Mulheres versus eterna masculinidade – tariq ali

Transcrição

Mulheres versus eterna masculinidade – tariq ali
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Mulheres versus eterna masculinidade 1
realidade das mulheres no islã é um destino pré fabricado. Aqui, o Alcorão é direto. O capítulo intitulado
“ As Mulheres” reconhece a importância do sexo feminino
e, por essa razão, julgou ser essencial impor um conjunto
severo de restrições sociais e políticas que determinem
sua conduta pública e privada. Enquanto algumas seções
do texto são abertas a uma interpretação generosa, o verso
fundamental não deixa espaço a dúvidas:
A
Os homens tem autoridade sobre as mulheres pelo que
Deus os fez superiores a elas e porque gastam de suas
posses para sustenta-las. As boas esposas são obedientes
e guardam sua virtude na ausência de seu marido conforme
Deus estabeleceu. Aquelas de quem temeis a rebelião,
exortai-as, bani-as da vossa cama e batei nelas.se vos
obedecerem, não mais as molesteis.
Deus é elevado e grande (3:34).2
Alguns capítulos depois, a generosidade ilimitada de Alá
reconhece nas necessidades exclusivas do Profeta neste
departamento, e atenciosamente lhe presenteia com um cheque
em branco:
Ó Profeta, tornamos legais para ti as tuas esposas que
dotaste e as escravas que Deus te outorgou e as filhas de
teus tios paternos e maternos e de tuas tias paternas e
maternas que emigraram contigo e qualquer outra mulher
crente que se oferecer ao Profeta e que ele quiser
desposar: privilégio teu, com exclusão dos demais crentes
— sabemos o que lhes impusemos com relação às suas
esposas e escravas — para que ninguém possa censurar-te.
Deus é perdoador e misericordioso (33:50).3
1
Traduzido de Tariq Ali – The Clash of Fundamentalisms: crusades,
jihads and modernity, Londo, Verso, 2007, pp. 60-68.
2
O Alcorão/Maomé; trad. Mansour Challita, Rio de Janeiro, Bestbolso,
2010, pp. 83-84.
3
Idem, pag. 350.
2
Maomé contou esta revelação a sua esposa Aisha. Ela era
mulher de grande inteligência e sempre demonstrou interesse aguçado
por política e assuntos de Estado. Em ocasião anterior , ela pediu -lhe
para explicar porque Alá entendia que todos os crentes eram homens.
Esta pergunta inesperada resultou numa mudança de gênero imediata.
Todas as
futuras
revelações vieram endereçadas
a
ambos
sexos.
Informada do último pronunciamento do céu, sua resposta sarcástica,
como revelada num hadit, era característica: “realme nte, vosso Senhor se
encarregou de vossos prazeres ”.
Um hadit coletado por Bokhari (vol. IV , pag. 91) cita
Maomé dizendo, por ocasião de sua viagem noturna aos píncaros
celestiais, que ele “notou que o inferno estava ocupado acima de tudo
por mulheres”, e confessou no mesmo sentido, de acordo com um hadit
diferente, que “se a mim fosse dado ordenar alguém a ser submisso a
alguém outro que Alá, eu certamente teria ordenado as mulheres a serem
submissas a seus maridos, tão grandes são os direitos do marido so bre a
esposa”. Uma vez que muitas destas tradições são inventadas, o que
importa aqui não é se essas palavras foram faladas pelo Profeta, mas o
fato de que foram acreditadas como ditas e então são parte da cultura
islâmica.
Tradições como esta revelam que o islã antigo, que é hoje
exaltado infinitamente pelos fundamentalistas, era incapaz de impor uma
opressão universal sobre as mulheres. Nos crucialmente importantes
confrontos verbais e militares entre as tribos pagãs, as mulh eres tiveram
3
importante papel nos dois lados. Em 625, durante a batalha de Uhud, na
qual os muçulmanos sofreram uma pesada derrota Hind bint Utbah , a
esposa pagã de um importante chefe de Meca 4, assim exortava suas
tropas:
Rejeitamos os réprobos!
Repudiamos seu Alá
Detestamos e odiamos sua religião!
Omar, lugar-tenente do Profeta e futuro califa, respondeu
com reveladora réplica:
Que Alá amaldiçoe Hind
Destacada entre as corças
Pelo seu grelo grande,
E possa ele amaldiçoar seu marido com ela!5
Durante a vida de Maomé e por muitas décadas após sua
morte, as mulheres lutaram ao lado dos homens, a despeito de sua
suposta
inferioridade.
Também
lutaram
para
preservar
sua
independência. Sukaina, neta do quarto califa, Ali, inspirador do islã
xiita, foi uma vez chamada a explicar sua aparência liberada e sua
graciosidade, comparada com o comportamento solene e austero de sua
4
No caso, Abu Sufyan (N. do T.).
5
Aqui o autor explora um trocadilho entre com o primeiro nome de Hind
bint Utbah, que também significa corça em inglês (N. do T.).
4
irmã. Foi dito que ela respondeu que havia recebido o nome de sua
bisavó pré-islâmica, enquanto sua irmã vergava o nome de sua avó
muçulmana.
O islã procurou reprimir a anarquia política e sexual que
caracterizou a jahiliyya 6. O gênio de Maomé estava mais no mundo
político que no espiritual. Por último, como as trocas com Aisha
sugerem, serviu comumen te a uma função instrumen tal. Ele precisava de
um Estado para promover sua doutrina. Seus corpos armados de homens
e mulheres foram a primeira, mais primitiva aparência desse novo
Estado. Porém, para ter efeito, a nova ordem tinha que ser sacra. No
enfrentamento de paganismos e monoteísm os rivais, a razão deveria ser
afastada. Embora isto nunca possa/pôde ser admitido pelos crentes, o
fato permanece que em termos de criar um novo sistema, o código de
conduta era mais importante que a crença. Finalmente, era necessário
impor a conduta e, uma vez conseguido, a nova identidade deveria se
tornar forte suficiente para resistir a todas as atrações rivais. Num
mundo sem nações ou nacionalismos, a identidade islâmica chegou perto
de ser uma “nacionalidade” universal. Se algumas partes do Alcorão
soam como um documento faccional para se diferenciar do judaísmo e
do cristianismo, outras são compostas de prescrições sociais, econômicas
e sexuais detalhadas, essenciais para o novo Estado.
6
Período pré-islâmico (N. do T.).
5
Através dos séculos, enquanto o islã se expandiu e criou
impérios ou comunidades que se espalharam do Atlântico à costa da
China, suas instituições e costumes se amoldaram num tecido liso que
era a identidade muçulmana. A continuidade proveio um senso de
segurança. A dissensão não era incomum, mas depois do primeiro
milênio raramente cruzou as fronteiras do cosmo político -religioso
existente. Não havia mundo melhor.
O colapso do Império Otomano sacudiu essa complacência.
Os
cacos
jamais
puderam
ser
colados.
Face
à
modernidade,
constantemente trazida ao mundo islâmico através das baionetas e das
armas espocantes, os tradicionalistas se estabeleceram numa colaboração
fácil com o poder colonial. Diferente de Napoleão no Egito, seus
representantes nos séculos XX e XIX não estavam interessados em
expandir os valores do Iluminismo. Os trabalhos de Rousseau, Voltaire,
Montesquieu, Paine, Fourier, Feuerbach ou Marx não faziam parte do
currículo colonial. Acesso privilegiado era permitido àqueles que podiam
assegurar uma educação europeia, mas seus números eram limitados.
Preservar a continuidade “cultural” do islã serviu aos dois lados. Os
rígidos estatutos que preservavam a de sigualdade das mulheres eram
zelosamente mantidos fora do alcance do velho colonialismo como do
novo colonialismo capitalista. A família tornou -se o grande ina tingível:
mais
recôndito
abrigo
da
identidade
muçulmana,
retratada
com
sensibilidade crítica nos contos de Naguib Mahfouz. Preservar esse
aspecto da identidade muçulmana se tornou o grande grito de guerra
fundamentalista contra as depredações do imperialismo. Sayyd Kutb e
6
Ruhollah
Khomeini
denunciaram
as
liberdades
desfrutadas
pelas
mulheres ocidentais como falta. Melhor uma mulher protegida pelo
Estado islâmico que um objeto sexual aleatório, admirado como tal por
qualquer passante.
O que isso refletiu era um medo masculino das mulheres,
uma ansiedade que considerava a força do desejo das mulher es como
indomável, perigoso e, portanto, demandando repressão por códigos de
conduta estritos, cuja violação levava a punições brutais. Isso era um
traço marcante do islã antigo, exemplificado numa tradição atribuída ao
califa Ali: “Alá todo poderoso criou o desejo sexual em dez partes; então
deu nove partes para as mulheres, e uma para os homens.” Essa
exacerbação sexual das mulheres estava em veemente contraste com a
piedade cristã, com sua ênfase na abstinência sexual e no matrimônio,
cuja tradição pauli na rancorosamente aceitou como um pré -requisito
necessário para a procriação. As origens desta atitude estão na sociedade
pagã árabe, onde as mulheres tinham papel central no comércio, política
tribal e sexo.
A poliandria não era incomum. O islã herdou e i nverteu esta
tradição. Isto é o que explica as contradições. De um lado o islã é quase
reichiano em sua preocupação com sexo. A vida é banhada em
sexualidade. O sexual é sagrado. Uma vida sexual saudável para homens
e mulheres é essencial para estabelecer a harmonia comunal. Maomé
salienta a importância do sexo e “provar o mel de outros”. Mas só
homens, pelas novas leis, que determinam e controlam o espaço social e
7
legal onde a cópula é permitida. Um desordenamento do prazer sexual
não era permitido. Uma mu lher podia ter as iniciativas mais ousadas na
cama,
mas
não
na
sociedade
num
todo.
Em
contraste
com
o
patriarcalismo puritano do cristianismo, isto era um patriarcalismo que
floresceu no hedonismo. Em as mil e uma noites, o final é sempre
cauteloso em sati sfazer o crente mais ortodoxo, mesmo quando em
outras seções da história Eros e Alá misturam -se alegremente, como na
homenagem de Sherazade ao orgasmo:
Glória a Alá que não criou
Espetáculo mais encantador que o de dois amantes felizes.
Bêbados de deleites voluptuosos,
Jazem em seu leito
Seus braços entrelaçados,
Suas mãos dadas,
Seus corações batendo em sintonia
O paraíso islâmico era o mágico cume de todo prazer carnal,
mas o viés patriarcal era preservado, mesmo depois da morte. O céu
nesse caso é um re flexo veemente da vida levada na terra pelo
afortunado. Os velhos são recompensados: suas barbas são tiradas, são
providos com um guarda -roupas de setenta vestes, cada uma das quais
muda a cor setenta vezes por hora. Vão ficando mais e mais bonitas na
medida em que passa o dia até que a própria idade desaparece. A cada
um são permitidas setenta virgens adicionais às esposas que o Escolhido
teve na terra, o que deve servir para uma combinação interessante. E
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como este forte e revigorado macho sobreviverá aos ard orosos prazeres
adquiridos? Paciência, leitor. Alá pensou em tudo. Foi decretado que o
amor deve ser feito no céu como na terra, mas com uma pequena
diferença. O céu é o lugar do orgasmo infinito. Cada clímax é estendido
e sua duração mínima é de vinte e q uatro anos. E sobre as velhas? Os
mesmos privilégios se aplicam a elas? Sucumba ao pensamento ou
sucumba a si próprio!
À medida em que as conquistas muçulmanas avançavam, os
códigos patriarcais foram se tornando mais e mais restritivos. A nova
identidade tinha que ser mais severamente protegida contra as tradições
velhas e relaxadas. Os direitos econômicos das mulheres se tornaram
insignificantes, enquanto lhes era negado espaço público para negociar
estes direitos 7.
Elas foram afastadas da presença de todos os homens,
exceto seus maridos e parentes próximos. Era proibido ( haram) entrar
nos aposentos nos quais elas eram confinadas nas mansões, como nos
palácios. Mais tarde, divisórias temporárias de tecido apareceram nas
casas dos pobres urbanos, para preveni r a visão das mulheres por
visitantes masculinos. Por razões materialistas, muito da zona rural
7
Por exemplo, na Arábia Saudita contemporânea cerca de 40% da riqueza
privada é possuída por mulheres, incluindo cerca de 50% dos imóveis
em Jidah, mas as mulheres que possuem esta riqueza não podem deixar
o país sem permissão escrita de um parente masculino, ou dirigir um
carro, ou aparecer desvelada em público. Porém, quando viajam ao
exterior podem usar sua riqueza como quiserem, vestir o que quiserem
e se comportar do seu agrado. Uma contradição, certamente, cuja
explosão não pode ser adiada por muito tempo, apesar da proteção
dada ao reino pelo imperialismo americano.
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islâmica negociou para evitar a segregação. De fato, foi o nascimento do
fundamentalismo do final do século XX que a impôs em partes do
mundo islâmico, do qual o Afeganistão vem a ser o exemplo melhor
conhecido.
Como as mulheres lidam com essas restrições? Na esfera
privada elas subvertem-nas completamente. Evidência disto está presente
nos numerosos sinais, bem como na literatura que surgiu das diferentes
culturas que abraçaram o Islã. Muçulmanas nas cidades tramam métodos
elaborados para transcender seu confinamento espacial e social. No
Senegal, nunca se afundam no véu; em Bengala, cobrem suas cabeças,
mas não seus estômagos; em Java, mostram ambos. Em todos os lugares
elas têm vidas secretas, eventualmente descobertas por maridos ou
parentes masculinos. Não que os últimos sejam inocentes quando
combatem atos proibidos.
As
restrições
do
islã
ao
homossexualismo
são
quase
patológicas. Não é natural porque viola a harmonia antitética que
caracteriza a heterossexualidade. O homem afeminado e a mulher
masculinizada são denunciados como desviantes revoltados contra as leis
de Deus. A este respeito, por fim, os três monoteísmos estão de acordo.
De acordo com o hadith, Alá se enraivece com quatro desvios: “Homens
que se vestem de mulher e mulheres que se vestem como homens, os que
dormem com animais e aqueles homens que dormem com homens.” A
homossexualidade masculina atrai a punição mais rígida: tortura e morte.
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Ao contrário, o lesbianismo, necrofilia, masturbação e bestialidade são
tratados indulgentemente: uma reprimenda rígida e um alerta.
Dada a perspectiva islâm ica que a sodomia é o mais baix a
dos baixas, a mãe de todas as perversões, o pai de todas as depravações e
punível com morte (como Khomeini mostrou no Irã após a Revolução),
quem assumir essa forma particular de sexo será marginalizado na
cultura islâmica. De fato, isto era/é uma prática comum entre homens e
mulheres no mundo islâmico, onde tem sido bastante e ncorajada pelas
restrições comumente ali impostas às relações homem -mulher. Embora
varie de país para país, a segregação dos sexos torna -se parte da rotina
cotidiana. Para destacar as alegrias teóricas da heterossexualidade
enquanto impõe restrições legai s severas à sua prática, por outro lado
impele os que não haviam se aventurado em direções homossexuais. O
resultado é uma sociedade oficial banhada em repressão sexual e
hipocrisia. Sob a superfície sempre está a hora da fornalha.
O primeiro filósofo muçu lmano a pensar seriamente os
defeitos estruturais do islã em relação às mulheres foi Ibn Rushd, de
Córdoba. Frequentemente denunciado como zindiq (herético), Ibn Rushd
nunca fugiu da questão feminina. Seu pensamento aberto antecipa as
invenções da Europa, e portanto não veio de mas, a seu tempo, irá para a
Europa que era criada pela Renascença. Ibn Rushd discutiu que
quinhentos anos de segregação havia reduzido o status das mulheres ao
dos vegetais:
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Nesses (nossos) Estados, porém, a competência das
mulheres não é conhecida, porque elas são usadas
meramente para procriação. Elas são, então, postas a
serviço de seus maridos e relegadas aos negócios da
procriação, do cuidar das crianças e amamentação. Mas
isto lhes nega (outras) atividades. Porque as mulheres
nestes Estados são consideradas inadequadas para uma
das
virtudes
humanas,
tendem
constantemente
a
assemelhar-se a plantas. Uma das razões da pobreza
d e s s e s E s t a d o é q u e e l e s s ã o u m f a r d o p a r a o s h o m e n s 8.
Mais seis séculos deveriam passar antes da questão ser
retomada. O novo campeão dos direitos das mulheres era um jovem
egípcio,
Rifaat
al -Tahtawi
(1801-73).
Ele
cresceu
no
Egito
de
Muhammad Ali, oficial otomano que tornou -se semi-independente e quis
modernizar o país. A missão de estudos que ele mandou pa ra a França
incluiu Al-Tahtawi, e lá o jovem estudante aprendeu francês, estudou os
filósofos da ilustração e observou a liberdade desfrutada pelas francesas.
Quando voltou, publicou dois livros sobre a condição feminina no
Egito. Como Ibn Rushd antes dele , reivindicou que à s muçulmanas fosse
concedida igualdade social, econômica e política com os homens. Ele
condenou o haram como uma prisão que deveria ser destruída, e discutiu
que o casamento infantil deveria ser banido, e a educação garantida a
todas as mulheres. Cerca de meio século depois, o bas tão de Tahtawi foi
pego pelo juiz egípcio Qassem Amine, cujos livros A Libertação das
mulheres (1899) e A Nova Mulher (1901) se tornaram os textos
fundadores do feminismo árabe. O nacionalismo ainda estava longe
8
E.I.J. Rosenthal, citado em
Cambridge, 1958, pag. 190.
Political Though in Medieval Islam,
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algumas décadas, mas ainda era possível emular o progresso europeu sem
comprometer a posição local do Islã.
O
século
XX
viu
o
nascimento
e
crescimento
de
movimentos por direitos femininos no mundo árabe, bem como no Sul
da Ásia. Estes se encaixam às cresc entes campanhas anti -colonialistas e
depois ambas versões nacionalistas e socialistas do anti -imperialismo. Os
movimentos
femininos
eram
irregulares.
Durante
a
fase
inicial,
requeriam direitos políticos iguais sem mudar os códigos religiosos que
governavam as leis familiares.
Depois,
na
fase
pós-colonial,
as
mulheres
atingiram
igualdade social bem como direito a voto, mas com exceção da Turquia
kemalista 9 e da Tunísia, a shari’la, lei islâmica, não mudou. As mulheres
lutavam pelo direito de estudar, trabalh ar e votar. Os dois primeiros
foram conquistados no Egito, Iraque e Síria, mas uma vez em que eram
Estados monopartidários, votos masculinos e femininos não tinham
significado. Embora as mulheres tenham lutado por liberdade ao lado do
homem, uma vez que a independência foi conquistada, seus pleitos pela
reforma dos códigos civis que governavam as regras familiares foram
totalmente ignoradas. Preservar estas medidas retrógradas pareceu
tornar-se o pilar central da identidade islâmica no período pós -colonial.
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Referente a Mustafa Kemal Artatük, (1881 – 1938), fundador da
República Turca e seu primeiro presidente, também responsável pelo
genocídio dos armênios em 1920 (N. do T.)
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Paquistão e Bangladesh elegeram mulheres primeiras -ministras, mas
estiveram sempre sujeitas a leis que as viam como cidadãs inferiores.
Ao final do século XX, com a derrota em escala global dos
impulsos
seculares,
fundamentalismo
modernistas
religioso
varreu
e
o
socialistas,
mundo.
uma
Alguns
onda
dos
de
direitos
conquistados pelas mulheres estiveram ameaçados nos Estados Unidos,
Polônia, Rússia e na antiga Alemanha Oriental. As vitórias dos clérigos
no Irã, a derrota da esquerda no Afeganistão, a existê ncia contínua do
regime
wahhabita 10 na
Arábia
Saudita,
o
surgimento
de
grupos
fundamentalistas radicais no Egito e na Argélia, a defesa pós -moderna
do relativismo apareceram para enterrar as esperanças das mulheres
outra vez. Numa época global, soa como se a defesa de uma identidade é
apenas a única coisa que faz diferença. Mas àqueles a quem a identidade
é defendida, e em interesse de quem?
Muitas
lideranças
feministas
no
mundo
islâmico,
que
corajosamente enfrentaram mulás e ditadores, curvaram -se em face à
tormenta fundamentalista. Dizem-nos muitas vezes que casamentos
arranjados e o véu são superiores aos casamentos ocidentais e o
adultério, como se todos os casamentos no mundo muçulmano fossem
arranjados e o adultério, desconhecido. Se o domínio otomano e ra
10
Corrente ultraconservadora e radical islâmica, iniciado por Abdul
Wahab (1703 – 1791) que, no afã de limpar os beduínos da influência
do Islã sufista, mais mítico, propunha práticas e interpretações sociais
ultraconservadoras e rigorosas do Islã N. do T.).
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aceitável por suas afinidades religiosas e culturais, então porque os
árabes se uniram aos infiéis contra os otomanos?
A História pode nos surpreender. Uma nova onda de lutas
pode surgir nas ditaduras clericais do Irã e da Arábia Saudita. A
experiência continua sendo o melhor mestre.