifacetada, com distintas - mas associadas - frentes de atuação, incluindo a manutenção de um parque zoobotânico e de exposições; a investi 'açl O .j 1I1Hica;a fonnação e o intercâmbio de coleções; e o desenvolvimento hojt d lIominaríamos "aplicados", Rllldo ljli inf'orlllll,'l ( (1111 I \i o di 1'1111111 Iilll 1\ 1i no sentido de municiar o Estado de I'11,i, pllro a consolidaçã.o do tcrritório nacional c para a rcsolu111 I I ('Ol\ ll1iCON, Nesse sentido, a construção institucional do Museu Paraense permite abordar a re- AMARAL, A. T. Relatório do Exmo. Sem. Angelo Thomaz do Amaral, presidente da Provincia do Gram-Pará ao Exmo. Vice-Presidente Olyntho José Meira por occasião de passarlhe a administração da mesma. Pará: Typ. de Santos & Irmãos, 1861. lação entre ciência e política no país de maneira um pouco mais complexa. Meu estudo de caso mostrou que o sistema federalista e os republicanos que assumiram a administração do estado do Pará (nem sempre positivistas, como Veríssimo) foram fundamen- <. tais para a requalificação do Museu Paraense no final do século XIX. Compartilho da ideia de que o ambiente político dos primeiros anos da República alçou as instituições culturais e educacionais, assim como os monumentos e prédios públicos, à condição de símbolos do novo regime, na expectativa de criar uma imagem de modemidade c obter o apoio da população (Carvalho, 1990). Nesse contexto, o Museu Paraense foi reformado, ganhou nova sede e encetou um programa de investigações que teve autonomia, mas que também estava próximo das demandas do Estado. Assim, concluo quc AZEVEDO, F. Introdução. In: AZEVEDO, F. (org.). As Ciências no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1994. p. 13-53. BATISTA, L. M. Muito além dos seringais: elites, fortunas e hierarquias no Grão-Pará, c. 1850-c. 1870. 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Ao associarem ciência e política na instituição, Goeldi e os primeiros govemantcs republicanos do Pará consolidaram as bases que permitiram a sobrevivência do muscu ao longo do século XX, isto é, criaram as condições para sua visibilidade tanto no meio científico quanto no político (Maio et a!., 2005). Foi esse trânsito entre as duas esferaN que permaneceu atuante nas sucessivas reformas pelas quais o Museu Paraense passOIl ao longo do século, particularmente nas décadas de 1930 e de 1950, quando foi novfI- mente requalificado tendo em vista o con11ecimento científico sobre a Amazônia c (l CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política imperia!. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. A/armação das almas. O imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. ___ o COLLECÇÃO das Leis e dos Actos do Governo da Província do Gram-Pará. Tomo XXXIV. Armo de 1872. Pará: Typ. do Diário do Gram-Pará, 1872. 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