Redenção

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Redenção
Redenção
A noite estava fria, e as crianças já tinham ido dormir. No entanto Elora ainda olhava
fixo para o horizonte, e as estrelas do céu refletiam o brilho em seus olhos. Ela ainda tinha
esperanças. Já não adiantava mais chorar. Mas ainda havia esperanças. Alguns já tinham
retornado sãos e salvos, porquê Wulf, seu marido não voltara? Tinha esquecido da promessa
feita à ela e seus filhos?
Uma última lágrima escorreu por sua face, quando decidiu ir dormir em sua tenda. Mas
olhou uma última vez. Seu coração se acendeu e palpitou forte quando ela viu um vulto se
esgueirando e vindo na noite. Reconheceu de longe a barba mal tratada e os longos cabelos
negros. Era ele. Desatou a chorar e, depois de alguns segundos, foi correndo abraçar seu
amado. Wulf retornara.
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O dia amanhecia na Terra Parda quando Elora acordou para buscar comida para seu
marido. Ele estava muito ferido, era verdade, mas estava vivo, e inteiro, e era isso que
importava. Muito fraco, mas vivo. No clã do Lobo Branco cada um exercia uma função. Os
pastores cuidavam das ovelhas e do gado. Alguns eram ferreiros, outros artesãos. As
mulheres geralmente tiravam leite das vacas toda manhã, colhiam às vezes, cuidavam dos
filhos e costuravam. Alguns caçadores buscavam comida mais longe, sempre acompanhados
de alguns guerreiros, caso encontrassem um clã rival ou algum "cabeça de palha". Elora fora
até a tenda de seu falecido irmão, cuja cunhada não parava de chorar a dias. A tristeza era
imensa e iria ficar estampada em seus olhos por ainda muitos invernos. Lothar morrera na
Batalha do Abismo de Helm, assim como muitos outros familiares e compatriotas. Morreram
com a esperança de reconquistar suas terras de volta e expulsar os invasores "cabeças de
palha" pra sempre. Mas a batalha, que parecia ganha, de uma hora para outra se tornou um
pesadelo, e o poderoso exército de Saruman sucumbiu às forças de Rohan e de um homem
que os liderara, o Rei dos Homens do Oeste, herdeiro de Gondor, aliado a poderosos
guerreiros, como Théoden, Rei de Rohan, e seu Marechal, Éomer e também a Gandalf, o
Branco.
O pior de tudo e o mais vergonhoso para muitos terra-pardenses sobreviventes foi o
PERDÃO dado a eles por Rohan. Eles não queriam o perdão, apenas suas terras de volta...
Alguns aceitaram com agrado, e até simpatizaram com os eorlingas, mas outros ainda buscam
vingança e desprezam qualquer perdão dos "cabeças de palha".
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Wulf acordara melhor. Sua mulher lhe preparara uma boa refeição. Seus ferimentos ainda
doiam, mas iam curar em breve.
- O que aconteceu Elora? Onde estão os outros sobreviventes? Dalth? Worth? Mullon?
Alfgar? Eu vi eles correndo... Eu vi eles...
- Acalme-se meu amor... Coma. Você ainda está fraco. Mas vai ficar bem melhor. Dalth e
Worth morreram ao chegar. Estavam muito feridos. Mullon está bem, mas Alfgar, seu irmão e
meu querido cunhado, nunca mais empunhará uma espada ou forjará uma arma. Está sem um
braço e com a outra mão inutilizada. Sinto muito...
- Malditos Cabeças de Palha! Nossos melhores guerreiros... Nossos amigos, parentes, e
até rivais unidos por um objetivo em comum! E nosso filhos... Deuses! Nossos filhos... - Um
choro irrompeu e Elora não se conteve também. Abraçou seu marido e lhe acariciou o rosto,
dando-lhe um beijo:
- Calma... Agora coma... Chorei a morte de nossos filhos por nós dois... Queria ter ido
lutar também. Nós mulheres somos amaldiçoadas. Temos que ficar nesse mundo e ver nossos
filhos e maridos morrerem nas guerras, apenas para chorarmos depois e vivermos uma vida
de tristeza.
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Uórn se opôs ao velho de manto marrom à sua frente, e gritou:
- Não queremos você aqui! Vá embora Mago!
- Vim aqui em paz, homem. - Respondeu Radagast, O Castanho. - O Rei de Rohan lhes
permitiu continuar vivendo em paz em suas terras, porquê guarda-lhe ainda ressentimento?
- Estas terras SÃO NOSSAS! Rohan é invasor! Os Cabeças de Palha invadiram. Não
acha certo pegarmos de volta o que SEMPRE foi nosso?
- Essa terra pertencia à Gondor, na verdade ao Reino Reunido, de Gondor e Arnor. E
ninguém nunca os tratou mal.
- Mentira! Quem deu soberania dessas terras à Gondor? Por quê eles tinham que "dar"
essas terras, que nem eram deles, aos Cabeças de Palha?
- Chega Uórn. - interveio Gond - E QUEM disse que essas terras nos pertenciam quando
nossos ancestrais se estabeleceram? E como você sabe se já não era dos soberanos de Gondor
muito antes DELES mesmo abdicarem aqui? Nós erramos em aceitar a proposta de Saruman.
Todos NÓS! Quem disse que o Mago Branco não iria nos trair depois e tomar nossas terras?
Ele é vil, e sorrateiro! Nos deu armas e armaduras, é fato, e alimentou nosso corações de
esperanças para expulsar os "invasores" eorlingas. Mas eu NUNCA confiei num Mago. Nem
confio em você agora aqui, Radagast, o Castanho. Mas nós temos que admitir que nossa vida
nunca foi ameaçada pelos cabeças de palha, ou pelos Gondorianos. Apenas Orcs que
desciam das montanhas nos atacavam, e nos uniam! Orcs, que Saruman uniu e comandou
contra Rohan! Orcs que talvez nos atacassem depois, caso tivéssemos vencido. Não Uórn,
NÓS erramos. Mandamos nossos filhos pra morte. Vendemos nossa alma. Deixamos
mulheres sem maridos, sem filhos... Sem esperanças...
Um silêncio irrompeu entre eles. Rasdagast suspirou. E perante as palavras de Gond,
outros se juntaram ao redor. Muitos outros. Alguns curiosos, outros sem entender nada.
- Ele está certo companheiros. E se vocês não se unirem agora e ajudar Gondor contra a
Sombra, suas terras não apenas serão tomadas, mas DESTRUÍDAS! O Inimigo usou vocês
como peões, e quando tiver vencido a principal defesa dos Homens do Oeste e destruído
Minas Tirith, marcharão por toda Terra Parda, matarão seus filhos, suas esposas... O Mundo
dos Homens estará perdido. Para sempre. A Sombra avança cada vez mais. E o domínio dos
homens cada vez mais chega perto de seu fim.
- Você MENTE Mago! - Brada Uórn - Se o Mago Branco nos enganou, como você
mesmo diz, como saberei que VOCÊ não está nos ludibriando também? Palavras não passam
de meras palavras. E por mim, Gondor pode ser detruído!
- Modere suas palavras! Se você não acredita em mim, espere sentado então. Espere
aqui, e fique para morrer! Se Gondor não sobreviver, Rohan, a Terra Parda e todos os
homens do oeste irão perecer!
Todos ficaram em silêncio. Radagast ainda tinha alguma esperança de conseguir ajuda
daquele povo. Eles não eram maus. Mas tinham ainda um grande ressentimento em relação
aos Eorlingas, e também a Gondor. Rohan se estabeleceu ali quando eles JÁ habitavam
aquelas terras. De certa maneira, os Rohirrim tomaram um pouco de suas terras, e eles
realmente tinham uma certa razão em reclamá-las de volta. Mas isso já havia acontecido há
tempos. E muitos pastores da Terra Parda até esqueceram esse ressentimento doentio.
- Pensaremos no que você nos disse Mago. Ainda não confiamos totalmente em você,
mas terá minha palavra, de Gond, filho de Thorn, que nos reuniremos essa noite e
decidiremos.
- Você é sábio, Gond, filho de Thorn. Espero que seus outros compatriotas também o
sejam. Bom, eu ainda tenho muito a fazer. Preciso alertar os outros clãs. Alguns vão ser
muito difíceis. Mas tentarei. Decidam com cautela, e muita sabedoria. É o destino dos Povos
Livres que está em jogo. Adeus.
E com essas palavras Radagast, O Castanho, se virou e foi embora.
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Os homens do Clã do Lobo Branco se reuniram no meio da noite. Muitas tochas e
fogueiras foram acesas. Wulf estava inquieto. Tinha melhorado. Elora insistira para que ele
não fosse, mas mesmo assim foi. Ele sabia que algo novo estava acontecendo? Será que os
clãs iriam se reunir para novamente atacar Rohan? Ou será que novamente Orcs desceram
das montanhas e estão rondando as vizinhanças?
- Wulf! que bom que está melhor amigo! Já pode empunhar uma espada?
- Acho que sim Uórn. Acho que sim. Mas não queria ter de fazer isso tão cedo!
- Nossos líderes enlouqueceram! Estão pensando em ajudar Gondor! Querem marchar
até Minas Tirith e forjar uma aliança contra a Sombra!
- O Quê? GONDOR! Gondor é aliado dos Cabeças de Palha! Eles que deram NOSSAS
terras aos Cabeças de Palha!
- Eu sei disso amigo. Eu sei. Mas um tal de Radagast veio até aqui e envenenou a mente
de nossos companheiros! Alguns pensam mesmo em ajudar Gondor.
- Isso não vai acontecer. Não hoje... - E dizendo essas palavras Wulf se apressa em
chegar ao centro do Conselho.
- Caros irmãos de armas! Irmãos de caçadas! Irmãos de plantio e colheita! Ouçam-me.
Não sei o que o Mago Castanho lhes disse, mas não devemos lhe dar ouvidos! Rohan e
Gondor são nossos inimigos! Saruman era nosso aliado, e apesar da derrota, AINDA o é!
Matamos juntos muitos Cabeças de Palha, e mataremos MUITO mais, unidos! Minha espada
ainda há de provar o sangue desses malditos muitas vezes. Não devemos acreditar em
mentiras!
- Como sabe que o mago nos mentiu? Como sabe que Saruman era de fato amigo nosso?
Ele já foi uma vez amigo de Rohan e Gondor e os traiu! Ele iria nos trair também. Saruman é
uma víbora!
- Você é ainda muito jovem pra falar isso Holdar, filho de Gond. - Respondeu Wulf Saruman nos deu armas e prometeu expulsar os invasores. E atacamos JUNTOS o Forte da
Trombeta e em momento algum ele faltou com sua palavra.
- Meu filho já é um homem Wulf. E você que está envenenado. Ainda está envenenado
por Saruman!
Uma ampla discussão se sucedeu. Muitos gritaram, outros se insultaram. Alguns até se
jogaram contra outros. Mas logo Gond gritou:
- PAREM! Chega! Vamos decidir logo, sem NOS MATAR! Muitos de nós ainda levam
cicatrizes eternas da nossa última guerra. Muitos de nós querem vingança contra os Cabeças
de Palha. Muitos de nós dariam a alma para destruir Rohan. Mas devemos ver que Rohan
NÃO NOS ATACOU! Saruman veio até nós e nos envenenou. Saruman nos fez ir à Guerra!
E se nós não tivéssemos nos iludido, ele próprio teria nos atacado. E nos destruído. Saruman
e Mordor são nossos inimigos! Dizem que Isengard foi destruída, e que homens-árvores
mantém Saruman detido em sua Torre. Dizem que esses Homens-árvore são pastores da
natureza, cuidam das florestas e das árvores que vivem nelas. Será que realmente Gondor e
Rohan são nossos inimigos? Será que Saruman nos ia dar a vitória ou nos trairia como ele fez
com seus antigos aliados?
O silêncio tomou conta do Conselho. Alguns susurros podiam ser ouvidos. Wulf cerrou
os pulsos. Não saberia o que fazer. Culpava os Eorlingas pela morte de seus filhos e por se
"apossarem" de suas terras. Mas se não fosse por Saruman seus filhos ainda estariam vivos.
Se não fosse por Saruman, seu irmão estaria vivo. Eles atacaram Rohan. Talvez fora o maior
erro de sua vida. Ter se juntado aos Exércitos de Isengard. Talvez tivera sido o maior erro de
seu povo.
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Já era manhã na Terra Parda. Dias se passaram desde a derrota no Abismo de Helm.
Elora olhava para Wulf no campo, sempre com uma expressão triste.
- Meu amor, porquê pensas tanto? Há dias não te vejo sorrir...
- Elora... Como vou sorrir? Meus filhos estão mortos... Meu irmão querido também. E
meu povo se prepara para ajudar os responsáveis por sua morte. Como posso estar feliz?
- Talvez os Cabeças de Palha não sejam nossos inimigos. A Guerra traz sofrimentos para
ambos os lados. Quantas esposas deles você não deixou viúvas? Quantas mães terão que
chorar a morte de seus filhos, filhos que você TALVEZ TENHA MATADO? E você
mesmo me disse que matou o assassino de nossos filhos em combate. Você mesmo o matou.
Por quê culpar todo um povo?
Wulf ficou pensativo... Cada vez mais os dias se tornavam menores. Cada vez mais a
noite se tornava maior. Cada vez mais a Sombra avançava. Alguns clãs se oporam ao desejo
de marchar contra a Sombra. Alguns se desentenderam. Na noite anterior alguns Terrapardenses lutaram entre si. Sangue foi derramado. Outros clãs nem se manifestaram. Mas a
maioria, inclusive o Lobo Branco marcharia no dia seguinte, com a Aliança dos Clãs, rumo às
Minas Tirith. Dessa vez não como inimigo, mas como aliado! O Mago Castanho tinha dado a
eles alguns estandartes com a bandeira da Árvore Branca, para avisar que eram amigos.
- Elora... - deu um suspiro - Prepare minha espada! Prepare minhas coisas. Amanhã irei
marchar junto com meus compatriotas rumo ao fim deste mundo! - E finalmente deu um
sorriso de leve.
- O quê? Como me DIZ isso? Vai à guerra? Você não precisa ir! Pode aceitar Rohan e
Gondor como aliados, mas não precisa ir!
- Irei. E caso não volte, saiba que a amo muito. E que dessa vez lutarei uma luta justa e
que realmente vale a pena. Lutarei pra libertar essas terras da Sombra! Lutarei pra manter
você sã e salva.
- Você volta não? PROMETE que volta! - e seus olhos derramaram lágrimas. Ele não
respondeu. Só olhou e caminhou até sua tenda. Durante a noite, tiveram uma longa e
demorada noite de amor. Como se fosse a última. E no final, choraram.
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Wulf marchou com seus compatriotas. Marcharam rumo às Minas Tirith. Foram
recebidos como aliados muito bem vindos pelo Rei Elessar e o agora Rei Éomer de Rohan. A
Batalha dos Campos de Pelennor já havia chegado ao fim. Mas marchariam ainda rumo ao
Portão Negro, onde Wulf travaria sua última batalha, ao lado dos Homens do Oeste. Wulf e
muitos bárbaros da Terra Parda morreram na batalha, Frodo e Sam destruíram o Um Anel, e
Sauron foi derrotado. Os Terra-pardenses sobreviventes foram poucos, e retornaram
vitoriosos a sua terra e com a amizade do rei Elessar e do rei Éomer, e também do Prícipe
Imrahil de Dol Amroth e do Príncipe Faramir, de Ithilien. Gondor e Rohan não esqueceram a
ajuda desses bravos e anônimos guerreiros, que esqueceram seus ressentimentos e deram suas
vidas para salvar os Povos Livres do Oeste.
FARAMIR DE GONDOR

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