Civilização mundial passou do ponto, diz Papa no Rio

Transcrição

Civilização mundial passou do ponto, diz Papa no Rio
“À guerra, cavaleiros
esforçados! Pois os
anjos sagrados em
socorro estão em terra.
À guerra!”
(Gil Vicente)
1 a quinzena de agosto de 2013
Vol.XX, nº 5
Civilização
mundial passou
do ponto, diz
Papa no Rio
Com esta frase, tão coloquial como verdadeira, o
Papa Francisco caracterizou o momento paradigmático pelo qual a humanidade atravessa, na primeira viagem internacional do seu pontificado,
para participar da Jornada Mundial da Juventude,
no Rio de Janeiro.
P. 4
EUA têm
“governo
sombra”
A denúncia vem da exsubsecretária do Tesouro
de George Bush pai,
Catherine Austin-Fitts
P. 8
Argentina e
Brasil devem
encerrar
torneio de
sucata militar
Os dois países precisam
fazer uma opção pelo
estado da arte.
P. 12
Capítulo
indígena
deveria ser
retirado da
Constituição
Nos seis dias em que permaneceu na cidade, o Pontífice eletrizou
milhões de pessoas, provenientes de 175 países (Ag Brasil)
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A proposta do jurista
Clovis Ramalhete, feita
há duas décadas, continua
mais atual que nunca.
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Solidariedade Ibero-americana
EDITORIAL
Investimentos em transportes podem
deixar de ser “dívidas”
Antes tarde do que nunca. Em iniciativa das
mais oportunas, o governo federal pretende
retirar os projetos em infraestrutura de transportes urbanos do cálculo de endividamento
dos estados e municípios. A medida foi
anunciada pela presidente Dilma Rousseff,
durante a sua primeira visita a São Paulo (SP)
desde as manifestações de junho, em 31 de
julho, ocasião em que pôde constatar o que
os brasileiros comuns conhecem sobejamente
há décadas: a insuficiência das redes de
transportes coletivos, em especial os metrôs.
Caso o projeto já tivesse sido convertido
em lei, os prefeitos e governadores teriam,
hoje, uma capacidade de endividamento superior a R$ 35,3 bilhões, para investir em
projetos de metrôs, corredores exclusivos de
ônibus (BRTs), veículos leves sobre trilhos
(VLTs), trens urbanos e ciclovias, sem que
as contas referentes à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) fossem comprometidas.
O advogado-geral da União, Luiz Inácio
Adams, já está estudando os requisitos jurídicos para fazer o projeto sair do papel e
avalia como aplicar as mudanças na LRF.
O alívio fiscal para os estados e municípios também pode representar uma injeção
monetária que ajude a reaquecer a economia brasileira, de modo a retomar a geração direta e indireta de empregos.
Na visita à capital paulista, a presidente
questionou o metrô local: “Como é possível
uma cidade do tamanho de São Paulo sem
transporte metroviário? Sem que o transporte possa ter uma velocidade que recorte
a cidade em toda a sua expansão?”.
A pergunta é das mais pertinentes, mas
a responsabilidade pela resposta não cabe
somente aos dirigentes estaduais, devendo
ser compartilhada com a esfera federal, que
não consegue sequer usar o montante de
investimentos já empenhados no PAC-2 e
outros programas governamentais. Sem falar na preservação inercial de princípios
adotados pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, que seus sucessores petistas
não se atreveram a tocar, como a absurda
qualificação dos investimentos públicos em
infraestrutura como endividamento, equiparando-os aos gastos de custeio, imposta
pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).
Com isso, o Brasil perdeu quase duas décadas em investimentos não realizados em
nome dos sacrossantos princípios do rentismo, que estabelece o serviço da dívida
pública como meta suprema das políticas
governamentais. A aberração chegou ao
ponto de determinar que o custo global de
um dado projeto de infraestrutura fosse
debitado nas contas públicas de uma única vez, em lugar de distribuído ao longo
de vários anos, como costumam ser feitos
tais dispêndios.
Agora, esperemos que o projeto de lei
que liberta o setor de semelhante garrote
vil receba a devida atenção, tanto no Congresso como, em particular, na mídia, geralmente comprometida com a orientação
pró-rentista. Para tanto, será preciso
acompanhar atentamente a sua tramitação, se preciso, pressionando o Congresso para acelerá-la.
EDIÇÃO EM PORTUGUÊS
Diretora: Silvia Palacios
Publicado pelo
MSIA – Movimento
de Solidariedade
Ibero-americana
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Conselho editorial: Angel Palacios Zea,
Geraldo Luís Lino, Lorenzo Carrasco
e Marivilia Carrasco
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1a quinzena de agosto de 2013
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Rentistas voltam a pregar
“autonomia” do BC
Não satisfeitos com a retomada da alta
dos juros básicos da economia pelo Banco
Central (BC), os rentistas que operam no
Brasil ensaiam uma nova investida para a
promoção do seu sonho de consumo: a
autonomia de direito do BC.
A pauta foi colocada em uma reunião
de um seleto grupo de economistas do
mercado financeiro com o secretário de
Política Econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland, ocorrida no gabinete do ministério em São Paulo (SP), em
2 de agosto. Na oportunidade, o grupo
sugeriu que o ministério se empenhe na
aprovação do projeto de lei complementar
que regulamenta o sistema financeiro nacional e propõe a independência do BC,
que tramita há seis anos no Congresso e, em
abril, recebeu parecer favorável para ser
votado na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Segundo participantes
do encontro, Holland não se comprometeu
com a sugestão, mas também não a descartou, o que foi entendido como uma sinalização de que o governo poderia apoiar a
mudança (O Globo, 6/08/2013).
A motivação principal do evento foi a
“perda de credibilidade fiscal” do governo,
o mais recente bordão dos rentistas para
justificar as pressões por um afrouxamento ainda maior das rédeas do governo
federal sobre o BC de Alexandre Tombini,
que, até há pouco, vinha atuando em estreita sintonia com o Palácio do Planalto e
o Ministério da Fazenda. Nem mesmo as
pressões inflacionárias ou a perspectiva de
um baixo crescimento do PIB foram discutidos, em uma clara demonstração de
desapreço quase absoluto pela economia
real por parte dos representantes do “mercado”. Mesmo sem ser novidade, a própria
reunião, “en petit comité”, sem a presença de qualquer representante dos setores
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produtivos da economia, é indicativa da
crescente submissão do governo da presidente Dilma Rousseff aos rentistas.
Segundo o jornal O Estado de Minas
(3/08/2013), os porta-vozes da alta finança
“aconselharam” o governo a emitir sinais de
que pretende mudar a política atual (leia-se
deixar que apenas os mercados influenciem
as decisões do BC). Para tanto, recomendam a interrupção das manobras contábeis
para a redução do déficit público – para não
prejudicar o sacrossanto superávit primário –, além de dar maior liberdade à Petrobras, para que a empresa possa equiparar os preços internos dos combustíveis
aos praticados no exterior, mesmo que os
reajustes tenham impactos inflacionários.
Em outra vertente, a investida rentista
também colocou na alça de mira a intenção do governo de facilitar os investimentos em transportes urbanos pelos estados
e municípios, retirando os investimentos
neste setor do enquadramento como dívidas, de modo a permitir que possam ampliar a sua capacidade de investir em projetos mais que necessários. Um dos mais
graduados arautos financeiros do País, o
ex-presidente do BC Gustavo Loyola,
transmitiu a “ameaça”, num artigo publicado no Valor Econômico de 5 de agosto,
no qual considera a iniciativa “uma notícia negativa no campo fiscal” e uma ameaça à Lei de Responsabilidade Fiscal.
Dadas a força do lobby pró-rentista e
a fragilidade política do governo no momento, será preciso uma ativa e eficiente
mobilização, tanto no âmbito do Congresso como na sociedade em geral, para aprovar tal iniciativa por meio de um projeto
de lei, até agora, a única resposta do governo que demonstra alguma sintonia com
as reivindicações das manifestações que
sacudiram o País, em junho último.
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Solidariedade Ibero-americana
Civilização mundial passou
do ponto, diz o Papa no Rio
Silvia Palacios e Lorenzo Carrasco
“A civilização mundial passou do ponto.”
Com esta frase, tão coloquial como verdadeira, o Papa Francisco caracterizou o momento paradigmático pelo qual a humanidade atravessa, na primeira viagem internacional do seu pontificado, para participar
da Jornada Mundial da Juventude (JMJ),
no Rio de Janeiro.
Nos seis dias em que permaneceu na cidade, de 23 a 28 de julho, o Pontífice eletrizou as centenas de milhares de pessoas,
provenientes de 175 países, que acompanharam os seus trajetos, entoando o coro, ”Esta
es la juventud del Papa!” - quase sempre
proferido em espanhol. A dimensão do entusiasmo espalhado pela sua presença
pode ser aquilatada na missa final, realizada na praia de Copacabana, que reuniu
mais de 3 milhões de pessoas, no maior
evento já registrado na história da cidade.
Em tal ambiente juvenil e festivo, Francisco não se dirigiu unicamente a esse numeroso contingente; em vez disto, as suas
bem ponderadas mensagens foram endereçadas à própria Igreja e à sociedade em
seu conjunto. Contra a desoladora imagem sagrada do ser humano característica
da cultura prevalecente, com desdobramentos em um sistema econômico escravizante e um sistema político descompromissado com o bem comum, que não deixam
de impactar a Igreja Católica, ele afirmou
a necessidade de construção de uma “cultura do encontro e do diálogo”, com uma
ordem de humildade social.
O enorme interesse gerado pelas intervenções do Papa, a maioria delas transmitidas ao vivo pela televisão, demonstra que
a sociedade está ávida de referências com
credibilidade, que assinalem novos horizontes para a saída da crise de valores e
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socioeconômica que avassala o planeta.
A ressonância da viagem se torna ainda
maior pelo fato de ter-se realizado no “Continente da Esperança”, que reúne, desde as
suas origens, uma vocação de integração
que lhe confere o seu ethos, esta qualidade
intrínseca, capaz de enfrentar grandes obstáculos para cristalizar a sua missão.
As dificuldades para a consecução de
tal projeto não residem apenas nas nações,
mas também na própria Igreja. Por isso,
foi bastante significativa a reunião com os
representantes da Conferência Episcopal
Latino-Americana (CELAM), no último
dia da visita, cujos temas-chave foram o
caminho para a integração do continente,
uma radiografia clara dos problemas do
mundo atual e a renovação do caminho
missionário da Igreja, a “Missão Continental”, em sua forma transcendente.
Na apresentação, Francisco enumerou
algumas das “tentações” que têm acometido tanto a Igreja como a própria sociedade
latino-americana: “Não se trata de sair à
caça de demônios, mas simplesmente de
lucidez e prudência evangélicas. Limito-me
a mencionar algumas atitudes que configuram uma Igreja ‘tentada’. Trata-se de conhecer determinadas propostas atuais que podem mimetizar-se em a dinâmica do
discipulado missionário e deter, até fazê-lo
fracassar, o processo de conversão Pastoral.”
Em seguida, atentou para os perigos da
ideologização da mensagem evangélica,
apontando algumas de suas modalidades:
“a) O reducionismo socializante. É a
ideologização mais fácil de descobrir. Em
alguns momentos, foi muito forte. Tratase de uma pretensão interpretativa com
base em uma hermenêutica de acordo com
as ciências sociais. Engloba os campos
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mais variados, desde o liberalismo de mercado até à categorização marxista.
“b) A ideologização psicológica. Trata-se de uma hermenêutica elitista que,
em última análise, reduz o ‘encontro com
Jesus Cristo’ e seu sucessivo desenvolvimento a uma dinâmica de autoconhecimento. Costuma verificar-se principalmente em cursos de espiritualidade, retiros espirituais, etc. Acaba por resultar
numa posição imanente auto-referencial.
Não tem sabor de transcendência, nem
portanto de missionariedade.
“c) A proposta gnóstica. Muito ligada
à tentação anterior. Costuma ocorrer em
grupos de elites com uma proposta de
espiritualidade superior, bastante desencarnada, que acaba por desembocar em
posições pastorais de ‘quaestiones disputatae’. Foi o primeiro desvio da comunidade primitiva e reaparece, ao longo da
história da Igreja, em edições corrigidas e
renovadas. Vulgarmente são denominados
‘católicos iluminados’ (por serem atualmente herdeiros do Iluminismo).
“d) A proposta pelagiana. Aparece fundamentalmente sob a forma de restauracionismo. Perante os males da Igreja, busca-se
uma solução apenas na disciplina, na restauração de condutas e formas superadas que,
mesmo culturalmente, não possuem capacidade significativa. Na América Latina,
costuma verificar-se em pequenos grupos,
em algumas novas Congregações Religiosas, em tendências para a ‘segurança’ doutrinal ou disciplinar. Fundamentalmente é
estática, embora possa prometer uma dinâmica para dentro: regride. Procura ‘recuperar’ o passado perdido.
“2. O funcionalismo. A sua ação na
Igreja é paralisante. Mais do que com a
rota, se entusiasma com o ‘roteiro’. A concepção funcionalista não tolera o mistério,
aposta na eficácia. Reduz a realidade da
Igreja à estrutura de uma ONG. O que
vale é o resultado palpável e as estatísticas.
A partir disso, chega-se a todas as modalidades empresariais de Igreja. Constitui
uma espécie de “teologia da prosperidade”
no organograma da pastoral.
“3. O clericalismo é também uma tentação muito atual na América Latina. Curiosamente, na maioria dos casos, trata-se de
uma cumplicidade viciosa: o sacerdote clericaliza e o leigo lhe pede, por favor, que o
clericalize, porque, no fundo, lhe resulta
mais cômodo. O fenômeno do clericalismo
explica, em grande parte, a falta de maturidade adulta e de liberdade cristã em boa
parte do laicato da América Latina: ou não
No Teatro Municipal, o Papa enfatizou a necessidade de recuperação da política como instrumento de
caridade (foto O Globo)
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cresce (a maioria), ou se abriga sob coberturas de ideologizações como as indicadas, ou
ainda em pertenças parciais e limitadas. (...)”
Reabilitar a política
Em um encontro com lideranças da sociedade, no Teatro Municipal, ao qual estes
autores tiveram o privilégio de comparecer,
o Pontífice destacou qualidades específicas
da cultura brasileira, que lhe conferem condições favoráveis para o cultivo de uma cultura de diálogo construtivo, tanto no âmbito da América Latina como no mundo em
geral. Unidas às raízes cristãs, tais qualidades conferem à nação brasileira a capacidade e a responsabilidade para desempenhar um papel protagonista em um novo
mundo em construção. Suas palavras:
“Em primeiro lugar, é de justiça valorizar a originalidade dinâmica que caracteriza a cultura brasileira, com sua extraordinária capacidade para integrar elementos diversos. O sentir comum de um
povo, as bases de seu pensamento e de sua
criatividade, os princípios básicos de sua
vida, os critérios de julgamento sobre as
prioridades, as normas de atuação, se fundem e crescem em uma visão integral da
pessoa humana.
“Essa visão do homem e da vida característica do povo brasileiro recebeu, também, a seiva do Evangelho: a fé em Jesus
Cristo, o amor de Deus e a fraternidade
com o próximo. A riqueza desta seiva
pode fecundar um processo cultural fiel à
identidade brasileira e, por sua vez, um
processo construtor de um futuro melhor
para todos. Um processo de faz crescer a
humanização integral e a cultura do encontro e da relação, esta é a maneira cristã
de promover o bem comum, a alegria de
viver. E aqui convergem a fé e a razão, a
dimensão religiosa com os diferentes aspectos da cultura humana: a arte, a ciência, o
trabalho, a literatura... O cristianismo combina transcendência e encarnação, pela capacidade de revitalizar sempre o pensamento e a vida, diante da ameaça de frustração e desencanto que podem invadir o
coração e se propagar pelas ruas.”
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A mensagem foi clara e dura: os sistemas políticos do mundo se tornaram de tal
forma desacreditados, que é crucial “reabilitar a política”, que, na tradição de
Thomas More, apontou como sendo a forma mais alta de caridade. Prosseguindo,
diante de uma platéia emocionada e eletrizada por suas palavras, enfatizou:
“Um segundo ponto ao que gostaria de
referir-me é a responsabilidade social. Ela
requer um certo tipo de paradigma cultural e, em consequência, de política. Somos
responsáveis pela formação de novas gerações, ajudá-las a serem capazes na economia e na política e firmes nos valores éticos.
O futuro exige, hoje, a tarefa de reabilitar
a política, que é uma das formas mais altas
de caridade. O futuro nos exige, também,
uma visão humanista da economia e uma
política que logre uma participação cada
vez maior e melhor das pessoas, evite o
elitismo e erradique a pobreza.
“Que não falte a ninguém o necessário
e que se assegure a todos dignidade, fraternidade e solidariedade; este é o caminho
proposto. Já na época do profeta Amós
era muito frequente a admonição de Deus:
‘Vendem o justo por dinheiro, e o necessitado por um par de sapatos. Suspirando
pelo pó da terra, sobre a cabeça dos pobres, pervertem o caminho dos mansos
(Amós 2, 6-7).’ Os gritos que pedem justiça continuam, ainda hoje.”
Aos jovens: atrevam-se a nadar
contra a corrente
Antes, no mesmo dia, em um encontro
especial com mais de 30 mil peregrinos
argentinos, Francisco lançou aos jovens o
desafio de protagonizar mudanças efetivas. Na ocasião, afirmou:
“Gostaria de dizer uma coisa. O que
espero como consequência da Jornada da
Juventude? Espero agitação! Que aqui
dentro haverá agitação? Vai haver! Que
aqui no Rio vai haver agitação? Vai haver!
Mas quero agitação nas dioceses! Quero
que saiam para fora! Quero que a Igreja
saia às ruas! Quero que nos defendamos
de tudo o que seja mundanidade, do que
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seja instalação, do que seja comodidade,
do que seja clericalismo, do que seja estar
encerrados em nós mesmos. As paróquias,
os colégios, as instituições, são para sair!
Se não saem, se convertem em uma ONG,
e a Igreja não pode ser uma ONG.
“Olhem, eu penso que, neste momento,
esta civilização mundial passou do ponto,
passou do ponto! Porque é tal o culto que
tem sido feito ao deus dinheiro, que estamos
presenciando uma filosofia e uma práxis
de exclusão dos dois pólos da vida que são
as promessas dos povos. E, evidentemente,
se poderia pensar que poderia haver uma
espécie de eutanásia escondida. Quer dizer,
não se cuidam dos anciãos, mas também há
esta eutanásia cultural: não se lhes deixam
falar, não se lhes deixam atuar! E a exclusão dos jovens: o percentual de jovens sem
trabalho, sem emprego, é muito alto! E é
uma geração que não tem experiência da
dignidade ganha pelo trabalho. Ou seja,
esta civilização está nos levando a excluir
as duas pontas que são o nosso futuro!
“Então, os jovens têm que sair, têm que
se fazer valer. Os jovens têm que sair a lugar
pelos valores – a lutar pelos valores! E os velhos, que abram a boca, os anciãos abram
a boca e nos ensinem, transmitam-nos a
sabedoria dos povos! Ao povo argentino, e
lhes peço de coração aos anciãos, não claudiquem de ser a reserva cultural do nosso
povo, que transmite a justiça, que transmite
a história, que transmite os valores, que
transmite a memória do povo. E vocês, por
favor, não se metam contra os velhos! Deixem-nos falar, escutem-nos e levem adiante
o que aprenderem! Mas saibam que, neste
momento, vocês, os jovens e os anciãos,
estão condenados ao mesmo destino: exclusão! Não se deixem excluir! Está claro?
É por isso que creio que têm que trabalhar.
“Por favor, não façam vitamina da fé
em Jesus Cristo! Existe vitamina de laranja,
de maçã, de banana, mas, por favor, não
bebam vitamina de fé! É a fé em Jesus. É a
fé no Filho de Deus feito homem, que me
amou e morreu por mim. (...)”
Em sua despedida dos jovens, ao encontrar-se com os voluntários da JMJ,
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Francisco sintetizou o seu apelo, dizendo:
“Peço-lhes que sejam revolucionários, peçolhes que vão contra a corrente. Que se rebelem contra essa cultura do provisório, do
relativo. Atrevam-se a ir contra a corrente.”
A Jornada da Juventude da mídia
Poucos dias após anunciar a sua renúncia,
em uma reunião com o clero de Roma, em
fevereiro último, o então Papa Bento XVI
denunciou que os meios de comunicação
mundiais haviam criado a sua própria versão do Concílio Vaticano II, desfigurando
o seu conteúdo. Guardadas as proporções,
uma tentativa semelhante se manifestou
com a JMJ. No encontro no Teatro Municipal, os principais periódicos brasileiros
deram grande destaque à presença de um
grupo de índios, como se se tratasse de um
grande acontecimento. O fato é que a sua
presença tinha o mesmo valor que a dos
demais segmentos da sociedade ali reunidos para um evento em que o destaque era
o Papa,conclamando uma elite política e
intelectual a assumir a responsabilidade
pelo bem comum.
Outro exemplo foi a entrevista concedida pelo Pontífice, no voo de volta a
Roma, na qual grande parte das perguntas se centrou nos temas preferidos da
mídia controlada pelos grandes poderes
mundiais, que não constituíram temas
nominais da Jornada, como o homossexualismo, o casamento homossexual e a
ordenação de mulheres. Com tranquilidade, Francisco remeteu os jornalistas ao
estabelecido pelo Catecismo da Igreja,
fazendo uma ressalva sobre temas do sacramento do matrimônio, que estão sendo
atualmente estudados. No dia seguinte, a
imprensa mundial preferiu destacar, maciçamente, manchetes que asseguravam
uma mudança nas posições da Igreja,
em especial, quanto ao homossexualismo. A verdade é que os poderes globais
pretendiam definir a importância do Papa
nos temas que, precisamente, refletem o
colapso cultural da sociedade. A isto se refere ele, quando diz que a civilização passou do ponto.
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Solidariedade Ibero-americana
EUA têm “governo sombra”, diz
ex-subsecretária de Bush pai
Catherine Austin-Fitts foi subsecretária de
Habitação no início do governo de George
Bush pai. Oriunda da diretoria do banco
de investimentos Dillon, Read & Co.
(posteriormente incorporado pelo suíço
UBS), era responsável pela Administração Federal de Habitação (FHA), então o
maior fundo de seguros hipotecários do
mundo. Em 1990, foi demitida, depois de
ter deparado com um vasto sistema de desvio de recursos para o chamado “orçamento negro” (black budget), destinado
ao desenvolvimento de projetos de inteligência e tecnológicos sem supervisão do
Congresso. Na iniciativa privada, foi uma
das primeiras a advertir sobre a expansão
da bolha hipotecária que deflagrou a crise
de 2007-2008, e tem denunciado sistematicamente as fraudes que ocorrem rotineiramente no sistema financeiro encabeçado pelo Sistema da Reserva Federal, inclusive, a sua estreita vinculação com o
tráfico internacional de drogas e outras
atividades ilícitas. Em recente entrevista
ao jornalista econômico alemão Lars
Schall, postada no sítio larsschall.com, em
1º. de agosto, ela proporciona uma autêntica aula magna sobre a existência e o funcionamento de uma estrutura de governo
mundial, que opera, principalmente, nos
EUA e na Europa, à qual chama o “governo sombra” (shadow government).
Provocada sobre o fato de que as suas
denúncias lhe têm garantido numerosas
acusações de ser uma “teórica da conspiração”, devolveu: “Bem, a coisa é que
temos uma realidade oficial e a realidade,
são duas coisas diferentes... O meu entendimento do mundo emergiu de trabalhar
em Wall Street e para o governo. Eu passei
vários anos em disputas judiciais com o
governo federal e a minha experiência
pessoal é a de que o mundo é movido por
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decisões quietas tomadas silenciosamente
em vários grupos e, em seguida, implementadas dessas maneiras – é assim que o
mundo funciona, este é o princípio organizacional básico... A linha divisória de
classes, nos EUA de hoje, é entre as pessoas que criam, administram e se engajam
no que alguns chamam conspirações, enquanto todo o restante é treinado para ser
incapaz de fazer o mesmo, porque esta é a
base do poder versus a impotência. Então,
eu venho de um mundo onde ser capaz de
se reunir com outras pessoas, organizar
planos, implementar estes planos e fazer
isto silenciosa e secretamente, é a base do
exercício e do acúmulo de poder mundial.
Por isso, quando eu ouço pessoas sendo
depreciativas sobre as conspirações, no
mundo em que me criei, isto representa,
simplesmente, um sintoma de que elas
concordaram em ser impotentes e fazer
disto um distintivo de honra.”
Segundo ela, tais grupos de poder configuram um “governo sombra”: “A coisa
contra a qual estamos lutando é que não
é realmente claro qual é o sistema de governança no planeta Terra e como ele
funciona. O que sabemos é que as nações
soberanas têm o poder de cobrar impostos e grandes orçamentos. A realidade é
que essas nações soberanas não estão no
controle e não estão dirigindo as coisas...
Eu acho que o sistema de governo é, na
melhor das hipóteses, obscuro e, na minha
experiência de trabalho como funcionária
governamental, as decisões são tomadas
fora do governo e transmitidas ao governo.
O governo trabalha para o ‘governo sombra’... O que estamos presenciando é uma
grande centralização de controle político,
e parte disto é que a tecnologia permite
esse tipo de consolidação fantástica em
lugares centralizados. (...)”
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Não obstante, para Austin-Fitts, a crise
global representa uma oportunidade: “Estamos atravessando um extraordinário período de mudanças... Estamos deixando de
ser divididos entre desenvolvidos e nãodesenvolvidos e entrando numa economia
mais mundial. Este reequilíbrio é uma
mudança bastante significativa... Estamos
mudando o nosso modelo. No mundo desenvolvido, nós dizíamos, basicamente,
vamos ser democracias, mas vamos financiar as nossas democracias percorrendo o
planeta, matando todo o resto e pegando
baratos os seus recursos naturais. Agora,
temos que converter-nos num modelo em
que o que for feito a um será feito a todos,
e isto é parte desse reequilíbrio, acho que
é uma grande mudança.”
Embora sem proporcionar detalhes,
ela comenta ter deparado, em suas investigações, com o desenvolvimento encoberto de tecnologias de propulsão espacial
muito mais avançadas do que as oficialmente reconhecidas como sendo o estado
da arte dos EUA: “A maneira em como
me interessei no programa espacial foi que
eu estava seguindo as pistas de fraudes e
extraordinárias quantidades de dinheiro
que desapareciam dos programas de hipotecas do governo federal e desaparecendo
do [Departamento do] Tesouro. Isto me
levou a investigar o orçamento negro.
Mas quando você começa a investigar o
orçamento negro, o que você começa a
compreender é que a primeira história de
cobertura para ele é a incompetência e a
segunda, a corrupção. Porque, de fato,
estamos falando de um processo institucionalizado de desviar dinheiro da economia aberta, seja no nível governamental
ou nas comunidades, por meio do crime
organizado e coisas como as fraudes com
hipotecas – e estamos falando de dinheiro
numa escala enorme. Não estamos falando
de Ferraris e contas em paraísos fiscais para
parceiros de Wall Street, estamos falando de
trilhões e trilhões de dólares que estão indo
para algum lugar. Na medida em que comecei a estudar o orçamento negro e para
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onde o dinheiro estava indo, numa escala
extraordinária, comecei a investigar os
diferentes relatos sobre a construção de
instalações subterrâneas e a construção de
naves espaciais que funcionam como dizem
que os funcionam os OVNIs [objetos voadores não-identificados]. (...)
“(...) Então, essas tecnologias estão
sendo desenvolvidas há algum tempo e
um dos nossos desafios, como planeta, é
que existe uma enorme divisão na população, entre pessoas que estão avançando
rapidamente, fazendo coisas de tecnologia muito avançada, inclusive, por meio
do orçamento negro, e uma população
muito maior que, se está fazendo algo,
está reduzindo as suas habilidades, inteligência e capacidade de lidar com tecnologias avançadas.”
Ao final, Schall pediu à ex-subsecretária
para apontar os desafios mais importantes para a humanidade, dos quais a grande maioria das pessoas não estaria ciente:
“Eu diria que os nossos dois desafios
mais importantes estão na ascensão espiritual e cultural, para estar à altura da tecnologia, inclusive, praticando globalmente
a não-violação, na medida em que chegamos a uma cultura e uma economia muito
mais integradas e, assim, atuar como uma
sociedade é assumir as responsabilidades
para interagir no espaço e entender e
gerenciar os nossos riscos geofísicos, no
contexto de toda a galáxia.
“A solução é que cada um de nós faça
o que chamo ‘tomar posição’ [“come
clean”, no original]. Cada um de nós tem
que mudar; em outras palavras, não precisamos esperar que as lideranças façam alguma coisa. Nós podemos, simplesmente,
começar a mudar nós mesmos... A maneira
como vamos construir o futuro é atraindo
o que queremos. Vamos passar por uma
enorme mudança e não há jeito de que possamos nos esconder num bunker, com nossa comida desidratada e moedas de ouro,
e pensar que vai dar tudo certo. Temos
que sair para fora, de um jeito ou de outro,
e criar soluções.”
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Solidariedade Ibero-americana
México ameaçado pelo
caos, diz general Dauahare
Marivilia Carrasco
No último dia 12 de julho, o general Tomás
Ángeles Dauahare, ex-subsecretário de
Defesa Nacional do México, recebeu a
medalha Honoris Causa da Instituição
Nacional para a Celebração do Dia do
Advogado. A homenagem foi um reconhecimento pelos importantes serviços
prestados por ele ao país, além de um desagravo pelas “violações às garantias individuais dos mexicanos”, cometidas contra
ele, que foi arbitrariamente acusado e detido durante 11 meses, por acusações infundadas de ter vínculos com o cartel de
drogas dos irmãos Beltrán Leyva.
Em 17 de abril, um juiz federal ordenou a libertação de Dauahare, depois
que a Promotoria retirou as acusações e
arquivou o processo, deixando claro que
se tratou de um procedimento fraudulento, iniciado pelo governo do então
presidente Felipe Calderón. Dauahare é
o militar mexicano de patente mais alta
entre os que foram acusados de laços
com o narcotráfico e presos, em 2012,
por acusações de duas testemunhas protegidas que estavam sob custódia de autoridades dos EUA (Resenha Estratégica,
23/05/2012). Atualmente, todos encontram-se em liberdade.
Este é o preço pago pelo país, pela
subordinação dos seus últimos governos
aos acordos do NAFTA (Tratado de Livre
Comércio da América do Norte), que incluem cláusulas de segurança implementadas pelo Comando Norte das Forças
Armadas estadunidenses.
Se algo se pode extrair desses processos, eles puseram em evidência o fiasco
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do bizarro programa de “testemunhas
protegidas”, implementado no México
sob os auspícios do Departamento de Justiça e da Agência Antidrogas (DEA) dos
EUA, que passa por cima das leis mexicanas e do consagrado princípio jurídico
do devido processo legal. Desta forma, o
programa permite acusações “à la carte”
e abre caminho para vinganças políticas
como as que vitimaram Dauahare e seus
colegas militares, com grande impacto
para a imagem das Forças Armadas, anteriormente, a mais respeitada e admirada
instituição do país.
A fracassada política do governo de
Calderón colocou o Exército à frente de
uma guerra antidrogas carente de inteligência e de uma estratégia eficaz, permitindo a ingerência da DEA e da CIA
(Agência Central de Inteligência) no país.
Este fato foi, precisamente, apontado por
Dauahare, quando a Fundação Colosio
do Partido Revolucionário Institucional
(PRI) o convidou, em meio à campanha
eleitoral de 2012, a apresentar a sua avaliação sobre a situação de segurança do
país. Seis dias depois de ter externado a
posição de que a guerra contra o crime
organizado não tinha objetivos claros e
que não existia uma estratégia real, ocorreu a sua detenção, juntamente com a de
outros dois generais, em meio a severas
anomalias e irregularidades, um fato inédito na história mexicana.
Por ocasião da recente homenagem
recebida, Dauahare voltou a alertar o
novo governo sobre os riscos de se minimizar a crescente instabilidade social
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no país. Na oportunidade, ele afirmou:
“À margem do pacto social estabelecido
pela Constituinte de 1917, hoje, são moedas correntes as sedições, a simulação, a
calúnia, as diatribes, os enganos e a mentira, que semeiam desunião e ruptura.”
Assinalando o risco de que a situação desemboque em uma guerra civil,
o oficial citou um trecho do livro sobre
a Guerra Civil Espanhola, Todos fuimos
culpables (Todos fomos culpados), do historiador espanhol Juan Simeón Vidarte,
no qual este adverte: “Erros gigantescos
deram lugar à formação de um clima de
guerra civil, que imprevisões, imperícias
e paixões descontroladas em campos rivais
impediram que se evitasse.”
Nas palavras de Dauahare, “é um
fato que o México vive sob a ameaça do
caos, momentos de incertezas e turbulências negativas para a sociedade e as instituições da nossa Pátria”.
No mesmo evento, ele enfatizou
que, “onde há injustiça, senhores advogados, invariavelmente, há violência”.
E, ao mesmo tempo, sugeriu que os aspectos econômicos estão na origem do
descontentamento: “A informalidade,
um lastro conhecido da economia nacional durante décadas, está generalizada e
é percebida no descrédito da atividade
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O general Tomás Ángeles Dauahare, ao deixar
a prisão, em abril (El Universal)
política e na suplantação de atribuições
exclusivas dos organismos de governo,
de segurança e de justiça.”
“O México mudará, se lograrmos
que, em todo o território do país, cada um
faça a parte que lhe corresponde, para
reduzir as desigualdades e multiplicar as
oportunidades”, concluiu.
Em tempo: Dauahare, que estava na
reserva, foi reincorporado ao Exército,
como assessor do secretário de Defesa
Nacional, general Salvador Cienfuegos.
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Solidariedade Ibero-americana
Argentina e Brasil, hora de
encerrar torneio de sucata militar
Geraldo Luís Lino
O governo argentino está negociando a
compra de caças Mirage F1M, recentemente
desativados pela Força Aérea espanhola.
Segundo o jornal O Estado de S. Paulo (7/
08/2013), a transação envolveria 20 aviões,
peças e o treinamento de pilotos argentinos
pelos espanhóis, a um custo de 220 milhões
de dólares. As aeronaves, com 38 anos de
uso, se destinariam a substituir os poucos
aviões de combate restantes na Força Aérea
Argentina (FAA), um punhado de caças
Dassault Mirage IIIEA e Douglas A-4AR
Fightinghawk (este último uma versão ligeiramente melhorada dos A-4KU Skyhawk II
da Marinha do Brasil), adquiridos na década
de 1970. Apesar de justificada pelo comando
da FAA, para permitir a manutenção de um
mínimo de capacitação operacional dos
seus pilotos, a operação tem sido criticada
por políticos argentinos. Em sua página no
Facebook, o ex-ministro da Economia Roberto Lavagna condenou o gasto de 220
milhões de dólares em aviões tão usados,
advertindo para o risco de repetição de uma
anterior compra de vagões ferroviários portugueses para a estatal Ferrocarriles Argentinos, que se revelaram imprestáveis.
As chamadas “compras de oportunidade” de equipamentos militares desativados
pelos países mais avançados constituem
uma prática corrente das Forças Armadas
sul-americanas, sempre às voltas com orçamentos limitados. E as F.As. argentinas, em
particular, têm sofrido com um descaso deliberado por parte de sucessivos governos,
a partir do alinhamento “carnal” de Carlos
Menem (1989-1999) com potências extrahemisféricas com uma agenda de debilitação das instituições militares da região, e as
perseguições de cunho ideológico que têm
sido uma marca registrada do casal Néstor
e Cristina Kirchner, nos últimos dez anos.
No Brasil, a despeito do desenvolvimento
de alguns projetos de tecnologia de ponta,
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como a construção de submarinos de última geração e o avião de transporte KC390, as restrições orçamentárias têm levado os militares a recorrer rotineiramente a
tais aquisições. Um exemplo recente foi a
compra pelo Exército de 34 blindados antiaéreos alemães Gepard 1A2, adquiridos a
pretexto da segurança das competições esportivas que o País sediará até 2016, bem como
da visita do papa Francisco durante a Jornada Mundial da Juventude. Anteriormente,
o Exército havia adquirido 220 tanques
Leopard 1A5, também alemães. Ambos os
modelos já foram desativados pelos exércitos europeus nos quais operavam.
No início do ano, foi anunciado o interesse na compra de sistemas antiaéreos russos de última geração, mas até agora não
houve uma decisão formal a respeito.
Por sua vez, a MB também contribui
para essa competição de sucata, ao manter
o mais que obsoleto navio aeródromo São
Paulo (o antigo Foch francês, lançado ao
mar em 1960 e desativado pela Marinha
francesa em 2000) e os igualmente vetustos
caças Skyhawk comprados para operar
nele, dos quais 12 (dos 23 comprados no
Kuwait) estão sendo modernizados pela
Embraer, ao custo de R$ 106 milhões.
Igualmente, a força está gastando R$ 122
milhões para comprar e modernizar quatro
aviões Grumman C-1A Trader (retirados de
serviço em 1988 pela Marinha dos EUA),
para realizar tarefas de transporte e reabastecimento no São Paulo.
Uma utilização bem melhor para esses
recursos seria a construção de uma há muito
necessária segunda base para a MB no Nordeste ou Norte do País, contemplada na Estratégia Nacional de Defesa de 2008, mas
ainda sem previsão para concretização.
Percebe-se, assim, que os problemas da
defesa nacional não se limitam à miopia
estratégica da classe política em relação às
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necessidades do setor, sempre um dos favoritos para os cortes orçamentários efetuados
de forma recorrente pelo governo federal,
para cumprir os compromissos com o sempre prioritário serviço da dívida pública.
Em vários casos, ao se aferrar a concepções
sobre o emprego da força militar e de equipamentos que as rápidas mudanças políticas
e tecnológicas do cenário global têm colocado em questão, os planejadores militares
brasileiros também têm dado a sua contribuição para um uso menos adequado dos
recursos disponíveis.
Em lugar de investir em equipamentos
obsoletos e de utilidade questionável, as
F.As., tanto brasileiras como argentinas, deveriam fazer uma opção preferencial pelo
estado da arte, ainda que os equipamentos
sejam adquridos em menor quantidade, à
espera de dias melhores, favorecidos por
um amadurecimento das respectivas sociedades civis quanto às necessidades mínimas
da defesa nacional.
Igualmente, devem ser aproveitadas todas
as oportunidades para o engajamento das
indústrias nacionais e para projetos de cooperação bi ou multinacionais, a exemplo do
avião de treinamento básico Unasur-I, iniciativa da própria Argentina, cujo desenvolvimento foi aprovado, em maio, pelo Conselho de Defesa da União de Nações SulAmericanas (Unasul). Embora aparentemente modesto, trata-se de um projeto com
potencial para viabilizar iniciativas mais
ambiciosas, de maior conteúdo tecnológico,
além de representar um importante fator de
construção de confiança regional.
Outro interessante campo de cooperação é oferecido pelos VANTs (Veículos
Aéreos Não Tripulados), cuja importância
tende a crescer na substituição de aviões
convencionais em certas missões, principalmente, de reconhecimento e ataque leve.
Vários países da região têm projetos próprios de tais aeronaves e o Brasil já projeta
motores para elas.
Nesse contexto, o Brasil e a Argentina,
que já têm projetos conjuntos, como o jipe
militar Gaúcho e a participação da Fábrica
Argentina de Aviones (FAdA) no projeto
KC-390, podem pensar em voos mais altos,
em termos de capacitação tecnológica e
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estratégica. Um projeto de enorme alcance
seria o desenvolvimento de um satélite de
reconhecimento, que poderia ter múltiplas
funções militares e civis, como a vigilância
das zonas de exploração econômica exclusiva de ambos os países, no Atlântico Sul.
O projeto poderia, eventualmente, ser estendido a outros países da região e até mesmo
fora dela, como a África do Sul, parceira do
Brasil no grupo BRICS.
Da mesma forma, seria relevante dar
atenção à pesquisa e aplicação de novos
princípios físicos nos equipamentos militares, em um processo de interação entre
centros de pesquisa militares e civis, como
ocorre em países mais avançados. Em março
de 2012, o então ministro da Defesa da Federação Russa, Anatoly Serdyukov, anunciou que o planejamento estratégico do país
inclui “o desenvolvimento de armamentos baseados em novos princípios físicos:
armas de energia direta, armas geofísicas,
armas de energia de ondas, armas genéticas,
armas psicotrônicas etc”. O desenvolvimento de tais projetos deverá ficar a cargo
de uma agência especial, como a Agência
de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa (DARPA, na sigla em inglês) estadunidense (RIA Novosti, 22/03/2012). Em uma
escala mais modesta, o Brasil e a Argentina, em particular, dispõem de capacidades
científico-tecnológicas para uma iniciativa
similar, que poderia, por exemplo, dar a
partida em um projeto de pesquisas baseado na chamada “energia do ponto-zero”
(zero-point energy, em inglês) ou do vácuo
quântico, que tem sido objeto de numerosos estudos em vários países industrializados, em iniciativas de pesquisadores isolados e, provavelmente, nos laboratórios de
pesquisas sigilosas (black projects) de potências como os EUA.
Para os adeptos dos “negócios como
sempre”, algumas dessas propostas podem
parecer delirantes, mas nenhuma está fora
do alcance das capacidades argentinas e
brasileiras. No entanto, para concretizá-las,
será preciso um grande esforço de arejamento de concepções e de superação de velhas
inércias institucionais, para que se possa, de
uma vez por todas, deixar para trás esse incômodo torneio de sucatas militares.
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Solidariedade Ibero-americana
Uma denúncia
Clovis Ramalhete
N. dos E. – A seguir, por sua grande atualidade, reproduzimos um artigo do falecido
jurista Clovis Ramalhete (1912-1995) sobre
a política indigenista introduzida pela
Constituição de 1988, publicado no Jornal do Brasil de 30 de outubro de 1993.
Um dos grandes juristas da sua geração,
Ramalhete foi, entre outros cargos, juiz da
Corte Permanente de Arbitragem de Haia,
consultor-geral da República e ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF). O texto a
seguir merece a atenção dos leitores, em
especial, daqueles envolvidos nos aspectos
legislativos da política indigenista.
Esta denúncia, com vistas à revisão
constitucional, aponta aos congressistas o
exagero do constituinte de 88 ao tratar
de índios. Ele o fez com radicalismo. Este
capítulo da Constituição de 88 contém –
vejam só – ameaça à organização nacional, à
sua integridade e ao desenvolvimento.
Melhor será revogá-lo da Constituição. É o
que tentarei demonstrar, tão errada e sectária revela-se a política ali adotada.
É voz geral que ninguém leu toda a
Constituição de 88. Cada segmento da
sociedade leu o que lhe interessava. Mas
o capítulo sobre o índio, no final da
Constituição, este ninguém o leu, claro.
Por isso não se levantou a merecida opinião crítica ao texto. Ele é sectário, radical e antinacional.
Ninguém, político ou jurista, por ter
lido sobre os índios na Constituição de
88, já pasmou ao ver que eles agora se tornaram irremovíveis. E o são até mesmo no
caso de “interesse da soberania nacional”
(só lendo para acreditar!). Enquanto com
índio agora é assim, irremovível, o restante da população brasileira é deslocado
por ordem judicial, no caso de desapropriação. Arredam-se famílias para abrir nova
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rua. Até populações compactas são removidas, como no caso de hidrelétricas, necessárias, a serviço de áreas industriais e
de desenvolvimento. Mas índio, não; índio
está fincado ao solo pelo constituinte de 88.
Ninguém já ficou surpreso, só porque não
leu a Constituição, por ali saber esse fato
espantoso: no Brasil, para apenas 240 mil
índios existentes, estão destinados 793 mil
quilômetros quadrados, isto é, 26 vezes
mais que o território da Bélgica ou que a
soma da França com a Inglaterra. Pergunto: e o lavrador sem terra? É por efeito
desta Constituição de 88 que nossa Federação está esquartejada. Por mera portaria do ministro da Justiça vão sendo retalhados territórios dos estados para índios.
E tudo sem a audiência dos estados e sem
a intervenção do Congresso Nacional.
Agora, na Federação, estados são mutilados por portaria!
Pergunto, eu, e com indignação: que
federação é esta, a nossa? Nela, portarias
despedaçam estados! Ninguém protesta.
Governadores dos estados mutilados, senadores, deputados, onde estão? Reúnamse, reajam; a revisão da Constituição pode
curar esse aleijão.
Também ninguém ficou perplexo ao
saber que o subsolo pertence agora ao índio, onde habite; enquanto que, no território restante, ao fazendeiro só pertence a
superfície da terra, com pastos e matas; e
o subsolo é da União. Por que a diferença?
Talvez seja o cacique quem deva assinar a
concessão da exploração, mas com reserva do lucro, pois já lhe está assegurado
pela Constituição. Ninguém já leu, para
saber, que as tribos agora estão dotadas
de capacidade para ingressar em juízo.
Assim poderão, de dentro do estado, atacar a unidade do território do Brasil.
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1a quinzena de agosto de 2013
Ninguém se advertiu ainda que ali na
Amazônia, onde há tanto índio, pululam
Organizações Não-Governamentais, as
polêmicas ONGs, mais de trinta, financiadas por capital estrangeiro, agora tomado de suspeito idealismo quanto à ecologia da cobiçada Amazônia. Mas ninguém
se deu conta de que foi agora tornado possível pelo constituinte de 88, e de modo
expresso, que aventureiros, ONGs, missionários, algum patife e até idealistas fundem para índios sociedade que seja representativa da tribo. Tal entidade, então, iniciará na Justiça combate de toda ordem;
ou irá levar denúncias contra o Brasil, sem
base, difamatórias, apresentadas a órgãos
da OEA ou da ONU, talvez sobre suposto
genocídio, como se falou há pouco. E tudo
movido por pessoa jurídica fundada por
um qualquer, para índios. E terá base no
“direito originário” do índio à terra que
ocupa, movido por “pessoas jurídicas”
fantasmas: uma farsa perigosa. Leiam a
Constituição e confiram tudo isso no capítulo sobre índios, que entendo deva ser revogado, agora, na revisão constitucional.
De fato, diz a Constituição de 88, no
capítulo sobre o índio (capítulo que ninguém leu): “São reconhecidos aos índios
os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam!”
Vê-se logo que o constituinte errou.
Ele admitiu aos índios, agora, a atualidade de “direitos originários” às terras
que ocupam. Opôs tais “direitos” a tudo
quanto a história já construiu politicamente em terra brasileira, desde a chegada de Cabral. Nesta verba constitucional,
o constituinte de 88 declarou reconhecer
“direitos originários” às terras. Contrariou
então manifesto interesse brasileiro de que
a soberania do Brasil seja íntegra; e recobriu os índios também, sujeitos à ordem
jurídica nacional. Que é isso, agora, de
“direitos originários”?
Aos índios, é certo que devem ser assegurados seus costumes, e receberem eles a
proteção do Estado, permissiva da sua
aculturação. Entretanto, o tal “direito
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originário” às terras, este não existe mais.
Sua garantia atual opõe-se ao regime jurídico nacional vigente. Ele é produto dos
quatro séculos de processo formativo do
Brasil, nas sucessivas etapas da colônia,
da monarquia e da república.
O constituinte de 88, ao garantir aos
índios “direitos originários” às terras,
faz tardia objeção ao Direito Internacional do século XVI, que, no tempo das
navegações e “descobertas”, em definitivo concedeu a posse dos territórios
achados à soberania da coroa a que se sujeitasse o navegador, ainda que no território encontrado se deparasse com civilizações como a dos incas e dos maias.
A história já recobriu tudo.
Nas Américas, por efeito dessa ordem
jurídica seiscentista, aqui se instalaram
colônias. O processo de séculos, que se
seguiu, culminou constituindo Estados
soberanos, reconhecidos mundialmente.
Mas veio agora o constituinte de 88 e
tentou ressuscitar suposto “direito originário” deles à terra que ocupam. Reconheceu-o
e quis pô-lo em vigência. E, assim, desintegrou a organização nacional brasileira,
cirando perigos potenciais, para o pior.
A presente denúncia dirige-se ao
Congresso Nacional ocupado em rever a
Constituição de 88. Que alguém leia (até
que enfim!) esse danado capítulo dos índios. E, então, que o congressista ponha
na Constituição a garantia dos costumes
ao silvícola; a proteção dele pelo Estado,
sem interferência na sua cultura; e a possibilidade de ampara o natural processo
de sua aculturação.
Mas quanto aos supostos “direitos originários” às terras, e quanto a serem eles
irremovíveis, que seja apagado na Constituição esse erro, esse radicalismo de perigos potenciais. Há mais e mais demasias do
constituinte de 88 nesse fantástico capítulo sobre índios. Ele figura bem ao final da
Constituição. Por isso, ninguém o leu.
O melhor mesmo seria revogá-lo. A matéria é para lei ordinária, como já figura
no Estatuto do Índio.
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