do artigo - xii seminário internacional rii

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do artigo - xii seminário internacional rii
AS POLÍTICAS PÚBLICAS FEDERAIS E A PRODUÇÃO
DE TERRITÓRIOS INOVADORES NO BRASIL
Regina Helena Tunes
Geógrafa, Mestre e Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da
Universidade de São Paulo e professora da Universidade Metropolitana de Santos (SP)
Email: [email protected]
Palavras-chave: Território, Inovação, Estado e Capital
1 – O território inovador no Brasil
Essa comunicação é parte da tese de doutoramento que estamos desenvolvendo no
Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana na Universidade de São Paulo que tem
como objetivo principal compreender a dimensão espacial da economia do conhecimento
(Diniz e Gonçalves, 2005) no Brasil na primeira década do século XXI.
Entendemos que a expressão economia do conhecimento se refere ao desenvolvimento de
atividades econômicas, como a indústria e os serviços, em que a inovação e o
desenvolvimento tecnológico e científico passaram a ser uma das estratégias privilegiadas
de (re)produção do capital.
A inovação é entendida na pesquisa de acordo com Feldman (2000, p. 04) como “la
innovación es un tipo determinado de actividad económica destinada a la elaboración de
productos, procedimientos o métodos de organización nuevos – un toque de origen humano
que produce originalidad y unicidad”.
O crescimento da importância da inovação como um processo social de produção relacionase as transformações recentes relacionadas a reestruturação produtiva e a emergência do
que Castells (2002) denomina de informacionalismo como novo modo de desenvolvimento.
O informacionalismo, de acordo com Castells (2002), é um novo modo de desenvolvimento
do capitalismo moldado pelas transformações técnicas, sociais, produtivas e espaciais
associadas as tecnologias da informação e comunicação (TICs).
“No novo modo informacional de desenvolvimento, a fonte de produtividade acha-se na
tecnologia de geração de conhecimentos, de processamento da informação e de
comunicação de símbolos” (Castells, 1999, p.53).
De forma muito sintética, podemos afirmar que as transformações técnicas se relacionam
com a função que a ciência e o conhecimento adquiriram nesse modo de desenvolvimento.
Ambos são hoje considerados forças produtivas (Lyotard, 1987) para a produção da
inovação, ao mesmo tempo em que se transformaram em mercadorias transitáveis como
bens econômicos imateriais no mercado mundial (Lojkine, 2000).
Como força de produtiva, a ciência e o conhecimento se convertem hoje em meio de
produção ao mesmo tempo que se relaciona com a força de trabalho de alta qualificação
que são condições necessárias a produção inovadora. Como mercadoria, concretiza-se no
registro de patentes e propriedades intelectuais que são hoje bens imateriais
comercializáveis a longas distâncias.
As transformações sociais se relacionam ao conceito de sociedade informacional de
Castells (2002) em que o autor destaca a nova forma de relacionamento da sociedade com
a informação e o conhecimento, não como uma característica específica do atual momento
histórico, mas sim no sentido atribuído anteriormente, em que o conhecimento passa ser um
dos elementos fundamentais associados a produtividade.
O crescimento da importância da atividade inovativa no atual crescimento econômico é a
transformação produtiva mais significativa associada ao informacionalismo. Isso significa
entender a inovação não como uma novidade exclusiva da contemporaneidade, já que não
podemos esquecer que a inovação em si está presente em todos os momentos históricos
pretéritos, mas sim com um aspecto que hoje, dada as novas circunstâncias históricas e a
relação com o desenvolvimento científico e tecnológico, passar a ser um dos elementos
chaves para compreender a (re)produção e acumulação do capital.
As mudanças na dimensão espacial da produção inovadora, que tem a ciência e
conhecimento como forças produtivas e mercadorias associadas a emergência da
sociedade informacional, é o aspecto privilegiado que nossa pesquisa ressalta.
Partimos do pressuposto, de acordo com Fischer (1990), que as novas tecnologias tem
exigências específicas no plano qualitativo para a sua localização, o que corrobora para a
importância de (re)discussão das questões que envolvem a localização da indústria nesse
modo de desenvolvimento.
No entanto, entendemos que a discussão atual de localização industrial não deve ser feita
nos moldes das análises tradicionais da Geografia Econômica em que os fatores locacionais
eram enumerados e, a partir deles, justificava-se a aglomeração espacial ou a dispersão da
indústria.
Acreditamos que a atual discussão sobre a relação entre o espaço e a inovação deve ser
feita a partir da análise da territorialização da produção inovadora em que os recursos do
espaço são apropriados e dominados pelo capital inovador para garantir a acumulação e a
(re)produção desse capital, formando assim um território inovador.
Essa concepção de território inovador se aproxima da perspectiva trabalhada por autores
como Méndez (2002), Vale (2009), Maillat (2002), entre outras contribuições, que destacam
a relação do território com a aprendizagem como fundamentais para o desenvolvimento do
processo inovativo.
Os processos de aprendizagem são as atividades que ocorrem no território, em muitos
casos exteriores a produção direta, mas em conexão muito próxima com ela, em que são
desenvolvidos novas concepções e conhecimentos a cerca da produção e da criação de um
novo produto, processo e método organizacional.
Novas concepções e conhecimentos não necessariamente endógenos e de criação própria
e isolada. Pelo contrário, a perspectiva de compreender a inovação como relacionada aos
processos de aprendizagem busca o entendimento da própria inovação como um processo
contínuo e social em que diferentes agentes se relacionam e produzem a inovação.
Isso significa sobrevalorizar, nessa perspectiva, as relações sociais de produção que
ocorrem no território entre os agentes da produção inovadora, mas sem limitar apenas a
escala local, do território, as fontes de informação e conhecimento que contribuem para o
processo de aprendizagem. Assim, consideramos que para compreender a importância da
aprendizagem no processo de inovação, as redes estabelecidas e criadas no território são
tão fundamentais quanto às distantes estabelecidas pelos meios de comunicação e
transporte.
Podemos afirmar que no Brasil o território inovador é geograficamente concentrado na
região Sudeste, especialmente no estado de São Paulo, como podemos observar nos
mapas 1 e 2 a seguir. O mapa 1 representa a distribuição do número de estabelecimentos
industriais que realizaram inovação no triênio 2009 a 2011 por estados brasileiros e o mapa
2 representa o mesmo universo, porém em relação aos dispêndios realizados pelas
empresas inovadoras no processo de inovação.
É possível notar no mapa 01 a grande disparidade na distribuição da indústria inovadora no
país. No total dos 27 estados brasileiros, 13 estados sequer apresentaram, na pesquisa do
IBGE (2011), indústrias inovadoras localizadas dentro dos seus limites.
Mapa 01 – Brasil: Distribuição do número de indústrias inovadoras (2011)
Fonte dos dados: IBGE, 2011.
Org. TUNES, 2014.
As regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste apresentaram poucas unidades industriais
inovadoras que no total perfizeram apenas 15% do número total do país. Em contrapartida,
apenas a região Sudeste concentrou mais da metade do número de indústrias inovadoras
localizadas no Brasil.
Na região Sudeste, o estado de São Paulo apresentou grande destaque com a
concentração de 61,1% da indústria inovadora da região Sudeste e mais de 30% da
indústria inovadora brasileira, segundo o IBGE (2011).
Mapa 2 – Brasil: Dispêndios realizados pelas indústrias inovadoras em atividades
inovativas (em R$) – 2011
Fonte dos dados: IBGE, 2011.
Org. TUNES, 2014.
O mapa 2 mostra a concentração dos dispêndios da produção da indústria inovadora ainda
mais forte no estado de São Paulo e a pouca participação das regiões Norte, Nordeste e
Centro-oeste, comprovando assim como a localização da inovação no Brasil possui a marca
da disparidade regional como uma característica importante.
É bem verdade que a desigualdade da indústria inovadora tornando o estado de São Paulo
como polo do desenvolvimento econômico do país não possui grande novidade na história
da formação econômica brasileira. Desde a década de 1930 o estado de São Paulo tem
grande destaque na concentração dos estabelecimentos e da produção industrial, sobretudo
a mais modernizada.
Porém, a partir da década de 1970 o estado de São Paulo, que continua sendo o mais
industrializado do país, apresentou certa inflexão na concentração industrial, processo este
conhecido no país como de “desconcentração industrial” em que parte das indústrias deixou
de se localizar no estado de São Paulo e passaram a procurar localizações que
apresentavam custos menos elevados de força de trabalho e meios de produção e
contaram, para isso, com forte apoio estatal nas três esferas do poder público (municipal,
estadual e federal).
Porém, como vimos nos mapas 1 e 2, a produção industrial inovadora, que não possui a
redução de custos como um aspecto privilegiado em sua lógica de reprodução do capital,
não seguiu a tendência da desconcentração e colaborou com o reforço as desigualdades
regionais no país concentrando parcela significativa de sua produção no Sudeste,
especialmente no estado de São Paulo.
Essa concentração da indústria inovadora no Brasil na região Sudeste e no estado de São
Paulo está relacionada, a nosso ver, com as condições gerais de produção, no sentido
marxista recuperado por Lojkine (1997) e mais recentemente por Lencioni (2007), que se
relaciona com as condições de infraestrutra materiais e imateriais que possibilitam a
aprendizagem e a inovação.
Podemos citar como elementos das condições gerais de produção que possibilitam a
formação de territórios inovadores: a infraestrutura física do território – aeroportos, rodovias,
cabo de fibra ótica, sistema bancário, rede de assessorias financeiras, de marketing, de
mercado, entre outros; e a infraestrutura imaterial composta, sobretudo, pelo conhecimento
e pelas redes locais e distantes estabelecidas entre as empresas e entre estas e instituições
públicas e privadas.
Ocorre que esses elementos materiais e imateriais não estão geograficamente concentrados
de forma aleatória ou sem uma intencionalidade no Brasil. Acreditamos, e esse é o nosso
objetivo nessa comunicação, que o Estado é um agente importante que contribui para a
reafirmação da primazia do estado de São Paulo perante os demais estados brasileiros. Em
outras palavras, nós pretendemos discutir aqui que há uma relação direta entre o Estado
como financiador para os investimentos públicos e privados na inovação, tanto em projetos
de inovação como de provimento de infraestrutura física e imaterial, e a formação do
território inovador na região Sudeste e, em uma escala maior, no estado de São Paulo.
Para realizarmos essa discussão, o artigo está estruturado em duas partes principais, além
dessa introdução. A primeira parte discute as características do processo de inovação
brasileiro a partir da análise dos dados da Pesquisa de Inovação Tecnológica (PINTEC) do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano de 2011.
A segunda parte do artigo parte dessas características para compreender a importância do
Estado como atuante nos processos de aprendizagem e inovação. Para isso, analisamos
especialmente aS Diretrizes de Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior
(PITCE) como um dos principais instrumentos e programas de atuação do Estado no
processo de inovação, sobretudo no estado de São Paulo como estímulo a dinamização do
território inovador do estado.
2 – A inovação industrial no Brasil
O Brasil é considerado, segundo classificação do Gabinete de Estatísticas da União
Européia (Eurostat, 2014), um país modesto em inovação. Essa classificação regionaliza os
países pesquisados pela Eurostat em 4 grupos: os líderes da inovação, situação de países
como Alemanha, Dinamarca, Coréia do Sul e Japão; os seguidores da inovação, como
França, Reino Unido e Canadá; os inovadores moderados, como Espanha, Portugal e Itália;
e os inovadores modestos, situação do Brasil, China, Índia, Rússia, dentre outros países.
Interessante notar que na comparação entre a classificação por nível de desempenho
inovador e o desenvolvimento dos países algumas situações se destacam. A primeira é a
presença da Coréia do Sul no grupo de países mais inovadores e com o valor do
desempenho inovador mais alto do que os demais que compõem esse mesmo grupo. Ainda
que seja de conhecimento o crescimento econômico sul coreano nos últimos anos e a
absorção de tecnologia avançada no processo industrial, chama a atenção de qualquer
forma o seu grande crescimento na economia do conhecimento.
Outra situação que chama a atenção na tabela acima, mas agora na parte inferior dela, é a
situação dos países conhecidos hoje como “emergentes” na economia do conhecimento,
especialmente China e Índia que são indicados, frequentemente, como dois países com
crescimentos significativos em termos de nível de tecnologia e adoção e desenvolvimento
de inovações em seus processos produtivos, mas que na analise dos dados selecionados
pela Eurostat (2014) não possuem grande relevância.
Ainda precisamos destacar a situação brasileira que, em comparação com os demais países
do mundo e em relação ao indicador de desempenho inovador desenvolvido pela Eurostat
(2014), ocupa uma posição bem inferior inclusive a vários outros países europeus e não
europeus que não possuem grande destaque na economia do conhecimento.
Mesmo dentro do próprio grupo de países emergentes que são identificados com a
expressão BRICS, a participação brasileira no desempenho indicador é melhor apenas do
que a da África do Sul.
Isso significa dizer que a inovação no Brasil é pouco importante perante os demais países
do mundo. Pelos dados do IBGE (2011) pouco mais de 35% dos estabelecimentos
industriais do país engajaram-se em projetos de inovação no triênio 2009-2011. Desse total,
13,4% foram inovações de produto e processo, 18,3% introduziram inovações apenas de
processo e apenas 3,9% criaram inovações de produto.
De fato, esse percentual é pequeno quando comparamos com algumas nações como a
Alemanha, considera líder da inovação e com uma taxa de 60% da indústria ou mesmo a
França, classificada como seguidora da inovação e com uma taxa de 40% de inovação da
indústria.
Apesar dos números modestos é grande a expectativa no Brasil, sobretudo pelo Estado, no
crescimento da participação do país nos processos de inovação radicais. Isso pode ser
percebido através dos últimos documentos e programas do governo federal que tem
apontado como grande destaque a inovação como prioridade para o investimento e para o
crescimento econômico do país. Faremos essa análise no próximo item desse artigo.
Ainda que modesto no geral, alguns setores industriais já se destacam e apresentam uma
taxa de inovação bem mais elevada. É o caso dos setores industriais de produtos químicos
(59,1%), produtos farmoquímicos e farmacêuticos (53,8%), fabricação de equipamentos de
informática, produtos eletrônicos e ópticos (59,2%) e, o mais elevado em termos de taxa de
inovação, a fabricação de outros equipamentos de transporte com uma taxa de inovação de
65,3%, segundo dados do IBGE (2011).
O porte da empresa é outro dado que possui relação com a taxa de inovação. As grandes
indústrias, consideradas a partir de 500 funcionários, são as que apresentam as maiores
taxas de inovação, bem acima da média nacional. Na indústria 55,9% das grandes
empresas implantaram inovações no mesmo período, dado esse praticamente 50% maior
do que a média nacional.
Quando analisamos a relação entre a inovação e o grau de novidade da inovação essa
relação do porte da empresa é ainda mais significativa. Grau de novidade significa analisar
em que situação a inovação praticada pela empresa é de fato nova e, para realizar essa
análise, três escalas são consideradas: inovação apenas para a empresa, inovação para o
setor/mercado nacional e inovação para o setor/mercado mundial.
As indústrias brasileiras apresentaram uma média de apenas 3,7% de produto novo para o
mercado nacional e 2,1% de processo novo para o mercado nacional. Em relação a
novidade para o mercado/setor mundial os números são ainda menores, apenas 2,3% do
produto e 0,6% de inovações de processo, segundo a Pintec (2011).
Isso significa dizer que parte significativa da inovação brasileira realizada pela indústria é
novidade apenas para a empresa, sendo um processo e produto conhecido e desenvolvido
no mercado nacional e internacional. Freeman e Perez (1988) denominam de inovações
incrementais essas pequenas mudanças no produto e no processo e/ou adaptações dos
mesmos as condições de mercado nacionais.
Outro autor que destaca a importância desse tipo de inovação é Arocena e Sutz (2003) que
afirmam que a inovação incremental é típica de países mais pobres em que a inovação toma
a forma de “resolução de problemas” e são frequentemente geradores de inovações úteis
para a produção.
Porém, quando o porte da empresa é levado em consideração o grau de novidade da
inovação é mais significativo. Em relação ao mercado nacional, 20,8% das grandes
empresas desenvolveram produtos novos e 16,4% processos novos.
Essa característica do porte da empresa em relação a taxa de inovação diferencia a
inovação brasileira de outros países do mundo em que a inovação ocorre mais nas
pequenas e médias empresas (PME) em que há toda uma literatura voltada para a sua
análise, especialmente do caso da Terceira Itália, exemplo emblemático da atuação de
PMEs no processo de inovação.
Na inovação de produto da indústria, a própria empresa é a principal responsável pelo
desenvolvimento da inovação implementada. Segundo o IBGE (2011) 83,5% das indústrias
que realizaram inovação de produto indicaram a própria empresa como responsável pelo
desenvolvimento da inovação. Já no caso das inovações de processo, a situação é
exatamente oposta, apenas 16,7% dessas indústrias indicaram a empresa como
responsável pelo desenvolvimento da inovação, sendo que outras empresas ou institutos
foram indicados por 76,4% das indústrias com inovação de processo.
Esse dado revela que a inovação de processo é o tipo de inovação em que os processos de
aprendizagem são mais significativos, já que para essas empresas o desenvolvimento da
inovação ocorreu exteriormente a empresa, situação exatamente oposta da inovação de
produto que, por esse dado, mostrou maior autonomia nas relações de cooperação e
aprendizagem.
A importância das relações de cooperação é indicada na pesquisa do IBGE (2011) através
do dado de fonte de informação para a inovação. Para as indústrias inovadoras, as fontes
de informação mais significativas foram as redes de informação informatizadas com 75%
das indicações e os fornecedores com 70,3%. Significativas ainda foram também as
indicações de clientes (65,9%) e outras áreas da empresa (61,2%) como as mais relevantes
fontes de informação para a inovação.
Acreditamos que esse dado também é revelador da importância dos processos de
aprendizagem para a inovação, sobretudo a aprendizagem que ocorre dentro do processo
de produção no geral, envolvendo nesse caso além da produção propriamente dita, a
circulação e o consumo da inovação. Arocena e Sutz (2003) denominam de inovações como
resultado das interações entre usuários e produtores.
Além disso, as indicações das fontes de informações para a indústria inovadora realizar o
desenvolvimento da inovação revelam o quanto o conhecimento codificado, acessado
através das redes de informação informatizadas, e o conhecimento tácito, através das
relações de cooperação entre fornecedores, clientes e consumidores, são fundamentais
para o processo de aprendizagem e inovação.
O conhecimento codificado é aquele que está registrado de forma escrita ou em qualquer
outra forma analógica ou digital e que pode ser acessado de forma longínqua. Esse tipo de
conhecimento, conforme Vale (2009, p. 13) explica, “pode ser adquirido e absorvido pelos
actores, desde que estejam dispostos a realizar determinado investimento (tempo ou
dinheiro), não implicando proximidade espacial”.
Já o conhecimento tácito possui uma estreita relação com o contexto local e com as
relações estabelecidas pelos agentes da inovação locais. É um conhecimento, como
apresenta Vale (2009, p.13), “com origem na prática e baseado na experiência, logo
dependente de contextos sócio-territoriais”.
Méndez (1998, p. 20) diferencia claramente os dois tipos de conhecimento e acrescenta
características importantes na análise de seu conteúdo. Para o autor o conhecimento
codificado “são saberes de base científica e tecnológica. Refere-se, assim, ao conhecimento
valorizado pela bibliografia que utiliza a concepção convencional de inovação”. O
conhecimento tácito, ao contrário disso, está na esfera da memória coletiva e da
socialização do conhecimento já que “acumula de forma implícita como consequência
natural dos contactos, das práticas e dos saberes desenvolvidos pelos indivíduos nas suas
rotinas diárias de trabalho e lazer”.
Corroborando com essa perspectiva da importância do conhecimento tácito, na pesquisa do
IBGE (2011) as indústrias inovadoras apontaram como principais parceiros nas relações de
cooperação os fornecedores (76,5%) e os clientes e consumidores (59,5%), indicadores
mais uma vez que as relações que ocorrem dentro do processo de produção no geral são
fundamentais para a inovação.
Outra característica importante da inovação no Brasil é o seu caráter informal. Com isso
queremos fazer referência ao fato do processo de inovação ocorrer na empresa muito mais
nas relações que se estabelecem dentro do processo produtivo, seja ele interno ou externo
a empresa como já comentamos anteriormente, do que nos formais departamentos de P&D,
local por excelência e tradicionalmente indicado como o setor mais inovador de uma
empresa.
Isso pode ser verificado no dado apresentado pelo IBGE (2011) sobre a importância das
atividades inovativas realizadas. Apenas 15,9% das indústrias apontaram como muito
importante os setores de P&D interno a empresa e 6,4% das indústrias indicaram a
aquisição externa de P&D. Em contrapartida, a aquisição de máquinas e equipamentos
aparece como o mais importante com 75,9% das indicações da indústria inovadora e o
treinamento com 59,7% como o segundo mais indicado.
Esse dado, além de comprovar a informalidade do processo de inovação no Brasil, revela
outras duas situações que caracterizam o processo de inovação brasileiro. Primeiro que isso
significa que esse setor de bens de capital da indústria brasileira possui pouco
desenvolvimento tecnológico e não é capaz de suprir a demanda interna das indústrias.
Segundo, e ainda mais relevante para os propósitos dessa pesquisa, que a compra de
máquinas e equipamentos tem uma estreita relação com a atuação do Estado no processo
de inovação.
Isso porque ainda segundo o IBGE (2011) o financiamento à P&D e compra de máquinas e
equipamentos foi o indicador mais relevante apontado pelas indústrias inovadoras em
relação ao apoio do governo ao processo de inovação com 27,4% das empresas industriais
inovadoras.
Isso significa afirmar então que esse dado mostra quanto fundamental é para a
compreensão do processo de inovação brasileiro a análise da atuação do Estado como
financiador dos investimentos privados e públicos voltados a inovação, propósito no próximo
item do artigo.
Como síntese dessa primeira parte, podemos sintetizar que a inovação que acontece na
indústria brasileira é elucidativa do que Arocena e Sutz (2002) denominam de “inovação
semi-periférica” caracterizada pela informalidade, com espaços interativos de aprendizagem
relacionados com a produção no geral, concentrado em grandes empresas e na inovação de
processo, com padrões setoriais diferentes e com relações de cooperação baseados em
redes locais e no conhecimento tácito tanto quanto inseridos em redes distantes e na
circulação do conhecimento codificado.
3 – As políticas públicas federais relacionadas ao processo de inovação e a formação
do território inovador
A atuação do Estado é fundamental para o processo de inovação. Essa perspectiva
corrobora os estudos que procuram salientar que ainda que a lógica capitalista de tentativa
de derrubada total de obstáculos à circulação do capital seja imperiosa hoje, essa lógica não
pode ser compreendida sem a atuação do Estado ora incentivando a circulação do capital
ora criando obstáculos institucionais e jurídicos para isso.
Assim, queremos dizer nesse início de discussão, que concordamos com as posições que
salientam a importância do Estado como interventor e agente econômico no
estabelecimento das políticas, das regras, das ordens e das intervenções na economia
nacional.
E assentimos ainda mais com os posicionamentos de Castells (1999) e Harvey (2011) no
destaque que ambos atribuem ao Estado na análise do processo de inovação. Castells
(1999, p.47) afirmou que o “Estado é a principal força da inovação” e Harvey (2011, p.90)
escreveu que “existem outras instâncias de decisão que desempenham um papel decisivo
na promoção da inovação, das quais a mais importante é o aparelho do Estado”.
O Estado no Brasil assume, nesse início de século, uma atuação ativa na inovação. Tanto
que dos dispêndios totais em atividades de P&D a participação do Estado é superior a do
capital privado, situação incomum se comparado com outros países do mundo.
Segundo Miranda (2011), até o início dos anos 1980, a ação do Estado na promoção à
inovação e atividades de natureza tecnológica foram ineficazes. Isso porque, segundo a
autora, o modelo industrial de substituição de importações1 (que prevaleceu no país até a
década de 1980) sob forte protecionismo do mercado interno através de barreiras
alfandegárias gerou pouco estímulo as exportações e reforçou o foco da indústria para o
mercado nacional.
1
Esse modelo tinha como característica a tríplice aliança entre capital privado estrangeiro
(concentrado nos setores de alta tecnologia), o capital privado nacional (setores menos intensivos em
tecnologia) e o Estado (responsável pela infraestrutura e indústrias de base).
Assim, de acordo com dados do IBGE (1985), em 1985 apenas 3,5% das indústrias
brasileiras realizaram alguma atividade relacionada com a inovação, como gastos com P&D,
patentes, pagamentos de contratos de transferência de tecnologia, entre outras ações
pontuais.
Salerno e Daher (2006) também atribuem ao legado das políticas de substituição de
importações e o forte protecionismo no mercado interno ao capital privado nacional e ao
multinacional atraído por políticas setoriais específicas a pouca expressividade da inovação
e da diferenciação de produto e processo da indústria brasileira.
Os autores acrescentam ainda que as políticas industriais do período compreendido entre as
décadas de 1950 e 1970 tiveram como preocupação fundamental a criação de uma
capacidade física para dar suporte a politica de substituição de importações, sem a
preocupação com as demais atividades relacionadas a indústria que não a de produção
direta do bem material.
Foi de fato a partir dos anos 1990 que cresceu no Brasil a preocupação, por parte do Estado
e do capital privado, na introdução da inovação como um componente a mais para
intensificar a eficiência e a qualidade produtiva da indústria brasileira.
A abertura econômica e a redução do protecionismo do mercado interno, políticas adotadas
a partir da década de 1990, exigiu das empresas brasileiras um ganho de eficiência e de
produtividade para tentar concorrer com os produtos importados que chegavam ao mercado
interno.
Para chegar a essa eficiência e produtividade maiores, muitas empresas reestruturaram-se
internamente e adotaram novas formas de gestão da produção e de modernização das
plantas. Entre as formas adotadas, a mais comum foi a terceirização da força de trabalho e
a compra de equipamentos e tecnologias estrangeiras.
Não podemos deixar de observar também que durante a década de 1990 a indústria
nacional passou a contar cada vez mais com a participação do capital estrangeiro, em
estratégias de fusão, aquisição ou mesmo falência de empresas nacionais que não
suportaram a concorrência com as empresas estrangeiras. Assim, nessa década a
economia brasileira passa mais intensamente pelos processos de concentração e
centralização do capital2, particularmente da produção industrial, tão característicos do atual
período de monopolização da economia capitalista.
Após 20 anos sem uma política industrial clara, nos anos 2000, a preocupação central do
Estado na esfera produtiva e econômica passou a ser a inovação. A partir desse momento,
o Estado assume o seu papel de promotor e incentivador da adoção de práticas inovadoras
na indústria nacional.
Seguiu-se um período, nos últimos 12 anos,com forte planejamento do Estado nas políticas
científicas, tecnológicas e de inovação com o lançamento, nesse período, de três planos
com atuação centrada na inovação.
Isso aconteceu primeiramente em 2003 com as Diretrizes de Política Industrial, Tecnológica
e de Comércio Exterior (PITCE) para o período de 2003 a 2007; o segundo, para o período
de 2007 a 2010, foi o Plano de Ação Ciência, Tecnologia e Inovação para o
2
Entendidos conforme Lencioni (1991, p.183-184) “(...) o processo que incorpora a expansão dos
meios de produção e trabalhadores, ampliando a acumulação, corresponde ao processo de
concentração” enquanto “(...) centralizar é associar capitais. Constitui-se num processo em que
frações individuais de capital, se reagrupam”.
Desenvolvimento de C,T&I no Brasil (PACTI), e o último, em 2011, foi lançado o Brasil Maior
que abrange o período de 2011 ao final desse ano.
Quadro 1 – Brasil: Políticas Públicas federais voltadas a inovação
Política Públicas Federal
Período de execução
Diretrizes de Política Industrial, Tecnológica
e de Comércio Exterior (PITCE)
2003 a 2007
Plano de Ação Ciência, Tecnologia e
Inovação para o Desenvolvimento de C,T&I
no Brasil (PACTI)
2007 a 2010
Brasil Maior
2011 a 2014
Trataremos mais especificamente nesta parte final da comunicação da análise das políticas
e diretrizes estabelecidas pelo primeira política federal, a PITCE, na tentativa de
consolidação de um setor de ciência, tecnologia e inovação maduro no Brasil, analisando
especialmente os resultados dessa política para o avanço da inovação no território inovador
localizado no estado de São Paulo.
Antes de tais planos de ação mais concreta voltados ao desenvolvimento da inovação
cumpre citar algumas primeiras aproximações das políticas públicas federais com o
processo de inovação que antecederam tais planos e que foram ao longo do tempo
contribuições importantes incorporadas as atuais políticas públicas na área.
O termo inovação ganhou projeção no Brasil em 2001 a partir da 2ª Conferência Nacional de
Ciência e Tecnologia (CNCTI) que reuniu em Brasília uma série de pesquisadores para
debater os avanços do sistema de ciência e tecnologia, 20 anos após a 1ª CNCTI3, que se
apresentava no período como o maior e mais qualificado sistema de inovação da América
Latina.
Nesse evento foi publicado o Livro Branco da Ciência, Tecnologia e Inovação com uma série
de proposições sobre a maior participação do Estado na promoção da inovação. Destaque
entre as medidas, a criação de 14 Fundos Setoriais voltados ao financiamento de projetos
com vistas a inovação.
Atualmente temos 16 Fundos Setoriais de Ciência e Tecnologia, sendo 14 de setores
específicos e 2 denominados de transversais – de infraestrutura e Fundo Verde e Amarelo,
indicados no quadro 1.
A receita desses fundos provém de “(...) contribuições incidentes sobre o resultado da
exploração de recursos naturais pertencentes à União, parcelas do Imposto sobre Produtos
Industrializados de certos setores e de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico
3
1ª CNCTI ocorreu em 1985, mas com poucas repercussões de crescimento e intensificação da
inovação na indústria brasileira. O principal mote de discussão foram os caminhos da pesquisa
científica em uma sociedade recentemente democrática.
(CIDE) incidente sobre os valores que remuneram o uso ou aquisição de conhecimentos
tecnológicos/transferência de tecnologia do exterior” (FINEP, 2012, p.01).
Os Fundos Setoriais foram criados para possibilitar investimentos constantes na pesquisa
científica e tecnológica no país. Destacamos no quadro o Fundo de Infraestrutura que é
voltado para o investimento de atividades de P&D e é formado por 20% da receita dos
demais fundos.
Quadro 2 – Brasil: Fundos setoriais – 1999 a 2002
Código do Fundo
Aero
Agro
Setor de Atuação
Aeronáutica com especial destaque nos investimentos na
Embraer
Agronegócios
Amazônia
Projetos de inovação na Amazônia relacionados a
biodiversidade e a sustentabilidade
Aquaviário
Transporte Fluvial e Indústria Naval
Biotec
Biotecnologia
Energ
Energia
Espacial
Espacial
Hidro
Recursos Hídricos
Info
Tecnologia da Informação
Infra
Infraestrutura voltada ao desenvolvimento de P&D
Mineral
Mineração
Petro
Petróleo e Gás Natural
Saúde
Saúde
Transpo
Transportes Terrestres
FVA – Verde e
Amarelo
Fundo destinado a promover a cooperação entre
universidades e indústrias.
FUNTELL
Fundo Setorial para o Desenvolvimento Tecnológico das
Telecomunicações
Fonte: Unesco, 2010.
Os Fundos Setoriais foram uma contribuição muito positiva para o fomento a ciência,
tecnologia e inovação (C,T&I) no Brasil e foram incorporados nos planos dos anos seguintes
do governo federal para a área de desenvolvimento da inovação.
O PITCE lançado em 2003 buscava “incentivar a mudança do patamar competitivo da
indústria brasileira rumo à diferenciação e inovação de produto, estratégia competitiva que
tende a gerar mais renda” (SALERNO; DAHER, 2006, p.3). Como se vê na citação, o foco
da PITCE é a inovação e as ações estabelecidas nesse documento visam aumentar o grau
de inovação da indústria, principalmente através do aumento das atividades de P&D no
país.
As ações do PITCE envolvem diferentes dimensões relacionadas a política de C,T&I que,
com base no documento oficial, foram organizadas em 4 dimensões principais
representadas na figura 1.
Figura 1 – Brasil: dimensões de ações previstas pela PITCE
PITCE
Marco regulatório Financiamento Lei da Inovação FINEP Lei do Bem BNDES Instrumentos de ação Formação de Recursos Humanos Lei da Informática Portal Inovação Lei da Biossegurança Rede e‐
conhecimento Ambiente Institucional CGEE CNDI ABDI Org. TUNES, 2014.
As quatro dimensões acima representadas não tem como objetivo sintetizar toda a
contribuição que o plano, mas sim de ressaltar os pontos que consideramos mais
significativos do plano e que podem ser avaliados tomando com base as atividades de
inovação do país nos últimos anos, especialmente a localizada no território inovador do
estado de São Paulo.
Ressaltamos ainda que avaliar a política pública federal não significa apenas indicar onde e
como a política foi eficaz ou não, mas sim realizar um balanço das contribuições mais
significativas, sem deixar de lado as contradições da ação do Estado em uma política que
envolve interesses escusos do capital e do próprio Estado.
Em termos de marcos regulatório, destacam-se as quatro regulamentações apontadas na
figura 1. As mais significativas são, sem dúvida, a Lei da Inovação (Lei n.10973/2004) e a
Lei do Bem (Lei n.11196/2005). A primeira tem como objetivo fortalecer a parceria
universidade e setor privado, permitindo à contratação de pesquisadores de universidades
públicas em atividades de inovação nas empresas privadas, além da criação de uma
modalidade de apoio financeiro por meio de subvenção econômica direta as empresas com
vistas ao desenvolvimento de produtos e processos inovadores. Já a Lei do Bem ampliou os
incentivos fiscais, particularmente no que se refere à dedução do imposto de renda das
empresas de parte dos investimentos no esforço de inovação.
A Lei da Informática (Lei n.11077/04) concede às empresas aderentes a isenção do Imposto
sobre Produtos Industrializados (IPI) dos bens de informática por elas produzidos no país,
em contrapartida a investimento em P&D equivalente a 5% de seu faturamento. E a Lei da
Biossegurança (Lei n.11105/2005) viabiliza a pesquisa com organismos geneticamente
modificados e com as chamadas células-tronco, tema de intenso debate na sociedade
brasileira que contrapõe princípios religiosos e científicos.
Segundo dados do IBGE (2011) 34,6% das indústrias inovadoras revelaram utilizar ao
menos um instrumento de apoio do governo para seus projetos de inovação, número esse
significativamente maior do que na pesquisa anterior (IBGE, 2008) quando foi registrado
percentual abaixo de ¼.
Em relação aos instrumentos regulatórios, segundo a pesquisa do IBGE (2011), apenas
1,5% das indústrias que realizaram inovação no triênio 2009 a 2011 declararam que
receberam apoio do governo através da Lei da Informática. E apenas 2,5% apontaram a Lei
do Bem como significativo apoio do governo aos projetos de inovação. Apesar do registro
percentual modesto em ambos os casos, a Lei do Bem registrou aumento expressivo do
número de empresas beneficiadas, situação inversa em relação a Lei da Informática.
A Lei do Bem, apesar então de pouco citada pelas indústrias inovadoras na pesquisa,
registrou significativo crescimento no número de empresas beneficiadas. O gráfico 1 mostra
crescimento dos recursos federais aplicados as empresas através da Lei do Bem e um
aumento mais modesto dos incentivos fiscais para gastos em P&D.
Fonte: Revista de Audiências Públicas do Senado Federal, ano 3, no 12, 2012, p.59.
Org. TUNES, 2013.
Já o gráfico 2 mostra o crescimento das empresas inovadoras que se beneficiaram da Lei
do Bem desde a sua criação em 2006, com 130 empresas beneficiadas, até 2010 quando
esse número sobre para 639 empresas. Porém, esse total ainda é considerado pouco.
Fonte: Ibidem, p.60
Org. TUNES, 2013.
.
De acordo com informações da Revista Em Discussão!4 (2012), do total de empresas
brasileiras apenas 8% podem ser beneficiadas pela Lei do Bem, já que há uma restrição
dessa lei as empresas de lucro real5. Ainda, das 150 mil empresas nessas condições no
Brasil, segundo o dado do gráfico 2, apenas 639 empresas foram beneficiadas pela lei.
Em termos regionais a região Sudeste tem forte concentração das empresas que receberam
tal incentivo. Segundo dados do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), em 2008, mais
de 50% das empresas beneficiadas estão localizados na região Sudeste e 83,4% do
investimento total em P&D do país também foram concedidos para a região.
Em termos estaduais, o estado de São Paulo foi o estado que mais recebeu apoio do
Estado através da Lei do Bem. Do total de empresas beneficiadas por esse instrumento
jurídico no triênio 2009 a 2011, apenas o estado de São Paulo contou com mais de 30%
desse total, número esse que é maior do que o dobro do segundo estado com mais
indústrias inovadoras apoiadas pela Lei do Bem que é o Rio Grande do Sul.
O setor de mecânica e transporte foi o mais beneficiado no país para o investimento em
atividades de P&D. Em 2008, foram beneficiadas 114 empresas, o que representa
praticamente 25% do número de empresas beneficiadas do país e praticamente a metade
do valor concedido pelo governo federal as empresas privadas.
4
Revista Em Discussão! É uma revista editada pela Secretaria Jornal do Senado que em setembro
de 2012 publicou um número (número 12) especial com as principais questões discutidas no
Seminário Caminhos da Inovação que ocorreu no Senado Federal no ano de 2012.
5
Isso significa dizer que as empresas que tem lucro presumido e lucro simples não podem ser
beneficiadas por essa legislação.
A Lei da Informática, apesar de pouco expressiva em termos de percentual de indicação das
empresas inovadoras brasileiras na pesquisa do IBGE (2011), beneficiou em 2010 um total
de 107 instituições de ensino e pesquisa e centros de pesquisa e desenvolvimento que
realizaram convênio para execução de projetos com empresas habilitadas, 136 empresas
que realizaram projetos em convênio e 919 projetos no total com um dispêndio de pouco
mais de 320 milhões de reais, segundo informações do MCT1 (2010)
De acordo com o MCTI (2010), em termos regionais, as regiões Sudeste e Nordeste foram
as que obtiveram o maior número de empresas beneficiadas pela Lei da Informática,
respectivamente 359 e 337 empresas, porém em termos de valor concedido pela legislação
a diferença entre as duas regiões torna-se significativa, como pode ser observado no gráfico
3, logo abaixo, representando a distribuição do valor concedido pela Lei da Informática as
empresas brasileiras localizadas por regiões.
Fonte dos dados: MCTI, 2010.
Org. TUNES, 2014.
Esse dado revela um aspecto interessante na execução e concessão do benefício as
empresas brasileiras por regiões. Em termos de número de empresas o Sudeste não
apresenta grande vantagem em relação as demais regiões, sobretudo nesse caso em
relação ao Nordeste, porém em termos de valor concedido como incentivo as atividades de
P&D na área de informática o valor é muito mais representativo no Sudeste do que no
Nordeste, como observamos no gráfico 3. Isso significa que os projetos realizados no
Sudeste tiveram um aporte financeiro mais significativo, situação que nos permite criar uma
hipótese, que precisaria de maior investigação, que foram projetos maiores e com o
desenvolvimento de mais atividades de P&D do setor.
Mais uma vez, as empresas localizadas no estado de São Paulo foram as mais beneficiadas
pelos incentivos da Lei da Informática, com 282 projetos aprovados e com um valor total dos
projetos que representa pouco menos da metade do concedido a todas as empresas
brasileiras pela legislação, segundo os dados divulgados para o ano de 2010 pela MCTI
(2010).
Já a Lei da Inovação, que além da subvenção econômica as empresas com projetos de
inovação tem como preocupação fundamental possibilitar parcerias entre universidades,
instituições privadas de C,T&I sem fins lucrativos e empresas no desenvolvimento de
inovações, também registrou pequeno dado percentual pelas empresas inovadoras na
pesquisa do IBGE (2011).
No âmbito da Lei da Inovação, apenas 0,8% das indústrias inovadoras indicaram ter
recebido apoio do governo de subvenção econômica à P&D e à inserção de pesquisadores
e somente 0,9% indicaram projetos de inovação em parceria com universidades como um
apoio do governo relevante para o processo de inovação. Os dois dados confirmam, mais
uma vez, o que já discutimos anteriormente sobre a pouca relação entre a universidade e os
centros de pesquisa com o processo de inovação que ocorre nas empresas.
Se os marcos regulatórios criados pela PITCE e consolidados ao longo da primeira década
do século XXI apresentam pouca colaboração para os projetos de inovação realizados pelas
indústrias brasileiras no final da década, a segunda dimensão apontada na figura 2, os
financiamentos, representam o mais significativo apoio governamental as indústrias
inovadoras.
Isso porque parte relevante das indústrias inovadoras (27,4%) apontou o financiamento a
P&D e compra de máquinas e equipamentos como o item mais importante de apoio do
governo à inovação. Esse dado se relaciona a articulação entre a Financiadora de Projetos
(FINEP) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para o
financiamento de projetos de inovação com foco em diferentes tipos de empresas e
modalidades de financiamento.
Segundo Edilson e Salles Filho o BNDES é o “principal gestor de recursos de financiamento
de desenvolvimento do país” e em parceria com a Finep são instituições hoje fundamentais
na concessão de crédito para investimento em projetos de inovação em diversas áreas, com
destaque para as TICs, biotecnologia, nanotecnologia, energia, saúde, temas estratégicos e
desenvolvimento social, áreas estas consideradas como prioritárias para receber o apoio
financeiro das duas instituições.
São concedidas também diversas operações de financiamento, diretas, indiretas e mistas
para atividades inovadoras como o financiamento de atividades de P&D, aquisição de outros
conhecimentos externos, treinamento, introdução de inovação tecnológica no mercado,
projeto industrial, aquisição de máquina e equipamentos necessários ao desenvolvimento da
inovação tecnológica, que como já vimos, foi a mais indicada pelas indústrias inovadoras na
última pesquisa do IBGE (2011).
Mais da metade das indústrias inovadoras que indicaram o financiamento à compra de
máquinas e equipamentos utilizados para inovar como o apoio governamental mais
representativo para o processo de inovação está localizado na região Sudeste. Do total da
região, 55% são do estado de São Paulo, que representou 33% do número de indústrias
inovadoras no país que fizeram a mesma indicação de apoio governamental a inovação.
A terceira dimensão do PITCE sobre as linhas de ação para a promoção da inovação,
destacamos sobretudo o Portal da Inovação e o rede e-conhecimento como propostas
interessantes para promover a difusão e circulação do conhecimento, situações
fundamentais para que diferentes agentes possam se integrar e colaborar nos projetos e
processos de inovação.
O Portal Inovação tem como objetivo a difusão de instrumentos de apoio à inovação e
auxilia na articulação entre a pesquisa e o conhecimento gerado nas universidades,
instituições e empresas privadas. E a rede e-conhecimento integrou uma rede de alta
velocidade de transmissão de dados que integra mais de 300 instituições de pesquisa no
país, segundo Salerno e Daher (2006).
Ainda nesse âmbito, a formação de recursos humanos qualificados e que possuem
importante relevância para as atividades de pesquisa científica e tecnológica é um dos
aspectos que mais cresceu ao longo da primeira década do século XXI.
Segundo pesquisa coordenada pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE,
2010) o número de doutores entre 1996 e 2008 cresceu 278%. No início do século XXI o
número de doutores titulados foi de 5.753, número este que subiu para mais de 10 mil
doutores em 2008. As áreas de ciências da saúde e ciências humanas são as áreas mais
numerosas em número de doutores.
O gráfico 4 representa a distribuição do número de doutores titulados no ano de 2008 por
regiões brasileiras. É possível notarmos a grande disparidade regional na formação de
doutores do país, com grande concentração nas universidades da região Sudeste.
Fonte: CGEE, 2010.
Org. Tunes, 2014.
O estado de São Paulo possui a maior quantidade de doutores titulados no ano de 2008
com um total de 4821 doutores, número esse que representa 45% dos doutores titulados no
país no ano de 2008. Esse número é também maior do que a soma do número de doutores
titulados em todos os demais estados brasileiros, o que indica um dos percentuais mais
agudos de concentração dentro das políticas de C,T&I do país.
E a quarta e última dimensão da PITCE, os aspectos institucionais, que são fundamentais
para a articulação dos demais setores, cumpre destacar a criação do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Industrial (CNDI) e a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial
(ABDI) em 2004.
O CNDI é um conselho vinculado ao Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior (MDIC) que tem como objetivo realizar proposições ao Presidente da República de
políticas nacionais e medidas específicas destinadas a promover o desenvolvimento
industrial do país. Já a ABDI, também ligada ao MDIC, coube a tarefa de contribuir na
coordenação de ações conduzidas pelos diferentes ministérios e instituições públicas e
privadas no incentivo ao crescimento industrial e inovador do país.
O CGEE é uma organização social supervisionada pela MCTI, criada antes do PITCE, mas
que foi incorporada a política de C,T&I no Brasil com o objetivo principal de promover e
realizar estudos e pesquisas com foco na área de ciência, tecnologia e inovação difundindo
para a população através do seu sítio na internet as pesquisas e publicações realizadas pelo
centro.
4 – Considerações Finais
Buscamos nessa comunicação analisar o processo de inovação no Brasil com foco central
na fundamental ação do Estado como financiador e investidor da inovação no país,
sobretudo na região do território inovador do estado de São Paulo. Escolhemos para isso
analisar especialmente as metas estabelecidas pela PITCE que foi o primeiro planejamento
público federal voltado especialmente para as atividades de inovação e articulação das
políticas de C,T&I.
Pudemos avaliar o quanto as ações e diretrizes realizadas nas quatro dimensões da PITCE
colaboraram para o avanço do processo de inovação no país e, sobretudo no caso da
dimensão do financiamento e dos instrumentos de ação, há uma evidente concentração da
ação do Estado no estado de São Paulo, colaborando assim para a dinamização do território
inovador brasileiro nessa área.
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