Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

Transcrição

Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)
Rui Penha
GUIA DE DIREITOS REAIS EM TIMORLESTE
Sumários desenvolvidos das aulas ministradas ao III Cursode
Magistrados e Defensores Públicos no CFJ 2008/2009
Tribunal de Recurso
CFJ - Centro de Formação Jurídica
2012
Ficha Técnica:
Título: Guia de Direitos Reais em Timor-Leste
Autor: Rui Penha
Edição: Tribunal de Recurso/Centro de Formação Jurídica
Dili, Junho de 2012
Tiragem:
2
DIREITOS REAIS1
I – DEFINIÇÕES E CARACTERÍSTICAS
1. Definição
Direito real é o poder que se exerce sobre uma coisa e que se
traduz na possibilidade de exigir de todos os outros indivíduos o respeito
do exercício desses poderes sobre a coisa.2
Ana Prata define o direito real como “um direito subjectivo que
recai directamente sobre as coisas ou realidades a elas juridicamente
assimiladas, conferindo ao seu titular poderes sobre elas e o direito de
exigir de todos os outros uma atitude de respeito pela utilização que
delas faça, de acordo com os poderes que o direito lhe confere”.3
No plano interno o direito real caracteriza-se pelo tipo de
poderes que podem ser exercidos sobre a coisa. Por exemplo, direitos
reais de gozo ou de garantia.4
No plano externo o direito real caracteriza-se pelo poder de
exigir dos outros a obrigação passiva universal, o respeito pelo direito
em concreto, nomeadamente, os direitos de propriedade, de usufruto, de
servidão, de aforamento. Os direitos reais têm eficácia erga omnes. Ou
1
O presente texto segue as regras do acordo ortográfico aprovado para adesão pela
Resolução do Parlamento Nacional nº 14/2009, de 6 de Maio, mantendo-se, no entanto,
a redação constante dos textos reproduzidos.
2
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 15, a propósito da origem histórica da
expressão refere que a mesma deriva da figura actio in rem que se dirigia contra uma
coisa, por contraposição à actio in persona que se dirigia contra uma pessoa.
3
Prata, Dicionário Jurídico, 2005, pág. 439.
4
Nos direitos reais de gozo as coisas objecto do direito são afectadas a que os seus
titulares retirem delas utilidades, será o caso do direito de propriedade. Nos direitos
reais de garantia as coisas objeto do direito são afetadas a que os seus titulares possam
obter o cumprimento de uma obrigação, pelo valor dessas coisas ou pelos seus
rendimentos, com preferência sobre os demais credores dos titulares dessas coisas,
como acontece com a hipoteca (Duarte, Curso de Direitos Reais, 2007, pág. 19).
3
seja, os direitos reais individuais são impostos a todos os indivíduos, que
têm que os respeitar.5
Assim, Carvalho Fernandes conclui que é adequado defini-lo
como “o poder jurídico absoluto, atribuído a uma pessoa determinada
para a realização de interesses jurídico-privados, mediante o
aproveitamento imediato de utilidades de uma coisa corpórea”.6
Rui Pinto sublinha a necessidade de definição do direito real
através das suas características próprias, para concluir que “o direito real
é uma situação jurídica activa através da qual se faz a afectação de
coisas de modo inerente aos interesses de uma pessoa individualmente
considerada”.7
Já Rui Pinto Duarte critica a própria definição de direito real,
concluindo que não há uma definição que possa caracterizar todos os
direitos reais, uma vez que a definição de direito real foi construída a
partir do direito de propriedade, mas a mesma não se adequa a todos os
outros direitos reais.8
5
Dispenso-me da análise das várias teorias sobre a natureza dos direitos reais
(nomeadamente as teorias clássica ou realista e moderna ou personalista) e recomendo
sobre o assunto a leitura da monografia de Diana Gomes Carvalhinho, Direitos Reais:
Noções Gerais, in “Revista Jus Navigandi”, ano 10, nº 739, Teresina (Brasil), 14 Julho
2005 (igualmente acessível em www.juspodivm.com.br), na qual refere: “Existem,
pelo menos, duas formas radicalmente opostas de conceber os direitos reais e de
contrapô-los aos direitos pessoais: a teoria clássica ou realista e a teoria moderna ou
personalista. Em síntese, para a teoria clássica ou realista, os direitos reais devem ser
vistos como um poder direto e imediato sobre a coisa, enquanto os direitos pessoais
traduzem uma relação entre pessoas, tendo por objeto uma prestação. Por outro lado,
os defensores da teoria moderna ou personalista sustentam, basicamente, que o direito
real não reflete relação entre uma pessoa e uma coisa, mas, sim, relação entre uma
pessoa e todas as demais”.
6
Fernandes, Lições de Direitos Reais, 2007, pág. 48.
7
Pinto, Direitos Reais de Moçambique, 2006, págs. 47-57.
8
Duarte, Curso de Direitos Reais, 2007, pág. 323.
4
2. Princípios característicos dos direitos reais
São características fundamentais dos direitos reais: eficácia
absoluta, inerência, sequela, preferência, tipicidade, transmissibilidade,
elasticidade, publicidade, e consensualidade.9
2.1 Princípio da eficácia absoluta
Como resulta da própria definição do direito de propriedade, a
principal característica dos direitos reais é a sua eficácia absoluta.10
Quer isto dizer que os direitos reais são oponíveis erga omnes,
atribuindo ao seu titular o poder de exercê-los em face de quem quer que
seja e, em contrapartida, impondo a todas as pessoas, indistintamente
consideradas, o dever de respeitar o seu exercício.11
A posição do titular estabelece-se com a coisa objeto do seu
direito, sendo independente de quaisquer outras pessoas. O titular do
direito pode exigir o seu respeito de todas e quaisquer outras pessoas.
Ou seja, conforme acentua José de Oliveira Ascensão, “tem uma posição
independente, um poder no seio da ordem jurídica”.12
Os direitos reais são absolutos não porque não sofram quaisquer
restrições, mas porque obrigam toda a sociedade a um dever de
abstenção, o dever de não perturbar o seu exercício por parte do sujeito
ativo (o titular do direito).
Sobre esta matéria estabelece o art. 572º do Código Civil
Indonésio (CCI)13 que se presume que a propriedade está livre de
9
Não é obviamente uma enumeração completa ou sequer comummente aceite, a
essencialidade das características dos direitos reais é apresentada de forma diversa por
diversos autores.
10
Este não é contudo entendimento unânime, conforme Menezes Cordeiro, Direitos
Reais, 1993, págs. 302 a 311.
11
Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 44. Veja-se ainda Fernandes, Lições de
Direitos Reais, 2007, pág. 54.
12
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 613.
13
Forma como se referirá sempre o Código Civil Indonésio recebido como legislação
nacional timorense nos termos das disposições conjugadas dos arts. 165º da
Constituição da RDTL, 3º, nº 1, do Regulamento da Untaet nº 1/1999, e 1º da Lei nº
2/2002, este com a interpretação expressa pelo art. 1º da Lei nº 10/2003, de 10 de
Dezembro. O regime jurídico indonésio iniciou a sua vigência no território nacional
5
qualquer reclamação. Um indivíduo que reclame algum direito sobre os
bens de outro indivíduo será obrigado a provar o direito que invoca.14
Por sua vez, estabelece o art. 1227º do Código Civil de TimorLeste15 que, o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos
de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos
limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.
2.2 Princípio da inerência
A inerência é uma consequência da eficácia absoluta dos direitos
reais, e traduz-se na aderência do direito real à coisa que constitui seu
objeto, justificando, em última análise, a oponibilidade erga omnes. Ou
seja, a coisa continua a ser objeto do mesmo direito real, ainda que se
verifique a sua transmissão, independentemente do número que vezes
que ocorra tal transmissão.
Salienta José de Oliveira Ascensão, “O fenómeno é muito
significativo no que diz respeito aos direitos reais menores, que
como consequência natural da integração naquele país, iniciando-se a sua vigência de
facto com a invasão, ou, pelo menos a constituição do primeiro do governo provisório
de Timor-Leste em 17 de Dezembro de 1975, tendo sido formalizada a integração do
território de Timor-Leste na Indonésia através da declaração do Presidente da
República da Indonésia de 17 de Julho de 1976. Por acórdão do Tribunal de Recurso
de 26-2-2013, processo nº 01/Cível/Apelação/2009/TR, relator Rui Penha, decidiu-se
que O art. 4º das normas revocatórias que antecedem o articulado da Lei Agrária
Indonésia nº 5/1960, revoga expressamente o Livro II do CCI, mas apenas na parte
referente ao solo, água e recursos naturais, ou seja, apenas na parte respeitante ao
domínio público do Estado. Quanto ao resto a revogação só se concretizou
tacitamente, ou seja, na medida em que tenha havido regulamentação diversa da que
existia anteriormente.
14
“Tiap-tiap hak milik harus dianggap bebas adanya. Barangsiapa membeberkan hak
atas kebendaan milik orang lain, harus membuktikan hak itu”, da versão em inglês,
“Article 572. Each property shall be presumed to be free of any claim. An individual
who claims any right to another individual’s assets, shall be obliged to prove that
right”.
15
Aprovado pela Lei nº 10/2011, de 14 de Setembro, com entrada em vigor a 12 de
Março (art. 19º da Lei), a que se passará a referir apenas como Código Civil.
Relativamente ao direito sobre bens imóveis, apenas tem aplicação o novo Código
“após o reconhecimento ou atribuição dos primeiros títulos de direito da RDTL” (art.
3º da Lei).
6
subsistem íntegros, não obstante toda a disposição efectuada pelo titular
do direito real maior”.16
Por exemplo, o titular do direito de superfície sobre um imóvel
mantém o seu direito inalterado, mesmo que se verifiquem várias
transmissões do direito de propriedade sobre o imóvel objeto do seu
direito. Igualmente, o usufruto mantém-se ainda que o proprietário de
raiz aliene o seu direito de propriedade, etc.
2.3 Princípio da sequela (Direito de sequela ou de
seguimento)
A sequela é uma prerrogativa, característica ou faculdade dos
direitos reais, igualmente resultante do seu carácter absoluto.
O direito segue a coisa, persegue-a, acompanha-a, podendo
fazer-se valer seja qual for a situação em que a coisa se encontre. Ou
seja, ainda que outra pessoa se aproprie da coisa, o titular do direito real
pode sempre exercer sobre a coisa os poderes correspondentes ao seu
direito.17
No caso de alguém furtar um bem imóvel, o seu proprietário não
deixa de poder exigir a sua devolução de quem o venha a adquirir e
deter. A hipoteca mantém-se inalterada ainda que o devedor venda o
imóvel dado de garantia.
16
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 50.
A este propósito veja-se o art. 621º do CCI (“Setiap pemegang besit suatu barang tak
bergerak, dapat minta kepada pengadilan negeri di daerah tempat barang itu terletak,
untuk dinyatakan sebagai pemiliknya. Ketentuan-ketentuan perundang-undangan
tentang hukum acara perdata mengatur cara mengajukan permintaan demikian”, na
versão em inglês: “Any individual may have his property title to immovable assets,
which he owns, acknowledged by the court of justice, within whose legal jurisdiction
the assets are located”). Veja-se igualmente o art. 1234º, nº 1, do Código Civil: “O
proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o
reconhecimento do seu direito de propriedade”.
17
7
2.4 Princípio da preferência (Direito de preferência ou de
prevalência)
Traduz-se na circunstância de os direitos reais constituídos sobre
uma coisa prevalecerem sobre os direitos de crédito incidentes sobre
essa coisa e sobre os direitos reais posteriormente constituídos sobre a
mesma coisa, que se revelem total ou parcialmente incompatíveis com o
inicial.18
Por exemplo, um direito real de garantia, como seja uma
hipoteca, permite ao seu titular obter o pagamento do crédito garantido
por tal direito em primeiro lugar, em prejuízo de um credor que não
tenha o seu crédito garantido por um direito semelhante. Igualmente a
primeira hipoteca, ou seja registada em primeiro lugar,19 confere ao seu
titular prevalência sobre o credor detentor de hipoteca registada
posteriormente.
Trata-se igualmente de característica resultante do carácter
absoluto dos direitos reais.
2.5 Princípio da tipicidade
Os direitos reais estão sujeitos ao princípio da tipicidade ou do
numerus clausus. Ou seja, não podem existir outros direitos reais para
além daqueles que estão tipificados na lei, nem podem ser criados pelos
particulares direitos reais com conteúdo diferente dos que estão
legalmente regulados.
Dessa forma percebemos que um direito real é um direito
tipificado normativamente, isto é, para que um direito se qualifique
como real, antes de tudo ele tem que estar elencado na lei, delimitado
legalmente.
Assim, os tipos de direitos reais e respetivos conteúdos devem
encontrar-se pré-determinados e descritos na lei.
18
Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 62.
Importa referir que no caso de hipotecas sobre imóveis o registo é constitutivo do
direito – art. 621º do Código Civil: “A hipoteca deve ser registada, sob pena de não
produzir efeitos, mesmo em relação às partes”.
19
8
O princípio da tipicidade está expressamente consagrado no
artigo 1228º do Código Civil.20
Já o CCI,21 à semelhança da generalidade dos sistemas jurídicos
da altura não consagra expressamente este princípio, sendo seguro,
porém, que se regulam de forma expressa todos os direitos reais
considerados admissíveis pelo ordenamento jurídico.22 Esta preocupação
é ainda mais evidente na Lei Agrária de 1960,23 conforme se pode ver da
redação dada ao artigo 16º, nº 1.24
2.6 Princípio da especialidade
Os direitos reais devem ter por objeto coisas individualizadas,
coisas determinadas. Acrescenta o artigo 1224º do Código Civil, que só
as coisas corpóreas, móveis ou imóveis, podem ser objeto do direito de
propriedade regulado no Código.25
Por outro lado, o direito real que incide sobre uma coisa é
diferente do direito real, ainda que porventura igual, que incida sobre
outra coisa.
O facto de o direito dever incidir sobre uma coisa determinada
não impede que, por exemplo, possa incidir sobre uma universalidade.26
Acentuam Álvaro Moreira e Carlos Fraga, “Está visto que as coisas
colectivas, revistam elas a fisionomia de coisas compostas ou de
universalidade de facto, são compatíveis como objecto de direitos reais,
20
Artigo 1228º (Numerus clausus): 1. Não é permitida a constituição, com carácter
real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito senão
nos casos previstos na lei; toda a restrição resultante de negócio jurídico, que não
esteja nestas condições, tem natureza obrigacional.
21
Toda a restante legislação indonésia a que se faça referência neste texto é legislação
recebida internamente nos termos das disposições legais referidas na nota 7.
22
Veja-se o art. 528º do CCI.
23
Lei nº 5 de 1960 (UUPA) (Undang Undang No. 5 Tahun 1960 Tentang: Peraturan
Dasar Pokok-pokok Agraria).
24
“Hak-hak atas tanah sebagai yang dimaksud dalam pasal 4 ayat (1) ialah …” (Na
versão em inglês: “The rights on land as meant in paragraph (1) of Article 4 are as
follows …”).
25
No mesmo sentido o artigo 519º do CCI.
26
A definição das coisas compostas será efectuada infra a propósito da distinção das
coisas.
9
com a ideia de que estes têm de ter como objecto uma coisa certa e
determinada. Isto, porque a universalidade ou a coisa composta são –
elas próprias – uma forma de determinação ou de individualização”.27
2.7 Princípio da transmissibilidade
Como qualquer direito patrimonial o direito real é transmissível.
Significa isto que a ligação entre o direito e o seu titular é cindível, pode
ser quebrada por vontade do titular ou por outra causa. Esta
característica traduz no fundo a alienabilidade e a hereditabilidade dos
direitos reais.28
Característica que se encontra particularmente acentuada no CCI
que inclui as normas relativas às sucessões por morte no seu Livro
Dois,29 que tem por título Coisas, e que regula apenas a matéria
respeitante aos direitos reais e a sucessões.30
2.8 Princípio da elasticidade
No caso dos direitos reais onerados ou limitados (por exemplo
por usufruto, servidão, hipoteca), a extinção do direito real menor faz
expandir o direito real principal, reconstituindo-se a propriedade plena
do direito. Conforme referem Álvaro Moreira e Carlos Fraga, “sempre
que estamos perante um direito real limitado, concorrem dois direitos
sobre o mesmo objecto: o direito de propriedade e o direito real limitado
a certas utilidades da coisa”; há uma concorrência de direitos.31 Assim,
se o direito real menor se extinguir, há uma imediata restauração da
propriedade plena do direito de propriedade.32
27
Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 100.
Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, págs. 103 e 104.
29
Capítulos XII a XVIII, arts. 830º a 1130º.
30
A este propósito veja-se ainda o art. 20º, nº 2, da Lei Agrária Indonésia (UUPA)
(“Hak milik dapat beralih dan dialihkan kepada pihak lain”, na versão em inglês: “A
Hak milik can change hands and be transferred to other parties”).
31
Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, págs. 113 e 114.
32
Veja-se o art. 20º, nº 1, da Lei Agrária Indonésia (UUPA) (“Hak milik adalah hak
turun-menurun, terkuat dan terpenuh yang dapat dipunyai orang atas tanah”, na versão
28
10
2.9 Princípio da publicidade33
A constituição ou transferência de um direito real deve ser
efetuada de forma pública, de modo a ser conhecida de todas as
pessoas.34
Esta necessidade de publicidade implica a obrigação do uso de
forma especial (a escritura pública) para a celebração dos contratos que
impliquem a constituição ou disposição de direitos sobre imóveis,
nomeadamente a sua alienação (art. 617º do CCI35 e art. 808º do Código
Civil36).37
Relativamente ao registo dos atos de oneração ou disposição
sobre bens imóveis o Código Civil não lhe atribui efeito constitutivo,
pelo que os atos efetuados com observância do formalismo legal
produzem imediatamente efeitos jurídicos.38 Ou seja, o adquirente passa
em inglês: “A Hak milik (right of ownership) is the inheritable right, the strongest and
fullest right on land which one can hold”.
33
Sobre a questão do princípio da publicidade nos direitos reais veja-se André Gonçalo
Dias Pereira, A Característica da Inércia dos Direitos Reais: brevíssima Reflexão sobre
o Princípio da Publicidade, 2008, págs. 13-30.
34
Embora a questão do registo das situações jurídicas e das transmissões dos bens se
tenha colocado essencialmente relativamente aos bens imóveis, existem bens móveis,
nomeadamente, os veículos automóveis, relativamente aos quais a questão da
necessidade do registo se tem colocado.
35
“Semua akta penjualan, penghibahan, pembagian, pembebanan atau
pemindahtanganan barang tak bergerak harus dibuat dalam bentuk otentik, atas
ancaman kebatalan”, na versão em inglês: “All deeds, by virtue of which immovable
assets are disposed of, bequeathed, distributed, encumbered, or transferred, shall be
rendered invalid unless drawn up in an authentic form”.
36
“O contrato de compra e venda de bens imóveis só é válido se for celebrado por
escritura pública”.
37
Nos termos do art. 15º do Decreto-Lei nº 27/2011, de 6 de Julho, Regularização da
Titularidade de Bens Imóveis em Casos Não Disputados, “são revogadas todas as
normas de direito indonésio actualmente em vigor em Timor-Leste que regulem a
forma de transmissão de direitos reais, quando aplicáveis aos bens imóveis já sujeitos
ao procedimento de registo, previsto neste diploma”.
38
Importa contudo ter presente que, normalmente, a precedência do registo pode ter
consequências jurídicas importantes, devido ao princípio da protecção de terceiros de
boa fé, no caso de nova alienação de imóvel por quem já havia alienado o mesmo
anteriormente a outrem.
11
a ser proprietário do imóvel, independentemente da entrega do imóvel
ou do registo.39
O CCI impõe um regime de efeito constitutivo do registo ao
determinar que a transferência do direito efetuada por escritura pública
só se efetiva com o registo da mesma.40 Mais exige que a prova da
venda só possa ser efetuada mediante certidão do registo,41 assim se
reforçando o princípio da publicidade do ato.42
A mesma preocupação de publicidade resulta ainda do disposto
no art. 19º da Lei Agrária Indonésia.43 Porém, por se tratar de uma
norma programática dirigida ao próprio Governo da República da
Indonésia, não se afigura que a mesma tenha aplicação na RDTL.
O art. 15º do Decreto-Lei nº 27/2011, de 6 de Julho,
Regularização da Titularidade de Bens Imóveis em Casos Não
Disputados, veio revogar as normas de direito indonésio atualmente em
vigor em Timor-Leste que regulem a forma de transmissão de direitos
39
Princípio da consensualidade (a constituição e transmissão dos direitos reais
resultam do contrato, não sendo exigida a tradição da coisa).
40
Art. 616º “Penyerahan atau penunjukan barang tak bergerak dilakukan dengan
pengumuman akta yang bersangkutan dengan cara seperti yang ditentukan dalam pasal
620” (“The delivery or order of immovable assets shall be effected by publication of
the deed, in the manner stipulated in article 620”).
41
“Tiap petikan dalam bentuk biasa dari rol atau daftar kantor lelang, guna
membuktikan penjualan barang yang diselenggarakan dengan perantaraan kantor
tersebut menurut peraturan yang telah ada atau yang akan diadakan, dianggap sebagai
akta otentik” (“Evidence of the sale of the assets shall be in the form of excerpts from
the roll or registers of the auction department in the customary format effected with the
assistance of the aforementioned department”) (art. 617º); “Dengan mengindahkan
ketentuan-ketentuan yang tercantum dalam tiga pasal yang lalu, pengumuman
termaksud di atas dilakukan dengan memindahkan salinan otentik yang lengkap dari
akta otentik atau surat keputusan hakim ke kantor penyimpan hipotek di lingkungan
tempat barang tak bergerak yang harus diserahkan itu berada, dan dengan
mendaftarkan salinan ini dalam daftar yang telah ditentukan” (“the public notification
shall take place:- by submitting to the office of the registrar of the mortgages within
whose area the immovable assets to be delivered or ordered are located, an authentic
and complete copy of the authentic deed or of the judgment, and by the recording of
the copy in the register designated thereto”) (art. 620º).
42
O mesmo se aplica aos casos previstos nos arts. 617º a 619º ainda do CCI.
43
“Untuk menjamin kepastian hukum oleh Pemerintah diadakan pendaftaran tanah
diseluruh wilayah”, na versão em inglês: “To guarantee legal certainty, the
Government is to implement land registration throughout the whole territory …”.
12
reais, quando aplicáveis aos bens imóveis já sujeitos ao procedimento de
registo, previsto neste diploma. Ou seja, uma vez efetuado o registo nos
termos do diploma em questão, não importa mais averiguar se o titular
inscrito adquiriu o direito mediante escritura pública ou por outra forma,
valendo apenas o registo efetuado nos termos de tal diploma. Tem assim
tal registo efeito constitutivo, independentemente de qualquer título que
lhe esteja subjacente.44
A obrigação da escritura pública, embora não do registo,
encontra-se ainda consagrada no Regime Jurídico do Notariado
(Decreto-Lei nº 3/2004, de 4 de Fevereiro), nos termos do disposto no
seu art. 37º, nº 2, al. a).
Igualmente a proposta de Lei de Regime Especial Para a
Definição da Titularidade dos Bens Imóveis (mais conhecida como
Projecto de Nova Lei das Terras),45 ainda em apreciação pelo
Parlamento Nacional, manifesta iguais preocupações de publicidade
(além do reconhecimento ou atribuição de direitos).46
3. O registo
O registo predial é forma de expressão máxima do princípio da
publicidade supra referido.
O registo permite conhecer a situação exata dos bens imóveis,
nomeadamente a titularidade do direito de propriedade e encargos que
possam onerar o direito, para que o potencial adquirente do bem tenha
conhecimento exato de todos.47
No dizer de Oliveira Ascensão, “teve-se sobretudo em vista
evitar a possível existência de ónus ocultos, que entravariam a
circulação dos bens”.48
44
Sobre esta questão veja-se análise do diploma em causa infra.
Termos em se passará a designar tal projeto.
46
“A presente lei estabelece o regime especial para a definição da titularidade
imobiliária por meio do reconhecimento e da atribuição de primeiros direitos de
propriedade de bens imóveis da República Democrática de Timor-Leste” (art. 1º, nº 1).
47
Veja-se o preâmbulo do Decreto-Lei nº 27/2011, de 6 de Julho, Regularização da
Titularidade de Bens Imóveis em Casos Não Disputados.
48
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 333.
45
13
Daí que o registo sempre tenha sido entendido como necessário
para que o seu beneficiário possa opor o direito a terceiros. 49 Ou seja, o
fim do registo é manifestar o estado jurídico da propriedade.50
O registo faz-se mediante a descrição do prédio, para sua
identificação, e a inscrição de todos os atos que o possam afetar (como
as escrituras de compra e venda do mesmo, doações, constituição de
usufruto, de servidões, hipotecas, etc.).51
Relativamente aos atos praticados no período da colonização
portuguesa ou ocupação indonésia a questão não se coloca, sendo
obrigatória a formalidade da escritura pública.52 Quanto ao registo, nos
termos do art. 949º do Código Civil Português de 1867, entre outros,
estavam sujeitos a registo “as transmissões de propriedade immovel, por
título gratuito ou oneroso” (§ 4º).53
O registo, tal como se veio a manter posteriormente (enquanto
vigorou a legislação portuguesa), visava apenas dar publicidade ao ato e
não tinha natureza constitutiva. Assim, se António vendesse, por
49
Ou seja, ainda que o registo não seja constitutivo, o registo faz com quem contrata
com base no mesmo e regista o seu direito seja protegido relativamente a situações
jurídicas, nomeadamente anteriores transmissões do imóvel ou constituição de ónus
sobre o mesmo, que não se encontrem devidamente registados.
50
Ferreira, Codigo Civil Portuguez Anotado, vol. II, 1870, pág. 442.
51
De acordo com o estabelecido no art. 2º, als. g) e h), do Decreto-lei nº 12/2008, de
30 de Abril (Estatuto Orgânico do Ministério da Justiça), são atribuições do Ministério
da Justiça: organizar e prestar serviços de administração e cadastro de bens imóveis em
todo o território nacional, promover as medidas de implementação necessárias à gestão
do património imobiliário do Estado e estabelecer e garantir os serviços de registo e de
notariado.
52
Art. 875º do Código Civil Português de 1966, e o art. 617º do CCI. No âmbito do
Código Civil Português de 1867, a compra e venda e a doação de bens imóveis teria
que ser realizada mediante escritura pública, ou, pelo menos, mediante escrito
particular, no caso de imóveis com valor inferior a cinquenta mil réis (para a compra e
venda o art. 1590º e para as doações o art. 1459).
53
O Código Civil Português de 1867 (conhecido por Código Civil de Seabra) vigorava
em todo o território de Portugal, incluindo as chamadas províncias ultramarinas, onde
se incluía Timor-Leste, desde 18 de Novembro de 1869, conforme o art. 1º do Decreto
de 18 de Novembro de 1869, que determinou a sua aplicação imediata a todo o
território ultramarino, independentemente da sua publicação nos Boletins Oficiais dos
diversos territórios (art. 2º).
14
escritura pública de compra e venda, um prédio a Bernardo, ainda que
este não registasse tal aquisição do direito, podia sempre impor o
mesmo contrato ao António, uma vez que este se encontrava vinculado
pelo contrato celebrado, não podendo opor-se António invocando o
facto de no registo estar ainda inscrito como titular do direito de
propriedade.
Porém, se António vendesse de novo o mesmo prédio a Carlos,
procedendo este ao registo da sua aquisição, sem que o Bernardo o
fizesse antes, então o Carlos poderia opor ao Bernardo o registo para
ficar ele com o prédio. É que, quando adquiriu o prédio, por imposição
do princípio da publicidade, tudo se passou como se António fosse o
dono do mesmo. Resta a Bernardo exigir uma indemnização a António
por ter alienado o prédio que lhe havia vendido a ele.
Ou seja, relativamente a terceiros os títulos sujeitos a registo só
produzem efeitos desde que sejam efetivamente registados (art. 951º do
Código Civil de Seabra).54
Este regime manteve-se inalterado após a entrada em vigor do
Código Civil Português de 196655 (que veio substituir o Código de
Seabra), conforme resulta dos arts. 2º, 7º, nº 1, e 9º, nº 1, do Código de
Registo Predial Português de 1967, aprovado pelo Decreto-Lei nº
47.611, de 28-3-1967.56
Os terceiros de boa fé, com o título de aquisição do seu direito
devidamente registado, beneficiavam ainda de proteção no caso de
declaração de nulidade ou anulação do negócio jurídico respeitante ao
bem imóvel por si adquirido e registado, celebrado antes da sua
aquisição, nos termos do art. 291º, nº 1, do Código Civil Português de
54
Ferreira, Codigo Civil Portuguez Anotado, vol. II, 870, pág. 388. O art. 1549º do
mesmo Código Civil de Seabra determinava igualmente, a propósito da compra e
venda, que em relação a terceiro, a venda, sendo de bens immobiliarios, só produzirá
effeito, desde que for registada.
55
Aprovado pelo Decreto-Lei nº 47 344, de 25 de Novembro de 1966, e tornado
aplicável nas então províncias ultramarinas (designadamente em Timor-Leste), a partir
de 1 de Janeiro de 1968, conforme o art. 2º, nº 1, da Portaria do Ministério do Ultramar
nº 22.869, de 4-9-1967.
56
Alterado pelo Decreto-Lei nº 49.053, de 12-6-1969.
15
1966.57 Por exemplo, se Bernardo viesse invocar a nulidade de contrato,
ou anulação de contrato de compra e venda que celebrara com António,
se este já tivesse vendido a Carlos, que desconhecia o alegado vício,
tendo adquirido o bem com base no que constava do registo, a
declaração de nulidade ou a anulação do primeiro negócio não
prejudicaria o seu direito, sem prejuízo da possibilidade de ainda se
fazer valer o vício do negócio mediante o registo da ação no prazo de
três anos (nº 2 do referido artigo).58 Ou seja, a proteção do terceiro só se
verifica se a aquisição por este ocorrer decorridos três anos sobre a
transmissão anterior, ou se a ação a pedir a declaração de nulidade ou
anulação do negócio inicial não for registada em tal prazo.
Nos termos do art. 8º do aludido Código de Registo Predial
Português de 1967, o registo definitivo constituía presunção de que o
direito definitivamente registado pertencia à pessoa em nome da qual
estava registado.
O CCI vai ainda mais longe, impondo o efeito constitutivo do
registo e exigindo certidão do registo da venda ou outro tipo de
transmissão ou constituição de ónus ou encargos sobre imóveis, para
prova dos mesmos (art. 617º).59
Conforme disposto do art. 23º, nº 1, da Lei Agrária Indonésia, o
direito de propriedade (hak milik), toda e qualquer transferência
57
Artigo 291º (Inoponibilidade da nulidade e da anulação): 1. A declaração de
nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a bens
móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a
título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da
acção de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da
invalidade do negócio. 2. Os direitos de terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a
acção for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio.
3. É considerado de boa fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição
desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável.
58
O nº 2 do art. 291º do Código Civil Português de 1966 tem a seguinte redacção: Os
direitos de terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a acção for proposta e registada
dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio.
59
Nos termos do art. 578º, nº 1, do CPC, “Quando a lei exigir, como forma da
declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser
substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força
probatória superior”.
16
afetando tal direito, a anulação (ou declaração de nulidade) do mesmo a
constituição de ónus sobre o direito tem que ser registado.60
A Lei Agrária Indonésia, sem referir a presunção, vem dizer que
o registo serve como forte meio (ou ‘instrument’) de prova (art. 23º, nº
2).61 Ou seja, a legislação indonésia igualmente estabelece uma
verdadeira presunção, uma vez que confere à certidão do registo um
valor probatório superior aos restantes meios de prova, o que implica
que quem pretenda por em causa o facto registado terá o ónus de
demonstrar a sua inexistência (ou diversa configuração), como se de
uma verdadeira inversão do ónus de prova se tratasse.
O problema que se tem colocado em Timor-Leste consiste em
determinar a solução a dar aos casos das transações jurídicas tendo por
objeto bens imóveis durante o período em que não havia notários
nacionais e tendo em consideração a inexistência de registo predial
(situação que ainda não se encontra resolvida).
Uma das soluções mais frequente foi a celebração de contratos
escritos com a chancela de um ou mais advogados, que assim
procuravam dar alguma certeza jurídica ao ato de transmissão do direito
sobre bens imóveis. Mas também se verificaram muitas transmissões de
imóveis por mero escrito particular ou por acordo verbal.
Com respeito por entendimento diverso, afigura-se não se poder
atribuir a tais atos a eficácia jurídica pretendida, ou seja, a virtualidade
de operarem a transmissão do direito sobre o bem imóvel, ou a
constituição de qualquer ónus sobre o mesmo. De facto, não se afigura
que a situação excecional própria da construção, ou reconstrução, das
infraestruturas jurídicas nacionais possa permitir a omissão de
60
“Hak milik, demikian pula setiap peralihan, hapusnya dan pembebanannya dengan
hak-hak lain harus didaftarkan menurut ketentuan-ketentuan yang dimaksud dalam
pasal 19” (na versão em inglês: “A hak milik, every transfer affecting a hak milik, the
nullification of a hak milik, and the encumbering of a hak milik with other rights must
be registered in accordance with the provisions referred to in Article 19”).
61
“Pendaftaran termaksud dalam ayat (1) merupakan alat pembuktian yang kuat
mengenai hapusnya hak milik serta sahnya peralihan dan pembebanan hak tersebut”
(na versão em inglês: “The registration referred to in paragraph (1) shall serve as a
strong instrument of evidence concerning the nullification of a hak milik and
concerning the validity of the transfers and encumbrances affecting the said right”).
17
formalidades consideradas
ordenamentos jurídicos.
essenciais
pela
generalidade
dos
Mais, não se pode ignorar a reafirmação da obrigação da
celebração mediante escritura pública dos atos que importem
reconhecimento, constituição, aquisição, modificação, divisão ou
extinção dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação,
enfiteuse, superfície ou de servidão sobre coisas imóveis, consagrada no
art. 37º, nº 2, al. a), do Regime Jurídico do Notariado (Decreto-Lei nº
3/2004, de 4 de Fevereiro).62 Ou seja, o próprio legislador nacional
entendeu não atribuir relevância jurídica à aludida situação.
Como meio de obstar a esta situação, o já referido Decreto-Lei nº
27/2011, de 6 de Julho, Regularização da Titularidade de Bens Imóveis
em Casos Não Disputados, veio proceder à inscrição registral com efeito
constitutivo dos imóveis em nome de quem demonstre ser titular de um
direito sobre o mesmo, independentemente da validade formal de
qualquer título que lhe esteja subjacente.63
Para além destes efeitos do registo nos termos do Decreto-Lei nº
27/2011, de 6 de Julho, não deixam tais contratos de produzir efeitos
jurídicos, seja como meio de transmissão da posse sobre os imóveis,64
nos termos do art. 543º do CCI65, seja como facto gerador de obrigações
entre as partes contratantes.
4. Decreto-Lei nº 27/2011, de 6 de Julho
Conforme já referido, o Decreto-Lei nº 27/2011, de 6 de Julho,
Regularização da Titularidade de Bens Imóveis em Casos Não
Disputados, pretendeu estabelecer o regime para o reconhecimento do
direito de propriedade sobre bens imóveis não disputados, para efeitos
de registo.
62
Este diploma entrou em vigor no dia 7 de Março de 2004 (art. 79º).
Diploma que se analisará infra, no capítulo 4.
64
Situação que se analisará infra aquando do estudo da posse. No Código Civil veja-se
o art. 1178º (Aquele que houver sucedido na posse de outrem por título diverso da
sucessão por morte pode juntar à sua a posse do antecessor).
65
Veja-se o acórdão do Tribunal de Recurso (TR) de 8 de Junho de 2010, processo nº
05/Agravo/Cível/2009/TR, relator Rui Penha.
63
18
Trata-se de vir finalmente regular uma situação de aquisição
formalmente inválida do direito de propriedade, na sequência das
circunstâncias supra referidas, bem como de proceder à inscrição dos
imóveis transacionáveis entre particulares e, sempre que possível, fixar
o primeiro titular do direito.66
A restrição dos efeitos do diploma ao registo é essencial, uma
vez que resulta do teor do Decreto-Lei em causa que a inscrição registral
nele prevista, não prejudica os interesses de terceiros, não intervenientes
no processo, que assim podem fazer valer um direito real próprio,
incompatível com o registo, conforme expresso no art. 8º, nº 3, do
diploma em causa. Isto é, aliás, consequência do disposto no art. 4º, nº 2,
que estabelece uma mera presunção do direito a favor do titular inscrito,
como é norma do direito registral.
Mais claramente, o proprietário do imóvel que não tenha
intervindo no processo de registo previsto no diploma pode sempre fazer
valer o seu direito de propriedade contra a pessoa inscrita como titular
do direito no registo lavrado nos termos da aludida lei.
Contudo, parecendo contrariar o referido, o art. 15º do DecretoLei nº 27/2011, de 6 de Julho, determina: “São revogadas todas as
normas de direito indonésio actualmente em vigor em Timor-Leste que
regulem a forma de transmissão de direitos reais, quando aplicáveis aos
bens imóveis já sujeitos ao procedimento de registo, previsto neste
diploma”. Ou seja, o legislador parece ter pretendido desta forma
resolver o problema resultante de transmissões formalmente inválidas do
direito, regularizando a situação através da atribuição de efeitos
constitutivos ao registo lavrado nos termos do diploma,
independentemente da validade formal da aquisição do direito pelo
titular inscrito em resultado do processo em causa.
Afigura-se, no entanto que, conforme referido supra, o particular
cujo direito de propriedade, ou outro, venha a ser lesado com o registo
em causa poderá sempre67 invocar a nulidade da transmissão,
nomeadamente em tribunal. Efetivamente, importa lembrar que art. 37º,
nº 2, al. a), do Regime Jurídico do Notariado obriga à celebração de
escritura pública para a transmissão ou oneração de direito reais sobre
66
67
Veja-se o nº 2 do art. 1º, bem como o art. 3º.
A todo o tempo, como se lê no art. 8º, nº 3.
19
imóveis, norma que não se encontra abrangida pelo referido art. 15º do
Decreto-Lei nº 27/2011, de 6 de Julho.
Em conclusão, não obstante o disposto no aludido art. 15º do
Decreto-Lei nº 27/2011, de 6 de Julho, a titularidade do direito inscrito
tem fins meramente de registo, estabelecendo mera presunção da
titularidade do direito, a qual poderá sempre ser ilidida em tribunal por
qualquer particular cujo direito possa estar em oposição com o teor do
registo.68
5. Função social (questão da nacionalidade)
Nos termos do art. 54º, nº 2, da Constituição da RDTL, a
propriedade privada não deve ser usada em prejuízo da sua função
social.
A este propósito refere-se no preâmbulo da Lei nº 1/2003, de 10
de Março (Regime Jurídico dos Bens Imóveis) “a Constituição da
República Democrática de Timor-Leste estabelece, no seu artigo 54°, os
princípios gerais relativos à propriedade privada, reconhecendo
inequivocamente esse direito e referindo que ela deve ter uma função
social e que só cidadãos nacionais têm direito à propriedade privada da
terra”.
Usando a expressão de Oliveira Ascensão, “os direitos reais são
outorgados para a realização do sujeito, que os deve exercer em
benefício social”.69 Expressões da função social do direito são todas as
limitações legais que são impostas ao exercício absoluto do direito de
propriedade (a propriedade ilimitada). Daí que o Código Civil reflita a
limitação do direito através da figura do abuso de direito70 (art. 325º).71
68
Art. 518º, nº 2, do CPC.
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 191. “A função pessoal que o direito real
prossegue deve realizar também uma função social” (Pinto, Direitos Reais de
Moçambique, 2006, pág. 171).
70
Posição criticada por José de Oliveira Ascensão, que defende uma definição
legislativa expressa sobre a matéria (Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, págs. 193 e
194).
71
“É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os
limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico
desse direito”.
69
20
Embora no CCI não se encontre igualmente norma expressando
claramente a função social dos direitos reais, esta encontra-se fortemente
vincada na Lei Agrária Indonésia de 1960, que lhe atribui carácter
verdadeiramente sagrado.72 Assim, encontra-se expressamente
consagrado no art. 6º da Lei a função social dos direitos sobre a terra.73
Manifestação desta função social do direito de propriedade
encontra-se no nº 4 do mencionado art. 54º da Constituição, ao
preceituar que só os cidadãos nacionais têm direito à propriedade
privada da terra.74
A questão da exigência da nacionalidade para a titularidade do
direito de propriedade plena75 vigorava já no território nacional, por
aplicação dos arts. 9º, nº 1, e 21º, nº 1, da Lei Agrária Indonésia,
devidamente adaptada à RDTL.76
Como consequência, encontram-se os Tribunais impedidos de
julgar ações judiciais no sentido de ser reconhecido o direito de
propriedade a um cidadão estrangeiro.
72
Art. 1º, nº 2 (“Seluruh bumi, air dan ruang angkasa, termasuk kekayaan alam yang
terkandung didalamnya dalam wilayah Republik Indonesia, sebagai karunia Tuhan
Yang Maha Esa adalah bumi, air dan ruang angkasa bangsa Indonesia dan merupakan
kekayaan nasional”, ou, na versão em inglês: “All the earth, water, and airspace,
including the natural resources contained therein, which exist within the territory of the
Republic of Indonesia as gifts from the Only One God, are the Indonesian nation’s
earth, water, and airspace and constitute the nation’s wealth”).
73
“Semua hak atas tanah mempunyai fungsi social” (“All land rights have a social
function”).
74
Veja-se o art. 4º, nº 1, do Projecto de Nova Lei das Terras.
75
Os expatriados podem apenas ser titulares do direito de uso, conforme Elucidation of
Act No. 5 of 1960 Re Basic Provisions Concerning The Fundamentals of Agrarian
Affairs, ponto II (5) (Orang-orang asing dapat mempunyai tanah dengan hak pakai
yang luasnya terbatas) (“Expatriates can only have a hak pakai (right of use) to land of
limited dimensions”).
76
Assim, a questão coloca-se hoje relativamente aos cidadãos indonésios (os quais
podiam ser proprietários de bens imóveis no território de Timor-Leste antes da
independência nacional e deixaram agora de ter tal possibilidade). Com relevância
sobre este assunto veja-se ainda o Regulamento da UNATET nº 2000/27, sobre a
proibição temporária de transacções de terras em Timor-Leste por cidadãos indonésios
não habitualmente residentes em Timor-Leste e por empresas indonésias.
21
O Tribunal de Recurso tem entendido que não se trata de saber
se quem invoca o direito de propriedade possui ou não documento de
identificação emitido pelas autoridades de Timor-Leste, o que será
necessário exclusivamente para a nacionalidade adquirida, mas apenas
se o pretenso proprietário preenche os requisitos legais para poder
invocar a nacionalidade originária, conforme disposto nos arts. 3º, nº 2 e
3, da Constituição, e no art. 8º, nº 1 e 2, da Lei da Nacionalidade (Lei nº
9/2002).77
Como salientado nos mesmos acórdãos, a questão da
nacionalidade de quem invoca o direito de propriedade é considerada
condição para a procedência da pretensão, e não um pressuposto
processual.78
No acórdão de 2-2-2010, o Tribunal de Recurso concluiu ser
possível a titularidade do direito de propriedade sobre um imóvel a
cidadão estrangeiro se casado com um nacional timorense, desde que tal
imóvel esteja abrangido pela comunhão de bens resultante do
casamento.79
No acórdão de 16-6-2009,80 o Tribunal de Recurso decidiu que
“o art. 54º, nº 4, da CRDTL (…) dispõe sobre a propriedade privada da
terra e não quanto à posse ou propriedade do prédio nela incorporado”, o
que permite a conclusão que a aludida proibição não tem aplicação aos
77
Acórdãos do TR de 10-3-2010, processo nº 23/2001, e processo nº 12/2009, ambos
relatados por José Luís da Goia.
78
Tratando-se de condição para a procedência da pretensão, e não mero facto
impeditivo do direito, o respectivo ónus de prova impende sobre quem invoca o direito
e não sobre a parte contrária (art. 510º, nº 1, do CPC).
79
Escreveu-se em tal acórdão (processo nº 07/2009, relator José Luís da Goia)
“embora o autor não possa ele mesmo ser titular do direito de propriedade sobre o
terreno dos autos, nada obsta a que se considere o direito adquirido pela sua mulher
através do casamento com o autor. É certo que o autor beneficia indirectamente de tal
direito da cidadã nacional sua mulher, por força do mesmo regime. Porém, o direito
passa a pertencer a esta, pelo que nunca o autor poderá beneficiar do direito de
propriedade, por exemplo, em caso de divórcio”. Contrariamente ao que se escreveu,
por manifesto lapso, em tal acórdão, nos termos do art. 35º da Lei Indonésia nº 1/74, o
regime supletivo de bens no casamento é o regime de comunhão de adquiridos, pelo
que, salvo convenção antenupcial que estabeleça outro regime, só pode haver
comunhão (e a doutrina exposta no acórdão só é válida) para os casos em que os bens
são adquiridos durante o casamento.
80
Processo nº 06/2003, relator José Luís da Goia.
22
casos de prédios urbanos. Com todo o respeito discordo de tal posição,
embora possa parecer ser esse o entendimento que resulta ainda da Lei
Agrária Indonésia.
Como se verá infra (V), a construção ligada materialmente ao
prédio com carácter de permanência constitui parte integrante do
imóvel.81
Sendo assim, quer a construção, quer o solo onde a mesma é
implantada, perdem a sua individualidade e passa a haver coisa única.
Daí que se conclua que o prédio ainda está abrangido pela proibição da
norma constitucional, uma vez que ele inclui o terreno onde foi
implantado.
É certo que alguma doutrina entende ser possível a existência de
um direito de propriedade sobre uma construção, distinto do direito de
propriedade sobre o terreno, nas situações de direito de superfície.82
Porém, como se verá, os cidadãos estrangeiros não podiam
sequer ser titulares do direito de superfície, sobre prédios urbanos, ou
seja edifícios,83 pelo que, por maioria da razão, não podiam ser titulares
do direito de propriedade sobre o mesmo tipo de bens.
Por outro lado, embora com a entrada em vigor do Código Civil
de Timor-Leste se tenha por tacitamente revogada a legislação indonésia
referida84 e, consequentemente, não se verifique agora a proibição legal
de os cidadãos estrangeiros serem titulares do direito real de superfície,
ainda estamos a falar de um direito distinto do direito de propriedade.85
Relativamente às pessoas coletivas, nomeadamente sociedades
comerciais, resulta do art. 21º, nº 2, da Lei Agrária, que a possibilidade
de aquisição do direito de propriedade, ainda que para sociedades
constituídas exclusivamente por pessoas singulares nacionais, está
81
Vejam-se os arts. 195º, nº 3, do Código Civil e 500º do CCI. Veja-se ainda o art. 1º,
nº 2, da Lei nº 1/2003, de 10 de Março, Regime Jurídico dos Bens Imóveis (I Parte:
Titularidade de Bens Imóveis).
82
Este assunto sera abordado adiante a propósito da análise do direito de superfície.
83
Art. 36º, nº 1, da Lei Agrária de 1960 (UUPA).
84
Nomeadamente a Lei Agrária.
85
Como se verá a propósito da análise do direito de superfície.
23
dependente de regulamentação governamental, de determinação do
governo ou de ato administrativo86 (art. 22º, nº 2).87 O Projecto da Nova
Lei das Terras, resolvendo a questão, consagra expressamente a
possibilidade do direito de propriedade a pessoas coletivas constituídas
exclusivamente por cidadãos nacionais (art. 7º, nº 1), prevendo
igualmente o direito de superfície para as demais pessoas coletivas,
nomeadamente constituídas por estrangeiros ou com sede no estrangeiro
(art. 7º, nº 2). Com a revogação da lei indonésia que regulava esta
matéria, não se vê qualquer tipo de impedimento a que as pessoas
86
Conforme Elucidation of Act No. 5 of 1960 Re Basic Provisions Concerning The
Fundamentals of Agrarian Affairs, ponto II (5) (Demikian juga pada dasarnya badanbadan hukum tidak dapat mempunyai hak milik (pasal 21 ayat 2). Adapun
pertimbangan untuk (pada dasarnya) melarang badan-badan hukum mempunyai hak
milik atas tanah, ialah karena badan-badan hukum tidak perlu mempunyai hak milik
tetapi cukup hak-hak lainnya, asal saja ada jaminan-jaminan yang cukup bagi
keperluan-keperluannya yang khusus (hak guna-usaha, hak gunabangunan, hak pakai
menurut pasal 28, 35 dan 41) (“corporate bodies basically cannot have a right of
ownership [Article 21(2)] on the consideration that that corporate bodies do not need to
have a right of ownership but another right will do for them as long as it is equipped
with an adequate guarantee for the fulfillment of their specific requirements (e.g. hak
guna-usaha, hak guna-bangunan, or hak pakai according to Articles 28, 35, and 41)”).
87
Contra parece pronunciar-se o Relatório Sobre os Resultados de Pesquisa,
Recomendações Políticas para a Lei Sobre os Direitos de Terra e Restituição de Título,
embora entenda ser desejável clarificação legislativa, nos termos do qual “o artigo 54,
parágrafo 4 do Constituição não excluiria pessoas jurídicas ou sociedades comerciais
de Timor-Leste. Este ponto de vista é compartilhado pelos oficiais seniores do governo
e membros do parlamento que foram consultados pelo LLP, assim como os
participantes na mesa redonda do dia 30 de Junho de 2004 sobre direitos de terras.
Praticamente todos os grupos de trabalho na mesa redonda concordaram que as
entidades legais de Timor-Leste devem poder ser titulares de propriedade perfeita. As
seguintes sugestões foram feitas nesta consideração: As sociedades comerciais
Timorenses e outras pessoas jurídicas devem ter direito a possuir terra. A Lei deve
esclarecer a definição de ‘nacionais’ e ‘cidadãos’. A nacionalidade de Timor-Leste
numa sociedade comercial deve ser determinada por um capital mínimo (de 50-60%)
empreendido por pessoas de Timor-Leste. Isto permitiria a participação de investidores
estrangeiros em sociedades comerciais de Timor-Leste. Se uma sociedade comercial
declara falência, toda a terra que for possuída por ela deve reverter para o estado”.
Afigura-se, porém, como vem sendo comum, que este entendimento ignorava o
sistema jurídico existente naquele momento em Timor-Leste, como seja a aludida Lei
Agrária (que era legislação nacional timorense), e que regulava de forma que se afigura
clara esta matéria.
24
coletivas nacionais possam ser titulares do direito de propriedade sobre
imóveis.
Importa ainda considerar que, nos termos do art. 1º, al a), do
Regulamento nº 2000/27 da UNTAET, qualquer contrato ou acordo
celebrado por um cidadão da Indonésia que habitualmente não resida em
Timor Leste para vender qualquer interesse ou direito relativo a terra no
território de Timor Leste, não produz qualquer efeito.
Conforme decidido no acórdão do Tribunal de Recurso de 103-2010: “A ratio legis do Regulamento em questão afigura-se evidente.
Tratava-se então de impedir que nacionais indonésios, sem qualquer
ligação a Timor Leste, pudessem beneficiar da situação de ocupação do
território que se verificava antes da independência. A referência a
cidadãos da Indonésia não habitualmente residentes em Timor Leste tem
precisamente esse significado. Assim, a venda de imóveis por cidadãos
da Indonésia que habitualmente residissem em Timor Leste já não se
encontra abrangida pela cominação prevista no referido art. 1º do
Regulamento em causa”.88
A Lei Agrária Indonésia (UUPA), como já se viu, ia ainda mais
longe, ao impedir a aquisição (ou titularidade) do direito de superfície,
quer sobre terreno agrícola, quer sobre prédio urbano a pessoas
singulares que não fossem nacionais, ou mesmo a pessoas coletivas
(nomeadamente sociedades comerciais) que não estivessem
reconhecidas segundo a legislação nacional, ou domiciliadas em
território nacional.89
88
Processo nº 12/2009, relator José Luís da Goia. Decidiu-se ainda no mesmo acórdão
que “tratando-se de facto impeditivo do direito invocado pelo autor, impende sobre o
réu o ónus de prova da verificação dos requisitos constantes do referido Regulamento,
nos termos do art. 510º, nº 2, do CPC”.
89
Arts. 30º, nº 1, (Yang dapat mempunyai hak guna-usaha ialah. a. warga-negara
Indonesia; b. badan hukum yang didirikan menurut hukum Indonesia dan
berkedudukan di Indonesia) e 36º, nº 1 (Yang dapat mempunyai hak guna-bangunan
ialah a. warga-negara Indonesia; b. badan hukum yang didirikan menurut hukum
Indonesia dan berkedudukan di Indonesia) (na versão em inglês: “Those eligible for a
25
A questão que se colocava consistia em saber se esta condição
também teria aplicação na RDTL, face à redação menos restritiva da
própria Constituição. Ou seja, se a legislação ordinária indonésia,
recebida no sistema jurídico nacional, podia estabelecer restrições à
titularidade de direitos ainda mais amplas que aquela que resulta do
texto constitucional.
Afigura-se que a resposta terá que ser positiva. Efetivamente, a
Constituição estabelece expressamente que “Todo o indivíduo tem
direito a propriedade privada, podendo transmiti-la em vida e por morte,
nos termos da lei”.90 Sendo assim, a Lei Fundamental acolhe as
restrições constantes da Lei ordinária relativas à limitação da
titularidade do direito de propriedade, nomeadamente da lei que já
existia anteriormente e que a Constituição acolheu,91 como a aludida Lei
Agrária Indonésia (UUPA).
Ora, se o titular do direito de propriedade só podia dele dispor
nos termos da lei, então a disposição dos direitos reais menores sobre os
imóveis, como seja o direito de superfície, também não podiam ser
constituídos contra a disposição legal supra referida, 92 pelo que os
cidadãos estrangeiros e as pessoas coletivas (nomeadamente sociedades
comerciais) que não estivessem reconhecidas segundo a legislação
nacional, ou domiciliadas em território nacional, não podiam sequer ser
titulares daquele direito.93
hak guna … are as follows: a. Indonesian citizens, and b. bodies corporate incorporated
under Indonesian law and domiciled in Indonesia”).
90
Art. 54º, nº 1.
91
Art. 165º.
92
O que pode ter sérias repercussões ao nível do investimento estrangeiro, tão
necessário no estado actual de construção do novo país da RDTL. Efetivamente fica
vedado o uso do mecanismo legal mais adequado para a hipótese de alguém construir
nomeadamente infraestruturas turísticas ou de outra natureza, uma vez que os restantes
mecanismos jurídicos não asseguram de forma tão eficaz a possibilidade de uso das
mesmas pelo período mínimo necessário à recuperação do investimento feito.
93
Porém, o art. 55º, nº 2, da Lei Agrária (UUPA), prevê a possibilidade de,
excepcionalmente, o Estado poder conceder o direito de superfície sobre bens do seu
domínio a empresas estrangeiras, que não preencham os requisitos dos aludidos arts.
30º, nº 1, e 36º, nº 1, desde que tal seja considerado necessário no ato que o autoriza
(Hak guna-usaha dan hak guna-bangunan hanya terbuka kemungkinannya untuk
diberikan kepada badan-badan hukum yang untuk sebagian atau seluruhnya bermodal
asing, jika hal itu diperlukan oleh Undang-undang yang mengatur pembangunan
26
Com a entrada em vigor do Código Civil de Timor-Leste a
legislação de origem indonésia que impõe as aludidas restrições terá que
se considerar revogada, subsistindo apenas a limitação constitucional.
Com esta questão está ainda relacionada a do direito de
propriedade, uso e posse útil das terras, que, nos termos do art. 141º da
Constituição serão regulados por lei.
6. As coisas
Diz-se coisa tudo aquilo que pode ser objeto de relações
jurídicas.94
Consideram-se fora do comércio jurídico todas as coisas que não
podem ser objeto de direitos privados, tais como as que se encontram no
domínio público e as que são, por sua natureza, insuscetíveis de
apropriação individual (art. 193º, nº 2, do Código Civil. Veja-se os arts.
519º a 526º do CCI).
As coisas são imóveis ou móveis, simples ou compostas,
fungíveis ou não fungíveis, consumíveis ou não consumíveis, divisíveis
ou indivisíveis, principais ou acessórias, presentes ou futuras (art. 194º
do Código Civil).95
São coisas imóveis os prédios rústicos e urbanos, as águas, as
árvores, os arbustos e os frutos naturais, enquanto estiverem ligados ao
solo, os direitos inerentes aos imóveis e as partes integrantes dos prédios
rústicos e urbanos (art. 195º, nº 1, do Código Civil).96
nasional semesta berencana) (na versão em inglês: “The possibility for the granting of
a hak guna-usaha and hak guna-bangunan to corporate bodies whose capital is partly
or wholly foreign is open only in the case where it is deemed necessary to grant such
rights to such corporate bodies in the light of an act which regulates pembangunan
nasional semesta berencana (well-planned total, national development)”).
94
Art. 193º, nº 1, do Código Civil. Para o CCI são coisas os bens ou direitos que
podem ser objecto de propriedade (art. 499º). Veja-se igualmente os arts. 527º e 528º
do CCI.
95
Para o CCI as coisas são tangíveis ou não tangíveis (art. 503º) e móveis ou imóveis
(art. 504º). Os bens móveis podem ainda dividir-se em consumíveis e não consumíveis,
definindo-se os consumíveis como aqueles que desaparecem devido ao uso (art. 505º).
96
Veja-se os arts. 500º e 506º a 508º do CCI. Particularmente significativa é a
descrição constante dos arts. 506º e 507º do CCI, da qual resulta evidente, por um lado,
27
Entende-se por prédio rústico uma parte delimitada do solo e as
construções nele existentes que não tenham autonomia económica.97 São
partes componentes dos prédios rústicos as construções que não tenham
autonomia económica, tais como as adegas, os celeiros, as construções
destinadas às alfaias agrícolas.
O prédio rústico abrange também o espaço aéreo e o subsolo
correspondentes. Nos termos do art 1266º, nº 1, do Código Civil, a
propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à
superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles se contém e não
esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico. Igual é a
redação do art. 571º do CCI e, de forma ainda mais impressiva, o art. 4º,
nº 2, da Lei Agrária Indonésia.98
Entende-se por prédio urbano qualquer edifício incorporado no
solo com os terrenos que lhe sirvam de logradouro (art. 195º, nº 2, do
Código Civil). Edifício incorporado é aquele que se encontra unido ou
ligado ao solo, fixado nele com carácter de permanência por alicerces,
colunas, estacas ou qualquer outro meio.99 Uma casa desmontável não é
prédio urbano. Integram o prédio urbano os pátios ou os quintais dos
edifícios.100
o princípio da ligação ao solo como distintivo da classificação do bem como imóvel,
por outro lado, o princípio da universalidade de certas coisas, como sejam as fábricas,
que, por serem imóveis (devido ao facto de estarem instaladas em construções
permanentemente fixadas no solo) transmitem tal qualidade de bem imóvel aos bens
móveis que as equipam. Veja-se ainda o art. 1º, nº 2, da Lei nº 1/2003, de 10 de Março,
Regime Jurídico dos Bens Imóveis (I Parte: Titularidade de Bens Imóveis).
97
Art. 195º, nº 2, do Código Civil. O CCI não estabelece a distinção entre prédios
rústicos e prédios urbanos.
98
“Hak-hak atas tanah yang dimaksud dalam ayat (1) pasal ini member wewenang
untuk mempergunakan tanah yang bersangkutan, demikian pula tubuh bumi dan air
serta ruang yang ada diatasnya, sekedar diperlukan untuk kepentingan yang langsung
berhubungan dengan penggunaan tanah itu dalam batas-batas menurut Undang-undang
ini dan peraturan-peraturan hukum lain yang lebih tinggi” (na versão em inglês: “The
land rights referred to in paragraph (1) of this article confers authority to use the land
in question as well as the mass of the earth and the water existing under its surface and
the space above it to a point which is essentially required to allow for the fulfillment of
the interests that are directly related to the use of the land in question, such a point
being within the limits imposed by this Act and by other legislation of higher levels”.
99
Mesquita, Direitos Reais, 1984, pág. 23.
100
Lima e Varela, Código Civil Português Anotado, vol. III, 1987, pág. 131.
28
É parte integrante toda a coisa móvel ligada materialmente ao
prédio com carácter de permanência.101 São partes integrantes dos
prédios rústicos os muros de vedação ou os engenhos para tirar água.
São partes integrantes dos prédios urbanos as instalações elétricas ou os
para-raios e os elevadores.
Para o Código Civil (art. 196º, nº 1) são móveis todas as
restantes coisas, ou seja, a definição de coisa móvel acha-se por
exclusão de partes. Serão móveis as coisas que não sejam caracterizadas
pela lei como imóveis. Por exemplo, a energia elétrica é coisa móvel e,
como tal, a sua subtração fraudulenta integra o crime de furto.
Nos termos do CCI, são coisas móveis aquelas que são movíveis
ou podem ser movidas (art. 509º CCI).102 A base da distinção entre
coisas móveis e imóveis é a circunstância de poderem ou não ser
transportadas de um para outro lugar sem se deteriorarem.
Importa aqui fazer uma breve referência às benfeitorias,
incluídas no mesmo subtítulo II do Código Civil, que trata das coisas e
que aqui temos estado a analisar.
Para o Código Civil consideram-se benfeitorias todas as
despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa (art. 207º, nº 1).
Assim, constituem benfeitorias não só as obras necessárias à
conservação da coisa, como pintar, substituir telhado danificado,
substituir janelas quebradas, mas também todas as obras que melhorem
o prédio, como a construção de casas de banho em casas onde não
existiam, ou a construção de uma piscina.
As benfeitorias são necessárias, úteis ou voluptuárias (art. 207º,
nº 2, do Código Civil).
São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda,
destruição ou deterioração da coisa (art. 207º, nº 3, do Código Civil).
Por exemplo: a substituição de um telhado que tenha as telhas partidas
101
Art. 195º, nº 3, do Código Civil e 500º do CCI.
Nos arts. 509º a 518º do CCI encontramos depois a descrição de várias coisas
concretas que o Código considera como móveis. Esta descrição não deve, porém, ser
considerada taxativa, podendo obviamente existir inúmeras outras coisas móveis, para
além das descritas nas referidas disposições legais.
102
29
(se o telhado não for substituído, não só não se pode usar devidamente a
casa, como a entrada da água das chuvas vai estragar todo o imóvel); a
substituição de janelas com a madeira apodrecida ou vidros partidos, a
reconstrução de uma parede que, pela ação do tempo ameaça ruir.
São benfeitorias úteis as que, não sendo indispensáveis para a
sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor (art. 207º, nº 3, do
Código Civil). Por exemplo: a construção de casa de banho numa casa
que não tinha (trata-se de um melhoramento que beneficia o uso da casa
e, consequentemente, aumenta o seu valor); a colocação de um sistema
central de ar condicionado; etc. Já se podem colocar dúvidas
relativamente à construção de uma piscina (porém, se da mesma resultar
um aumento considerável do valor do imóvel deve considerar-se
benfeitoria útil).
São benfeitorias voluptuárias as que, não sendo indispensáveis
para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para
o recreio do benfeitoriante (art. 207º, nº 3, do Código Civil). Será o caso
de alguém que gosta de ter peixes e constrói um lago para os mesmos no
logradouro da casa, ou a colocação de estátuas dispendiosas num jardim,
etc. (desde que não aumentem o valor do imóvel).
O CCI não contém uma definição legal de benfeitorias, nem as
caracteriza, sendo certo, porém, que se refere às mesmas em várias
disposições relativas aos direitos reais sobre imóveis. Por exemplo, o
direito do possuidor a indemnização por benfeitorias necessárias
realizadas no imóvel que possuía, quer se encontre de boa-fé ou de máfé, no caso de ter de o entregar ao seu proprietário (arts. 575º e 579º do
CCI).103
Também, pode surpreender-se claramente a distinção entre as
reparações necessárias à manutenção do imóvel,104 ou seja, benfeitorias
103
“Selanjutnya la berhak menuntut kembali segala biaya yang telah harus dikeluarkan
guna menyelamatkan dan demi kepentingan barang tersebut”, na versão em inglês:
“expenditures necessary for the maintenance and benefit of the assets”. O CCI apenas
exclui o direito a indemnização por benfeitorias necessárias ao possuidor que tenha
adquirido a posse por meios violentos (art. 580º).
104
“…guna menyerahkan kembali dan memperbaiki”, na versão em inglês: “expenses
for the maintenance of the assets”.
30
necessárias (art. 578º), ou reparações no interesse do imóvel105 (art.
578º) assim como reparações para utilidade e melhoramento da
aparência do imóvel106 (art. 581º do CCI).107
Por outro lado o CCI estabelece ainda uma distinção entre
reparações para o fim de manutenção e as reparações maiores no art.
793º, estas últimas exemplificadas no art. 794º, ambos do CCI.108
105
“…segala biaya dan pengeluaran yang telah dikeluarkannya guna memelihara
kebendaan”, na versão em inglês: “expenses for the interest of the assets”.
106
“…segala pengeluaran yang bermanfaat guna kebendaan itu atan guna
menghiasinya”, na versão em inglês: “expenses in respect of utility and improvement
in appearance”.
107
Importa considerar, contudo, que as reparações para melhorar a utilidade do imóvel
podem integrar o conceito de benfeitorias úteis do Código Civil.
108
“Yang harus dianggap sebagai perbaikan besar adalah: perbaikan akan kerusakan
bemt pada tembok dan langit-langit; perbaikan balok-balok dan atap seluruhnya;
seluruh perbaikan tanggul dan tanggul kecil bangunan pengairan, demikian pula
tembok penyangga dan tembok batas; Segala perbaikan tainnya harus dianggap sebagai
perbaikan biasa”, na versão em inglês: “Major repairs include the following: repairs to
big walls and arched roofs; repairs to beams and entire roofs; the total repair of dikes,
wharf's, plastered waterworks, including supporting and boundary walls. All other
repairs shall be regarded as regular maintenance”.
31
32
II – POSSE
1. Definição
Posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma
correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro
direito real (art. 1171º do Código Civil),109 ou seja, a posse é
interpretada como a detenção ou uso de bens que um indivíduo, por si
ou através de outra pessoa, tem em seu poder, como se tivesse o
correspondente direito (art. 529º do CCI).110
Para Ricardo Gomes da Silva, “A posse consiste numa relação
de pessoa e coisa, fundada na vontade do possuidor, criando mera
relação de fato, é a exteriorização do direito de propriedade. A
propriedade é a relação entre a pessoa e a coisa, que assenta na vontade
objetiva da lei, implicando um poder jurídico e criando uma relação de
direito”.111
109
Trata-se de redacção identica há do art. 1251º do Código Civil Português de 1966,
que vigorou em Timor Leste até à implementação do regime jurídico indonésio. No
mesmo sentido o art. 6º, nº 2, da Lei nº 1/2003, de 10 de Março (posse é o poder que se
manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de
propriedade ou de qualquer outro direito real).
Veja-se igualmente o art 9º, nº 1, do Projecto da Nova Lei das Terras (A posse, para
efeitos desta lei, é o uso ou a possibilidade efectiva de uso do bem imóvel para fins de
habitação, cultivo, negócio, construção, ou para qualquer outra actividade que requeira
a utilização física do bem imóvel).
110
“Yang dimaksudkan kedudukan Berkuasa ialah, kedudukan seseorang suatu
kebendaan, baik dengan diri sendiri, maupun dengan perantaraan orang lain, dan yang
mempertahankan atau menikmatinya selaku orang yang memiliki kebendaan itu”, na
versão em inglês: “Possession is interpreted as the holding or enjoyment of assets,
which an individual, either in person or through another person, has within his power,
as if he has actual title thereto”.
Já o Código Civil de Seabra continha uma concepção mais abrangente, incluindo na
sua definição aqueles que se passaram a considerar-se meros detentores, conforme art.
474º (“diz-se posse a retenção ou fruição de qualquer cousa ou direito”). Porém, logo
acrescenta no seu § 1º que “os actos facultativos ou de mera tolerância não constituem
posse”. Também o CCI parece reflectir a possibilidade de definição da mera detenção
como posse (posse imediata), no seu art. 1959º.
111
Silva, Direito das Coisas – Posse.
33
A posse pode referir-se ao direito de propriedade (o possuidor
age como se fosse o dono do prédio), ou relativamente a qualquer outro
direito real de gozo (aqui o possuidor atua como se fosse titular do
respetivo direito, como por exemplo como titular de um direito de
servidão, de superfície, de usufruto, etc.).112 A situação comum, como é
do conhecimento geral, é o exercício de posse correspondente ao direito
de propriedade.113
No entanto, a posse de um estrangeiro sobre um bem imóvel,
atenta a limitação resultante da nacionalidade supra analisada não
poderá ser considerada como referente ao direito de propriedade, nem o
podia ser em relação ao direito de superfície até à entrada em vigor do
novo Código Civil.114
Estão excluídos de posse os direitos reais de garantia (por
exemplo a hipoteca) e os direitos reais de aquisição (por exemplo o
direito de preferência) por se tratar de direitos não duradouros. O direito
real de garantia, ou os direitos reais de aquisição, exercem-se de uma só
vez, não podendo existir nestes casos o exercício de poderes de facto
sobre a coisa.
Igualmente são insuscetíveis de posse as chamadas coisas
incorpóreas. Efetivamente, a posse pressupõe a prática de atos
(determinados), o que impede que possa incidir sobre bens que não
sejam objetivamente palpáveis, como os direitos de autor ou os direitos
industriais.115
112
É no seu domínio que se verifica a posse, quer no direito de propriedade, quer
também, por exemplo, com a servidão, ou o usufruto.
113
Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 178. “A lei protege todo aquele que age
sobre a coisa como se fosse o proprietário, explorando-a, dando-lhe o destino para que
economicamente foi feita. Em geral, quem assim atua é o proprietário, de modo que,
protegendo o possuidor, quase sempre o legislador está protegendo o proprietário”
(Silva, Direito das Coisas – Posse).
114
Título I, IV. Com a revogação da Lei Agrária Indonésia, através da revogação tácita
resultante da entrada em vigor do Código Civil de TL, nada obsta a que se reconheça a
possibilidade da titularidade do direito de superfície a um estrangeiro.
115
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 65.
34
Já o estabelecimento comercial, enquanto universalidade de
facto, pode ser objeto de posse.116
A posse pode coincidir com o direito respetivo (posse causal).
Por exemplo, o proprietário de uma casa que nela reside é
simultaneamente possuidor e proprietário. Igualmente no caso de o
proprietário ter a casa arrendada e receber as rendas correspondentes, é
proprietário e possuidor, uma vez que o arrendatário é mero detentor, o
proprietário exerce a posse por intermédio deste.
Porém, a posse pode não coincidir com o direito respetivo (posse
formal). Por exemplo, um lavrador que começa a cultivar o terreno
vizinho, fazendo-o de forma reiterada, sem qualquer autorização do
respetivo proprietário, afirmando a sua intenção de se comportar como
dono do terreno, colhendo os frutos. Neste caso o direito de propriedade
continua a ser do vizinho (dono do terreno), mas a posse passou a ser
exercida pelo aludido lavrador. Da mesma forma, alguém que tenha
furtado ou achado um objeto que pertença a outra pessoa passa a exercer
a posse sobre tal objeto, que continua a pertencer a outro. Ainda no caso
de alguém adquirir por contrato um prédio de uma pessoa que não é seu
proprietário e passa a ocupar o mesmo, em consequência de tal contrato,
passa a exercer a posse, mas o prédio continua a pertencer a outra
pessoa.
Os bens de domínio público também não podem ser objeto de
posse, uma vez que se encontram excluídos do comércio jurídico (art.
193º, nº 2, do Código Civil.117 Vejam-se os arts. 537º e 520º a 525º do
CCI).
116
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, págs. 64-65. Sobre o conceito de
estabelecimento comercial veja-se o acórdão do Tribunal de Recurso de 26-1-2011,
processo nº 05/Cível/2010/TR, relator Rui Penha.
117
Contra, para as situações em que “um sujeito exerce uma actuação correspondente a
um direito que englobe poderes de facto sobre uma coisa e a lei não exclua essa
consequência”, Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, págs. 70-71.
35
2. Elementos da posse
2.1 Considerações gerais
A posse é caracterizada por dois elementos, o corpus ou domínio
de facto sobre a coisa, traduzido no exercício efetivo de poderes
materiais sobre ela ou a possibilidade física desse exercício, e o animus,
consubstanciado na intenção de exercer sobre a coisa, como seu titular,
o direito real correspondente àquele domínio.118
Elemento material – corpus – que se traduz nos atos materiais
praticados sobre a coisa, com o exercício de certos poderes sobre a coisa
(art. 529º do CCI).119
Conforme salienta Oliveira Ascensão, “na origem de toda a
situação jurídica posse há sempre uma actuação de facto, que é
inclusivamente uma actuação material. A tutela jurídica é sempre
subsequente à verificação de uma dada realidade de facto”. Contudo,
não se exige contacto material com a coisa, podendo tal atuação de facto
ser efetuada por outra pessoa, em nome do possuidor, ou até nem existir,
verificando-se apenas a sua possibilidade, conforme visto supra.120
Elemento psicológico – animus – que se traduz na intenção de o
exercente se comportar como titular do direito real correspondente aos
atos que pratica (art. 538º do CCI).121
118
Art. 1173º do Código Civil.
Seguiu-se a teoria subjectiva de Savigny (A posse é o poder de dispor fisicamente
da coisa, com ânimo de considerá-la sua e defendê-la contra a intervenção de outrem.
Encontram-se, assim, na posse dois elementos: um elemento material, o corpus, que é
representado pelo poder físico sobre a coisa; e, um elemento intelectual, o animus, ou
seja, o propósito de ter a coisa como sua, isto é, o animus rem sibi habendi, e os dois
elementos são indispensáveis para que se caracterize a posse, pois se faltar o corpus,
inexiste relação de fato entre a pessoa e a coisa; e, se faltar o animus, não existe posse,
mas mera detenção) em detrimento da teoria objetiva de Ihering (Considera que a
posse é a condição do exercício da propriedade. Critica veementemente Savigny, para
ele a distinção entre corpus e animus é irrelevante, pois a noção de animus já se
encontra na de corpus, sendo a maneira como o proprietário age em face da coisa de
que é possuidor) – Silva, Direito das Coisas – Posse.
120
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, págs. 80 e 83.
121
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, págs. 84 e 85. Veja-se o art. 12º do Projecto
da Nova Lei das Terras.
119
36
O facto de a lei exigir o corpus e o animus para efeito de haver
posse implica que o possuidor tenha de provar a existência dos dois
elementos.122 A prova do animus resulta, no entanto, de uma presunção,
isto é, o exercício do primeiro faz presumir a existência do segundo.123
A relação possessória é relação material permanente e duradoura
e daí que os factos que a integram tenham que ser exercidos de forma a
poder concluir-se que aquele que os pratica pretende exercer sobre a
coisa um poder permanente.124
Porém, a posse mantém-se enquanto haja a possibilidade de
continuar a atuação correspondente ao exercício do direito, a relação da
pessoa com a coisa legalmente exigida para o efeito não implica
necessariamente que ela se traduza em atos materiais (art. 1179º, nº 1,
do Código Civil e art. 542º do CCI).
Nesta perspetiva, há corpus enquanto a coisa estiver submetida à
vontade do sujeito em termos de ele poder, querendo, renovar a atuação
material sobre ela.
2.2 Posse pessoal ou por intermédio de outrem
A posse tanto pode ser exercida pessoalmente como por
intermédio de outrem (art. 1172º, nº 1, do Código Civil e arts. 529º e
540º do CCI).125
Em caso de dúvida presume-se que a posse é daquele que exerce
o poder de facto (art. 1172º, nº 2, do Código Civil e art. 534º do CCI).
122
Art. 510º, nº 1, do CPC.
Art. 1179º, nº 2, do Código Civil. Veja-se Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971,
pág. 191.
124
Esta presunção da existência do animus só pode ser ilidida pela demonstração de
que os actos praticados são por sua natureza insusceptíveis de conduzir à posse – são
actos facultativos ou são actos de mera tolerância (Rodrigues, A Posse, 1996, págs.
192-195).
125
Ainda no mesmo sentido o art. 6º, nº 2, da Lei nº 1/2003, de 10 de Março (posse é o
poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do
direito de propriedade ou de qualquer outro direito real, podendo a posse ser exercida
pelo titular do direito ou por intermédio de outrem) e o art. 9º, nº 2, do Projecto da
Nova Lei das Terras (A posse tanto pode ser exercida pessoalmente como por
intermédio de outrem).
123
37
Posse em nome de outrem é aquela que sendo exercida por uma pessoa é
juridicamente imputável a outra.126
A presunção do art. 1172º, nº 2, do Código Civil só funciona em
caso de dúvida e não quando se trate de uma situação definida, que
exclui a titularidade do direito invocado. Já o art. 534º do CCI contém
uma verdadeira presunção que terá de ser afastada por prova do
contrário (art. 518º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil [CPC]).127
A posse mantém-se enquanto durar a atuação correspondente ao
direito ou a possibilidade de a continuar (art. 1177º, nº 1, do Código
Civil e art. 1957º do CCI). Enquanto a coisa estiver submetida à vontade
do sujeito, de tal modo que este possa renovar a atuação material sobre
ela, querendo, há corpus.128 Nesta perspetiva, há corpus enquanto a
coisa estiver submetida à vontade do sujeito em termos de ele poder,
querendo, renovar a atuação material sobre ela.
Presume-se que a posse continua em nome de quem a começou
(art. 1177º, nº 2, do Código Civil e art. 535º do CCI). Ou seja, no caso
de um possuidor consentir o uso da coisa por outra pessoa, ainda se
entende que é o primeiro o possuidor da coisa.
Para além de se presumir que a posse continua em nome de
quem a começou, ela mantém-se enquanto durar a atuação
correspondente ao exercício do direito ou a possibilidade de a continuar.
Para que a posse se conserve não é necessária a continuidade do seu
exercício, basta que, uma vez principiada a atuação correspondente ao
exercício do direito haja a possibilidade de a continuar. A relação da
pessoa com a coisa legalmente exigida para o efeito não implica
necessariamente que ela se traduza em atos materiais.
2.3 Sucessão e acessão na posse
Por morte do possuidor, a posse continua nos seus sucessores
126
Cordeiro, Direitos Reais, 1993, pág. 557.
Veja-se ainda o disposto no art. 1174º do Código Civil e os arts. 529º e 540º do
CCI. O Código de Processo Civil, que se passará a designar por CPC, foi aprovado
pelo Decreto-Lei nº 1/2006, de 21 de Fevereiro, tendo entrado em vigor no dia seguinte
(art. 5º).
128
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 89.
127
38
desde o momento da morte, independentemente da apreensão material
da coisa (art. 1176º do Código Civil e art. 541º do CCI).
O Código Civil, não enquadra a sucessão da posse nos meios de
aquisição de posse (art. 1183º). Estamos perante uma demonstração do
princípio de que a posse não depende da apreensão material da coisa.
Conforme José de Oliveira Ascensão, “Os herdeiros têm posse
independentemente do conhecimento da morte do de cujus, ou do facto
designativo, ou até da existência do bem. Quer dizer que aqui, mesmo
sem corpus nem animus, a lei atribui aos herdeiros a protecção
possessória”.129 A posse do sucessor forma um todo com a do de cujus,
havendo só alteração subjetiva.130
Aquele que houver sucedido na posse de outrem por título
diverso da sucessão por morte pode juntar à sua a posse do antecessor
(art. 1177º, nº 1, do Código Civil e arts. 543º e 1958º do CCI).
Se, porém, a posse do antecessor for de natureza diferente da
posse do adquirente, a acessão só se dará dentro dos limites daquela que
tem menor âmbito (art. 1177º, nº 2, do Código Civil). Assim, por
exemplo, no caso de acessão, se a posse do antecessor for de má fé, o
adquirente só poderá invocar a acessão da posse, ou seja, a posse desde
o seu início por parte daquele, com as mesmas características de má fé.
Se o novo possuidor passou a usufruir o bem de boa fé, então poderá
invocar tal característica da posse (posse de boa fé) mas apenas a partir
do momento em ele mesmo adquiriu a posse.
A acessão é possível apenas na aquisição derivada e é
facultativa, isto é, o adquirente pode invocar apenas a sua posse, a do
seu antecessor ou as duas conjuntas. Só é admissível em relação a
posses consecutivas.131 A acessão de posses pressupõe a existência de
um vínculo jurídico por via do qual a posse haja sido regularmente
transmitida a quem a invoca atualmente.
A separação que se verifica, quer no CCI, quer no Código
129
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 78.
Mesquita, Direitos Reais, 1984, pág. 103.
131
Mesquita, Direitos Reais, 1984, pág. 103.
130
39
Civil,132 entre a sucessão por morte e a acessão por transmissão da posse
leva a concluir que o sucessor por morte do possuidor não pode invocar
a diferente característica da sua posse. Assim, enquanto o adquirente da
posse por transmissão do possuidor pode invocar tanto a posse do
transmitente como apenas a sua, essa faculdade está vedada ao sucessor
na posse.
Por exemplo, se alguém adquirir por transmissão entre vivos a
posse, pode invocar a posse do transmitente (nomeadamente da pessoa
que lhe vendeu o imóvel), designadamente para contagem do prazo de
usucapião (ou prescrição aquisitiva). Mas, como se viu, se invocar a
posse do transmitente a sua posse terá as mesmas características que
tinha na pessoa do transmitente. Assim, se o transmitente era possuidor
de má fé, ao invocar a posse deste o adquirente passa a ser também
possuidor de má fé.
Ora, se o adquirente obteve o imóvel (ou o bem em causa) de
boa fé, no convencimento que a mesma efetivamente pertencia ao
transmitente, assim ignorando que lesava o direito de outrem, pode
então invocar a boa fé da sua posse, a qual apenas se considerará como
iniciada quando ele adquiriu o bem e não desde o início da posse pelo
transmitente.133
Ao distinguir a sucessão por morte da acessão na posse por
transmissão entre vivos, considerando que na primeira o sucessor passa
a ocupar o lugar do de cujus mantendo a posse exatamente as mesmas
características, o legislador terá querido retirar esta possibilidade ao
sucessor. Ou seja, se a posse do de cujus era de má fé, esta característica
mantém-se após a transmissão, não podendo o sucessor invocar a sua
ignorância de violação do direito de outrem (a boa fé) quando sucedeu
ao de cujus.134 Por outro lado, se a posse do de cujus era de boa fé, a
característica da boa fé da posse mantém-se ainda que o herdeiro tenha
132
O que também ocorria no âmbito dos Códigos Portugueses de 1867 e de 1966
(respetivamente arts. 482º, § 2º, e 483º do primeiro e arts. 1255º e 1256º do segundo).
133
O adquirente pode ter todo o interesse em invocar apenas a sua posse porque a lei
trata de forma menos favorável o possuidor de má fé. No âmbito do CCI, como se
verá, o possuidor de má fé nem sequer pode adquirir o bem por usucapião (arts. 549º e
1963º).
134
Aliás, como se viu, a sucessão opera automaticamente, não precisando o sucessor
sequer de invocar a posse do de cujus que se mantém na mesma.
40
conhecimento que a mesma viola o direito de outrem, não obstante o
disposto no art. 1190º, nº 1, do Código Civil135 (deixa de poder
beneficiar da proteção do possuidor de boa fé relativamente aos frutos
da coisa objeto da posse).
2.4 Posse precária
São havidos como meros detentores ou possuidores precários:
(a) os que exercem o poder de facto sobre a coisa, mas sem intenção de
agir como beneficiários do direito; (b) os que simplesmente se
aproveitam da tolerância do titular do direito; (c) os representantes ou
mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuem
em nome de outrem (art. 1173º do Código Civil e art. 1959º do CCI.
Veja-se ainda o art. 556º do CCI).136
A detenção engloba as situações em que, embora haja exercício
de facto, não se constitui a relação jurídica de posse.137 Há detenção nos
casos em que o exercício é desacompanhado da intenção de agir como
beneficiário do direito, a posse em nome de outrem, e quando alguém
exerce indevidamente poderes sobre coisa do domínio público.138
Na simples detenção ou posse precária, o sujeito exerce os
poderes correspondentes ao direito (corpus) mas não os exerce como se
fora titular dele (animus) e, por isso, este estado de coisas, por mais
tempo que dure, não pode conduzir à aquisição do direito, de que o
135
Contra Vaz Serra, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 103º, Coimbra
Editora, Coimbra, 1970, pág. 539.
136
A doutrina brasileira distingue a posse em direta e indireta. “Diz-se indireta a posse
quando o seu titular, afastando de si por sua própria vontade a detenção da coisa,
continua a exercê-la imediatamente após haver transferido a outrem a posse direta.
Assim, a lei reconhecendo o possuidor direto e o possuidor indireto, dá a ambos a
possibilidade de recorrer aos interditos (ações) para proteger sua posição ante terceiros,
além de conceder-lhes tais remédios possessórios um contra o outro, se necessário for”
(Silva, Direito das Coisas – Posse). Também o CCI, no seu art. 1959º, faz referência a
pessoas que “possuem em nome de outra pessoa”, porém, não se pode retirar daqui que
o CCI aceite a distinção supra referida, uma vez que exclui expressamente os
detentores precários dos meios de defesa da posse (art. 556º). Veja-se ainda os arts. 9º,
nº 3, e 10º, nº 1, do Projecto da Nova Lei das Terras.
137
Veja-se o acórdão do Tribunal de Recurso de 13-7-2010, processo nº
07/CÍVEL/2007/TR, relator Rui Penha.
138
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, págs. 89 e 90.
41
interessado não se apresenta como beneficiário.139
O instituto jurídico da posse não se confunde com a ocupação
material da coisa. A situação jurídica de posse é, naturalmente, diversa
da de mera detenção e a distinção tem essencialmente a ver com o
animus envolvente. Trata-se de situações em que uma pessoa exerce um
poder de facto sobre uma coisa sem a intenção de exercer o direito real
correspondente. Noutra perspetiva, o caso de uma pessoa que exerce
poderes de facto sobre uma coisa no interesse de outrem, com base em
negócio jurídico ou na lei, não podendo adquirir a posse verdadeira e
própria (ou seja em nome próprio) sem inversão do título da posse.140
Já os atos de mera tolerância são atos praticados com o
consentimento, expresso ou tácito, do titular do direito real mas sem que
este pretenda atribuir um direito ao beneficiário.
Com a sua tolerância o titular do direito apenas quer significar
que não fará oposição, que não reagirá contra os atos incompatíveis ou
contrastantes do seu direito. Mas não quer limitar este: o seu direito
conserva toda a licitude de onde deriva que o autor da tolerância se
reserva a faculdade de, em qualquer momento, pôr fim à atividade
tolerada.141
Por exemplo, o locatário e o promitente-comprador são meros
detentores. Nestes casos, quem é possuidor é o senhorio ou o
promitente-vendedor. A entrega da coisa ao arrendatário ou ao
promitente-comprador resulta do contrato celebrado, através do qual não
se transfere qualquer direito, nem a aparência do mesmo.142
Contudo, como já se referiu, presume-se que a posse é daquele
139
Telles, revista O Direito, 1989 (Janeiro-Março), pág. 650.
Instituto que se analisará infra.
141
Mesquita, Direitos Reais, 1984, pág. 70.
142
Veja-se, por exemplo, a própria definição de arrendamento (arts. 953º e 954º do
Código Civil). Sendo elemento essencial a cedência pelo senhorio do gozo temporário
de um imóvel, tal implica a obrigação do inquilino da sua restituição, findo o contrato.
Assim, a detenção e fruição do imóvel é feita em nome do senhorio, que pode ser mero
possuidor e não proprietário. A detenção e uso do imóvel pelo inquilino é meramente
precária e resulta do próprio contrato de arrendamento, não da intenção de usar o
mesmo como se fosse seu dono. A menos que o arrendatário proceda à inversão do
título de posse, nos termos a analisar infra. Sobre este ponto a disposição expressa do
art. 9º, nº 3, do Projecto da Nova Lei das Terras.
140
42
que exerce o poder de facto (art. 1172º, nº 2, do Código Civil e art. 534º
do CCI). Havendo corpus há, em princípio, posse,143 exceto se a causa
da situação a desvalorizar para mera detenção.144
3. Caracteres da posse
A posse pode ser titulada ou não titulada, de boa ou de má fé,
pacífica ou violenta, pública ou oculta (art. 1178º do Código Civil.145
Art. 541º do CCI: a posse pode ser de boa fé ou de má fé).
3.1 Posse titulada e posse não titulada
Diz-se titulada a posse fundada em qualquer modo legítimo de
aquisição, independentemente, quer do direito do transmitente, quer da
validade substancial do negócio jurídico (art. 1179º, nº 1, do Código
Civil e art. 1964º do CCI). Ou seja, o negócio jurídico é em princípio
adequado para que se proceda à transferência do direito, embora careça
de validade substancial (por exemplo, por o vendedor não ser o dono do
prédio).
Os vícios formais, como a falta de escritura pública quando a
mesma é exigida, conduzem à falta de título, contrariamente ao que
acontece com os vícios de natureza substantiva, nomeadamente a falta
do direito de quem declarou transmitir o mesmo, ou os vícios
substanciais do negócio.146
O nº 1 do art. 1179º do Código Civil esclarece que nem a falta do
direito do transmitente, nem a falta de validade substancial do negócio
143
Art. 1172º, nº 2, do Código Civil e art. 534º do CCI.
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 93.
145
O Projecto da Nova Lei das Terras acrescenta ainda a definição de posse duradoura
(“Para efeitos deste diploma, posse duradoura é a que transcorre ininterruptamente por
pelo menos vinte anos”). Porém, como já se referiu, o conceito de posse pressupõe o
exercício, ou possibilidade de exercício, do poder de facto sobre o imóvel, de forma
ininterrupta, ou seja, sem o ínterim de uma posse diferente, pelo que a aludida
definição se apresenta redundante. Trata-se, contudo, de classificação consagrada
igualmente no Código Civil Português de 1867, art. 522º (“Posse continua é a que não
tem sido interrompida”).
146
Art. 1964º do CCI.
144
43
jurídico excluem o título. A contrario, temos de admitir que a falta de
validade formal impede que se fale de título.147 Isto é o que resulta
expressamente do disposto no art. 1964º do CCI.
A posse titulada relativa ao direito de propriedade, ou qualquer
outro direito enunciado no 617º do CCI, só pode ser provada mediante a
apresentação de certidão de escritura pública da qual resulte a mesma,
uma vez que só por esta forma o direito se poderia adquirir. 148 Se a
posse só é titulada se for adquirida mediante título formalmente válido
(a escritura pública), quem não apresentar certidão da escritura pública
não pode invocar a posse titulada. Ou seja, a posse relativa a um direito
de propriedade resultante da aquisição por mero escrito particular é
posse não titulada.
Ainda que a escritura pública que está na origem da aquisição da
posse, possa ser anulada por incapacidade, erro, dolo, ou coação, a posse
não deixa de ser titulada.149
No caso de a coisa pertencer a pessoa diversa do vendedor
(venda de coisa alheia) o regime é diverso da anulação, mas a posse
continua a ser titulada.150 Neste caso o negócio é nulo,151 mas tal
nulidade vigora apenas entre as partes contratantes, sendo ineficaz
relativamente ao proprietário da coisa. Consequentemente, o
proprietário não tem que pedir a anulação do contrato, limitando-se a
agir como se o mesmo não existisse.152
A existência do título pressupõe a transmissão da posse, pelo que
só pode ocorrer posse titulada nos casos de aquisição derivada da
mesma.
O título não se presume, devendo a sua existência ser provada
147
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 96.
Art. 578º, nº 1, do CPC. Embora a 2ª parte do art. 617º do CCI exija a apresentação
de certidão do registo para prova da transmissão do direito de propriedade (resultado
do efeito constitutivo do registo já analisado supra), para efeitos de título de posse
basta a apresentação da escritura pública, como claramente resulta do art. 1964º do
CCI.
149
Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 199.
150
Sobre a venda de bens alheios veja-se Cunha, Venda de Bens Alheios, Revista da
Ordem dos Advogados de Portugal, 1987, págs. 421-472.
151
Arts. 626º do Código Civil e 1471º do CCI. O contrato pode, porém, validar-se.
152
Cunha, Venda de Bens Alheios, 1987, pág. 464.
148
44
por aquele que o invoca (art. 1179º, nº 2, do Código Civil).153
3.2 Posse de boa fé e posse de má fé
A posse diz-se de boa fé, quando o possuidor ignorava, ao
adquiri-la, que lesava o direito de outrem (art. 1180º, nº 1, do Código
Civil e art. 531º do CCI).154
A posse titulada presume-se de boa fé, e a não titulada, de má fé
(art. 1180º, nº 2, do Código Civil).
Já para o CCI a posse presume-se sempre de boa fé, impendendo
o ónus de prova da má fé sobre quem a alega (arts. 533º e 1965º).155
Será suficiente se a boa fé existir aquando da aquisição da posse (art.
1966º do CCI).
A posse adquirida por violência é sempre considerada de má fé,
mesmo quando seja titulada (art. 1180º, nº 3, do Código Civil).156
A ignorância a que a lei se reporta envolve, em regra, a
convicção do exercício de um direito próprio, adquirido por título
válido, sendo o momento relevante para o efeito o da aquisição da posse,
seja por apreensão da coisa, seja por tradição material ou simbólica.
Sendo assim, não deve considerar-se de boa fé quem, embora não
sabendo que viola o direito de outra pessoa, também não tem a mínima
preocupação em saber se viola ou não.157
A posse é de má fé se o possuidor estava consciente que os bens
153
Art. 510º, nº 1, do CPC.
O momento relevante para aferir as características da posse (boa ou má fé, violenta
ou pacífica, etc.) é o momento da constituição ou início da posse. Assim, se ao adquirir
a posse o possuidor ignorava legitimamente que lesava o direito de outra pessoa, a
posse mantém-se de boa fé, ainda que venha mais tarde a conhecer que lesava o direito
de outrem, sem prejuízo do disposto nos arts. 361º, al. a), do CPC, 1190º, nº 1, do
Código Civil e 532º do CCI.
155
Conforme os arts. 512º, nº 1, e 518º, nº 1 e 2, do CPC.
156
Embora o CCI não o diga expressamente, é evidente que também considera tal
posse como de má fé, sendo certo que penaliza severamente o possuidor que tenha
obtido a posse com violência, não lhe reconhecendo sequer os direitos que reconheceu
ao possuidor de má fé, conforme resulta dos arts. 557º, 563º, 568º e 580º do CCI.
157
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 98-99, referindo ainda Menezes
Cordeiro, in Boa Fé, vol. I, § 16.
154
45
na sua posse pertenciam a outrem (art. 532º do CCI).
Não está de má fé quem ignore a existência do direito que está
lesando, desde que não tivesse qualquer obrigação de o conhecer. É de
boa fé a posse que não sendo, na sua origem violenta, se tenha
constituído pensando o possuidor: a) que tinha ele próprio o direito; b)
que ninguém tinha direito algum sobre a coisa.158
Segundo Pires de lima e Antunes Varela, “sendo a posse
adquirida por intermédio de um representante, é na pessoa deste que
deve existir a boa fé, salvo se na constituição da posse tiver sido
decisiva a vontade do representado, ou este tiver de má fé. É a doutrina
do [art. 250º do Código Civil]. Assim, por exemplo, se um procurador é
encarregado de administrar uma herança alheia e se apropria de um
prédio na convicção errada de que ele pertence à mesma herança, a
posse é de boa fé. Se, porém, o procurador recebeu instruções
específicas para se apropriar daquele prédio, é já na pessoa do
representado que cabe verificar-se a boa fé”.159
3.3 Posse pacífica e posse violenta
Posse pacífica é a que foi adquirida sem violência (art. 1181º, nº
1, do Código Civil).160
Considera-se violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor
usou de coação física, ou de coação moral nos termos do artigo 246º161
(art. 1181º, nº 2, do Código Civil).162
A violência tanto pode ser exercida sobre as pessoas como sobre
a própria coisa, nomeadamente quando adquirida por meio de
arrombamento.
158
Cordeiro, Direito Reais, 1993, pág. 437.
Almeida, Restituição de Posse e Ocupação de Imóveis, 1986, pág. 55.
160
Veja-se o art. 15º, nº 1, do Projecto da Nova Lei das Terras.
161
O art. 246º do Código Civil define a coacção moral.
162
Como já se referiu, o CCI não define a posse violenta, mas refere-se a ela em vários
dos seus preceitos, retirando ao possuidor todos os eventuais direitos resultantes da
posse. Afigura-se que têm plena aplicação as considerações doutrinárias expostas a
propósito do regime relativo à posse violenta no âmbito do Código Civil. Veja-se o art.
15º, nº 2, do Projecto da Nova Lei das Terras.
159
46
A posse que começou violenta será juridicamente considerada
violenta mesmo que cesse a violência. Já não é violenta a posse que
começou sem coação (física ou moral), muito embora a sua manutenção
possa resultar de atos de violência repetida por parte do possuidor (vejase o art. 536º do CCI).163 Ou seja, se o possuidor começou a usufruir da
coisa de forma pacífica, sem usar de violência contra ninguém, mas
depois se opõe de forma violenta a que o anterior possuidor reassuma os
poderes sobre a coisa, a posse não é violenta. Pelo contrário, se o
possuidor ocupou o imóvel de forma violenta (com uso de coação física,
ou de coação moral, conforme definido supra), mas depois passa a fruir
o bem sem oposição do anterior possuidor, ainda assim a posse é
juridicamente considerada violenta.
3.4 Posse pública e posse oculta
Posse pública é a que se exerce de modo a poder ser conhecida
pelos interessados (art. 1182º do Código Civil).
A publicidade derivada da posse limita-se a noticiar, a dar a
conhecer ao público, a existência de um direito real.164
Posse oculta é definida tendo em atenção, não o momento
constitutivo, mas o próprio exercício. É relevante se o possuidor dá a
conhecer ou não o exercício da posse, não se a adquiriu subrepticiamente.
A posse oculta é verdadeira posse, mas é preterida pela melhor
posse do possuidor esbulhado, ou seja, o anterior possuidor, cuja posse é
afetada pela posse oculta, não chega a perder a posse, por a posse oculta
não ser conhecida.165 Assim, aquele que esconde a posse não pode opor
a mesma ao possuidor esbulhado ou ao proprietário, mas já a pode opor
a outra pessoa que pretenda impedir a sua posse.
163
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 100.
Cordeiro, Direitos Reais, 1993, pág. 406.
165
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 101.
164
47
3.5 Posse efetiva e posse civil
Oliveira Ascensão166 acrescentou ainda a posse efetiva e a posse
civil ao elenco característico da posse. Posse efetiva é a que tem
correspondência na situação de facto e posse civil a que não tem essa
correspondência. Como exemplo, apresenta o caso do possuidor
esbulhado, que mantém a posse durante um ano após o esbulho
(conforme os arts. 1187º, nº 1, al. d), do Código Civil e 545º, nº 1, do
CCI). Esta posse é meramente civil, porquanto a posse efetiva passou a
pertencer ao esbulhador.
4. Aquisição da posse
A posse adquire-se:
a) Pela prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais
correspondentes ao exercício do direito (art. 1183º, al. a), do Código
Civil e art. 538º do CCI);
b) Pela tradição material ou simbólica da coisa, efetuada pelo
anterior possuidor (art. 1183º, al. b), do Código Civil e art. 543º do
CCI);
c) Por constituto possessório (art. 1183º, al. c), do Código Civil e
art. 574º do CCI);
d) Por inversão do título da posse (art. 1183º, al. d), do Código
Civil e art. 535º do CCI).
A aquisição da posse pode ser originária ou derivada, no
primeiro caso por apossamento ou inversão do título e, no segundo, por
tradição, sucessão ou constituto possessório.
4.1 Apossamento
Entre outros meios, a posse adquire-se pela prática reiterada,
com publicidade dos atos materiais correspondentes ao exercício do
direito.
O apossamento traduz-se na aquisição unilateral da posse por via
166
48
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, págs. 102 e 103.
do exercício de um poder de facto, ou seja, pela prática reiterada, com
publicidade, de atos materiais correspondentes ao exercício do direito,
conforme o referido art. 1183º, al. a), do Código Civil. Trata-se de uma
forma de aquisição originária da posse, porquanto a mesma não deriva
da posse anterior de outra pessoa.
É necessário que se pratiquem atos de intensidade suficiente para
se poder afirmar que o sujeito colocou a coisa debaixo do seu poder
(como refere Oliveira Ascensão, “prática reiterada de actos materiais
correspondentes ao exercício do direito”).167
Precisamente porque na origem da posse está a atuação material
sobre a coisa e não um negócio jurídico, podem adquirir a posse os
incapazes, com exceção dos que padecem de anomalia psíquica.168
Os menores desprovidos do uso da razão só podem adquirir por
usucapião, por eles próprios, o direito de propriedade ou outro direito
real de gozo relativo às coisas suscetíveis de ocupação.169 No mais,
nomeadamente em relação aos bens imóveis, adquirem por usucapião
por intermédio dos seus representantes legais. Os menores com
capacidade de entender e de querer podem obter em seu proveito a
produção de todos os efeitos prescricionais aquisitivos permitidos na
lei.170 Ou seja, podem adquirir o direito correspondente ao exercício da
posse por usucapião.
167
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 81.
Art. 1188º do Código Civil (“Podem adquirir posse todos os que têm uso da razão, e
ainda os que o não têm, relativamente às coisas susceptíveis de ocupação”), e art. 539º
do CCI (“Orang gila tidak dapat memperoleh besit untuk diri sendiri. Anak belum
dewasa dan wanita bersuami, dengan melakukan perbuatan tersebut di atas, dapat
memperoleh besit atas suatu barang”, na versão em inglês: “Individuals who are insane
cannot acquire possession for themselves. Minors may acquire possession of assets in
the manner set out above”).
169
Isto significa que não podem adquirir por usucapião o direito de propriedade ou
qualquer outro direito real sobre imóveis, uma vez que estes não são susceptíveis de
aquisição por ocupação.
170
Sousa e Matias, Da Incapacidade Jurídica de Menores, 1983, pág. 113.
168
49
4.2 Tradição da coisa
A tradição da coisa consubstancia-se na transferência voluntária
da posse entre vivos, em regra quando a transmissão da situação jurídica
e da situação de facto coincidem, o que ocorre quando há entrega da
coisa. Trata-se da forma específica de transferência voluntária da posse
entre vivos.171
O contrato de compra e venda não cria o domínio, pois apenas o
transmite, não sendo de invocar como facto integrativo da posse. O
essencial é que os atos aquisitivos se dirijam ao estabelecimento de uma
relação duradoura com a coisa, não bastando um contrato fugaz,
passageiro.172
Juntamente com a sucessão na posse por morte do anterior
possuidor, a tradição trata-se de um caso de acessão da posse. Contudo,
no caso da tradição, a acessão é facultativa, uma vez que o novo
possuidor pode invocar a posse do antecessor, somando a deste à sua, ou
não, limitando-se a invocar apenas a sua posse, desde o memento da
transmissão.173 Por exemplo, como já se viu, se a posse do antecessor
for de má fé, o novo possuidor pode ter interesse em invocar apenas a
sua posse, no caso de esta ser de boa fé, dado que se acrescer a posse do
antecessor a sua posse será igualmente considerada como posse de má fé
(art. 1176º, nº 2, do Código Civil e arts. 536º e 541º do CCI).
4.3 Constituto possessório
Se o titular do direito real, que está na posse da coisa, transmitir
esse direito a outrem, não deixa de considerar-se transferida a posse para
o adquirente, ainda que, por qualquer causa, aquele continue a deter a
coisa (art. 1184º, nº 1, do Código Civil e arts. 543º e 574º do CCI).
Se o detentor da coisa, à data do negócio translativo do direito,
for um terceiro, não deixa de considerar-se igualmente transferida a
posse, ainda que essa detenção haja de continuar (art. 1184º, nº 2, do
171
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 114 (“Aí, a transmissão da situação
jurídica acompanha a transferência da situação de facto: o antigo possuidor demite-se
da sua situação, em que ingressa o novo possuidor. Há então uma entrega”).
172
Mesquita, Direitos Reais, 1984, pág. 97.
173
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 115.
50
Código Civil). Por exemplo, no caso de o proprietário de um prédio
arrendado o transmitir por contrato de compra e venda a outra pessoa,
esta passa a ser possuidora do mesmo, ainda que se mantenha o contrato
de arrendamento e consequentemente a detenção do imóvel pelo
arrendatário.174
Para José de Oliveira Ascensão175 são pressupostos do constituto
possessório: a) a transmissão do direito real relativo à coisa a que a
posse se refere; b) pelo possuidor; c) sem haver entrega.
O que se pretende é atribuir a posse ao adquirente do direito de
propriedade, ainda que a coisa não lhe seja entregue materialmente. O
anterior proprietário, ou outra pessoa, mantém a detenção da coisa, mas
a lei passa a considerar o adquirente como possuidor da mesma.
O exercício do constituto possessório terá que ser efetuado
mediante ação declarativa de condenação, com processo comum.176 Não
existindo processo especial para o caso, a ação aproxima-se muito da
ação de reivindicação de propriedade.177 A ação só improcederá se o
terceiro detentor provar que tem melhor posse do que aquela que resulta
do constituto possessório, ou seja a posse do adquirente do direito de
propriedade. Tal situação ocorrerá no caso de o anterior proprietário não
ser já o possuidor da coisa que vendeu.
Para o mesmo autor, embora os artigos em causa (quer no
Código Civil, quer no CCI) refiram apenas o direito de propriedade,
“deve-se entender a referência à propriedade num sentido amplo e
proteger deste modo todos os direitos reais que conferem posse, pois
então são idênticas as razões de decidir”.178
4.4 Inversão do título de posse
A inversão do título da posse pode dar-se por oposição do
174
Conforme art. 988º do Código Civil e art. do CCI.
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 116.
176
Arts. 3º, nº 2, al. b), e 347º, nº 2, do CPC. Não tem relevância para o caso a
discussão doutrinária sobre a característica de tal ação (ação real ou possessória).
177
Sobre o assunto veja-se Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, págs. 118-119.
178
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 120, citando também Manuel
Rodrigues, “A Posse”, nº 89.
175
51
detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía ou por ato de
terceiro capaz de transferir a posse (art. 1185º do Código Civil e arts.
1960º e 1961º do CCI).179
Qualquer detentor pode adquirir a posse opondo-se ao titular do
direito sobre a coisa detida, seja qual for a razão da existência da mera
detenção.180 Não há inversão do título quando, depois de se extinguir a
relação jurídica que originou a detenção, por exemplo mandato ou
depósito, a coisa continua em poder do detentor apenas porque o
respetivo titular não exigiu a sua restituição.181 Aqui a detenção da coisa
está condicionada pelo título que lhe deu origem, daí a necessidade de
inversão do título.182
A cedência da posse propriamente dita sobre uma coisa
pressupõe a celebração de algum negócio jurídico que tenha por objeto
mediato a referida transferência, como é o caso, por exemplo, dos
contratos de alienação do direito de propriedade ou de constituição de
direitos reais. Não sendo a traditio realizada em consequência de um ato
de alienação do direito de propriedade, tendo em vista a sua futura
alienação, não se pode concluir pelo animus correspondente a um direito
real nem concluir pela inversão do título.
Traditio brevi mani consiste em o possuidor e detentor
substituírem o negócio jurídico ou o facto que deu origem à detenção,
por um novo negócio jurídico, em virtude do qual a relação material até
ali existente entre o detentor e o objeto passa a ser uma relação
possessória. Por exemplo, no caso de arrendamento, um terceiro, que
invoca ser ele o proprietário do imóvel, e o arrendatário celebram um
contrato nos termos do qual este adquire o direito de propriedade sobre o
imóvel. Passa o inquilino a ser possuidor do imóvel, ainda que o
179
Vejam-se ainda os arts. 535º, 536º e 1959º do CCI.
Cordeiro, Direitos Reais, 1993, pág. 667.
181
Mesquita, Direitos Reais, 1984, pág. 98.
182
A inversão do título da posse, oposição categórica, de modo a sobrepor-se à
aparência representada pelo título, tem de traduzir-se em actos positivos (materiais ou
jurídicos) inequívocos (reveladores que o detentor quer, a partir da oposição, actuar
como se tivesse sobre a coisa o direito real que, até então, considerava pertencente a
outrem) e praticados na presença ou com o consentimento daquele a quem os actos se
opõem (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, de 29-10-2009, processo
nº 151/2001.S1, relator Pereira da Silva, in www.dgsi.pt/jstj).
180
52
contrato em causa seja formalmente inválido, designadamente por ter
sido celebrado verbalmente ou mediante mero escrito particular.183
Já, a modificação da situação da posse, em que o mero detentor
passa a ser verdadeiro possuidor, implica uma atuação positiva daquele,
traduzida na inversão do título de posse, ou, do lado do proprietário,
uma situação de abandono dos seus poderes de proprietário, consentindo
que sejam exercidos pelo detentor.184
Porque a inversão do título da posse ocorre quando o detentor se
opõe àquele em cujo nome possuía,185 essa oposição tem de traduzir-se
em atos positivos e inequívocos praticados pelo oponente.186 Ou seja,
não basta que o detentor passe a considerar-se possuidor, é necessário
que manifeste em atos materiais sobre a coisa o exercício
correspondente ao direito (nomeadamente de propriedade) e que afirme
de forma clara e inequívoca essa sua intenção perante o possuidor
anterior, em nome de quem detinha a coisa.187
5. Perda da posse
O possuidor perde a posse:
183
Art. 1961º do CCI.
Art. 544º do CCI (“Orang kehilangan besit, sekalipun tanpa kehendak untuk
menyerahkannya pada orang lain, bila barang yang dikuasainya ditinggalkannya secara
nyata”, na versão em inglês: “An individual shall forfeit the possession,
notwithstanding the absence of intent to assign the assets to another person, if the
individual clearly abandons such”).
185
Art. 1960º do CCI.
186
Neste sentido o art. 536º do CCI (“Orang kehilangan besit, sekalipun tanpa
kehendak untuk menyerahkannya pada orang lain, bila barang yang dikuasainya
ditinggalkannya secara nyata”, na versão em inglês: “An individual cannot, due to his
intent, or due to the passage of time, change the origin and the basis of his personal
possession”).
Veja-se Cordeiro, Direitos Reais, 1993, pág. 668, e Mesquita, Direitos Reais, 1984,
pág. 98.
187
“Oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía” (art. 1185º
do Código Civil). No mesmo sentido os aludidos arts. 535º e 536º do CCI. “A oposição
tem de ser categórica, de modo a sobrepor-se à aparência que era representada pelo
título. Por exemplo, o usufrutuário declara peremptoriamente que é ele quem é o
proprietário, que só por engano agira a título de usufrutuário, e faz saber ao
proprietário a sua oposição” (Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 92).
184
53
a) Pelo abandono (art. 1187º, nº 1, al. a) do Código Civil e art.
544º do CCI);
b) Pela perda ou destruição material da coisa ou por esta ser
posta fora do comércio (art. 1187º, nº 1, al. b), do Código Civil e arts.
545º, nº 2, e 546º do CCI);
c) Pela cedência (art. 1187º, nº 1, al. c), do Código Civil e art.
543º do CCI);
d) Pela posse de outrem, mesmo contra a vontade do antigo
possuidor, se a nova posse houver durado por mais de um ano (art.
1187º, nº 1, al. d), do Código Civil e arts. 545º, nº 1, e 1978º do CCI).
5.1 Abandono
Como já se referiu supra a posse não implica necessariamente a
detenção material da coisa. Assim, a perda da posse pelo abandono só
ocorre quando o possuidor, intencionalmente, se afasta do bem com o
fim de se privar de sua disponibilidade física e de não mais exercer
sobre ela quaisquer atos possessórios. A perda da posse pelo abandono
deverá ser exteriorizada de maneira que não existam dúvidas que o
possuidor efetivamente pretende abandonar a coisa, ou seja, não
pretende manter a res.188
O referido abandono implica necessariamente a extinção do
corpus e do animus da posse por virtude de ato material
intencionalmente dirigido à rejeição da posse ou da coisa possuída, não
se confundindo com a simples inação do titular que não cuida da
coisa.189 Há pois uma atuação voluntária, que diferencia estas situações
das de mera inércia do titular, que não leva por si à perda da posse.190
Assentando a posse no corpus, ou seja num efetivo e existente
controlo material de uma coisa nos termos de um direito, ela extingue-se
quando o possuidor, por sua vontade ou sem ela, deixa de ter esse
controlo material. O abandono só extingue a posse havendo perda do
188
Coisa.
Acórdão da Relação de Lisboa de 9-3-2010, processo nº 28/05.4TBVLS.L1-1,
relatora Ana Grácio, in www.dgsi.pt/jtrl.
190
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 122.
189
54
corpus, o possuidor quebra o controlo material que tinha sobre a coisa,
deixando de o exercer por opção própria.191
O abandono pressupõe um ato material, praticado
intencionalmente, de rejeição da coisa, pelo que a perda de posse, pelo
abandono, está diretamente conexionada com a intenção de “atirar a
coisa fora da esfera de atuação material do titular da posse”.192
5.2 Perda ou destruição material da coisa
A perda da coisa refere-se aos bens móveis e dá-se quando for
absolutamente impossível encontrá-la, de modo que não se possa mais
utilizar a coisa economicamente.
A destruição da coisa decorre de evento natural ou fortuito, de
ato do próprio possuidor ou de terceiro. É preciso que se inutilize a coisa
definitivamente, impossibilitando o exercício do poder de utilizar
economicamente o bem por parte do possuidor, pois a sua simples
danificação não implica a perda da posse.
Em ambos os casos o corpus tornou-se impossível. Trata-se de
uma situação em que a impossibilidade de exercício do corpus é
definitiva e não meramente provisória.
Enquanto na perda da coisa, a posse extingue-se pelo simples
desaparecimento do poder de facto independentemente da vontade, 193 no
caso do abandono basta que se largue a coisa, isto é, que não se exerça
mais qualquer atividade sobre ela, conscientemente.
A perda da posse pela inalienabilidade da coisa ocorre quando a
coisa for colocada fora do comércio por motivo de ordem pública, de
moralidade, de higiene ou de segurança coletiva, não podendo, assim,
ser possuída porque é impossível exercer, com exclusividade, os poderes
inerentes ao domínio. Integra esta situação a expropriação da coisa por
utilidade pública. Neste caso, a coisa, ou o bem imóvel, passa a integrar
o domínio público, pelo que passam a estar excluídos do comércio
191
Vieira, Direitos Reais, 2008, págs. 605 e 606.
Acórdão da Relação do Porto de 11-10-1994, processo nº 9341240, relator Araújo
de Barros, in www.dgsi.pt/jtrp.
193
Cordeiro, Direitos Reais, 1993, pág. 777.
192
55
jurídico, sendo assim insuscetíveis de posse (art. 193º, nº 2, do Código
Civil e os arts. 537º e 520º a 525º do CCI).
5.3 Cedência
A tradição, além de meio de aquisição da posse pode acarretar a
sua extinção, é uma perda por transferência. Trata-se, pois, de perda de
posse relacionada com as formas de aquisição derivada (tradição e
constituto possessório). Neste caso haverá perda da posse para quem
transmite o bem, pela demissão do seu corpus e do animus, ou só deste
último.
A lei não prevê a morte do possuidor como forma de extinção da
posse, porquanto esta não se extingue transmitindo-se para o seu
sucessor.
5.4 Nova posse
A perda da posse pela existência da posse de outrem verifica-se
quando o primeiro possuidor, por inércia, deixa decorrer o prazo de ano
e dia, depois de ter sido turbado ou esbulhado no exercício da sua posse
por outra pessoa, ainda que contra a sua vontade. Esta inércia acarreta a
perda da sua posse, dando lugar a uma nova posse em favor de outrem.
A nova posse de outrem conta-se desde o seu início, se foi
tomada publicamente, ou desde que é conhecida do esbulhado, se foi
tomada ocultamente; sendo adquirida por violência, só se conta a partir
da data em que termine a violência (art. 1187º, nº 2, do Código Civil e
art. 565º do CCI).194
O possuidor perde a posse logo que sobre a mesma coisa se
constitua nova posse incompatível com a primeira a favor de outra
pessoa. Antes do aludido decurso do ano, a posse anterior prevalece
sobre a nova posse. Mas no caso do apossamento de outrem, mesmo que
contra a vontade do possuidor inicial, este perde a posse em
consequência de aquele novo possuidor manter a nova posse por mais de
194
56
Veja-se o art. 1202º do Código Civil e o art. 558º do CCI.
um ano, ou seja, pelo menos, um ano e um dia.195
Sobre a mesma coisa não podem incidir posses incompatíveis,
com exceção da situação acima referida.196 Sendo que, o primeiro
possuidor goza da faculdade de, no prazo de um ano, recuperar a sua
posse.197
6. Efeitos da posse
6.1 Presunção da titularidade do direito
O possuidor goza da presunção da titularidade do direito exceto
se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao
início da posse (art. 1188º, nº 1, do Código Civil e arts. 548º, nº 1, e
549º, nº 1, do CCI).198
Ao estatuir que a posse confere a presunção da titularidade do
direito, a lei presume que quem está na posse da coisa é titular do direito
correspondente aos atos que pratica sobre ela. Face a esta presunção,
surgindo uma situação de dúvida, esta é superada em termos favoráveis
ao possuidor.199 Assim, a posse anterior ao registo de qualquer direito
195
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 124.
José de Oliveira Ascensão (Direito Civil – Reais, 2000, pág. 124) defende que “o
esbulhador tem logo, nos termos gerais, uma verdadeira posse, resultante do seu
apossamento. Podem por isso existir posses em conflito actual. O critério de
preferência é-nos dado pela antiguidade de mais de um ano”. Acrescenta de seguida:
“Interessa-nos sobretudo acentuar que sobre a mesma coisa podem existir posses
contraditórias. A autonomia relativa que a posse foi atingindo, em relação à situação de
facto de que nasceu, permite que se constitua sobre uma coisa uma nova posse, sem
que isso signifique necessariamente a destruição da posse anterior” (pág. 126).
197
Mesquita, Direitos Reais, 1984, pág. 110.
198
Protege-se a posse porque ela é a exteriorização do domínio, pois o possuidor é o
proprietário presuntivo. Tal proteção é conferida através de ações possessórias.
Enquanto a ação reivindicatória é a propriedade na ofensiva, a ação possessória é a
propriedade na defensiva. Desse modo, a proteção possessória é um complemento à
defesa da propriedade, pois através dela, na maioria das vezes, vai o proprietário ficar
dispensado da prova de seu domínio (Silva, Direito das Coisas – Pose).
199
Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 204.
196
57
sobre a coisa ilide a presunção de propriedade resultante do registo.200
Em caso de dúvida a lei faz presumir a posse naquele que exerce
o poder de facto sobre a coisa. José de Oliveira Ascensão salienta que
esta presunção, porque se baseia numa aparência, só funciona quando o
sujeito se apoderou faticamente da coisa. Por exemplo, uma posse
meramente jurídica, como a resultante de constituto possessório, não dá
presunção de titularidade.201
Por força do disposto neste artigo, é de presumir que quem está
na posse de uma coisa é titular do direito correspondente aos atos que
pratica sobre ela. Assim, provado o elemento material da posse e dele
decorrendo, por força dessa presunção, o elemento moral, compete à
parte contrária ilidir essa presunção, sob pena de ser reconhecido o
direito respetivo.
Esta presunção é aplicável tanto para a posse de boa fé como
para a posse de má fé (arts. 548º, nº 1, e 549º, nº 1, do CCI). Importa
aqui lembrar que a posse não titulada se presume de má fé (art. 1180º, nº
2, do Código Civil). Justificando este preceito escrevem Álvaro Moreira
e Carlos Fraga, “é que, de facto, pode ser difícil ou impossível provar
directamente por uma cadeia ininterrupta de transmissões a titularidade
do direito”.202
6.2 Responsabilidade do possuidor
O possuidor de boa fé só responde pela perda ou deterioração da
coisa se tiver procedido com culpa (art. 1189º do Código Civil e art.
574º do CCI).
O possuidor de má fé responde pela perda ou deterioração da
coisa nos termos da responsabilidade pelo risco por mora do devedor
200
Conforme se viu já, o registo faz presumir a titularidade do direito inscrito (arts. 8º
do Código de Registo Predial Português de 1967 e 23º, nº 2, da Lei Agrária Indonésia).
Esta presunção cede perante posse anterior ao registo.
201
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 106. Acrescenta o autor, “não tem que
ser posse efectiva, tal como é reclamada pela usucapião, mas é uma posse que tem de
se manifestar por uma actuação fáctica sobre a coisa”.
202
Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 204.
58
(art. 741º do Código Civil).203 Ou seja, o possuidor de má fé é
responsável pela perda ou deterioração da coisa, mesmo que estes factos
lhe não sejam imputáveis, a menos que demonstre que os danos sempre
teriam ocorrido ainda que não tivesse existido a sua posse (art. 579º, nº
2, do CCI).
6.3 Frutos
O possuidor de boa fé faz seus os frutos naturais percebidos204
até ao dia em que souber que está a lesar com a sua posse o direito de
outrem, bem como os frutos civis correspondentes ao mesmo período
(art. 1190º, nº 1, do Código Civil e art. 548º, nº 3, do CCI).205
Se ao tempo em que cessa a boa fé estiverem pendentes frutos
naturais, é o titular obrigado a indemnizar o possuidor pelas despesas de
cultura, sementes ou matérias-primas e, em geral, de todas as despesas
de produção, desde que não sejam superiores ao valor dos frutos que
vierem a ser colhidos (art. 1190º, nº 2, do Código Civil e art. 576º do
CCI)206. O possuidor de boa fé tem que restituir os frutos após cessar a
boa fé. Mas, tendo ele pago as despesas relativas às plantações ou obras,
das quais resultam os aludidos frutos (sementes, obras, que não sejam
enquadráveis na definição de benfeitorias, aquisição de água para rega,
etc.), e estando de boa fé na altura de tal investimento, deve deduzir tais
encargos na restituição dos frutos resultantes do investimento feito.
Caso o valor do investimento seja superior ao valor dos frutos, não
pode, porém, exigir a diferença, mas nada terá que pagar.
203
1. Pelo facto de estar em mora, o devedor torna-se responsável pelo prejuízo que o
credor tiver em consequência da perda ou deterioração daquilo que deveria entregar,
mesmo que estes factos lhe não sejam imputáveis. 2. Fica, porém, salva ao devedor a
possibilidade de provar que o credor teria sofrido igualmente os danos se a obrigação
tivesse sido cumprida em tempo.
204
Recebidos.
205
Veja-se ainda o art. 575º do CCI.
206
Cessa a boa fé com a citação do possuidor em ação de restituição de posse ou de
reivindicação contra o possuidor atual, conforme art. 361º, al. a), do CPC (no mesmo
sentido o art. 532º do CCI e o art. 1190º, nº 2, do Código Civil). Como se viu, a posse é
de boa fé quando quem a exerce ignora que lesa o direito de outra pessoa. Assim, se o
autor vem invocar algum direito sobre o bem possuído, após a citação o possuidor não
pode mais ignorar que outra pessoa se arroga direitos sobre o mesmo bem. Daí que
cesse a boa fé do possuidor.
59
Se o possuidor tiver alienado frutos antes da colheita e antes de
cessar a boa fé, a alienação subsiste mas o produto da colheita (o
dinheiro recebido) pertence ao titular do direito real sobre a coisa,
deduzida a indemnização a que o parágrafo anterior se refere (art. 1190º,
nº 3, do Código Civil).207 A justificação do preceito resulta do facto de a
alienação dos frutos poder ser efetuada antes da colheita dos mesmos.
O possuidor de má fé deve restituir os frutos que a coisa
produziu até ao termo da posse e responde, além disso, pelo valor
daqueles que um proprietário diligente poderia ter obtido (art. 1191º do
Código Civil e art. 549º, nº 2, do CCI).208 O possuidor de má fé comete
um acto ilícito que obriga a indemnizar, designadamente a restituir os
frutos que a coisa produziu, ou podia produzir. Conforme salienta José
de Oliveira Ascensão, daqui resulta que só o possuidor de boa fé goza
do direito de fruição da coisa, estando o mesmo vedado ao possuidor de
má fé.209
Se os frutos percipiendos210 excederem os frutos produzidos pela
coisa, o proprietário pode exigir ainda ao possuidor a soma
correspondente a esse excesso. Se o possuidor não for diligente e não
explorar devidamente o imóvel, quando o podia fazer, então responde
também por tal omissão. O proprietário pode ainda exigir a diferença em
relação aos frutos que ele próprio, em concreto, poderia obter.
A partir do momento em que a ação de reivindicação for
proposta pelo reivindicante, o possuidor fica na situação de possuidor de
má fé.211 Poderá continuar a ter a convicção de que possui justamente,
mas essa convicção é inoperante.212
6.4 Encargos
Os encargos com a coisa são pagos pelo titular do direito e pelo
207
O mesmo resulta do disposto no art. 576º do CCI.
Vejam-se ainda os arts. 559º e 579º, nº 1, do CCI.
209
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 107.
210
Os frutos que um proprietário diligente poderia ter obtido.
211
Cessa a boa fé da posse quando contra o possuidor for intentada ação de restituição
do imóvel ou de reivindicação (arts. 361º, al. a), do CPC, 532º do CCI e 1190º, nº 1, do
Código Civil).
212
Rodrigues, A Posse, 1996, pág. 350.
208
60
possuidor, na medida dos direitos de cada um deles sobre os frutos no
período a que respeitam os encargos (art. 1192º do Código Civil e arts.
575º e 579º, nº 1, do CCI).213 Daqui resulta que os encargos serão
suportados pelo possuidor, até à interposição da ação para entrega do
imóvel. Aliás, o pagamento dos encargos constitui manifestação da
posse, do uso do imóvel como titular do direito.
Trata-se aqui apenas de encargos e não de benfeitorias. Trata-se
de despesas correntes inerentes ao uso da coisa, como, por exemplo, os
impostos ou os foros.
6.5 Benfeitorias214
Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser
indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim
a levantar as benfeitorias úteis realizadas, desde que o possam fazer sem
detrimento da coisa (art. 1193º, nº 1, do Código Civil e arts. 575º e 579º,
nº 1, do CCI). Excetua-se no CCI o caso da posse adquirida por
violência (art. 580º). O direito de indemnização por benfeitorias
pressupõe e exige a posse em nome próprio.
Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao
levantamento das benfeitorias, o titular do direito compensará o
possuidor pelo valor delas, calculado segundo as regras do
enriquecimento sem causa (art. 1193º, nº 2, do Código Civil).
O possuidor goza do direito de retenção sobre a coisa pelo valor
das benfeitorias necessárias efetuadas (art. 688º do Código Civil e art.
575º, 2ª parte, do CCI).215
O pedido de indemnização de benfeitorias que não podem
levantar-se sem detrimento da coisa destina-se a evitar um
enriquecimento sem causa à custa do possuidor que é obrigado a
entregar a coisa. Assim, o valor da indemnização não deve exceder o
valor dos melhoramentos efetuados.
213
214
Conforme referido no ponto anterior.
Sobre o conceito e características das benfeitorias veja-se supra o Título I, Capítulo
V.
215
Porém, o CCI refere apenas o possuidor de boa fé.
61
O possuidor de boa fé tem direito a levantar as benfeitorias
voluptuárias, não se dando detrimento da coisa; no caso contrário, não
pode levantá-las nem receber o valor delas (art. 1195º, nº 1, do Código
Civil e art. 581º do CCI). No entanto, para José de Oliveira Ascensão,
parece dever entender-se que o possuidor de boa fé poderá sempre
levantar as benfeitorias voluptuárias, desde que repare as deteriorações
causadas na coisa.216
O possuidor de má fé perde, em qualquer caso, as benfeitorias
voluptuárias que haja feito (art. 1195º, nº 2, do Código Civil).
A obrigação de indemnização por benfeitorias é suscetível de
compensação quando exista a responsabilidade do possuidor por
deteriorações na coisa (art. 1194º do Código Civil). Ou seja, o titular do
direito que reivindique a coisa do possuidor terá que indemnizar este
pelas benfeitorias feitas, mas pode deduzir a tal valor aquilo que o
possuidor tiver que pagar por deteriorações da coisa pelas quais seja
responsável.
6.5 Usucapião
A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de
gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo
disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício
corresponde a sua atuação: é o que se chama usucapião, ou prescrição
aquisitiva (arte. 1207º do Código Civil e artes. 548º, nº 2, 1946º e 1955º
do CUCI).
Dada a sua importância tratar-se-á autonomamente esta matéria
217
infra.
7. Defesa da posse
7.1 Ações possessórias
Existem os seguintes meios de defesa judicial da posse, previstos
nos arts. 1196º a 1206º do Código Civil: ação de prevenção, ação de
216
217
62
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 109.
Ponto 8.
manutenção, ação de restituição, ação de restituição no caso de esbulho
violento e embargos de terceiro. Para além destes meios, existem ainda
os meios de defesa da posse de carácter extrajudicial, ou seja a ação
direta e a legítima defesa, previstos nos arts. 327º e 328º do Código
Civil. No entanto, o recurso ao tribunal constitui o meio de defesa
normal do possuidor esbulhado.218
Um dos efeitos relevantes da posse traduz-se nos respetivos
meios de defesa, as chamadas ações possessórias. A posse confere a
possibilidade de vir a juízo requerer determinadas providências para sua
defesa, mediante as chamadas ações possessórias. Podemos, assim, falar
de um contencioso possessório para designar o conjunto dessas ações,
por oposição ao contencioso petitório, representado fundamentalmente
pelas ações destinadas a defender a propriedade e não a posse. As ações
possessórias são, genericamente, ações destinadas a defender a posse
contra atos que a ameacem ou que a lesem. São estas a ação de
prevenção, a ação de manutenção, as ações de restituição da posse e os
embargos de terceiro.219
7.2 Ação de manutenção da posse
Se o possuidor tiver justo receio de ser perturbado ou esbulhado
por outrem, será o autor da ameaça, a requerimento do ameaçado,
intimado para se abster de lhe fazer agravo, sob pena de multa e
responsabilidade pelo prejuízo que causar (art. 1196º do Código
Civil).220
Para a aplicação da ação de prevenção é necessário, além de uma
situação de posse, que esta não tenha sido lesada e que tenham ocorrido
factos de que seja legítimo inferir estar o possuidor sob ameaça séria de
ser perturbado ou esbulhado (trata-se pois de uma ação antecipatória). A
expressão justo receio destina-se a inculcar a ideia de que não basta um
receio mais ou menos vago, os atos atribuídos ao réu hão-de ter o
carácter de ameaças positivas e capazes de se traduzir em vias de
218
Almeida, Restituição de Posse e Ocupação de Imóveis, 1986, pág. 24.
Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, págs. 207 e 208.
220
Não existe disposição semelhante no CCI.
219
63
facto.221
O meio adequado para a ação de prevenção será a providência
cautelar não especificada dos arts. 305º a 316º do CPC. Efetivamente, se
a ameaça é séria, como exige o artigo, então o recurso ao processo
declarativo comum não acautela o direito do possuidor ameaçado,
devido à natural demora do mesmo. Isto não invalida, obviamente, que o
possuidor tenha que intentar posteriormente ação declarativa, sob pena
de caducidade da providência, nos termos dos arts. 307º, nº 1, e 313º, nº
1, al. a), do CPC.222
7.3 Restituição de posse
O possuidor que for perturbado ou esbulhado pode manter a
posse ou recuperá-la por sua própria força e autoridade, nos termos do
artigo 327º (do Código Civil), ou recorrer ao tribunal para que este lhe
mantenha ou restitua a posse (art. 1197º do Código Civil e arts. 550º,
551º e 566º do CCI).
A manutenção da posse tem lugar quando o possuidor não foi
esbulhado da coisa, mas houve mera perturbação da sua posse. Havendo
esbulho, o meio adequado é a restituição.
Conforme salientado por Manuel Rodrigues, “Há esbulho
sempre que alguém for privado do exercício da retenção ou fruição do
objecto possuído, ou da possibilidade de o continuar. O esbulho pode ser
parcial, verificar-se só em relação a uma parte do objecto, como quando
alguém se apropria de uma parte de um prédio rústico possuído por
outrem, murando-a por exemplo”.223 Daí que não ocorra esbulho, mas
antes mera turbação da posse, quando os atos de terceiro apenas
dificultam o exercício do poder de facto inerente à posse, que assim se
mantém na esfera do possuidor.224 No esbulho, o terceiro não permite
que o possuidor atue sobre a coisa que até então possuía, dela ficando o
221
Cordeiro, Direitos Reais, 1993, pág. 835.
A acção principal segue a forma de acção declarativa de condenação com processo
comum (arts. 3º, nº 2, al. b), e 347º, nº 2, do CPC (Almeida, Restituição de Posse e
Ocupação de Imóveis, 1986, pág. 30).
223
Rodrigues, A Posse, 1996, pág. 363.
224
Cordeiro, A Posse, 2005, pág. 146.
222
64
último desapossado e impedido de exercer toda e qualquer fruição.225
O ato de esbulho consiste no facto de o possuidor ficar privado
do exercício ou da possibilidade de exercício dos poderes
correspondentes à sua posse.226 Daí que não haja esbulho quando os atos
de terceiro apenas dificultam o exercício dos poderes do possuidor.
O recurso à ação direta e à legítima defesa (arts. 327º e 328º do
Código Civil) pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes
requisitos: a) impossibilidade de recurso, em tempo útil, aos meios
coercivos normais, nomeadamente aos tribunais; b) violação efetiva ou
eminente do direito; c) racionalidade dos meios utilizados.
Quanto ao segundo requisito, há ação direta quando existe uma
agressão do interesse do titular já finda ou consumada e existe legítima
defesa quando essa agressão é atual, portanto já iniciada mas ainda não
consumada.
Quando não se verificar situação de esbulho violento, o
possuidor ainda assim pode recorrer ao tribunal, usando a providência
cautelar de embargo de obra nova, se, por exemplo, o esbulhador
construir um muro que impeça a posse, ou pode usar os meios cautelares
comuns ou a ação declarativa comum.
No caso de recorrer ao tribunal, o possuidor perturbado ou
esbulhado será mantido na posse ou esta será restituída ao mesmo
enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito (art.
1198º, nº 1, do Código Civil e arts. 561º e 562º do CCI). Ou seja,
enquanto estiver pendente ação para decidir a questão da titularidade do
direito e até decisão da mesma. Para isso deve o possuidor esbulhado
recorrer a uma providência cautelar comum dos arts. 307º a 312º do
CPC.
Se a posse não tiver mais de um ano, o possuidor só pode ser
mantido ou restituído contra quem não tiver melhor posse (art. 1198º, nº
2, do Código Civil e art. 561º do CCI). É melhor posse a que for
225
Veja-se o acórdão do Tribunal de Recurso de 1-12-2011, processo nº
11/Cível/Agravo/2011/TR, relator Rui Penha.
226
Mesquita, Direitos Reais, 1984, pág. 126.
65
titulada; na falta de título, a mais antiga; e, se tiverem igual antiguidade,
a posse atual (art. 1198º, nº 3, do Código Civil).
Só é plenamente protegido pelas ações de manutenção e de
restituição da posse o possuidor cuja posse é superior a um ano, ou seja,
que detenha a posse chamada de ano e dia. Tal possuidor pode sempre,
provada que seja a posse de ano e dia, obter a manutenção ou restituição
da posse, não sendo admitida a contraparte a provar que tem melhor
posse. Só depois é que se irá discutir se a posse é ou não legítima.227
Não existindo processo especial para a situação do constituto
possessório previsto no art. 1184º, nº 1, do Código Civil e arts. 543º e
574º do CCI, o mesmo deve ser exercido através de ação declarativa de
condenação, com processo comum, nos termos gerais.
Saliente-se que as ações mencionadas não são aplicáveis à defesa
das servidões não aparentes, salvo quando a posse se funde em título
provindo do proprietário do prédio serviente ou de quem lho transmitiu
(art. 1200º do Código Civil e arts. 552º e 553º do CCI). Não pode haver
posse nas chamadas servidões não aparentes, porquanto os atos
correspondentes ao conteúdo das servidões não aparentes são
normalmente atos de tolerância do proprietário da coisa.
7.4 Restituição provisória de posse
O possuidor que for esbulhado com violência tem o direito de ser
restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador.228
No caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja
restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que
constituem a posse, o esbulho e a violência (art. 317º do CPC e art. 563º
do CCI).
São requisitos específicos da providência:
- esbulho, ou seja a retirada total ou parcial da posse de um bem;
- a violência, ou seja que a retirada do bem ocorra com utilização
227
228
66
Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 210.
Veja-se os arts. 1199º do Código Civil e 563º do CCI.
de força.229
Assim, ficam dispensados certos requisitos gerais como sejam o
receio de lesão grave ou o prejuízo com a demora da entrega do bem.
Ou seja, “o autor não carece de alegar e provar que corre um risco, que é
exposto à ameaça de um dano jurídico com a demora da posse,
bastando-lhe alegar e provar os pressupostos desta acção cautelar”.230
Quanto à posse, como é característico das providências
cautelares, basta demostrar a mera probabilidade da sua existência.
Basta ao autor demonstrar que “é, aparentemente, titular do direito que
invoca”.231
A violência poderá ser contra a pessoa ou contra a coisa. Por
exemplo, constitui caso de violência contra a coisa arrombar a porta de
uma casa e substituir a fechadura.
Considera-se violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor
usou de coação física ou de coação moral (art. 1181º, nº 2, do Código
Civil). A coação moral, na hipótese de esbulho, ocorre quando o
possuidor da coisa é forçado à sua privação pelo receio de um mal de
que foi ilicitamente ameaçado. A coação física supõe completa ausência
de vontade por parte daquele a quem a posse foi usurpada. 232 Coação
física é aquela em que através do recurso à força física, se anula e exclui
totalmente a liberdade exterior do coacto, conduzindo à completa
ausência de vontade do mesmo e colocando-o numa situação de
impossibilidade material de agir.
No silêncio da lei, a doutrina portuguesa233, a propósito de
disposição semelhante, têm-se dividido quanto à questão de saber se a
violência para efeitos de caracterizar o esbulho como de violento tem de
recair sobre pessoas, ou se também pode recair sobre coisas.
O entendimento maioritário da doutrina vai no sentido de que,
para efeitos do deferimento do procedimento cautelar de restituição
229
Isto é, o ato de retirar a posse ao requerente é não consentido.
Almeida, Restituição de Posse e Ocupação de Imóveis, 1986, pág. 120.
231
Almeida, Restituição de Posse e Ocupação de Imóveis, 1986, pág. 120.
232
Lima e Varela, Código Civil Português Anotado, vol. I, 1987, pág. 23.
233
A jurisprudência estrangeira, nomeadamente a portuguesa, tem o efeito de doutrina.
Só se pode falar verdadeiramente em jurisprudência quando se trata de decisões
proferidas pelos tribunais nacionais de Timor-Leste.
230
67
provisória de posse, tanto é admissível que a violência tenha sido
exercida sobre as pessoas, ou sobre as coisas, mas neste caso, só releva
se tiver por fim intimidar o possuidor, o que só poderá ocorrer sobre as
coisas que constituem obstáculo ao esbulho e não sobre a própria coisa,
objeto da posse.234
Porém, esta violência tem que se reportar ao momento do
esbulho, o que logo resulta da expressão esbulhado com violência e não
a momento posterior, em que já depois do aludido esbulho o esbulhador
se opõe com violência à restauração por parte do possuidor235.
A violência contra as coisas só releva se se pretender por via dela
intimidar, direta ou indiretamente, a vítima da mesma, sendo
irrelevantes os meros atos materiais de danificação ou destruição inaptos
para afetar o possuidor em termos psicológicos.
O possuidor tem que intentar posteriormente ação declarativa,
sob pena de caducidade da providência, nos termos dos arts. 307º, nº 1, e
313º, nº 1, al. a), do CPC.
7.5 A ação de manutenção ou de restituição da posse
A ação de manutenção da posse segue a forma de processo
declarativo de condenação e pode ser intentada pelo perturbado ou pelos
seus herdeiros, mas apenas contra o perturbador, salva a ação de
indemnização contra os herdeiros deste (art. 1201º, nº 1, do Código
Civil).
A ação de restituição de posse pode ser intentada pelo esbulhado
ou pelos seus herdeiros, não só contra o esbulhador ou seus herdeiros,
mas ainda contra quem esteja na posse da coisa e tenha conhecimento do
esbulho (art. 1201º, nº 2, do Código Civil). O que ressalta deste artigo é
que a ação de restituição não pode ser intentada contra quem esteja na
posse da coisa de boa fé.
234
Reis, Código de Processo Civil Português Anotado, vol. I, 2004, pág. 670.
Trata-se de situação semelhante à que ocorre com a aquisição da posse por meio de
violência (ver Capítulo III, al. c). Aliás o esbulho pode consistir na aquisição de uma
nova posse, pelo que se justifica a aplicação dos mesmos princípios. Neste sentido o
acórdão do Tribunal de Recurso de 7-7-2011, Processo nº 06/Cível/Agravo/2011/TR,
relator Rui Penha.
235
68
A ação de manutenção, bem como as de restituição da posse,
caducam, se não forem intentadas dentro do ano subsequente ao facto da
turbação ou do esbulho, ou ao conhecimento dele quando tenha sido
praticado a ocultas (art. 1202º do Código Civil e arts. 558º e 565º do
CCI). Ambos os preceitos, do Código Civil e do CCI, referem-se a prazo
de caducidade, como é expresso no primeiro caso.236
Se os vários atos de perturbação são complementares uns dos
outros por se dirigirem a um mesmo fim e se deles resulta a constituição
como possuidor de uma pessoa contrária, o prazo de um ano conta-se a
partir do primeiro desses atos. Se os vários atos de perturbação, mesmo
que sejam de natureza idêntica, têm autonomia e não envolvem a perda
da posse, o prazo ocorre separadamente em relação a cada um deles.237
É havido como nunca perturbado ou esbulhado o que foi
mantido na sua posse ou a ela foi restituído judicialmente (art. 1203º do
Código Civil e art. 560º do CCI). É assim indiferente a posse do
esbulhador, uma vez que sobre a mesma coisa não podem haver duas
posses plenas.
O possuidor mantido ou restituído tem direito a ser indemnizado
do prejuízo que haja sofrido em consequência da turbação ou do esbulho
(art. 1204º, nº 1, do Código Civil e arts. 568º e 576º a 581º do CCI). A
restituição da posse é feita à custa do esbulhador e no lugar do esbulho
(art. 1204º, nº 2, do Código Civil). Só depois de mantido ou restituído
236
Prata, Dicionário Jurídico, 2005, pág. 179. Caducidade é a extinção não retroativa
de efeitos jurídicos em virtude da verificação de um facto jurídico stricto sensu, isto é,
independentemente de qualquer manifestação de vontade. Como forma extintiva dos
direitos, a caducidade opera quando o direito não é exercido dentro de um dado prazo
fixado por lei ou convenção. O termo do prazo de caducidade opera com o simples
instaurar da ação (art. 322º, nº 1, do Código Civil). O prazo de caducidade atinente ao
processo, não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei que regula
cada situação concreta o admite (art. 319º do Código Civil). O prazo de caducidade, se
a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder
legalmente ser exercido (art. 322º, nº 1, do Código Civil). No caso de um facto
continuado, o prazo só se inicia a partir do momento em que cessa esse facto.
237
Mesquita, Direitos Reais, 1984, pág. 130. Por exemplo, se o possuidor de um prédio
vizinho começa por cultivar uma parte do prédio do esbulhado e depois constrói um
muro separando a parte do prédio que ocupou do restante prédio do esbulhado, o prazo
inicia-se com o primeiro ato (o cultivo do terreno alheio). Diferentemente, se o vizinho
ocupa apenas temporariamente parte do terreno do esbulhado para pastar o seu gado, o
prazo é distinto em relação a cada uma destas ocupações, correndo separadamente.
69
pode o possuidor exigir ao turbador ou esbulhador que o indemnize.
7.6 Embargos de terceiro
O possuidor cuja posse for ofendida por diligência ordenada
judicialmente, por exemplo uma penhora em ação executiva, pode
defender a sua posse mediante embargos de terceiro, nos termos
definidos na lei de processo (art. 1205º do Código Civil). Nos termos do
disposto no artigo 286º do CPC, se qualquer ato judicialmente ordenado
de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer direito
incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja
titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo
embargos de terceiro.
Ou seja, os embargos de terceiro visam restituir ao possuidor ou
titular de outro direito real a coisa que lhe foi retirada por ato judicial, de
apreensão ou entrega de bens, desde que o mesmo não tenha sido parte
na causa. Permite-se, deste modo, que os direitos substanciais atingidos
ilegalmente pela penhora ou ato de apreensão judicial de bens possam
ser invocados, desde logo, pelo lesado no próprio processo em que a
diligência ofensiva teve lugar.
São, pois, requisitos essenciais da atendibilidade dos embargos
de terceiro que o embargante tenha a posição de terceiro, isto é, que não
tenha intervindo no processo ou no ato jurídico de que emana a
diligência judicial, nem represente quem foi condenado no processo, ou
quem no ato se obrigue, e que tenha a posse ou direito sobre a coisa que
a diligência de penhora fez apreender, incompatível com a mesma.
O embargante não necessita de provar a sua propriedade sobre os
bens que considera indevidamente apreendidos, é bastante a prova da
sua posse. Já a prova de que ele, embora possuidor, não é proprietário e
de que os bens podem ser executados incumbe ao credor.238
7.7 Composse
Cada um dos compossuidores, seja qual for a parte que lhe cabe,
238
70
Mesquita, Direitos Reais, 1984, pág. 129. Conforme o art. 510º, nº 2, do CPC.
pode usar contra terceiro dos meios supra referidos, quer para defesa da
própria posse, quer para defesa da posse comum, sem que ao terceiro
seja lícito opor-lhe que ela não lhe pertence por inteiro (art. 1206º, nº 1,
do Código Civil).239 Já nas relações entre compossuidores não é
permitido o exercício da ação de manutenção (art. 1206º, nº 2, do
Código Civil).
8. Usucapião240
8.1 Definição
Conforme já se referiu, a posse do direito de propriedade ou de
outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta
ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a
cujo exercício corresponde a sua atuação: é o que se chama usucapião,
ou prescrição aquisitiva ou positiva (art. 1207º do Código Civil241 e arts.
548º, nº 2, 1946º e 1955º do CCI)242.
A verificação da usucapião depende de dois elementos: a posse e
o decurso de certo período de tempo variável. O tempo necessário varia
consoante a natureza móvel ou imóvel da coisa, a característica da
239
Ou seja, não se verifica a situação de litisconsórcio necessário prevista no art. 31º
do CPC, pelo que apenas um dos compossuidores tem legitimidade para intentar acção
ou providência para manutenção ou restituição da posse.
240
No estudo da usucapião tomar-se-á em consideração o regime previsto no Código
Civil Português de 1867 e no Código Civil Português de 1966, por terem manifesto
interesse na apreciação concreta das situações que se colocam, para além, como é
evidente do regime do CCI e do Código Civil de Timor-Leste. Importa ter em conta
que grande parte das situações de posse que possam legitimar a invocação da
usucapião se iniciou ainda no âmbito do Código Civil Português de 1867, sobretudo
tendo em consideração o escasso período de vigência no território nacional de TimorLeste do Código Civil Português de 1966.
241
Igual o art. 1287º do Código Civil Português de 1966. O CCI denomina este
instituto como de prescrição aquisitiva (designação frequente na doutrina
internacional) e regula o mesmo precisamente no capítulo relativo à prescrição
(Capítulo VII, do Livro IV, Secção 2), embora também se lhe refira no capítulo que
aborda a posse (Capítulo II, do Livro II). No mesmo sentido o Código Civil Português
de 1867, que designa a situação de prescrição positiva no seu art. 505º. Por
contraponto à prescrição extintiva, ou negativa, que extingue o direito do credor, aqui a
prescrição cria, ou faz nascer um direito novo na esfera do seu beneficiário.
242
Veja-se Mesquita, Direitos Reais, 1984, pág. 112.
71
posse, ou o regime jurídico aplicável. Para conduzir à usucapião a posse
tem de revestir sempre duas características: pública e pacífica. Os
restantes caracteres (boa ou má-fé, titulada ou não titulada, etc.) influem
apenas no prazo.
O art. 517º do Código Civil Português de 1867 estipulava que “a
posse para o effeito da prescripção deve ser: 1º Titulada;243 2º De boa
fé;244 3º Pacifica;245 4º Continua;246 5º Publica”. 247
O Código Civil Português de 1966 continha regime semelhante
ao do atual Código Civil de Timor-Leste (art. 1287º). Ou seja a posse,
para efeitos de usucapião pode ser de boa ou má fé, titulada ou não
titulada.
Importa salientar, contudo, que no CCI a posse de má fé não
confere direito à aquisição por usucapião ou, como se diz naquele
código, por prescrição aquisitiva. Assim, no âmbito do CCI, para além
de pública e pacífica, a posse tem que ser de boa fé.
243
“É posse titulada a que a que se funda em justo titulo; e diz-se justo titulo qualquer
modo legtimo de adquirir, independentemente do direito do transmitente” (art. 518º).
244
“Posse de boa fé é aquella que procede de titulo cujos vicios não são conhecidos do
possuidor. Posse de má fé é a que se dá na hipothese inversa” (art. 476º). Assim, para
que a posse fosse de boa fé, no âmbito do Código Civil Portguês de 1867, seria sempre
necessário que fosse titulada, não podia haver boa fé sem título (Ferreira, Codigo Civil
Portuguez Anotado, vol. II, 1870, págs. 12-13). O que suscita alguma dificuldade é a
circunstância de, por um lado, a posse se presumir de boa fé (art. 478º), sendo certo
que o título não se presume, tendo a sua existência que ser provada por quem o invoca
(art. 519º). A solução desta aparente contradição é apresentada por José Dias Ferreira:
“A boa fé não se presume sem existir título, por que a boa fé consiste em se
desconhecer os vícios do título”. Ou seja o que se presume é que o título não padece de
vícios, mas quem invoca a boa fé na posse tem sempre que invocar e provar a
existência do título. Como se verá adiante, não quer dizer que a prescrição não
produzisse efeitos no caso de posse não titulada e, consequentemente, de má fé,
conforme se pode verificar da leitura do art. 529º do Código Civil de Seabra.
245
“Posse pacifica é a que se adquire sem violência” (art. 521º).
246
“Posse continua é a que não tem sido interrompida” (art. 522º).
247
“Posse publica diz-se aquella que foi devidamente registada, ou tem sido exercida
de modo que pode ser conhecida dos interessados” (art. 523º). O registo seria normal
na posse de boa fé, uma vez que a mesma teria que ser titulada.
72
O instituto jurídico da posse, para efeitos de usucapião, não se
confunde com a ocupação material da coisa. É necessário, como já se
analisou supra, que essa ocupação revista em si mesma as características
próprias do direito correspondente. É esta manifestação do direito que
conduz à sua aquisição com o decorrer do tempo e não a mera ocupação
da coisa. O que se visa com a prescrição, seja ela aquisitiva ou extintiva,
é a segurança jurídica, a proteção do interesse social em estabelecer
harmonia, justiça e segurança, dando fim a litígios e evitando que estes
fiquem por tempo indefinido à disposição de alguém, se lhe fosse
permitido muitos anos depois vir reclamar um direito seu que se perdeu
no tempo, com a consequente dificuldade de reconstituição das provas
que até poderão ter deixado de existir.248
Esta é uma forma originária de aquisição do direito de
propriedade e aquela que o ordenamento jurídico considera a mais
relevante, pelo que requer que a posse tenha especiais características,
que de algum modo a tornem digna do direito a que conduz.249
Invocada a usucapião, os seus efeitos retrotraem-se à data do
248
“A posse como caminho para a dominialidade é a posse stricto sensu e não a posse
precária … a posse na sua força jurísgena aspira ao direito, tende a converter-se em
direito. Daí que o ordenamento não somente a proteja, como a reconheça como um
caminho para a dominialidade, reconstituindo-se através dela a própria ordenação
definitiva. O que nela se homenageia é menos a posse em si do que o direito que a
mesma indicia, que é a prefiguração do direito a cujo título se possui. Donde a
exigência, em qualquer sistema possessório de uma posse em nome próprio, de uma
intenção de domínio – e uma intenção que não deixe dúvidas sobre a sua
autenticidade” (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal de 20-9-2005,
processo nº 05A1773, relator Fernandes Magalhães, in www.dgsi.pt/jstj). Acrescentase no acórdão, ainda do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, de 30-9-2004, “A
situação jurídica de posse é, naturalmente, diversa da de mera detenção e a distinção
tem essencialmente a ver com o animus envolvente. Trata-se de situações em que uma
pessoa exerce um poder de facto sobre uma coisa sem a intenção de exercer o direito
real correspondente ou, noutra perspectiva, de pessoa que, com base em negócio
jurídico ou na lei, exerce poderes de facto sobre uma coisa no interesse de outrem, caso
em que não adquire a posse verdadeira e própria, ou seja, em nome próprio, sem
inversão do título da posse” (processo nº 04B2894, relator Salvador da Costa, in
www.dgsi.pt/jstj).
249
Carvalho, Introdução à Posse, 1989/1990, pág. 67.
73
início da posse (art. 1208º do Código Civil e art. 1957º do CCI).250 É
como se o direito existisse desde o início da posse. Como se houvesse
coincidência inicial. Em contrapartida, morre o direito de propriedade
anterior.251
A usucapião aproveita a todos os que podem adquirir (art. 1209º,
nº 1, do Código Civil e arts. 538º do CCI).252 Assim, os incapazes
podem adquirir por usucapião, tanto por si como por intermédio das
pessoas que legalmente os representam (art. 1209º, nº 2, do Código Civil
e arts. 539º do CCI).253
Os detentores ou possuidores precários não podem adquirir para
si, por usucapião, o direito possuído, exceto achando-se invertido o
título da posse; mas, neste caso, o tempo necessário para a usucapião só
começa a correr desde a inversão do título, conforme referido supra (art.
1210º do Código Civil e art. 1959º do CCI).254 Vejam-se ainda os arts.
1173º, 1183º, al. d), e 1185º do Código Civil e o arts. 535º, 536º e 556º
do CCI.
A usucapião por um compossuidor relativamente ao objeto da
posse comum aproveita igualmente aos demais compossuidores (art.
1211º do Código Civil).
São aplicáveis à usucapião, com as necessárias adaptações, as
disposições relativas à suspensão e interrupção da prescrição, bem como
o preceituado nos artigos 291º (nulidade dos negócios que modifiquem o
250
Art. 1288º do Código Civil Português de 1966.
Carvalho, Teoria Geral do Direito Civil, 1981, pág. 154 (“Quando falamos de
decadência do direito como forma de extinção objectiva referimo-nos aos casos em
que um direito morre por formação de um direito incompatível, que prevalece sobre
ele. É o que se passa na usucapião”).
252
Art. 1289º do Código Civil Português de 1966 e art. 510º do Código Civil
Português de 1867.
253
Porém, só podem adquirir por si os bens susceptíveis de aquisição por ocupação,
isto é, bens móveis. “Em vista da letra do Codigo póde sustentar-se que para adquirir a
posse são competentes até os menores, comtanto que tenha uso de rasão, ao passo que
para adquiri a propriedade pela prescripção são incompetentes os menores, ainda que
tenham uso de rasão” (Ferreira, Codigo Civil Portuguez Anotado, vol. II, 1870, pág.
15), mas podem adquirir por intermédios dos seus representantes legais (art. 507º do
Código Civil Português de 1867 e art. 1289º, nº 2, do Código Civil Português de 1966).
254
Art. 1290º do Código Civil Português de 1966 e art. 480º do Código Civil
Português de 1867.
251
74
prazo de usucapião), 293º (possibilidade de renúncia à usucapião apenas
depois de decorrido o respetivo prazo), 294º (necessidade de invocação
da usucapião pelo beneficiário) e 296º (possibilidade de invocação da
usucapião por terceiros) todos do Código Civil (art. 1212º do Código
Civil e art. 1946º do CCI). Como já se referiu, estamos no âmbito da
prescrição aquisitiva, que não deixa de ser um caso de prescrição.
8.2 Usucapião de imóveis
Não podem adquirir-se por usucapião: a) As servidões prediais
não aparentes; b) Os direitos de uso e de habitação (art. 1213º do Código
Civil e arts. 552º e 556º do CCI).255 Conforme se viu supra, a posse para
poder conduzir à aquisição do direito por usucapião tem de ser pública e
pacífica, pelo que as servidões não aparentes estão excluídas, uma vez
que não são públicas, não são conhecidas das pessoas. Desconhecendose o exercício dos atos materiais de posse não se pode atribuir relevância
jurídica aos mesmos.256
255
Não existe disposição expressa de proibição da aquisição por usucapião do direito
de uso e ocupação, mas ela parece resultar evidente do regime previsto nos seus arts.
818º a 829º, em especial do art. 827º. Para Alfredo Moraes de Almeida também o
aforamento não era suscetível de aquisição por usucapião no âmbito do Código Civil
Português de 1867, em virtude de a mesma não estar incluída nas formas de
constituição previstas no art. 1655º (Almeida, Da Emphyteuse no Moderno Direito
Civil Portuguez, 1898, pág. 64). Já o Código Civil Português de 1966 prevê a
usucapião como forma de constituição do aforamento no seu artigo 1497º.
256
Veja-se igualmente o art. 1438º, nº 1, do Código Civil e o art. 699º do CCI. Art.
678º do CCI (“Pengabdian pekarangan tampak atau tidak tampak. Pengabdian
pekarangan tampak adalah yang ada tanda-tanda lahiriahnya, seperti pintu, jendela,
pipa air dan lain-lain semacam itu. Pengabdian pekarangan tidak tampak adalah yang
tidak ada tanda-tanda lahiriah mengenai adanya, seperti larangan membangun di atas
pekarangan, membangun lebih tinggi dari ketinggian tertentu, hak menggembalakan
ternak dan lain-lainnya yang memerlukan suatu perbuatan manusiana”, versão em
inglês: “Visible servitudes are those that are physically apparent such as a door, a
window, a water pipe and other such similar objects. Invisible servitudes are those
whose existence is imperceptible, such as the prohibition against building on a plot of
land, or against building above a certain height, the right to graze cattle and other
matters that require human involvement”). Art. 1438º, nº 2, do Código Civil,
“Consideram-se não aparentes as servidões que não se revelam por sinais visíveis e
permanentes”.
75
Quanto ao direito de uso e habitação esta impossibilidade está
relacionada com a sua natureza. O direito de habitação tem a natureza de
afetação de satisfação de necessidades pessoais. O direito de habitação
abrange o usus e o fructus, mas apenas na medida das necessidades
pessoais do seu titular e da sua família. Este direito tem de se entender
somente como abrangendo o morador usuário, tem de se pautar pelas
suas necessidades pessoais, contrariamente ao usufruto em que a fruição
e o uso são ilimitados.257
A usucapião, como qualquer outra situação de prescrição, não é
de conhecimento oficioso, pelo que tem necessariamente que ser
invocada pela pessoa a quem aproveita (art. 294º do Código Civil,258
aqui aplicável por remissão do art. 1212º, e art. 1950º do CCI).259
A questão que se coloca neste caso é a de saber se o direito de
propriedade, adquirido por usucapião, pode ser invocado por quem já
não é possuidor, mas foi possuidor do imóvel durante o prazo necessário
para a sua verificação, tendo entretanto sido esbulhado pelo possuidor
atual.
Afigura-se que não, salvo o caso do esbulho violento. Isto resulta
expressamente dos arts. 1955º e 1978º do CCI,260 mas também do art.
257
Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 420.
O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de
ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu
representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público.
259
“Hakim, karena jabatannya, tidak boleh menggunakan kedaluwarsa”, na versão em
inglês: “The judge may not, officially, apply the means of prescription”.
260
“Untuk memperoleh hak milik atas sesuatu dengan upaya kedaluwarsa, seseorang
harus bertindak sebagai pemilik sesuatu itu dengan menguasainya secara terusmenerus dan tidak terputus-putus, secara terbuka di hadapan umum, dan secara tegas”,
na versão em inglês: “To acquire ownership of property by means of prescription, an
individual must have continuous, uninterrupted, open and unequivocal possession”
(art. 1955º) e “Kedaluwarsa dicegah bila pemanfaatan barang itu dirampas selama
lebih dari satu tahun dari tangan orang yang menguasainya, baik oleh pemiliknya
semula maupun oleh pihak ketiga”, em inglês:“Prescription shall be precluded if the
owner, within a period of more than one year, has been denied the enjoyment of a
matter, either by the previous owner, or by a third party” (art. 1978º). Lembre-se que a
posse se perde através da posse de outrem por período superior a um ano (art. 545º, nº
1, do CCI).
258
76
1207º do Código Civil. Conforme é acentuado por José de Oliveira
Ascensão, a posse prescricional é necessariamente uma posse efetiva, o
que pressupõe um exercício atual do poder de facto sobre a coisa.261
Porém, para o mesmo autor, o possuidor causal262 poderá invocar
a usucapião como forma de aquisição originária, se não tiver título
bastante ou tiver perdido este.263 Conforme acentua Rui Pinto, “não se
perceberia que o possuidor formal ganhasse com a invocação da
usucapião e o possuidor causal, legítimo, não a pudesse invocar, ficando
cingido ao título”.264
A invocação da usucapião tanto pode ocorrer judicial como
extrajudicialmente.265 O que quer dizer que o possuidor que pretenda
invocar a usucapião não tem que intentar ação judicial para esse efeito,
mas terá que a invocar, nomeadamente perante o atual possuidor, no
caso de ter sido esbulhado.266 A invocação extrajudicial da usucapião
pode ser feita de qualquer forma,267 embora assuma particular relevância
a escritura pública.268
Para o Código Civil, se a posse tiver sido constituída com
violência ou tomada ocultamente, os prazos da usucapião só começam a
contar-se desde que cesse a violência ou a posse se torne pública (art.
1217º do Código Civil)269. O que significa que o possuidor esbulhado
ainda pode invocar a usucapião (judicial ou extrajudicialmente) até um
ano após ter cessado a violência, ainda que não exerça poder de facto
261
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, págs. 297-298. Não tem, no entanto, que ser
exercida pessoalmente pelo possuidor, podendo sê-lo por interposta pessoa.
262
A pessoa que tem um título de propriedade mas não a posse.
263
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, págs. 94-95 e 104.
264
Pinto, Direitos Reais de Moçambique, 2006, pág. 547.
265
Judicialmente pode ser invocada, por exemplo, em acção de reivindicação, ou em
defesa por excepção na acção contra si intentada.
266
Art. 294º do Código Civil e art. 1950º do CCI.
267
Duarte, Curso de Direitos Reais, 2007, pág. 295.
268
A este propósito veja-se a escritura de justificação notarial, prevista nos arts. 72º-A
e 73º-A do Regime Jurídico do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei nº 3/2004, de 4
de Fevereiro, introduzidos pelo Decreto-Lei nº 24/2009, de 26 de Agosto.
269
No caso de posse oculta, ela só assume relevância jurídica depois de se tornar
pública. Quanto à posse violenta, ela não perde a sua característica de “posse violenta”,
mesmo cessando a violência, mas pode a mesma conduzir à verificação da prescrição
aquisitiva (ou usucapião), desde que decorra o prazo da posse de má fé a contar da data
da cessação da violência.
77
sobre o imóvel.270
No âmbito do CCI, porém, no caso de o possuidor ter sido
esbulhado com violência a sua posse mantém-se sem limite de prazo (ou
seja o primitivo possuidor nunca perde a posse, embora perca o domínio
sobre a coisa), ainda que cesse a violência, pelo que pode a todo o tempo
invocar a prescrição, enquanto se mantiver a posse do esbulhador com
violência.271
A prescrição pode ser invocada judicialmente mesmo em sede de
recurso (art. 1951º do CCI). Importa, porém, ter presente que a citação
do réu possuidor para ação de reivindicação da propriedade do imóvel
que ele possui interrompe o prazo prescricional (art. 314º, nº 1, do
Código Civil e art. 1980º do CCI).
8.3 Prazos de usucapião
1. Código Civil Português de 1867
A matéria encontrava-se regulada nos arts. 526º a 529º nos
seguintes termos:
No caso de registo da mera posse o prazo era de cinco anos (art.
526º, § 1º). A mera posse só podia ser registada se existisse sentença,
transitada em julgado, que declarasse que o autor possuía o imóvel de
forma pública pacífica e contínua há mais de cinco anos (art. 524º do
Código Civil Português de 1867). Só depois do trânsito da sentença se
poderia proceder ao registo da mera posse, mediante certidão da mesma,
ocorrendo a prescrição (ou usucapião) decorrido o prazo de cinco anos,
agora sobre a data do registo. O que na prática resulta que o prazo seria
sempre superior a dez anos a contar da data do início da posse.
Havendo registo do título de aquisição, o prazo de usucapião era
de dez anos, igualmente a contar da data do registo (art. 526º, § 2º).
Importa aqui lembrar que apenas a posse titulada era considerada de boa
fé para o Código Civil Português de 1867. Pressupondo igualmente que
o título fosse formalmente válido, ou, não o sendo, desconhecendo o
possuidor os vícios do mesmo (art. 476º). Existindo título o mais natural
270
271
78
Conforme o art. 1187º, nº 1, al. d), do Código Civil.
Arts. 568º e 536º do CCI.
seria que se procedesse ao registo do mesmo.
No caso de a sentença de mera posse ou do título de aquisição
sofrerem de qualquer vício, nomeadamente que os tornasse nulos ou
anuláveis (aqui se incluindo o vício de forma do título), mas mesmo
assim tivessem sido registados, então a prescrição positiva, ou
aquisitiva, ocorreria passados dez anos sobre os prazos referidos
anteriormente, mesmo que o possuidor conhecesse de tais vícios, ou
seja, ainda que se verificasse má fé do possuidor (art. 527º).272
Não existindo registo da posse ou do título, no caso da posse de
boa fé (que, lembre-se, pressupõe sempre a existência de um título), o
prazo de usucapião era de quinze anos (art. 528º).273 E no caso de má fé
o prazo era de trinta anos (art. 529º).274
2. Código Civil Português de 1966
Nos termos do Código Civil Português de 1966 a usucapião
ocorria do seguinte modo:
Havendo título de aquisição e registo deste, a usucapião teria
lugar: a) Quando a posse, sendo de boa fé, tivesse durado por dez anos,
contados desde a data do registo; ou b) Quando a posse, ainda que de má
fé, tivesse durado quinze anos, contados da mesma data (art. 1294º).275
Se o possuidor dispusesse de título, ainda que substancialmente
inválido, por exemplo por o vendedor não ser o proprietário do imóvel,
a aquisição do direito por usucapião poderia ocorrer decorridos dez anos
sobre a data do registo, se o possuidor ignorava que lesava o direito de
272
Este preceito relembra ainda a necessidade da inversão do título da posse para que o
detentor do imóvel em nome de outrem possa invocar a posse, a qual só se inicial com
tal inversão.
273
Trata-se aqui do caso de o possuidor ter um título e não proceder ao registo do
mesmo. Repare-se que o prazo é aqui inferior ao que resulta da posse com registo do
título mas com má fé do possuidor (que seria de pelo menos vinte anos, nos termos dos
arts. 526º e 527º).
274
Está aqui incluída a situação de posse sem qualquer título, independentemente de o
possuidor conhecer ou não que viola o direito de outrem. O que distingue a posse de
boa fé da de má fé é a existência ou inexistência do título.
275
Lembre-se que o título tem que ser formalmente válido, embora possa ser
substancialmente inválido (art. 1259º).
79
outrem (art. 1260º, nº 1), nomeadamente por ignorar a invalidade
substancial do título, ou decorridos quinze anos ainda que conhecesse
que lesava o direito de outrem. A publicidade resultante do registo
justifica esta especial proteção da posse titulada.
Se não existisse título, podia ainda ocorrer registo da mera posse
nos termos referidos supra.276 Neste caso (registo de mera posse), a
usucapião podia dar-se decorridos cinco anos, contados desde a data do
registo, se fosse de boa fé277 (art. 1295º, nº 1, al. a)), ou decorridos dez
anos, a contar da mesma data, ainda que não fosse de boa fé278 (art.
1295º, nº 1, al. b)).
Não havendo registo, quer do título (ainda que este existisse),
quer da mera posse (ainda que existisse sentença declarando-a), a
usucapião só podia ocorrer decorridos quinze anos, se a posse fosse de
boa fé, ou vinte anos, se fosse de má fé (art. 1296º).
Se a posse tivesse sido constituída com violência ou tomada
ocultamente, os prazos da usucapião só começavam a contar-se desde
que cessasse a violência ou a posse se tornasse pública (art. 1297º).
3. Código Civil Indonésio (CCI)279
Ao abrigo deste regime, os prazos de prescrição ocorrem nos
276
Mais uma vez o registo da mera posse tem de ser precedido de sentença passada em
julgado, na qual se reconheça que o possuidor tem possuído pacífica e publicamente
por tempo não inferior a cinco anos (art. 1295º, nº 2, do Código Civil Português de
1966).
277
Com ignorância de lesar o direito de outrem.
278
Ainda que com conhecimento de lesar o direito de outrem.
279
Embora se utilize esta expressão por ser comum entre os juristas nacionais e por
facilidade de compreensão do objecto, importa não esquecer que o CCI, na versão que
vigorava a 25 de Outubro de 1999, constitui legislação nacional, por ter sido recebida
internamente pela Constituição e pela lei ordinária nos termos referidos no Título I,
Capítulo II, al. f), nota 13. Pelo que verdadeiramente falamos do Código Civil
Timorense (nem faz sentido referir que a legislação aplicada em território nacional é
estrangeira, embora tal possa ocorrer segundo as normas de direito internacional
privado). Assim, falamos de legislação timorense que como tal deve ser considerada e
respeitada e que não coincide necessariamente com a legislação vigente no território da
indonésia, uma vez que as alterações ocorridas após a aludida data de 25 de Outubro de
1999 na legislação indonésia não se aplicam em Timor-Leste.
80
seguintes termos: a) decorridos vinte anos para o possuidor e boa fé que
tenha um título legítimo de aquisição; ou b) decorridos trinta anos para
os restantes possuidores de boa fé (art. 1963º do CCI). Também será de
trinta anos o prazo de prescrição para a posse titulada, no caso de o
título ser formalmente inválido (art. 1964º do CCI).
Como já se referiu, presume-se a existência de boa fé na posse
(art. 1965º do CCI), sendo ainda suficiente que a boa fé exista aquando
da aquisição da posse (art. 1966º do CCI), pelo que pode haver má fé
posterior (no sentido de se vir a tomar conhecimento da violação do
direito de outrem) sem que seja afetado o direito de prescrição.
O CCI não prevê a hipótese de registo da mera posse.280 Mas,
como é óbvio, pode haver registo do título que confere a posse. Como já
se referiu, sendo o título formalmente válido, em princípio nada obstará
a que se proceda ao registo do mesmo, salvo se ocorrer violação do trato
sucessivo do registo.281 O CCI, porém, não dá qualquer tipo de
privilégio ao registo desta posse titulada, mantendo-se o prazo de vinte
anos, independentemente do registo.
No CCI o possuidor de má fé não pode adquirir por usucapião
(art. 549º do CCI).282 Por maioria de razão, não se permite a aquisição
do direito no caso da posse constituída com violência, ainda que a
mesma violência venha a cessar (arts. 536º e 568º do CCI).
4. O Código Civil de Timor-Leste
O regime é em tudo semelhante ao que vigorava no âmbito do
Código Civil Português de 1966.
Assim, havendo título de aquisição e registo deste, a usucapião
tem lugar:
a) Quando a posse, sendo de boa fé, tiver durado por dez anos,
contados desde a data do registo;
280
Ou seja, para efeitos de determinar se a posse é titulada não exige o CCI o registo,
embora o exija, como se viu, para a transmissão válida do direito de propriedade.
281
Por exemplo a pessoa que consta como vendedora na escritura pública de compra e
venda não ser a que consta como titular do direito de propriedade no registo.
282
A boa fé traduz-se na ignorância de violar direito de outra pessoa (art. 531º do
CCI).
81
b) Quando a posse, ainda que de má fé, houver durado quinze
anos, contados da mesma data (art. 1214º do Código Civil).283
O título, relembra-se, tem que ser formalmente válido (ou seja,
no caso dos imóveis, tem de se tratar de uma escritura pública), embora
possa ser substancialmente inválido (art. 1181º do Código Civil).
Não havendo registo do título de aquisição, mas registo da mera
posse, a usucapião tem lugar:
a) Se a posse tiver continuado por cinco anos, contados desde a
data do registo, e for de boa fé;
b) Se a posse tiver continuado por dez anos, a contar da mesma
data, ainda que não seja de boa fé (art. 1215º, nº 1, do Código Civil).
Conforme se referiu já nos outros casos em que se previa o
registo da mera posse, este registo só pode ocorrer em vista de sentença
passada em julgado, na qual se reconheça que o possuidor tem posse
pacífica e publica por tempo não inferior a cinco anos (art. 1215º, nº 2,
do Código Civil).284
Não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião só
pode dar-se no termo de quinze anos, se a posse for de boa fé, e de vinte
anos, se for de má fé (art. 1216º do Código Civil).
Se a posse tiver sido constituída com violência ou tomada
ocultamente, os prazos da usucapião só começam a contar-se desde que
cesse a violência ou a posse se torne pública (art. 1217º do Código
Civil).
8.4 Acessão na posse
A acessão, bem como a sucessão na posse podem ser
determinantes na verificação do prazo da prescrição aquisitiva, ou
usucapião. Esta situação já foi analisada supra, no Título II, Capítulo II,
c), para onde se remete.
283
Também aqui a boa fé se traduz na ignorância de violar direito de outra pessoa (art.
1182º, nº 1).
284
Valem aqui as considerações tecidas anteriormente sobre a matéria.
82
8.5 Contagem dos prazos no caso de sucessão de leis
Esta matéria é de particular relevância, uma vez que os cidadãos
nacionais timorenses estão sujeitos a quatro regimes jurídicos distintos
durante um período inferior a meio século.
Sobre este assunto estabelece o art. 288º, nº 1, do Código Civil,
que a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do
que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já
estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor
da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para
o prazo se completar.
Mais estabelece o nº 2 do mesmo artigo que a lei que fixar um
prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em
curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu
momento inicial.285
A prescrição é sempre um instituto de direito substantivo, não
podendo ter aplicação uma norma que fixa prazo de prescrição mais
reduzido aos casos que antecedem a sua entrada em vigor (art. 11º do
Código Civil). Ou seja, a parte não pode ser surpreendida por uma
norma nova que venha reduzir o prazo de prescrição, e que dessa forma
o impeça definitivamente de vir a exercer o seu direito.
Importa aqui analisar a questão controversa do regime aplicável
em Timor-Leste na sequência da invasão indonésia.
Por acórdão do Tribunal de Recurso de 15-7-2003286, fixou-se
a doutrina que “juridicamente a administração indonésia, bem como
a legislação indonésia, nunca vigoraram validamente no território de
Timor-Leste”, assim se concluindo que a legislação que sempre
vigorara em Timor-Leste era a legislação portuguesa (“A legislação
vigente em Timor-Leste antes de 25 de Outubro de 1999 só podia ser
aquela que, de acordo com os princípios do direito internacional,
estava legitimamente em vigor nesse território”). A decisão teve voto
285
O Código Civil Português de 1966 continha regime idêntico no seu art. 297º. Já o
CCI não contém disposição semelhante, embora se entenda que devem aqui valer os
mesmos princípios.
286
Processo 18/2003/TR, relator Cláudio Ximenes.
83
de vencido da juíza Jacinta Correia da Costa, a qual entendia que a
legislação indonésia passara a vigorar no território de Timor-Leste
após a invasão do território pela República da Indonésia.
Aquela posição foi exaustivamente reafirmada pelo Tribunal
de Recurso nos acórdãos que se seguiram, sempre com voto de
vencido da juíza Jacinta Correia da Costa,287 até à publicação da Lei
nº 10/2003, de 10 de Dezembro, sobre a interpretação do art. 1º da Lei
nº 2/2002, de 7 de Agosto. Com esta interpretação legal terminou a
querela jurisprudencial ficando definitivamente assente que a legislação
a considerar como legislação aplicável no território de Timor-Leste era a
legislação indonésia. Alude o referido art. 1º da Lei nº 10/2003, de 10
de Dezembro, a toda a legislação indonésia que era aplicada e vigorava
de facto em Timor-Leste, antes do dia 25 de Outubro de 1999.
Como é sabido a Indonésia invadiu Timor-Leste em 7 de
Dezembro de 1975. Em 17 de Dezembro de 1975, as autoridades
indonésias constituíram um governo provisório de Timor-Leste. Porém,
só em 17 de Julho de 1976 foi emitida a declaração do Presidente de
República da Indonésia que integrou o território de Timor-Leste na
República da Indonésia.
287
A título meramente exemplificativo acórdão de 18-7-2003 (processo 2/2002, relator
Cláudio Ximenes), acórdão de 18-7-2003 (processo 10/2003, relator José Maria
Calvário Antunes), acórdão de 18-7-2003 (processo 13/2002, relator Cláudio
Ximenes), acórdão de 23-7-2003 (processo 12/2003, relator José Maria Calvário
Antunes), acórdão de 23-7-2003 (processo 11/2002, relator Cláudio Ximenes), acórdão
de 12-8-2003 (processo 30/2001, relator Cláudio Ximenes), acórdão de 12-8-2003
(processo 11/2001, relator Cláudio Ximenes), acórdão de 11-9-2003 (processo 1A/2002, relator Cláudio Ximenes), acórdão de 2-10-2003 (processo 2/2003, relator
José Maria Calvário Antunes), acórdão de 10-10-2003 (processo 20/2001, relator José
Maria Calvário Antunes), acórdão de 16-10-2003 (processo 31/2001, relator José
Maria Calvário Antunes), acórdão de 11-11-2003 (processo 10/2002, relator José
Maria Calvário Antunes), acórdão de 17-11-2003 (processo 54/2003, relator José
Maria Calvário Antunes), acórdão de 17-11-2003 (processo 8/2003, relator José Maria
Calvário Antunes), acórdão de 18-11-2003 (processo 30/2003, relator José Maria
Calvário Antunes), acórdão de 18-11-2003 (processo 8/2002, relator José Maria
Calvário Antunes), acórdão de 21-11-2003 (processo 17/2002, relator Cláudio
Ximenes), acórdão de 18-11-2003 (processo 30/2003, relator José Maria Calvário
Antunes) e acórdão de 10-12-2003 (processo 45/2003, relator José Maria Calvário
Antunes).
84
A primeira questão que se coloca consiste em saber se a
legislação indonésia é apenas considerada como legislação timorense
após a data de 25 de Outubro de 1999, ou se a mesma deve ser
considerada como legislação igualmente aplicável no território antes de
tal data, e portanto relevante para apreciação das questões jurídicas
relativas ao período que a antecede.
Afigura-se evidente que a intenção do legislador foi
precisamente conferir relevância à legislação indonésia, validando a
aplicação da mesma durante o período da ocupação. Neste sentido
pronunciou-se o acórdão do Tribunal de Recurso de 1 de Junho de
2012,288 no qual se esclareceu serem de particular relevância razões de
segurança jurídica. Importa não esquecer que inúmeros actos jurídicos
foram praticados ao abrigo da legislação indonésia, cuja validade
poderia passar a ser questionada se prevalecesse o entendimento
maioritário deste Tribunal de Recurso.
A segunda questão consiste em saber a partir de que data se deve
considerar a vigência da legislação indonésia no território de TimorLeste. Nos termos do art. 1º, nº 2, da Constituição, o dia 28 de
Novembro de 1975 é o dia da Proclamação da Independência da
República Democrática de Timor-Leste, o que significa que o regime
jurídico aplicável no território nacional será aquele que o legislador
nacional definir. Não por virtude da ocupação ilegal do território pela
República da Indonésia, mas sim por decisão soberana do Estado
timorense. Conforme decidido no aludido acórdão, o que o art. 165º da
Constituição e o art. 1º da Lei nº 2/2002, de 7 de Agosto, na
interpretação dada pela Lei nº 10/2003, de 10 de Dezembro, fizeram
foi … determinar qual é a legislação nacional, que deve considerarse vigorar no território nacional desde a data da proclamação da
independência, a que se seguiu imediatamente as ocupação de facto
pelas forças indonésias. E essa opção recaiu sobre a legislação que
vigorava no território da República da Indonésia até 25 de Outubro de
1999.
Ainda que não se sufrague este entendimento, a referência à
288
Processo nº 05/Cível/Apelação/2012/TR, relator Rui Penha.
85
vigência de facto feita no referido art. 1º da Lei nº 10/2003, de 10 de
Dezembro, sempre levará à conclusão que se tem por vigente o
regime jurídico indonésio no território de Timor-Leste, pelo menos
desde a data da constituição do governo provisório de Timor-Leste em
17 de Dezembro de 1975.
Concluiu, assim, o referido acórdão que é legislação timorense a
legislação indonésia (ou melhor dizendo de origem indonésia), com as
diversas alterações produzidas até 25 de Outubro de 1999 (o que, como
já se referiu, se entende por ser esse o regime que regulou as relações
jurídicas do território nacional até tal data), permanecendo este regime
em vigor após 25 de Outubro de 1999, mas na versão vigente a tal data.
A legislação identificada nas disposições referidas não é legislação
indonésia (actualmente a legislação indonésia será diferente da que
existia naquele país em 25 de Outubro de 1999), mas sim legislação
timorense, através da sua recepção por órgão de soberania nacional.
8.6 Alguns casos de eventual aquisição do direito de
propriedade por usucapião
1. Posse de boa fé (necessariamente titulada)289, iniciada antes de
1 de Janeiro de 1968:
Havendo registo do título de aquisição, o prazo de usucapião é
de dez anos, a contar da data do registo (art. 526º, § 2º, do Código Civil
Português de 1867).
Este prazo (de dez anos) foi mantido pelo Código Civil
Português de 1966, a partir de 1-1-1968 (art. 1294º do Código Civil
Português de 1966), pelo que nenhuma alteração se verificaria com a
sucessão de leis. O prazo seria sempre de dez anos a contar da data do
registo do título.290
A questão complica-se no caso de à data da entrada em vigor do
CCI o prazo prescricional ainda não ter decorrido. O que acontece se o
título de posse tiver sido registado entre 17-12-1965 e 31-12-1967. Uma
289
Art. 476º do Código Civil Português de 1987.
Sendo o prazo idêntico tudo se passa como se não houvesse alteração. O art. 297º
do Código Civil Português de 1966 apenas regula os casos em que o prazo passa a ser
diferente, precisamente porque mantendo-se nada se altera em termos do seu cômputo.
290
86
vez que o regime jurídico indonésio se iniciou, conforme visto, em 1712-1975, não teria decorrido o aludido prazo de dez anos previsto, quer
no Código Civil Português de 1966, quer no Código anterior a este (o
Código Civil Português de 1867).
Neste caso, o prazo a considerar passaria a ser de vinte anos,
conforme previsto no CCI, no seu art. 1963º, embora se contasse desde a
data da posse titulada e não desde o registo do título, uma vez que por
este novo regime o registo deixou de ter relevância para a determinação
do prazo de prescrição aquisitiva.
2. Posse de má fé (ou seja, não titulada)291, iniciada antes de 1 de
Janeiro de 1968:
Neste caso o prazo de posse para efeitos de usucapião era de
trinta anos.
No entanto, com a entrada em vigor do Código Civil Português
de 1966, em 1 de Janeiro de 1968, aquela posse de má fé poderia passar
a ser considerada de boa fé, uma vez que, ainda que o possuidor não
tivesse o título que o Código anterior exigia para que se considerasse a
posse de boa fé, agora, ao abrigo do novo regime, bastaria que o
possuidor ignorasse, aquando da aquisição da posse, que lesava o direito
de outra pessoa (art. 1260º, nº 1, do Código Civil Português de 1966).
Assim, o prazo de usucapião para esta posse de boa fé passaria a ser de
apenas quinze anos (art. 1296º).
Porém, o novo prazo para a posse de boa fé (qualificação que
nasceu com a entrada em vigor do novo Código) terá que se contar
somente a partir de 1-1-1968.292 E, uma vez que o Código Civil
Português de 1966 apenas esteve em vigor em Timor-Leste por escassos
oito anos (de 1-1-1968 a 17-12-1975), a usucapião nunca se teria
verificado durante tal período, por ser período temporal inferior a quinze
291
Art. 476º do Código Civil Português de 1987. A posse titulada também era
considerada de má fé se o possuidor conhecesse os vícios substanciais do título, como
por exemplo se conhecesse que quem lhe transmitira o imóvel não era o seu
proprietário (embora aqui, e no caso de haver registo do título, o prazo fosse inferior,
conforme referido supra em c).
292
Sobre o assunto veja-se o acórdão do Tribunal de Recurso de 3-3-2011, processo nº
07/Cível/2005/TR, relator Rui Penha.
87
anos.
Posteriormente, com entrada em vigor do novo regime do CCI, o
prazo de posse para a verificação da prescrição aquisitiva passou a ser
novamente de trinta anos (art. 1963º do CCI). Assim, na hipótese de se
ter conservado a posse, e considerando que o prazo de usucapião
começou a contar somente em 1 de Janeiro de 1968, com a entrada em
vigor do Código Civil Português de 1966, só nessa altura a posse passou
a ser tida como de boa fé, pelo que a usucapião apenas poderia verificarse em 2-1-1998.293
Daqui resulta que, se o possuidor tiver posse não titulada e
souber que a sua posse viola o direito de outra pessoa, então a posse será
sempre considerada de má fé, pelo que o prazo terá que se verificar
sempre antes da entrada em vigor do CCI, uma vez que o CCI não
reconhece a posse de má fé para efeitos de prescrição aquisitiva, ou
usucapião.
A curta vigência do Código Civil Português de 1966 não
permitiu a aplicação do prazo ali previsto (o prazo era de vinte anos, nos
termos do art. 1296º, no entanto o Código vigorou apenas por nove anos
e meio).294 Então o prazo para que se pudesse considerar verificada a
usucapião teria que terminar antes da entrada em vigor do CCI,
contando-se desde a data do início da posse. Efetivamente, com a
entrada em vigor do CCI deixou de se poder considerar a posse de má fé
para efeitos de aquisição do direito.
3. Posse de boa fé295 no âmbito do Código Civil Português de
1966, entre 1 de Janeiro de 1968 e o início da vigência do regime
jurídico indonésio a 17 de Dezembro de 1975:
Dado o escasso período de vigência do Código, como se viu,
nunca se poderia verificar o decurso do prazo nele previsto necessário
293
Lembre-se que pelo CCI a posse de má fé não permitiria a verificação da usucapião.
Importa recordar que o novo prazo, por ser inferior, só se iniciaria com a entrada em
vigor do Código (art. 297º, nº 1, do Código Civil Português de 1966).
295
Com ignorância de violar o direito de outrem (art. 1260º, nº 1, do Código Civil
Português de 1966).
294
88
para que pudesse ocorrer a usucapião de um bem imóvel.296 Ou seja,
com a posterior entrada em vigor do CCI, o prazo a considerar será
sempre o previsto neste Código, isto é, trinta anos a contar do início da
posse. Como já se viu,297 o prazo mais curto do Código Civil Português
de 1966 só se inicia com a entrada em vigor do Código,298 e este vigou
por tempo inferior ao prazo necessário para ocorrência da usucapião,
pelo que neste caso o prazo novo do CCI aplica-se, contando-se a partir
do início da posse.
4. Posse de má fé299 no âmbito do Código Civil Português de
1966, iniciada entre 1 de Janeiro de 1968 e a integração do território na
Indonésia em 17 de Dezembro de 1975:
No âmbito do Código Civil Português de 1966 o possuidor de
má fé poderia adquirir o direito por usucapião, desde que decorridos
vinte anos a contar do início da posse (art. 1296º). No entanto, com a
entrada em vigor do CCI, a usucapião deixou de ser reconhecida
relativamente à posse de má fé. Como aquele prazo de vinte anos é mais
longo que o período de vigência do Código Civil Português de 1966, a
usucapião nunca poderia ter ocorrido.
5. Posse de boa fé,300 no âmbito do CCI,301 ou seja, iniciada após
17 de Dezembro de 1975:
Nenhuma complexidade se verifica neste caso.302 Se a posse for
296
A menos que se tratasse de uma mera posse registada (art. 1295º, nº 1, al. a), do
Código Civil Português de 1966).
297
Capítulo 8.5.
298
1 de Janeiro de 1968.
299
Com ignorância de violar o direito de outrem (art. 1260º, nº 1, do Código Civil
Português de 1966).
300
Com ignorância de violar o direito de outrem (art. 531º do CCI).
301
Como já se referiu, o CCI não admite a possibilidade de aquisição do direito de
propriedade por prescrição aquisitiva no caso de posse de má fé, pelo que tal hipótese
não será considerada.
302
Relembra-se que só a posse de boa fé (e nunca a de má fé) é susceptível de conduzir
à aquisição do direito por prescrição aquisitiva.
89
titulada303 o prazo será de vinte anos, a contar do seu início, e se não for
titulada será de trinta anos.
6. Posse de boa fé304 iniciada durante a vigência do CCI, mas
cujo termo se verifica após a entrada em vigor do Código Civil para
Timor-Leste.
Para a hipótese mais comum de ausência de título e de registo, o
Código Civil prevê um prazo de prescrição de quinze anos, para que se
possa invocar a usucapião (art. 1216º). Como se viu, no âmbito do CCI
tal prazo é de trinta anos (art. 1963º).
Assim, por aplicação da regra do art. 288º, nº 1, ainda do Código
Civil, devem contar-se dois prazos: um prazo de trinta anos a contar do
início da posse (prazo do CCI) e um prazo de quinze anos a contar da
data de entrada em vigor do Código Civil. A prescrição aquisitiva, ou
usucapião, ocorrerá na data em que primeiro terminar qualquer dos
aludidos prazos.
Por exemplo: supondo que o Código Civil, na parte relativa aos
imóveis, entra igualmente em vigor em 12-3-2012 e que a posse se
iniciou em 3-5-2000.
Teremos primeiro que considerar o prazo de trinta anos previsto
no art. 1973º do CCI, pelo que a prescrição ocorreria em 4-5-2030 (30
anos + 3-5-2000).
Seguidamente considera-se o novo prazo de quinze anos a contar
da entrada em vigor do Código Civil, pelo qual o termo do prazo se
verificará em 13-3-2027 (15 anos + 2012).305
A usucapião verificar-se-á na data mais próxima, ou recente, 123-2027, aplicando-se assim o novo regime.
303
Mais uma vez, para ser titulada a posse tem que fundar-se num título formalmente
válido (art. 1964º do CCI).
304
Com ignorância de violar o direito de outrem (art. 1180º, nº 1, do Código Civil).
305
O novo prazo nunca terminará antes de decorridos os quinze anos sobre a data de
início da vigência do novo Código.
90
7. Posse de má fé306 iniciada durante a vigência do CCI.
O Código Civil de Timor-Leste prevê a possibilidade de
aquisição do direito sobre o imóvel correspondente à posse, ainda que
esta seja de má fé (art. 1216º),307 sendo o prazo de vinte anos. Uma vez
que o CCI excluía tal possibilidade no seu regime para o possuidor de
má fé, o prazo só se inicia com a entrada em vigor do novo Código.
8. Aforamento:308
O alvará de aforamento concedido pela administração colonial
portuguesa tem sido invocado com frequência, junto dos tribunais
judiciais, como forma de aquisição do direito de propriedade.
Sobre este assunto pronunciou-se o Tribunal de Recurso no
acórdão de 23 de Setembro de 2010,309 concluindo que o alvará de
aforamento não constitui meio de aquisição do direito de propriedade
sobre o imóvel.
A questão que interessa apreciar, também analisada naquele
acórdão, consiste em saber da possibilidade de aquisição do direito de
propriedade mediante usucapião em consequência do alvará de
aforamento.
Conforme se afirma no referido acórdão, citando a sentença
ali em apreciação, “o aforamento, também designado por aprazamento
ou enfiteuse, consiste no desmembramento do direito de propriedade em
dois domínios, directo e útil, dando lugar ao pagamento de um foro pelo
titular do domínio útil ao senhorio, ou titular do domínio directo”.
Embora o aforamento se aproxime muito do direito de propriedade o
enfiteuta possui apenas o chamado domínio útil, com poder jurídico
306
Com consciência de se violar o direito de outrem (art. 1180º, nº 1, do Código Civil).
Admite-se mesmo a usucapião nos casos de posse adquirida por violência (art.
1217º), iniciando-se o prazo após o termo da violência (art. 1187º, nº 2, do Código
Civil).
308
O aforamento, também conhecido por emprazamento ou enfiteuse, será aqui
analisado apenas na perspectiva da sua relevância para efeitos de usucapião, deixando
o estudo, ainda que breve, do instituto para momento posterior.
309
Processo nº 01/Cível/Apelação/2009/TR, relator Rui Penha. No mesmo sentido
pronunciou-se igualmente o já referido acórdão de 1 de Junho de 2012, processo nº
05/Cível/Apelação/2012/TR, relator Rui Penha.
307
91
sobre coisa de outrem, podendo usufruir do bem de forma completa,
aliená-lo a título oneroso ou gratuito, transmitir o mesmo por sucessão
hereditária. No entanto, o senhorio mantém sempre o domínio direto,
pelo que não se pode considerar que o enfiteuta (ou foreiro) seja o
proprietário do imóvel.
Ainda assim, a aquisição do direito de propriedade por usucapião
pode ocorrer, mas apenas nas hipóteses em que tenha ocorrido inversão
do título.310 Ou seja, o foreiro deixa de se comportar como tal (como
mero foreiro) passando a agir como proprietário, fazendo-o por forma a
tornar tal intenção conhecida do senhorio, o titular do domínio direto.
O alvará de aforamento era concedido pela administração
colonial portuguesa e o domínio direto pertencia ao Estado Português,
pelo que transmitiu-se para o Estado Indonésio após a integração do
território nacional na República da Indonésia. Sendo assim, coloca-se a
questão de saber quando se poderia verificar a inversão do título da
posse.
Tirando alguma situação excecional a inversão só poderia ser
invocada com a derrocada da administração colonial, ocorrida na
sequência da invasão de Timor-Leste pelas forças indonésias a 7-121975. Efetivamente, deixando de haver titular do domínio útil, poderia
considerar-se assim invertido o título da posse.
Porém, o regime jurídico indonésio não admitiu tal
possibilidade. Confrontado com a necessidade de resolver uma realidade
jurídica que não tinha consagração no seu próprio ordenamento
jurídico,311 o Regulamento Governamental Indonésio nº 18 de 1991, de
31 de Março de 1991, procedeu à conversão do direito de aforamento de
terreno urbano concedido pela administração colonial portuguesa em
direito de uso de estruturas (Hak Guna-Bangunan) por um período de
310
O titular do alvará de aforamento detém posse apenas sobre o domínio útil e não
sobre o domínio directo, pelo que é possuidor apenas daquele e não deste, não podendo
adquiri o direito de propriedade plena, a menos que tenha ocorrido inversão do título
de posse (veja-se o Título II, Capítulo I, supra).
311
Uma vez que o CCI não previa a figura do aforamento e o mesmo encontrava-se
excluído da Lei Agrária de 1960, no art. 3º, nº 2.
92
vinte anos.312
Como se pode constatar, ainda que se pudesse aceitar a aludida
inversão do título de posse, a conversão do aforamento, com a
consequente extinção do mesmo, ocorreu antes de terminado o prazo de
prescrição aquisitiva previsto no art. 1963º do CCI. Assim, não se pode
considerar a aquisição do direito de propriedade sobre um imóvel, por
usucapião, na sequência de um alvará de aforamento concedido pela
administração colonial portuguesa, a menos que o possuidor demonstre
a inversão do título da posse acorrida com antecedência superior a trinta
anos sobre o referido Regulamento Governamental Indonésio nº 18 de
1991.
9. Contrato-promessa de compra e venda:
Esta matéria tem particular interesse, uma vez que a celebração
do contrato-promessa de compra e venda de imóvel é frequentemente
utilizada como forma de contornar as dificuldades de realização da
escritura pública, por não haver notários oficiais em número suficiente e
com a necessária abrangência territorial, e dadas as dificuldades do
registo.
Contrato-promessa é o contrato mediante o qual as partes apenas
se obrigam a celebrar certo contrato (art. 345º, nº 1, do Código Civil).313
No contrato-promessa de compra e venda de bem imóvel a única
obrigação dos contraentes consiste na celebração futura de um outro
contrato (de compra e venda de imóvel). É, pois, óbvia a conclusão de
que o contrato-promessa de compra e venda não tem a virtualidade de
transmitir o direito de propriedade para o promitente-comprador, uma
vez que apenas obriga o promitente vendedor a proceder futuramente a
tal transferência através do contrato prometido, a escritura pública de
312
O “direito de uso de estruturas” encontra-se regulado na secção V (arts. 35º a 40º)
da Lei de Bases Agrária (UNDANG-UNDANG POKOK AGRARIA – UUPA), aprovada
pela Lei nº 5 de 1960.
313
Este tipo contratual não se encontra especialmente regulado no CCI mas é
obviamente admissível com base no princípio da liberdade contratual, consagrado,
entre outros, nos arts. 1233º, 1234º e 1313º do CCI. Como se pode ver embora não
exista uma disposição específica relativamente à liberdade contratual, ela está bem
patente em toda a parte relativa às obrigações contratuais no CCI.
93
compra e venda do aludido imóvel, sendo ainda seguro que nunca
poderia operar a transmissão do direito se não for observada a forma
exigida pela lei.314
A questão coloca-se relativamente à admissibilidade de
usucapião no caso, muito frequente, de se entregar o imóvel ao
promitente-comprador, que o passa a fruir, aquando da celebração do
contrato-promessa. Esta forma contratual, como já se referiu, tem sido
utilizada como meio de contornar a dificuldade de realização da compra
e venda de imóveis mediante o formalismo estabelecido na lei.
Nestes casos, uma vez que para o contrato-promessa de compra e
venda de imóveis o CCI não prevê qualquer forma especial,315 usa-se a
forma de contrato celebrado por escrito particular, nomeadamente com
intervenção de um ou mais advogados, que as partes têm o cuidado de
apelidar de contrato-promessa de compra e venda, para transmitir o
imóvel ao promitente-comprador, o qual paga na forma de sinal316 o
valor correspondente à totalidade do preço ao promitente-vendedor.
A discussão doutrinal levantada em redor desta questão começa
na determinação se o promitente-comprador é possuidor, ou se será
mero detentor. Usufruindo do imóvel na sequência de um contrato
promessa, deve considerar-se o promitente-comprador mero detentor,
uma vez que usufrui o imóvel por mera tolerância do promitentevendedor e não por que se considere já proprietário do mesmo, sabendo
o promitente-comprador que só com a celebração do contrato definitivo
(ou prometido) se tornará proprietário.317
314
Veja-se supra o Título I, Capítulo III, a propósito do registo.
O Código Civil prevê que, no caso de promessa de compra e venda de bens
imóveis, o contrato seja celebrado por escrito (art. 345º, nº 2), prevendo-se ainda um
formalismo mais apertado no caso da promessa de compra e venda de edifícios ou
fracção autónoma do mesmo (art. 345º, nº 3), formalismo ainda mais difícil de
concretizar em Timor-Leste que a celebração da própria escritura.
316
Designação que se dá ao valor que o promitente-comprador entrega ao promitente
vendedor como antecipação do preço, e que constitui garantia do cumprimento do
contrato (arts. 376º e 377º do Código Civil).
317
Neste sentido Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, 2003, pág. 48, e Antunes
Varela, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 124º, Coimbra: Coimbra
Editora, 1991, pág. 347 (“os poderes que o promitente-comprador exerce de facto
sobre a coisa, sabendo que ela ainda não foi comprada, não são os correspondentes ao
315
94
Porém, se na sequência do contrato-promessa se verifica a
entrega do imóvel acompanhada de um sinal equivalente à totalidade do
preço, existe um verdadeiro contrato de compra e venda do imóvel, que
apenas carece de futura formalização de acordo com as exigências
legais, tendo a doutrina vindo a aceitar que, nestes casos, o promitentecomprador passa a exercer posse sobre o imóvel.318
Embora não se trate de posse titulada,319 será, em princípio,
posse de boa fé, podendo verificar-se a usucapião assim que decorrido o
decurso do respetivo prazo, conforme analisado supra. Acresce que, se o
promitente-vendedor era possuidor de boa fé, o contrato-promessa
poderá constituir igualmente meio para transmissão de tal posse, pelo
que o promitente-comprador poderá beneficiar do prazo da posse
daquele.320
10. Propriedade resolúvel:
Os contratos de venda de casas em propriedade resolúvel pelo
Estado (também conhecidos por renda resolúvel) encontravam-se
consagrados no art. 2º do Decreto-Lei nº 23 052, de 23 de Setembro de
1933,321 como forma de providenciar habitações económicas para as
pessoas economicamente mais desfavorecidas.322
Também no art. 2171º do Código Civil Português de 1867
(Código de Seabra) a propriedade resolúvel encontrava-se prevista como
a propriedade que, “conforme o título da sua constituição, está sujeita a
ser revogada, independentemente da vontade do proprietário”. No
Código Civil Português de 1966 esta é definida como propriedade sob
condição (art. 1307º, nº 1).323 O nº 3 do art. 1307º remetia o regime do
direito do proprietário-adquirente, mas os correspondentes ao direito de crédito do
promitente adquirente, perante o promitente-alienante ou transmitente”).
318
Vaz Serra, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 109º, Coimbra: Coimbra
Editora, 1976-1977, pág. 347, Antunes Varela, in Revista de Legislação e
Jurisprudência, ano 124º, Coimbra: Coimbra Editora, 1991, pág. 348, e Prata, O
Contrato-Promessa e o seu Regime Civil, 2006, pág. 832.
319
Art. 1964º do CCI e art. 1179º, nº 1, do Código Civil.
320
Arts. 543º e 1958º do CCI e arts. 1176º e 1208º do Código Civil.
321
Publicado no então Diário do Governo [de Portugal], I Série, nº 217.
322
O diploma tinha a epígrafe “Casas Económicas”.
323
Veja-se o art. 1227º, nº 1, do Código Civil.
95
direito de propriedade resolúvel para os arts. 272º a 277º do mesmo
diploma, ou seja, para o regime das condições resolutivas.324 Daí que se
entenda que os contratos de renda resolúvel sejam celebrados sob
condição resolutiva.
A condição resolutiva consistia na falta de pagamento das
prestações por parte do adquirente. A atribuição das casas era feita nos
termos do art. 34º do Decreto-Lei nº 23:052, através de um contrato de
compra e venda de propriedade resolutiva, contra o pagamento de 240
prestações mensais, adquirindo o comprador a propriedade plena com o
pagamento da última prestação (art. 36º). Nos termos do art. 35º do
mesmo diploma, com a celebração do contrato o comprador adquiria a
posse do imóvel.
Assim, deve o titular do direito de propriedade resolúvel ser
considerado possuidor de boa fé, com posse titulada.325
8.7 Usucapião de móveis326
Os direitos reais sobre coisas móveis sujeitas a registo adquiremse por usucapião, nos termos seguintes (art. 1218º do Código Civil): a)
Havendo título de aquisição e registo deste, quando a posse tiver durado
dois anos, estando o possuidor de boa fé, ou quatro anos, se estiver de
má fé; 327 b) Não havendo registo, quando a posse tiver durado dez anos,
independentemente da boa fé do possuidor e da existência de título.
A usucapião de coisas não sujeitas a registo dá-se quando a
posse, de boa fé e fundada em justo título, tiver durado três anos, ou
quando independentemente da boa fé e de título tiver durado seis anos
324
Conforme o art. 1228º do Código Civil.
Arts. 476º do Código Civil Português de 1867 e 1259º, nº 1, e 1260º, nº 1, do
Código Civil Português de 1966 (veja-se supra Capítulo III, deste Título II).
326
Por manifestamente assumir menor relevância, faz-se apenas breve referência à
usucapião de bens móveis. Analisar-se-á apenas o regime do CCI, e o previsto no
Código Civil de Timor-Leste, uma vez que os prazos previstos não justificam a análise
dos diplomas que vigoraram anteriormente.
327
Será o caso da compra de um carro, com registo da aquisição, não pertencendo o
mesmo à pessoa que o vendeu. Não se conhecem casos de registo de outros móveis
(que não os veículos automóveis), sem prejuízo do registo dos títulos de valores
mobiliários.
325
96
(art. 1219º do Código Civil). É aplicável à usucapião de móveis o
disposto no artigo 1217º, ou seja, nos casos de posse violenta ou oculta
os prazos só se iniciam com o termo da violência ou a publicidade da
posse (art. 1220º, nº 1, do Código Civil).
Quem exigir de uma pessoa a coisa móvel cuja posse lhe fora
retirada, tendo esta pessoa comprado a mesma coisa de boa fé a
comerciante que negocie coisas semelhantes ou do mesmo género é
obrigado a restituir o preço que o adquirente tiver dado por ela, mas
goza do direito de regresso contra aquele que culposamente deu causa
ao prejuízo (art. 1221º do Código Civil). Veja-se, no mesmo sentido, o
art. 582º do CCI. Assim, exemplificando, se alguém compra numa loja
de antiguidades uma estatueta, ignorando que o objeto adquirido
pertence a um terceiro e que tal objeto foi perdido, furtado ou vendido
ao comerciante por quem erroneamente julgava ter legitimidade para o
fazer, ainda nestes casos, corre o comprador do objeto o risco de este
mais tarde lhe ser exigido pelo verdadeiro proprietário.
A lei tenta, porém, temperar um pouco esta desproporção da boa
fé ao atribuir ao adquirente a possibilidade de exigir do reivindicante a
restituição do preço, concedendo a este um direito de regresso contra
quem é responsável pela colocação da coisa no comércio, contra a
vontade do seu proprietário. Portanto, a boa fé não constitui um
obstáculo ao exercício do direito de sequela, mesmo naquele caso
particular de a coisa móvel objeto da reivindicação ter sido adquirida a
comerciante.328
Relativamente ao CCI não estão previstos prazos especiais de
prescrição para a aquisição de móveis. Assim, são aqui aplicáveis os
mesmos prazos já referidos para a aquisição por prescrição aquisitiva
dos bens imóveis.
328
Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, págs. 56 e 57.
97
98
III – DIREITO DE PROPRIEDADE
1. Definição
O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de
uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos
limites da lei e com observância das restrições por ela impostas (art.
1225º do Código Civil).
Propriedade é o direito de ter livre aproveitamento da coisa e
dispor dela de modo absoluto, desde que um indivíduo não viole as leis
e ordens públicas emanadas das autoridades, no uso de tais bens, e desde
que não interfira com os direitos dos outros indivíduos (art. 570º do
CCI).329
Por seu lado a Constituição da RDTL estipula que todo o
indivíduo tem direito à propriedade privada, podendo transmiti-la em
vida e por morte, nos termos da lei, embora só os cidadãos nacionais
tenham direito à propriedade privada da terra (art. 54º, nº 1 e 4, da
Constituição).
O direito de propriedade é um direito absoluto do qual resulta a
exclusividade reconhecida ao proprietário.330 A propriedade é
329
“Hak milik adalah hak untuk menikmati suatu barang secara leluasa dan untuk
berbuat terhadap barang itu secara bebas sepenuhnya, asalkan tidak bertentangan
dengan undang-undang atau peraturan umum yang ditetapkan oleh kuasa yang
berwenang dan asal tidak mengganggu hakhak orang lain; kesemuanya itu tidak
mengurangi kemungkinan pencabutan hak demi kepentingan umum dan Penggantian
kerugian yang pantas, berdasarkan ketentuan-ketentuan perundang-undangan”, na
versão em inglês: “Ownership is the right to have free enjoyment of property and to
dispose thereof absolutely, provided that an individual does not violate the laws of the
public ordinances stipulated by those who have been granted authority to do so, in the
course of using such assets, and provided that an individual does not interfere with
other individuals rights”.
330
Esta é a definição resultante do art. 20º, nº 1, da Lei Agrária Indonésia de 1960
(“Hak milik adalah hak turun-menurun, terkuat dan terpenuh yang dapat dipunyai
orang atas tanahna”, versão em inglês: “A Hak milik (right of ownership) is the
inheritable right, the strongest and fullest right on land which one can hold”).
99
comummente qualificada como o direito real máximo, o modelo de
todos os outros direitos reais.331
Dá-se o nome de fruição ao aproveitamento dos frutos e
produtos de uma coisa, seja dos frutos materiais, seja dos frutos
jurídicos (rendas ou juros ou outro tipo de rendimento). Entende-se por
disposição a forma de exercício dum direito que implica a sua alteração
ou perda, absoluta ou relativa. Há duas classificações possíveis do
conceito de disposição: disposição total e disposição parcial; disposição
material e disposição jurídica.332
Para José de Oliveira Ascensão “a propriedade é o direito real
que outorga a universalidade dos poderes que à coisa se podem
referir”.333
A propriedade tem, porém, igualmente uma função social, que
frequentemente determina a limitação daquele direito absoluto (art. 54º,
nº 2, da Constituição da RDTL. Vejam-se os citados arts. 570º do CCI e
1225º do Código Civil).334 O direito de propriedade deve ser exercido
dentro dos limites impostos, por um lado, pela boa fé, pelos bons
costumes e pelo fim social e económico e, por outro lado, pelas
restrições, quer de interesse privado, quer de interesse público que a lei
expressamente consagra.335
Não é permitida a constituição, com carácter real, de restrições
ao direito de propriedade ou figuras parcelares deste direito senão nos
casos previstos na lei (art. 1226º do Código Civil). Trata-se de um dos
princípios gerais dos direitos reais (o numerus clausus, ou princípio da
331
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 441. “O direito de propriedade é o
molde jurídico onde se vaza o poder humano de usar, de gozar, ou de dispor dos bens
de forma plena” (Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 217).
332
Mendes, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, 1978, pág. 40.
333
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 448.
334
“Na propriedade é onde o Direito subjetivo atua, de tal forma que na própria
definição da propriedade verifica-se que se trata de uma definição onde o direito do
proprietário exclui todos os demais, “erga ommes”; então, por excluir todos os demais
ele é o senhor absoluto da propriedade. É necessário, então, admitirmos o conceito da
socialidade do direito para que possamos ter as condições necessárias para a
convivência em sociedade” (Ribeiro, Direito Das Coisas – Principais Modificações).
335
Gomes, Comentário ao Novo Regime de Licenciamento de Obras, 1971, pág. 22.
Sobre a função social do direito de propriedade veja-se o escrito supra (Título I,
Capítulo IV).
100
tipicidade). A lei não permite que sejam constituídos direitos reais que
ela própria não preveja.336
Ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito
de propriedade senão nos casos fixados na lei, sendo sempre devida
indemnização adequada ao proprietário ou aos titulares dos outros
direitos reais afetados (arts. 1229º e 1231º do Código Civil. No mesmo
sentido o art. 570º do CCI e art. 54º da Constituição da RDTL).337 O que
se prevê aqui é a possibilidade de intervenção do Estado no direito de
propriedade privada, por meio de privação forçada da propriedade,
nomeadamente por expropriação por utilidade pública.338 Veja-se o art.
18º da Lei Agrária Indonésia de 1960.339
2. Conteúdo do direito de propriedade (propriedade de
imóveis)
2.1. Conteúdo
A propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo
correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles
se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio
jurídico (art. 1264º, nº 1, do Código Civil. Veja-se o art. 571º do CCI e o
art. 1º, nº 4 a 6 da Lei Agrária Indonésia de 1960).
O proprietário não pode, todavia, proibir os atos de terceiro que,
pela altura ou profundidade a que têm lugar, não haja interesse em
336
Veja-se o Título I, Capítulo II, e).
Sobre a vertente constitucional do direito de propriedade veja-se Canotilho e
Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 2007, págs. 799-805.
338
Canotilho e Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 2007,
págs. 805-810.
339
“Untuk kepentingan umum, termasuk kepentingan bangsa dan Negara serta
kepentingan bersama dari rakyat, hak-hak atas tanah dapat dicabut, dengan memberi
ganti kerugian yang layak dan menurut cara yang diatur dengan Undang-undang”, na
versão em inglês: “In the interests of the public as well as of the nation and of the state
and in the collective interests of the people, land rights can be revoked by providing
appropriate compensation and in accordance with the procedure which is to be
stipulated by way of an Act”.
337
101
impedir (art. 1264º, nº 2, do Código Civil).340
2.2. Limitações ao direito de propriedade:
O fundamento das limitações ao direito de propriedade encontrase no primado do interesse coletivo ou público sobre o individual e na
função social da propriedade, visando proteger o interesse público social
e os demais interesses privados, considerado em relação à necessidade
social de coexistência pacífica.
A natureza das limitações de direito privado é de obrigação
propter rem, porque tanto o devedor (o proprietário) como o credor (o
que beneficia das limitações) são titulares de um direito real, os direitos
incidem sobre a mesma coisa, mas não são oponíveis erga omnes, uma
vez que não interessam a terceiros.341 Efetivamente, um dos
componentes do direito de propriedade é o direito de usar e fruir os bens
de que se é proprietário podendo, por isso, o proprietário utilizar o seu
prédio até aos limites da sua confinância com os prédios vizinhos.342
As limitações de direito privado ao direito de propriedade são,
pois, restrições resultantes de relações de vizinhança, pelo que as
limitações apenas interessam e dizem respeito aos vizinhos. Segundo
Pires de Lima e Antunes Varela, elas visam “regular os conflitos de
interesses que surgem entre vizinhos, em consequência de solidariedade
dos seus direitos, ou seja, em virtude da impossibilidade de serem uns
exercidos plenamente sem afectação dos direitos dos vizinhos”.343
Acrescenta-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de
Portugal de 20-10-1987, “No entanto, apesar dos reflexos da natureza
absoluta do direito de propriedade emanada do direito romano, o certo é
340
Designadamente, não pode impedir que os aviões comerciais sobrevoem a sua
propriedade. Sobre o assunto o art. 2º da Lei Agrária Indonésia defere ao Estado a
possibilidade de criação de limites legais ao direito de propriedade, nomeadamente
relativamente ao subsolo e ao espaço aéreo.
341
Veja-se supra o Capítulo IV do Título I. Veja-se sobre a matéria da limitação do
direito de propriedade Barbosa e Filho, Compreendendo os novos limites à
propriedade, uma análise do art. 1228 do Código Civil brasileiro.
342
Canotilho e Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 2007,
págs. 804-805.
343
Lima e Varela, Código Civil Português Anotado, vol. III, 1987, págs. 94 e 95.
102
que o seu exercício está sujeito a restrições ou limitações quer de
interesse público, quer de interesse privado. É assim que as limitações
impostas ao direito de construir, em benefício da navegação aérea são
determinados pelo interesse público, enquanto a proibição de abrir
portas ou janelas a menos de metro e meio do prédio vizinho, tem a sua
justificação no interesse particular do dono do prédio vizinho”.344
As obrigações de direito público são normalmente encontradas
em legislação autónoma (não no Código Civil) e visam salvaguardar
essencialmente o interesse público.345 Estes limites são gerais porque
são comuns a todos os imóveis, todos estão sujeitos a suportar os limites
impostos pela administração pública em defesa do interesse público.
Já as limitações ao direito de propriedade baseadas no interesse
privado visam o propósito de coexistência harmónica e pacífica de
direitos, que podem ser conflituantes, entre vizinhos. Fundam-se no
próprio interesse do titular do bem ou de terceiro, a quem este pretende
beneficiar, não afetando, dessa forma, a extensão do exercício do direito
de propriedade como direito absoluto. Caracterizam-se por dizerem
respeito apenas aos direitos de propriedade sobre prédios vizinhos
(bilateralidade), em função da relação que a situação de vizinhança
impõe, aplicando-se a ambos (vínculo recíproco).
Nessa medida, o direito de vizinhança impõe limitações à
propriedade individual mediante normas jurídicas que visam conciliar os
interesses de proprietários vizinhos, reduzindo os poderes inerentes ao
domínio de modo a regular a convivência social (art. 625º do CCI). Ou
seja, ambos cedem no seu direito na medida necessária à convivência
entre eles. Por haver contiguidade entre prédios, o proprietário não é
livre de fazer tudo aquilo que se compreenderia num ilimitado jus
344
In “Boletim do Ministério da Justiça de Portugal”, nº 370, Lisboa, 1987, pág. 553.
Contam-se entre estas as restrições à construção constantes de planos directores
(ordenamento do território), que visam harmonizar a possibilidade de construção pelos
privados, por forma a evitar a ocupação irracional e irreversível da terra,
designadamente criando zonas habitacionais e zonas de serviços ou industriais
diferenciadas, estipulando limites de construção, por exemplo em altura, bem como as
chamadas servidões públicas (ou servidões administrativas), como seja a proibição de
se poder construir demasiado perto da estrada, por forma a poder no futuro proceder ao
alargamento da mesma.
345
103
utendi, abutendi e fruendi,346 têm de estabelecer-se restrições derivadas
da necessidade de coexistência.347
Assim, identifica a lei as seguintes limitações:
a) Emissão de fumo:
O proprietário de um imóvel pode opor-se à, fuligem, vapores,
cheiros, calor ou ruídos, bem como à produção de trepidações e a outros
quaisquer factos semelhantes, provenientes de prédio vizinho, sempre
que tais factos importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel
ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam (art.
1266º do Código Civil. No mesmo sentido, veja-se o art. 655º do
CCI).348 Os dois requisitos, prejuízo substancial para o uso do imóvel e
que as emissões não resultem da utilização normal do prédio de que
emanam, são cumulativos.349
O direito de oposição subsiste mesmo que a atividade de onde
resultam as emissões haja sido autorizada por entidade pública. 350 No
346
Direito de uso, abuso (no sentido de uso pleno e ilimitado, incluindo de disposição e
até de destruição) e de fruição da coisa.
347
Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 204.
348
“Barangsiapa menyuruh menggali sebuah sumur, selokan atau kakus ditempat yang
berdekatan dengan tembok batas milik bersama atau bukan milik bersama, atau hendak
mendirikan pipa asap, tempat perapian dapur atau tempat masak di tempat yang
demikian, atau membuat kandang, tempat rabuk, gudang, gudang garam, tempat
penyimpan bahan keras atau bangunan yang merugikan dan membahayakan, maka ia
wajib membuat jarak antara tembok dengan bangunan tersebut sebagaimana ditetapkan
dalam peraturan khusus atau menurut kebiasaan tentang hal itu, ataupun ia wajib
mengusahakan bangunan itu sedemikian rupa menurut peraturan dan kebiasaan yang
ditentukan untuk itu agar tidak menimbulkan kerugian bagi pekarangan-pekarangan
yang berdekatan”, na versão em inglês: “An individual, who, within the area
surrounding a communal or non-communal wall, has had a well, sewer, or outhouse
dug, intends to install a chimney, a fireplace, an oven or furnace, intends to build a
stable or fertilizer container, or build a salt storehouse or warehouse, or install a
storage place of corrosive material, or intends to build other harmful or dangerous
constructions, shall be required to leave or create space in the manner described in the
special ordinances or customs in that regard, or to carry out constructions as required
by the regulations and customs, in order to prevent any damage which may be caused
to the neighboring plots of land”.
349
Cordeiro, Direitos Reais, 1993, pág. 426.
350
Mesquita, Direitos Reais, 1984, pág. 142.
104
entender de Álvaro Moreira e Carlos Fraga, este preceito aplica-se a
quaisquer vizinhos e não apenas ao vizinho contíguo (ao do lado).351
Assim, para Rui Pinto, para efeitos do normativo em causa, um prédio
situado na margem esquerda de um rio é vizinho de outro situado na
margem direita do rio.352
A Constituição concede maior proteção aos direitos, liberdades e
garantias de que aos direitos económicos, sociais e culturais e há uma
ordem decrescente de consistência, de proteção jurídica, de densidade
subjetiva daqueles direitos para estes.353 Assim, por exemplo, no caso de
colisão ou conflito de direitos fundamentais devem prevalecer os
direitos de personalidade (art. 326º do Código Civil). Daí que o direito a
não sofrer as perturbações referidas nos arts. 1266º do Código Civil e
655º do CCI prevaleça sobre o direito de propriedade ou o direito de
desenvolver qualquer indústria na propriedade, ainda que licenciada
administrativamente.
b) Obras, instalações ou depósitos de substâncias corrosivas
ou perigosas:
O proprietário não pode construir nem manter no seu prédio
quaisquer obras, instalações ou depósitos de substâncias corrosivas ou
perigosas, se for de recear que possam ter sobre o prédio vizinho efeitos
nocivos não permitidos por lei (art. 1267º, nº 1, do Código Civil.354
Veja-se de novo o art. 655º do CCI). Trata-se aqui de um perigo
meramente presumido, contrariamente ao que acontece nos casos do art.
1266º do Código Civil (art. 655º do CCI), fuligem, vapores, cheiros,
calor ou ruídos, bem como à produção de trepidações e a outros
quaisquer factos semelhantes, que exigem o dano efetivo.
351
Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 244, nota 53.
Pinto, Direitos Reais de Moçambique, 2006, pág. 208.
353
Veja-se J.J. Gomes Canotilho, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 125º,
Coimbra: Coimbra Editora, 1992, pág. 293; Miranda, Manual de Direito
Constitucional, vol. IV, 1996, pág. 135; Vaz Serra, in Revista de Legislação e
Jurisprudência, ano 103º, Coimbra: Coimbra Editora, 1970, pág. 378; Sá, Abuso do
Direito, 2005, pág. 528; e Jorge, Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade
Civil, 1999, pág. 201.
354
Trata-se de norma preventiva. Não tem que se verificar já um dano efectivo, mas
apenas a sua possibilidade (Cordeiro, Direitos Reais, 1993, pág. 597).
352
105
Se as obras, instalações ou depósitos tiverem sido autorizados
por entidade pública competente, ou tiverem sido observadas as
condições especiais prescritas na lei para a construção ou manutenção
deles, a sua inutilização só é admitida a partir do momento em que o
prejuízo se torne efetivo (art. 1267º, nº 2, do Código Civil). Segundo
Rui Pinto, “presume-se que a existência da instalação não assume perigo
significativo, sendo o mesmo inferior às vantagens económicas
associadas à respectiva exploração”.355 Neste caso só se pode proibir a
atividade se afinal se verificar o dano efetivo. É devida, em qualquer dos
casos, indemnização pelo prejuízo sofrido (art. 1267º, nº 3, do Código
Civil).356
c) Minas, poços e escavações
O proprietário tem a faculdade de abrir no seu prédio minas ou
poços e fazer escavações, desde que não prive os prédios vizinhos do
apoio necessário para evitar desmoronamentos ou deslocações de terra
(art. 1268º, nº 1, do Código Civil). Mais uma vez, consideram-se, não
penas os prédios contíguos, mas todos os que se encontrem na
proximidade, ou vizinhança.
O direito de construir constitui prerrogativa inerente da
propriedade, o direito que possui o seu titular de construir no seu terreno
o que quiser, ressalvados os direitos dos vizinhos e os regulamentos
administrativos.357
Logo que venham a sofrer danos com as obras feitas, os
proprietários vizinhos serão indemnizados pelo autor das obras, mesmo
que tenham sido tomadas as precauções julgadas necessárias (art. 1268º,
nº 2, do Código Civil e art. 1369º do CCI).358 Trata-se, portanto, de
responsabilidade civil objetiva, prevista no art. 433º do Código Civil
(art. 1369º do CCI), uma vez que a responsabilidade existe
355
Pinto, Direitos Reais de Moçambique, 2006, pág. 212.
Trata-se de uma hipótese de responsabilidade pelo risco, pelo que a obrigação de
indemnização se verifica independentemente de culpa do proprietário (arts. 433º a 444º
do Código Civil).
357
Talvez por isso o CCI não o refira expressamente.
358
Mais uma vez, a obrigação de indemnizar existe independentemente de culpa (arts.
433º a 444º do Código Civil).
356
106
independentemente de culpa do proprietário.
Se qualquer edifício ou outra obra oferecer perigo de ruir, no
todo ou em parte, e do desmoronamento puderem resultar danos para o
prédio vizinho, é lícito ao dono deste exigir da pessoa responsável pelos
danos359 as providências necessárias para eliminar o perigo (art. 1270º
do Código Civil e art. 654º do CCI).360 Ou seja, o proprietário do prédio
vizinho pode tomar providências com vista à prevenção dos danos
previsíveis, antes que os mesmos ocorram.
d) Passagem forçada momentânea:
Se, para reparar algum edifício ou construção, for indispensável
levantar andaime, colocar objetos sobre prédio alheio, fazer passar por
ele os materiais para a obra ou praticar outros atos análogos, é o dono do
prédio obrigado a consentir nesses atos (art. 1269º, nº 1, do Código
Civil, igual ao art. 651º do CCI).361
No caso de o dono do prédio vizinho recursar a passagem, o
direito pode ser exercido através da instauração de uma providência
cautelar não especificada prevista nos arts. 305º a 312º do CPC. Ou seja,
se o titular do direito for impedido de aceder ao prédio vizinho, pode
intentar procedimento cautelar não especificado por forma a poder
exercer o mesmo. Trata-se de um caso em que o procedimento cautelar
não é dependente de uma ação judicial posterior, dado que, uma vez
garantido o acesso, o seu interesse encontra-se satisfeito, pelo que não
terá o titular do direito interesse em intentar a ação correspondente.
É igualmente permitido o acesso a prédio alheio a quem pretenda
apoderar-se de coisas suas que acidentalmente nele se encontrem; no
entanto, o proprietário pode impedir o acesso, entregando a coisa ao seu
359
A pessoa responsável é o proprietário ou possuidor do edifício (art. 426º do Código
Civil).
360
Se o perigo de ruína ou desmoronamento resultar de obra nova pode-se recorrer ao
procedimento cautelar de embargo de obra nova, dos arts. 334º a 339º do CPC.
361
Note-se que não se está aqui perante qualquer servidão. Não é uma servidão que se
constitui, mas somente uma passagem momentânea, embora forçada (Moreira e Fraga,
Direitos Reais, 1971, pág. 245).
107
dono (art. 1269º, nº 2, do Código Civil).362 Em qualquer dos casos, o
proprietário do prédio tem direito a ser indemnizado do prejuízo sofrido
(art. 1269º, nº 3, do Código Civil).363
e) Águas, terras e entulhos
Os prédios inferiores estão sujeitos a receber as águas que,
naturalmente e sem obra do homem, decorrem dos prédios superiores,
assim como a terra e entulhos que elas arrastam na sua corrente (art.
1271º, nº 1, do Código Civil, conforme também o art. 626º do CCI). Ou
seja, quando exista um terreno inclinado, o proprietário da parte inferior
do terreno não pode instalar um dique contra o qual a água de torrente
natural ou da chuva fique retida, uma vez que isso prejudicaria o
proprietário do terreno superior, que ficaria alagado, e constituiria assim
uma limitação do direito deste.364
Nem o dono do prédio inferior pode fazer obras que estorvem o
escoamento (que impeçam o curso das águas), nem o dono do prédio
superior obras capazes de o agravar (que aumentem o caudal das águas),
sem prejuízo da possibilidade de constituição da servidão legal de
escoamento, nos casos em que é admitida (art. 1271º, nº 2, do Código
Civil. e o art. 626º do CCI). Deve permitir-se que os terrenos recebam
ou escoem as águas naturalmente, sem que as mesmas sejam retidas.
Porém, pode o proprietário do terreno fazer obra que dirija as águas de
forma menos prejudicial para o seu terreno.365
No caso de terem sido efetuadas obras num terreno para conter
as águas, em benefício desse terreno e dos terrenos vizinhos, ou quando
seja necessário efetuar obras novas para desviar o curso das águas com a
mesma finalidade de benefício de todos os terrenos vizinhos, ou seja,
362
Por exemplo, o proprietário tem que tolerar a passagem momentânea de alguém que
precisa ir buscar uma coisa sua que acidentalmente se encontre na propriedade
daquele, como um animal que para lá fugiu, ou uma coisa que para lá caiu (Moreira e
Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 245).
363
“É uma obrigação de indemnizar fundada no sacrifício ou facto lícito” Pinto,
Direitos Reais de Moçambique, 2006, pág. 221 – nota 357.
364
Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 246.
365
Acórdão da Relação de Lisboa de 9-11-1979, Colectânea de Jurisprudência, ano IV,
tomo 5º, Coimbra: Casa do Juiz, 1979, pág. 1597, citado por Neto, Código Civil
Anotado, 1993, pág. 897.
108
para evitar prejuízos nos terrenos, o dono do prédio onde existam essas
obras defensivas, ou onde seja necessário efetuá-las, é obrigado a fazer
reparos ou as obras necessárias, ou, não querendo ele fazê-las, a tolerar
que os donos dos prédios que sofram danos ou estejam expostos a danos
iminentes as façam, sem que o dono do referido prédio sofra prejuízo
com isso (art. 1272º, nº 1, do Código Civil).366 O mesmo acontece
sempre que seja necessário retirar de algum prédio materiais cuja
acumulação ou queda estorve o curso das águas com prejuízo ou risco
de terceiro (art. 1272º, nº 2, do Código Civil). Também neste caso, o
dono do prédio deve retirar os materiais que impedem o normal curso
das águas, ou terá que consentir que os vizinhos prejudicados com essa
situação entrem no seu prédio para os retirar.
Todos os proprietários que participam do benefício das obras são
obrigados a contribuir para as despesas delas, em proporção do seu
interesse, sem prejuízo da responsabilidade que recaia sobre o autor dos
danos (art. 1272º, nº 3, do Código Civil).
f) Direito de demarcação
O proprietário de um prédio pode obrigar os donos dos prédios
confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas entre o seu
prédio e os deles (art. 1273º do Código Civil e art. 630º-A do CCI).
Embora não possa obrigar os seus vizinhos a proceder à demarcação,
estes têm obrigação de pagar uma parte dos gastos com a construção dos
muros ou outra forma que tenha sido utilizada para o efeito, na
proporção em que a construção confinar com o seu prédio.
Segundo António Carvalho Martins, “A demarcação é a
operação material de colocar marcos ou sinais exteriores permanentes e
visíveis, que assinalem diversos pontos da linha divisória entre dois
prédios contíguos, sendo lícito também aproveitar para o mesmo fim
sinais naturais já existentes, tais como um rochedo, um combro, uma
árvore, na qual podem ser gravadas as iniciais de um dos
proprietários”.367
366
O proprietário só está obrigado a tolerar que os proprietários dos prédios vizinhos
façam as obras na sua propriedade se não as fizer ele mesmo.
367
Martins, Demarcação, 1999, págs. 17-18.
109
A principal função do direito de demarcação está na definição
das estremas dos prédios vizinhos, assim se conferindo maior segurança
e certeza na extensão dos direitos de cada um. Daí a sua relevância aqui
reconhecida pela lei, que assim fomenta a demarcação.
No caso de os proprietários vizinhos não acordarem na definição
das estremas dos respetivos prédios deverão recorrer ao Tribunal para o
efeito.368 O art. 1274º do Código Civil fixa o modo como se procede à
demarcação.369 Segundo António Carvalho Martins, a ação de
demarcação não tem natureza real, mas apenas pessoal, sendo a causa de
pedir complexa e constituída pela existência da propriedade confinante e
incerta relativamente às estremas.370 “Com a demarcação, não está em
causa a constituição, o reconhecimento, a aquisição ou a modificação de
um direito”.371
A forma de processo será ação declarativa de condenação, com
processo comum (arts. 3º, nº 2, al. a), e 347º, nº 2, do CPC), tendo
particular relevância a prova pericial como um dos meios probatórios
utilizáveis.372
O direito de demarcação é imprescritível, sem prejuízo dos
direitos adquiridos por usucapião (art. 1275º do Código Civil). Por se
tratar de uma faculdade inerente ao direito de propriedade, fazendo parte
do seu conteúdo legal, não se pode extinguir pelo não uso da mesma.373
g) Direito da tapagem
Na sequência do referido direito de demarcação, também pode o
368
Quem intentar uma acção de demarcação tem que alegar: a) que é proprietário de
um prédio confinante com outro pertencente ao demandado; b) que não está definida a
linha divisória entre o seu prédio e o confinante (acórdão da Relação de Lisboa de 2310-1968, citado por Neto, Código Civil Anotado, 1993, pág. 898).
369
Não existe no CPC processo especial de demarcação, pelo que o mesmo deve seguir
a forma comum (art. 347º, nº 2, do CPC).
370
Martins, Demarcação, 1999, pág. 20 (“Por ela não se pretende a declaração de
qualquer direito real, ou da sua amplitude, mas unicamente obter que se precisem as
estremas de prédios confinantes”).
371
Martins, Demarcação, 1999, pág. 23.
372
Martins, Demarcação, 1999, pág. 59.
373
Martins, Demarcação, 1999, pág. 70.
110
proprietário, a todo o tempo, murar, valar, rodear de sebes o seu prédio,
ou tapá-lo de qualquer modo (art. 1276º do Código Civil e art. 631º do
CCI). No que se refere ao direito de tapagem, o proprietário tem direito
a cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo o seu prédio urbano ou
rural, para que possa proteger, dentro dos seus limites, a exclusividade
de seu domínio, desde que observe as disposições regulamentares e não
cause dano ao vizinho.
Como já se viu, a construção de muros de tapagem não pode
impedir o normal fluxo das águas que decorrem dos prédios superiores,
pelo que, ao proceder à tapagem do seu prédio, deve o proprietário
respeitar o direito do vizinho previsto no art. 1271º, nº 1, do Código
Civil e art. 626º do CCI,374 sob pena de o proprietário que procede à
construção responder pelos prejuízos que cause ao vizinho.
h) Construções e edificações
O proprietário que no seu prédio levantar edifício ou outra
construção não pode abrir nela janelas ou portas que deitem diretamente
sobre o prédio vizinho sem deixar entre este e cada uma das obras o
intervalo de metro e meio (art. 1280º, nº 1, do Código Civil. Vejam-se
os arts. 647º a 650º do CCI).
Janelas são as aberturas que, não sendo portas e estando
niveladas com as paredes (contrariamente às varandas que se projetam
para a frente delas), têm em qualquer das suas dimensões mais de quinze
centímetros e por função, além de assegurar a entrada de luz e ar,
facultar vistas.
Igual restrição é aplicável às varandas, terraços, eirados ou obras
semelhantes, quando sejam servidos de parapeitos de altura inferior a
metro e meio em toda a sua extensão ou parte dela (art. 1280º, nº 2, do
Código Civil e art. 647º do CCI). Porém, se os dois prédios forem
oblíquos entre si, a distância de metro e meio conta-se
perpendicularmente do prédio para onde deitam as vistas até à
construção ou edifício novamente levantado; mas, se a obliquidade for
além de quarenta e cinco graus, não tem aplicação a restrição imposta ao
proprietário (art. 1280º, nº 3, do Código Civil). Efetivamente, se o
374
Escoamento das águas que provenham do prédio superior.
111
prédio não se encontra frente ao outro, mas ao seu lado (obliquamente),
não faz sentido a restrição.
As restrições do artigo precedente não são aplicáveis a prédios
separados entre si por estrada, caminho, rua, travessa ou outra passagem
por terreno do domínio público (art. 1281º do Código Civil). Não se
impede a abertura de portas e janelas para uma estrada ou rua, ainda que
esta tenha uma largura inferior à referida no art. 1280º, nº 1, do Código
Civil.
Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, “Começam somente
os prejuízos a ser atendíveis, se existir um parapeito, porque, neste caso,
tal como numa janela, a pessoa pode debruçar-se, ocupando
parcialmente o prédio alheio, e arremessar com facilidade objectos para
dentro dele: a devassa começa a tomar aspectos mais graves”. 375 “Isso
quer dizer, que não são propriamente as vistas que interessam, mas o
devassamento, ou, melhor, a possível ocupação do terreno vizinho.
Basta que no parapeito duma janela ou dum terraço, a pessoa se debruce,
numa atitude natural, ou estenda um braço, para que haja violação do
direito de propriedade alheia, e é isso o que importa evitar”.376
Estas restrições são uma manifestação do conteúdo do direito de
propriedade previsto no art. 1264º, nº 1, do Código Civil e art. 571º do
CCI. Contrariamente ao que possa parecer da expressão legal direito de
vistas, o que está em causa não é o direito de poder ver sobre o prédio
vizinho, mas sim a proibição de não se poder debruçar sobre o mesmo,
assim se violando os aludidos preceitos, no sentido em que se invade a
propriedade do vizinho, ainda que em altura.377
Portanto, não se consideram abrangidos pelas restrições da lei as
frestas, seteiras ou óculos para luz e ar, embora o vizinho possa levantar
a todo o tempo a sua casa ou contramuro, vedando tais aberturas (art.
1283º, nº 1, do Código Civil. Veja-se o art. 645º do CCI). Efetivamente,
sendo o fundamento da proibição impedir que as pessoas se debrucem
375
Lima e Varela, Código Civil Português Anotado, vol. III, 1987, pág. 196.
Lima e Varela, Código Civil Português Anotado, vol. III, 1987, citando a “Revista
de Legislação e Jurisprudência”, ano 99º, pág. 240.
377
Neto, Código Civil Anotado, 1993, pág. 906, citando a “Revista de Legislação e
Jurisprudência”, ano 99º, pág. 239.
376
112
sobre o prédio, assim invadindo o mesmo, as aberturas que não
permitem que alguém se debruce sobre o prédio não estão abrangidas
pela proibição. Pelos mesmos motivos, as frestas, seteiras ou óculos para
luz e ar devem situar-se pelo menos a um metro e oitenta centímetros de
altura, a contar do solo ou do sobrado, e não devem ter, numa das suas
dimensões, mais de quinze centímetros; a altura de um metro e oitenta
centímetros respeita a ambos os lados da parede ou muro onde essas
aberturas se encontram (art. 1283º, nº 2, do Código Civil e art. 646º do
CCI).
A existência de janelas, portas, varandas, terraços, eirados ou
obras semelhantes, em contravenção do disposto na lei, pode importar,
nos termos gerais, a constituição da servidão de vistas por usucapião
(art. 1282º, nº 1, do Código Civil e 1946º e 1963º do CCI). Constituída a
servidão de vistas, por usucapião ou outro título, ao proprietário vizinho
só é permitido levantar edifício ou outra construção no seu prédio desde
que deixe entre o novo edifício (ou outra construção que ele edificar) e o
edifício ou obra já edificados no prédio vizinho o espaço mínimo de
metro e meio, correspondente à extensão destas obras (art. 1282º, nº 2,
do Código Civil).378 Ou seja, se um proprietário constrói um edifício
junto à estrema do seu prédio confinando com o prédio vizinho e nela
abre janelas dando para este, se mantiver esta situação pelo prazo legal
de usucapião, fica o proprietário do prédio vizinho impedido de
construir junto à estrema do seu prédio, uma vez que assim iria tapar as
janelas do prédio ali existente e o proprietário que construiu aquele
prédio adquiriu, por usucapião, o direito de conservar tais janelas,
embora as tenha aberto em violação do art. 1280º, nº 1, do Código Civil.
O embargo de obra nova, previsto nos arts. 334º a 339º do CPC
pode ser utilizado como meio de oposição à violação do direito de
vistas.379
378
O que importa para a constituição desta servidão é a existência de obras (ou seja,
das janelas, varandas ou outras aberturas) e não a utilização. Por outro lado, a servidão
mantém-se ainda que se proceda à demolição da construção para sua reconstrução
(Mesquita, Direitos Reais, 1984, pág. 154).
379
Não de deve, porém, esquecer a necessidade de interposição da acção declarativa
competente no prazo de 30 dias após a notificação do decretamento judicial do
embargo (arts. 307º, nº 1, e 313º, nº 1, al. a), do CPC).
113
i) Estilicídio
O proprietário deve edificar de modo que a beira do telhado ou
outra cobertura não goteje sobre o prédio vizinho, deixando um
intervalo mínimo de meio metro entre o prédio e a beira, se de outro
modo não puder evitá-lo (art. 1285º, nº 1, do Código Civil e art. 652º do
CCI).380 No entanto, pode construir-se a menos de meio metro se se
canalizar as águas por meio de algeroz. Mais uma vez pretende-se
impedir a invasão de propriedade alheia, agora mediante águas que
resultem de edifício construído no prédio.
Constituída por qualquer título a servidão de estilicídio, o
proprietário do prédio serviente não pode levantar edifício ou construção
que impeça o escoamento das águas, devendo realizar as obras
necessárias para que o escoamento se faça sobre o seu prédio, sem
prejuízo para o prédio dominante (art. 1285º, nº 2, do Código Civil).381
Por exemplo, se o beirado de um telhado deita diretamente as águas das
chuvas para o prédio vizinho por tempo suficiente para a constituição de
tal direito (de deitar as águas sobre o prédio vizinho) por usucapião,
então o vizinho terá que aceitar tal situação, ficando impedido de
construir de modo a impedir ou dificultar que as águas escorram para o
seu prédio.
j) Plantação de árvores e arbustos
É lícita a plantação de árvores e arbustos até à linha divisória dos
prédios;382 contudo o dono do prédio vizinho pode arrancar e cortar as
raízes que se introduzirem no seu terreno e o tronco ou ramos que sobre
ele penderem, desde que o dono da árvore o não faça dentro do prazo de
três dias, depois de lhe ser solicitado, judicial ou extrajudicialmente,
380
Uma vez observado o espaço previsto na lei já o proprietário do prédio vizinho é
obrigado a aceitar o escoamento natural das águas para o seu prédio, nos termos dos
arts. 1271º, nº 1, do Código Civil e 626º do CCI (Mesquita, Direitos Reais, 1984, pág.
157).
381
Também pode ser constituída servidão de estilicídio nos termos já referidos para a
constituição de servidões por usucapião ou acordo (Moreira e Fraga, Direitos Reais,
1971, pág. 247).
382
Mais uma vez, sendo o direito de propriedade um direito de uso e abuso da coisa
objecto do mesmo, pode o proprietário usar a coisa até ao seu limite.
114
para o fazer (art. 1286º, nº 1, do Código Civil e art. 666º do CCI).
No caso de as raízes, troncos ou ramos passarem ao prédio alheio
e os seus titulares não os arrancarem no prazo de três dias, depois de
instados judicial ou extrajudicialmente para o efeito, pode o vizinho
prejudicado fazê-lo pelas suas próprias mãos, mas os ramos, troncos ou
raízes cortados continuam a pertencer ao dono do prédio vizinho,
devendo ser-lhe devolvidos.383 O poder assim conferido ao dono do
prédio vizinho configura a legitimação do recurso à autotutela do seu
direito de propriedade, depois de solicitação feita ao dono das árvores e
do não cumprimento por este do seu dever de impedir que aquelas
causem danos ao prédio vizinho.384
O vizinho prejudicado com a invasão das raízes e ramos das
árvores não tem o direito a pedir ao dono das mesmas qualquer
indemnização, nomeadamente a destinada a compensar os danos
causados por essa invasão no seu prédio.385
O proprietário de árvore ou arbusto contíguo a prédio de outrem
ou com ele confinante pode exigir que o dono do prédio lhe permita
fazer a apanha dos frutos, que não seja possível fazer do seu lado; mas é
responsável pelo prejuízo que com a apanha vier a causar (art. 1287º do
Código Civil). No caso de os ramos de uma árvore penderem sobre o
prédio vizinho o proprietário deste apenas pode exigir que os mesmos
sejam cortados, nos termos já referidos, mas os frutos continuam a
pertencer ao dono do prédio onde está implantada a árvore. 386 Daí que
este tenha o direito de entrar no prédio vizinho para colher tais frutos.
Não é adquirível por prescrição (usucapião) o direito de deitar
ramos, tronco ou raízes sobre o prédio vizinho.
383
Mesquita, Direitos Reais, 1984, pág. 159, e Cordeiro, Direitos Reais, 1993, pág.
606.
384
Acórdão da Relação do Porto de 9-3-2010, apelação nº 2899/05.5TBOAZ.P1, da 2ª
Secção, relatora Sílvia Pires, acessível em www.dgsi.pt/jtrp.
385
Pires de Lima, in Revista de Legislação e Jurisprudência”, ano 95º, págs. 367-368,
Lima e Varela, Código Civil Português Anotado, vol. III, 1987, pág. 230, Justo,
Direitos Reais, 2007, pág. 247, e jurisprudência portuguesa citada no referido acórdão
da Relação do Porto de 9-3-2010.
386
Como já se referiu, as árvores fazem parte integrante do prédio onde estão
implantadas.
115
2.3. Paredes e muros de meação
Por parede ou muro deve entender-se qualquer construção com
pedra com consistência, bem como construções de tijolo, adobe ou taipa,
estando excluídas as vedações de madeira, arame, ou sebes vivas ou
mortas.387
O proprietário de prédio confinante com parede ou muro alheio
(ou seja, com parede ou muro edificado pelo proprietário do prédio
vizinho na estrema divisória dos dois prédios) pode adquirir nele
comunhão, no todo ou em parte, quer quanto à sua extensão, quer
quanto à sua altura, pagando metade do seu valor e metade do valor do
solo sobre que estiver construído (art. 1290º, nº 1, do Código Civil).388
Trata-se aqui do direito do proprietário confinante a comunhão forçada,
uma forma de transferência coactiva ou expropriação por utilidade
particular, que se traduz no exercício de um direito potestativo.389 O
CCI prevê, em contrário, que nenhum muro se possa tornar comum sem
o consentimento do seu proprietário (art. 640º do CCI).
Se um proprietário quiser murar o seu prédio, sem o acordo e
contribuição do vizinho, terá que construir o muro no interior do seu
prédio (sem ocupar o prédio vizinho), mas o proprietário do prédio
confinante só pode adquiri a compropriedade, ou comunhão, sobre o
muro, pagando metade do valor deste e do terreno do vizinho onde o
mesmo foi construído. No dizer de Álvaro Moreira e Carlos Fraga, “Há
aqui uma expropriação forçada de metade do muro no interesse do
proprietário confinante”.390
387
Rodrigues, A Posse, 1996, pág. 370. Ainda Martins, Paredes e muros de meação,
1999, pág. 21.
388
Trata-se de uma comunhão forçada do muro ou parede, uma vez que o proprietário
que a construiu não pode opor-se à aquisição da comunhão pelo proprietário do prédio
vizinho. Este goza, portanto, de um direito potestativo à aquisição da comunhão no
muro.
389
Martins, Paredes e muros de meação, 1999, págs. 28 a 31. No mesmo sentido Pinto,
Direitos Reais de Moçambique, 2006, págs. 199-200.
390
Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 248.
Importa relembrar que o CCI não prevê esta comunhão forçada, pelo que o muro ficará
sempre propriedade de quem o construiu, a menos que este aceite a comunhão. Assim,
o proprietário do prédio confinante, não pode usar o muro, pelo que, se pretender
construir junto à extrema dos prédios, terá que construir um novo muro paralelo ao que
já existe pertencente ao vizinho.
116
Porém, a comunhão forçada só existe relativamente ao muro
construído na estrema dos prédios confinantes. Se um proprietário
construiu o muro dentro do seu terreno mas ainda afastado da
estrema,391 o muro apenas a ele pertence e não poderá haver comunhão
forçada, uma vez que, a existir a comunhão forçada, o vizinho iria
adquirir uma parte do terreno do outro prédio, fora de qualquer previsão
legal.392
A parede ou muro divisório entre dois edifícios presume-se
comum em toda a sua altura, sendo os edifícios iguais, e até à altura do
inferior, se o não forem (art. 1291º, nº 1, do Código Civil. Veja-se o art.
633º do CCI). Se um dos prédios for mais alto que o outro, o muro
presume-se comum até à altura do mais baixo e, daí para cima,
pertencerá apenas ao prédio mais alto.393
Os muros entre prédios rústicos, ou entre pátios e quintais de
prédios urbanos, presumem-se igualmente comuns, não havendo sinal
em contrário (art. 1291º, nº 2, do Código Civil).394
São sinais que excluem a presunção de comunhão: a) A
existência de espigão em ladeira só para um lado;395 b) Haver no muro,
só de um lado, cachorros de pedra salientes encravados em toda a
largura dele; c) Não estar o prédio contíguo igualmente murado pelos
outros lados (art. 1291º, nº 3, do Código Civil. Veja-se o art. 634º do
CCI).
No caso da existência de espigão em ladeira só para um lado
(alínea a), presume-se que o muro pertence ao prédio para cujo lado se
inclina a ladeira; nos outros casos, àquele de cujo lado se encontrem as
construções ou sinais mencionados, ou seja cachorros de pedra salientes
391
Por exemplo, quando constrói uma casa afastada um metro e meio do terreno do
vizinho, em observância dos arts. 1280º, nº 1, do Código Civil e 647º a 650º do CCI,
não pode o vizinho pretender usar essa construção como divisória e obter comunhão na
parede da casa.
392
Martins, Paredes e muros de meação, 1999, pág. 35.
393
Em relação à parte que excede a altura do prédio inferior existe uma presunção de
propriedade exclusiva do dono do prédio mais alto (Martins, Paredes e muros de
meação, 1999, pág. 45).
394
Trata-se de uma presunção legal ilidível nos termos do art. 518º, nº 2, do CPC.
395
Inclinação do topo do muro para o lado do presumido proprietário.
117
encravados em toda a largura dele (art. 1291º, nº 4, do Código Civil).
Trata-se de construções ou outros elementos inseridos no muro,
nomeadamente para suportar telhados ou beirais, que levam a presumir
que quem as edificou será o dono do muro. Daí que, se o muro sustentar
em toda a sua largura qualquer construção que esteja só de um dos
lados, presume-se do mesmo modo que ele pertence exclusivamente ao
dono da construção (art. 1291º, nº 5, do Código Civil).
O proprietário a quem pertença em comum alguma parede ou
muro não pode abrir nele janelas ou frestas, nem fazer outra alteração,
sem consentimento do seu consorte (art. 1286º, nº 1, do Código Civil.396
Veja-se o art. 644º do CCI). Trata-se de consequência da comunhão. Se
o muro é comum a abertura de janelas ou frestas necessita do
consentimento do outro proprietário do muro. No caso de o muro
pertencer apenas a um dos proprietários, estaremos perante um caso de
uma edificação ou construção, sendo a proibição resultante da aplicação
do art. 1280º, nº 1, do Código Civil (ou dos arts. 647º a 650º do CCI).
Qualquer dos consortes tem, no entanto, a faculdade de edificar
sobre a parede ou muro comum e de introduzir nele traves ou barrotes,
contanto que não ultrapasse o meio da parede ou do muro (art. 1293º, nº
1, do Código Civil. No mesmo sentido o art. 636º do CCI). Mas, se a
parede ou muro tiver espessura inferior a meio metro, não tem lugar a
restrição (art. 1286º, nº 1, do Código Civil). Ou seja, se a parede ou
muro tiver espessura inferior a meio metro pode a introdução de traves
ou barrotes ultrapassar o meio da parede ou do muro, uma vez que não
teria sustentação suficiente se fosse imposto o aludido limite.
Já o art. 641º do CCI impedia, nos casos em que o muro fosse
comum, nos termos do disposto no art. 640º do CCI (ou seja, no caso de
comunhão com o consentimento do proprietário), que algum consorte
pudesse abrir buracos ou construir contra o muro comum, sem
consentimento do outro. Segundo o regime do CCI cada um dos
proprietários de prédios confinantes devia murar o seu prédio, dentro
dos limites do mesmo, apenas sendo admissível a comunhão do muro no
caso de ele ser edificado em conjunto pelos proprietários na linha
396
O direito a manter janelas ou frestas no muro comum pode, porém, ser adquirido
por prescrição (usucapião), nos termos gerais já analisados a propósito das construções
e edificações.
118
divisória, ou se o proprietário que o edificou consentisse na comunhão,
com ou sem retribuição, ficando assim excluída a possibilidade da
comunhão forçada prevista no novo Código Civil.
A qualquer dos consortes, ou comproprietários do muro, é
permitido alterar a parede ou muro comum, contanto que o faça à sua
custa, ficando a seu cargo todas as despesas de conservação da parte
alterada (art. 1294º, nº 1, do Código Civil e art. 637º, primeira parte, do
CCI).397 Como é óbvio, se a parede ou muro não estiver em estado de
aguentar o alçamento, o consorte que pretender levantá-lo tem de
reconstruí-lo por inteiro à sua custa e, se quiser aumentar-lhe a
espessura, é o espaço para isso necessário tomado do seu lado (art.
1294º, nº 2, do Código Civil e art. 637º, segunda parte, do CCI). O
proprietário que não precise de aumentar ou alterar o muro não pode ser
obrigado a contribuir para tal obra da iniciativa do seu vizinho.
Contudo, para adquirir comunhão na parte aumentada, o que
pode fazer mediante a já analisada comunhão forçada, nomeadamente
para poder dele usufruir, o consorte que não tiver contribuído para o
alçamento terá que pagar metade do valor dessa parte e, no caso de
aumento de espessura, também metade do valor do solo correspondente
a esse aumento (art. 1294º, nº 3, do Código Civil e art. 639º do CCI).
A reparação ou reconstrução da parede ou muro comum é feita
por conta dos consortes, em proporção das suas partes (art. 1295º, nº 1,
do Código Civil e art. 635º do CCI). O muro comum pode beneficiar de
maneira diversa os prédios vizinhos, como acontece no caso de servirem
de parede a construções de altura diferente, o que justifica que os
encargos com a reparação ou reconstrução possam ser diferentes. Já no
caso de o muro ser de simplesmente de vedação, a despesa é dividida
pelos consortes em partes iguais (art. 1295º, nº 2, do Código Civil), uma
vez que aqui o benefício é igual para ambos os prédios.
Se, porém, algum dos consortes tirar do muro proveito que não
397
O alçamento é uma faculdade discricionária, mas não podem, com ele, serem
prejudicadas servidões que um comproprietário do muro tenha adquirido relativamente
ao mesmo (Mesquita, Direitos Reais, 1984, pág. 171).
119
seja comum ao outro, ou seja, um tirar proveito além da vedação, a
despesa é rateada entre eles em proporção do proveito que cada um tirar
(art. 1295º, nº 3, do Código Civil). Será o caso de construir um anexo ou
alpendre aproveitando o muro.
Se a ruína do muro provier de facto do qual só um dos consortes
tire proveito, só o beneficiário é obrigado a reconstruí-lo ou repará-lo
(art. 1295º, nº 4, do Código Civil e art. 641º do CCI). Se a ruína resultar
de aproveitamento que um dos vizinhos faça do muro, obviamente só ele
será responsável pela sua reparação.
É sempre facultado ao consorte eximir-se dos encargos de
reparação ou reconstrução da parede ou muro, renunciando ao seu
direito de comunhão na parede ou muro nos termos dos nºs 1 e 2 do
artigo 1331º (art. 1295º, nº 5, do Código Civil e art. 635º do CCI).398
Trata-se de regra própria da compropriedade, no caso de um
comproprietário entender que os encargos com a coisa são excessivos
terá que renunciar ao direito de propriedade sobre o muro para se poder
eximir a comparticipar nos referidos encargos.
3. Defesa da propriedade
O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor
ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a
consequente restituição do que lhe pertence (art. 1232º, nº 1, do Código
Civil e art. 574º do CCI). Havendo reconhecimento do direito de
propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei
(art. 1232º, nº 2, do Código Civil).
398
Art. 1331º, nº 1, do Código Civil, os comproprietários devem contribuir, em
proporção das respectivas quotas, para as despesas necessárias à conservação ou
fruição da coisa comum, sem prejuízo da faculdade de se eximirem do encargo
renunciando ao seu direito. No caso, o comproprietário do muro terá que renunciar ao
seu direito, passando o muro a pertencer apenas àquele que suportou os custos da
reparação do muro.
120
A ação de reivindicação trata-se, nas palavras de Alberto dos
Reis, de “uma acção destinada a fazer valer um direito real sobre um
prédio”. 399
Conforme referido no acórdão da Relação de Lisboa de 19 de
Março de 1975, “A causa de pedir nas acções de reivindicação, ou seja,
o facto jurídico de que deriva o direito real só pode ser constituído pela
alegação de uma das formas de adquirir”.400
Esta forma de aquisição do direito terá que ser uma forma
originária de aquisição, nomeadamente a prescrição aquisitiva (ou
usucapião), não bastando a invocação de uma forma derivada de
aquisição do direito real, como o contrato de compra e venda (art. 377º,
nº 4, 2ª parte, do CPC). Assim, terá o autor na ação de reivindicação que
provar que o alienante do prédio era efetivamente proprietário do
mesmo, com base numa forma originária de aquisição.401
Conforme referido no acórdão da Relação de Lisboa de 1-62010, “A acção de reivindicação tem por fim o reconhecimento do
direito de propriedade a quem dele se arroga contra qualquer possuidor
ou detentor e a consequente restituição da coisa ao seu proprietário.
Trata-se, por conseguinte, de uma acção real. E a causa de pedir nesta
399
Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 63º, nº 2404, Coimbra: Coimbra
Editora, 1930/1931, pág. 362.
400
Sumariado no Boletim do Ministério da Justiça de Portugal, nº 244, Lisboa, 1975,
pág. 177.
401
Das diversas formas de aquisição de imóveis previstas no art. 584º do CCI, acessão,
prescrição aquisitiva (ou usucapião), sucessão legal ou testamentária, ou outro título de
transmissão do direito pelo seu titular (como sejam a compra e venda ou a doação), só
as duas primeiras são formas de aquisição originária. Porém, só a acessão natural pode
constituir meio de aquisição do direito de propriedade sobre imóveis, dado que a
acessão industrial não é reconhecida como tal pelo CCI como forma de aquisição de tal
direito, conforme resulta evidente do disposto nos arts. 600º e 601º do CCI. Assim,
basicamente, só a prescrição aquisitiva, ou usucapião, prevista nos arts. 548º, nº 2,
1946º e 1955º do CCI, constitui forma de aquisição originária do direito de
propriedade sobre imóveis. As restantes formas de aquisição (com excepção da acessão
natural, repete-se) são meramente derivadas (acórdão do Tribunal de Recurso de 14-42011, processo nº 03/Cível/Agravo/2011/TR, relator Rui Penha).
No mesmo sentido acórdão da Relação de Lisboa de 19-3-1975 (sumariado no Boletim
do Ministério da Justiça nº 246, pág. 177, citado por Neto, Código de Processo Civil
[Português] Anotado, 1997, pág. 543) “a transmissão não é fonte de direitos, mas meio
de os transferir, caso existam”.
121
espécie de acções implica a alegação do facto jurídico de que deriva o
direito real invocado, o que, segundo a teoria da substanciação
perfilhada pela generalidade da doutrina e da jurisprudência, requer a
alegação da aquisição originária, que não meramente derivada, daquele
direito real, nomeadamente por virtude de usucapião, acessão ou
ocupação”.402
Porém, no caso de o autor beneficiar da presunção do direito de
propriedade resultante do registo, em conformidade com o disposto nos
arts. 617º e 620º do CCI e art. 23º, nº 1, da Lei Agrária Indonésia de
1960 (Lei nº 5 de 1960 (UUPA) Undang Undang No. 5 Tahun 1960
Tentang: Peraturan Dasar Pokok-pokok Agraria), não terá que alegar a
aludida aquisição originária.403 O mesmo ocorrerá na sequência dos
registos efetuados ao abrigo do Decreto-Lei nº 27/2011, de 6 de Julho,
Regularização da Titularidade de Bens Imóveis em Casos Não
Disputados.
Importa lembrar que a presunção do direito de propriedade
resultante do registo cede perante a presunção idêntica atribuída ao
possuidor, a menos que o registo da titularidade do direito seja anterior
ao início da posse (art. 1188º, nº 1, do Código Civil e arts. 548º, nº 1, e
549º, nº 1, do CCI).404 Deste modo, se o autor numa ação de
reivindicação invoca o registo posterior à data do início da posse do réu,
terá que alegar e provar a aquisição originária do direito.405
402
Acórdão da Relação de Lisboa de 1-6-2010, processo nº 405/07.6TVLSB.L1-7,
relator Tomé Gomes, acessível em www.dgsi.pt/jtrl (ainda citado no mesmo acórdão
do TR).
Ainda no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal de 82-2011, processo nº 12/09 9T2STC.E1.S1, relator Sebastião Póvoas, www.dgsi.pt/jstj,
e o acórdão do Tribunal Supremo de Moçambique de 31-3-2008, processo nº 70/2001,
relator Luís Filipe Sacramento, publicado no Boletim de República [de Moçambique],
III Série, nº 5, Suplemento, de 4-2-2010.
403
Referido acórdão do TR de 14-4-2011.
404
O efeito presuntivo resultante da posse “tem como limite o registo: se existir, a
favor de outrem, registo anterior ao início da posse, esta não gera a presunção da
titularidade do direito a que corresponde” (Duarte, Curso de Direitos Reais, 2007, pág.
292.
405
Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 205.
122
Entende-se no acórdão da Relação de Coimbra de 30-5-1990
que, “a causa de pedir nas acções de reivindicação é de natureza
complexa, compreendendo tanto o acto ou facto jurídico de que deriva o
direito de propriedade dos autores, como a ocupação abusiva do prédio
pelo réu. Para o triunfo da acção deve, portanto, o autor convencer de
que é o proprietário do prédio com base em factos alegados e que o
mesmo se acha abusivamente ocupado pelo réu”.406
Porém, na sequência da definição legal de causa de pedir do art.
377º, nº 4, do CPC, a essência da ação de reivindicação é a afirmação e
o reconhecimento do direito de propriedade. Portanto, a causa de pedir é
o ato ou facto jurídico em que o autor se baseia para alegar que tal
direito lhe pertence.407 Neste sentido esclarece Carvalho Fernandes que
o pedido tem um ponto principal e outro secundário: “o principal é o
reconhecimento de direito de propriedade; o secundário, o de restituição
da coisa reivindicada. Na verdade, a condenação do réu na restituição da
coisa constitui, na própria letra da lei, uma consequência da procedência
daquele pedido”, conforme o art. 1232º, nº 2, do Código Civil.408
No entanto, sempre terá o autor que alegar e provar que o réu
praticou um facto ilícito ofensivo do seu direito. De facto, nas ações de
condenação é indispensável, para além do facto constitutivo do direito,
que o autor alegue o facto ofensivo do mesmo, embora a causa de pedir
continue a ser o facto jurídico de que procede o direito real. O facto
ilícito praticado pelo réu aparece como condição para a condenação
pedida: a restituição da coisa que pertence ao autor409.
406
In Boletim do Ministério da Justiça de Portugal, nº 397, Lisboa, 1990, pág. 572. No
mesmo sentido Gonçalves, Tratado de Direito Civil, vol. 14º, 1957, pág. 928, e os
acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal de 4-7-1972 e de 28-10-1975, da
Relação de Lisboa de 14 de Julho de 1981 e da Relação do Porto de 16 de Março de
1989 e da Relação de Coimbra de 30 de Maio de 1990, todos in Boletim do Ministério
da Justiça de Portugal, Lisboa, nº 2l9, 1972, pág. 176, nº 250, 1975, pág. 179, nº 315,
1989, pág. 307, e nº 385, 1990, pág. 603, respectivamente.
407
Acórdão da Relação de Évora de 2-12-1983, in “Colectânea de Jurisprudência”, ano
VIII, tomo 5º, Coimbra: Casa do Juiz, 1983, pág. 274.
408
Fernandes, Lições de Direitos Reais, 2007, pág. 272.
409
Citado acórdão da Relação de Lisboa de 2-12-1983. No mesmo sentido Moreira e
Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 92, e os acórdãos da Relação do Porto de 30-1-1979 e
da Relação de Évora de 26-1-1989, in Boletim do Ministério da Justiça de Portugal,
Lisboa, respectivamente nº 284, 1979, pág. 286, e nº 383, 1989, pág. 632, e da Relação
123
Não estamos, contudo, perante uma cumulação de pedidos, tal
como a define o art. 352º do CPC. Tal pretensão, como maioritariamente
vem defendendo a doutrina e a jurisprudência, não traduz uma
cumulação real, mas uma cumulação aparente de pedidos.410 Em sentido
contrário, porém, parece pronunciar-se Oliveira Ascensão.411
Seguindo Alberto dos Reis: “A cumulação é aparente. Sob o
ponto de vista substancial o pedido é um só. A acção de reivindicação é
uma acção de condenação, mas toda a condenação pressupõe uma
apreciação prévia de natureza declarativa. De maneira que, ao pedir-se o
reconhecimento do direito de propriedade (efeito declarativo) e a
condenação na entrega (efeito executivo), não se formulam dois pedidos
substancialmente distintos, unicamente se indicam as duas espécies de
actividade que o tribunal tem de desenvolver para atingir o fim último
da acção”.412
Sem prejuízo dos direitos adquiridos por usucapião, a ação de
reivindicação não prescreve pelo decurso do tempo (art. 1234º do
Código Civil). O direito de reivindicar é uma manifestação da sequela,
uma manifestação do conteúdo do direito real, e a propriedade, como
aliás outros direitos reais, é imprescritível, não se extinguindo, portanto,
por prescrição extintiva.413
É admitida a defesa da propriedade por meio de ação direta, nos
termos do artigo 327º (art. 1235º do Código Civil).414
de Évora de 19-7-1979, in “Colectânea de Jurisprudência”, ano IV, tomo 3º, Coimbra:
Casa do Juiz, pág. 1327.
410
Acórdão de Relação de Coimbra de 3-4-1984, in “Colectânea de Jurisprudência”,
ano IX, tomo 2º, Coimbra: Casa do Juiz, pág. 51.
411
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 419-420. Veja-se igualmente o acórdão
da Relação do Porto de 16-1-2012, processo nº 158/03.7TBBTC.P1, relator Augusto
de Carvalho, in www.dgsi.pt/jtrp.
412
Reis, Comentário ao Código de Processo Civil Português”, vol. III, 1944, pág. 148.
413
Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 92.
414
Veja-se supra o Título II, Capítulo 7.3 (O recurso à ação direta e à legítima defesa
(arts. 327º e 328º do Código Civil) pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes
requisitos: a) impossibilidade de recurso, em tempo útil, aos meios coercivos normais,
nomeadamente aos tribunais; b) violação efetiva ou eminente do direito; c)
racionalidade dos meios utilizados).
124
4. Aquisição da propriedade
4.1. Formas de aquisição do direito de propriedade
O direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por
morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei
(art. 1237º, nº 1, do Código Civil e art. 584º do CCI).
Não se trata de enumeração taxativa, pelo que podem existir
outros meios de aquisição da propriedade. O contrato e a sucessão por
morte não constituem verdadeiramente modos de aquisição do direito de
propriedade, mas sim formas de transmissão do mesmo. Daí que, no que
respeita aos bens imóveis, se considerem apenas a usucapião e a acessão
como formas de aquisição originária do direito, enquanto os modos de
transmissão do mesmo são denominados formas de aquisição
derivada.415
4.2. Ocupação
Segundo Carvalho Fernandes, a ocupação dá-se pela apreensão
material de coisas (móveis) sem dono.416 Compreendem-se aqui as
coisas que nunca tiveram dono, ou que foram abandonadas pelo anterior
dono.
A ocupação constitui forma de aquisição do direito de
propriedade mas apenas de coisas móveis. Assim, podem ser adquiridos
por ocupação os animais e outras coisas móveis que nunca tiveram
dono, ou foram abandonados, perdidos ou escondidos pelos seus
proprietários, salvas as restrições constantes dos artigos seguintes ao art.
1239º do Código Civil (no mesmo sentido o art. 574º do CCI).
O princípio básico que resulta dos arts. 1239º a 1244º do Código
Civil é que a pessoa que encontrar um bem móvel cujo dono seja
conhecido deve entregar a mesma a este, ou avisá-lo que a achou. Caso
contrário (se o dono for desconhecido), pode ficar com ela.
Os bens móveis do domínio privado do Estado, que forem
abandonados, podem ser adquiridos por ocupação.
415
Veja-se sobre esta matéria o já referido acórdão do Tribunal de Recurso de 14-42011.
416
Fernandes, Lições de Direitos Reais, 2007, pág. 330.
125
4.3. Acessão
Dá-se a acessão, quando com uma coisa que é propriedade de
alguém se une e incorpora outra coisa que lhe não pertencia (art. 1245º
do Código Civil e art. 588º do CCI). Salienta Rui Pinto que o instituto
da acessão visa regular as situações em que “dois bens pertencentes a
diferentes donos são, em resultado das forças da natureza ou por acto
humano, ligados ou unidos de modo que a sua separação lhes seria
danosa”.417 Para Oliveira Ascensão “a acessão repousa pois
necessariamente numa determinada situação material, que é a resultante
da união de duas coisas pertencentes a dono diverso”.418
A acessão diz-se natural, quando resulta exclusivamente das
forças da natureza; dá-se a acessão industrial, quando, por facto do
homem, se confundem objetos pertencentes a diversos donos, ou quando
alguém aplica o trabalho próprio a matéria pertencente a outrem,
confundindo o resultado desse trabalho com propriedade alheia (art.
1246º, nº 1, do Código Civil). No dizer de Carvalho Fernandes, “se a
união ou incorporação resultarem exclusivamente da ação de forças da
natureza, a acessão diz-se natural; se há intervenção de facto humano,
ainda que este não seja a sua causa única, a acessão diz-se industrial”.419
A acessão natural é sempre imobiliária. Já a acessão industrial é
mobiliária ou imobiliária, conforme a natureza das coisas (art. 1246º, nº
2, do Código Civil). Será imobiliária se ocorrer a junção de bens a um
imóvel, será móvel que ocorrer a junção de coisas móveis a outra coisa
móvel.
Importa lembrar que constitui benfeitoria o melhoramento de
obra ou plantação já existente e acessão a obra ou plantação nova,
incluindo a acrescentada. Se num terreno existe alguma construção, ela
pode ser objeto de benfeitoria. Porém, se não existia lá qualquer edifício,
o que se construir constitui acessão e não benfeitoria.
A acessão dá-se pela mera união das coisas. Assim, o momento
de aquisição por acessão é o da união das coisas. Porém, a aquisição por
acessão normalmente não é, normalmente, automática, dependendo da
417
Pinto, Direitos Reais de Moçambique, 2006, pág. 307.
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 302.
419
Fernandes, Lições de Direitos Reais, 2007, pág. 336.
418
126
manifestação de vontade do beneficiário nesse sentido.
4.3.1. Acessão natural
Pertence ao dono da coisa tudo o que a esta acrescer por efeito
da natureza (art. 1247º do Código Civil. Veja-se no mesmo sentido o art.
588º do CCI).
Aqui a acessão natural não é uma aquisição potestativa; não
depende de manifestação de vontade de um beneficiário, dá-se pela
mera união das coisas.420
Por aluvião entende-se a deslocação lenta e gradual de terras de
um prédio para outro, seja por ação das águas, seja por ação do vento,
Segundo Rui Pinto, “No aluvião há um depósito lento, continuado e
imperceptível, enquanto a avulsão é um depósito súbito único e
perceptível”.421
Assim, pertence aos donos dos prédios confinantes com
quaisquer correntes de água tudo o que, por ação das águas, se lhes unir
ou neles for depositado, sucessiva e impercetivelmente (art. 1248º, nº 1,
do Código Civil). E o mesmo regime é aplicável ao terreno que
insensivelmente se for deslocando, por ação das águas, de uma das
margens para outra, ou de um prédio superior para outro inferior, sem
que o proprietário do terreno perdido possa invocar direitos sobre ele
(art. 1248º, nº 2, do Código Civil. Vejam-se os arts. 595º a 598º do CCI,
que precisam diversas situações de aluvião).
Efetivamente, porque a deslocação se faz lentamente, de forma
quase impercetível, não é possível o proprietário do terreno que fica sem
as terras exigir a restituição das mesmas ao proprietário do prédio que as
recebe. Assim, a acessão, no aluvião, opera imediatamente e
automaticamente: constituindo-se o direito real sobre a coisa assim que
se verifiquem os factos naturais pressupostos do seu funcionamento,
independentemente da vontade do adquirente.422
420
Cordeiro, Direitos Reais, 1993, pág. 721.
Pinto, Direitos Reais de Moçambique, 2006, pág. 312.
422
Cordeiro, Direitos Reais, 1993, pág. 717.
421
127
Se, por ação natural e violenta (avulsão), a corrente arrancar
quaisquer plantas ou levar qualquer objeto ou porção conhecida de
terreno, e arrojar essas coisas para prédio alheio, o dono delas tem o
direito de exigir que lhe sejam entregues, contanto que o faça dentro de
seis meses, se antes não foi notificado para fazer a remoção dessas
coisas no prazo que tiver sido fixado judicialmente (art. 1249º, nº 1, do
Código Civil).423
A expressão conhecida significa que o objeto deve ser
individualizável.424 Ou seja, a porção de terra que foi deslocada de um
terreno para o outro tem que ser passível de identificação,
autonomizável. Só assim se poderá proceder à sua remoção.
Não se fazendo a remoção nos referidos prazos, passam as terras,
e respetivas implantações se for o caso, a pertencer ao prédio que
acrescentaram, o prédio que as recebeu (art. 1249º, nº 2, do Código
Civil. No mesmo sentido a segunda parte do art. 599º do CCI). Só não
será assim se o proprietário do terreno que ficou sem as terras intentar
ação para obter a sua restituição, por o proprietário do prédio que as
recebeu não as entregar sem intervenção do tribunal. Ou seja, na avulsão
a aquisição opera-se diferida e automaticamente, passando as terras e
implantações a integrar o prédio que as recebeu, apenas se o proprietário
do terreno que ficou sem elas não exigir a sua devolução nos prazos
referidos na lei ou fixado pelo tribunal.425
Relativamente ao leito dos rios, se a corrente mudar de direção,
abandonando o leito antigo, os proprietários deste conservam o direito
que tinham sobre ele, e o dono do prédio invadido conserva igualmente
a propriedade do terreno ocupado de novo pela corrente (art. 1250º, nº 1,
do Código Civil). Ou seja, a propriedade conserva-se nos exatos termos
em que se encontrava antes. Simplesmente o dono do terreno por onde
corria o rio passa a ser proprietário de terreno seco, enquanto o dono do
423
Veja-se o art. 599º do CCI que para a situação de avulsão estabelece o mesmo
regime, mas fixa o prazo de três anos para que o dono das terras, plantas ou outros
objetos deslocados os exija do dono do terreno que os recebeu.
424
José de Oliveira Ascensão, Revista “Scientia Iuridica – Revista de Direito
Comparado Português e Brasileiro”, tomo 22º, Universidade de Braga, 1973, pág. 327.
425
Cordeiro, Direitos Reais, 1993, pág. 718.
128
terreno por onde passa a correr o rio tem o seu terreno ocupado pelo
mesmo. Se a corrente se dividir em dois ramos ou braços, sem que o
leito antigo seja abandonado, é ainda aplicável o mesmo regime (art.
1250º, nº 2, do Código Civil).
Diferente era o regime para a mesma situação previsto no CCI.
Nos termos do art. 592º do CCI, os donos dos terrenos que passaram a
ser ocupados pelo leito do rio têm direito a ocupar os terrenos deixados
pelo mesmo, na mesma proporção dos terrenos que tinham, como forma
de compensação. Porém, a inundação temporária não confere quaisquer
direitos (art. 593º do CCI. Veja-se ainda o art. 594º do CCI).
As ilhas ou mouchões que se formem nas correntes de água
pertencem ao dono da parte do leito ocupado (art. 1251º, nº 1, do
Código Civil. Veja-se o art. 590º do CCI). Tal como visto
anteriormente, não há alteração da propriedade. Porém, se as ilhas ou
mouchões se formarem por avulsão, o proprietário do terreno onde a
diminuição haja ocorrido goza do direito de remoção nas condições
prescritas pelo já referido artigo 1249º (art. 1251º, nº 2, do Código
Civil). Este regime é ainda aplicável aos lagos e lagoas, quando aí
ocorrerem situações semelhantes (art. 1252º do Código Civil).426
4.3.2. Acessão industrial mobiliária
Se alguém, de boa fé, unir ou confundir (ou seja, juntar) objeto
seu com objeto alheio, de modo que a separação deles não seja possível
ou, sendo-o, dela resulte prejuízo para alguma das partes, o dono
daquele que for de maior valor faz seu o objeto adjunto, desde que
indemnize o dono do outro ou lhe entregue coisa equivalente (art. 1253º,
nº 1, do Código Civil).427 Assim, se um dono de um carro usa peças de
426
Para Rui Pinto nenhuma destas situações se traduz em verdadeira acessão. Há
apenas uma modificação do objecto da propriedade (Pinto, Direitos Reais de
Moçambique, 2006, pág. 315). Em sentido contrário parece pronunciar-se Carvalho
(Fernandes, Lições de Direitos Reais, 2007, pág. 338). Efectivamente, pode haver por
avulsão a incorporação de imóveis, nomeadamente árvores ainda implantadas no solo,
que serão identificáveis e cuja devolução poderá ser exigida.
427
Conforme salienta Oliveira Ascensão, embora a lei fale em união e confusão, não
vale a pena distingui-las, uma vez que as trata da mesma maneira (Ascensão, Direito
Civil – Reais, 2000, pág. 304).
129
outra pessoa na reconstrução do motor do seu carro, pensando
erradamente que as mesmas lhe foram dadas para esse efeito, verifica-se
a confusão de ambas as coisas, o motor do carro e as peças que nele
foram incorporadas, ficando ele com o motor e as peças, se o motor tiver
valor superior às peças que foram usadas, indemnizando o dono das
peças.428
O regime assenta na boa fé de quem provocou a união. Se quem
procede à união ou confusão está de boa fé, o dono da coisa que tiver
maior valor fica com o objeto novo resultante da junção, indemnizando
o outro. Se está de má fé, a vantagem será sempre do dono da outra
coisa.429
Assim, se ambas as coisas forem de igual valor e os donos não
acordarem sobre qual haja de ficar com ela, abrir-se-á entre eles
licitação, adjudicando-se o objeto licitado àquele que maior valor
oferecer por ele, ficando obrigado a pagar ao outro metade do valor da
adjudicação (art. 1253º, nº 2, do Código Civil). Se os interessados não
quiserem licitar, será vendida a coisa e cada um deles ficará com a parte
que deva pertencer-lhe do produto da venda (art. 1253º, nº 3, do Código
Civil).
Em qualquer dos casos, o autor da confusão é obrigado a ficar
com a coisa adjunta, ainda que seja de maior valor, se o dono dela
preferir a respetiva indemnização (art. 1253º, nº 4, do Código Civil). Ou
seja, o autor da junção fica sempre com o resultado da adjunção,
independentemente do valor das coisas, se a outra parte preferir a
indemnização.
O CCI prevê a acessão industrial mobiliária no art. 606º,
estipulando que a coisa passa a pertencer a quem procede à
incorporação, independentemente do valor, desde que pague os
materiais utilizados e indemnize o primitivo dono da coisa. Veja-se
ainda o art. 608º do CCI.
Se a união ou confusão tiver sido feita de má fé e a coisa alheia
428
No caso da união é possível identificar o objecto incorporado, ou junto, no caso da
confusão essa identificação torna-se impossível.
429
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 304.
130
puder ser separada sem padecer detrimento, será esta restituída a seu
dono, sem prejuízo do direito que este tem de ser indemnizado pelo
dano sofrido (art. 1254º, nº 1, do Código Civil. Veja-se o art. 609º do
CCI, o qual tem aplicação também nos casos de acessão de boa fé).
Se, porém, a coisa não puder ser separada sem padecer
detrimento, deve o autor da união ou confusão restituir o valor da coisa e
indemnizar o seu dono, quando este não prefira ficar com ambas as
coisas adjuntas e pagar ao autor da união ou confusão o valor que for
calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa (art. 1254º, nº
2, do Código Civil).
Se a adjunção430 ou confusão se operar casualmente e as coisas
adjuntas ou confundidas não puderem separar-se sem detrimento de
alguma delas, ficam pertencendo ao dono da mais valiosa, que pagará o
valor da outra; mas se este não quiser fazê-lo, assiste idêntico direito ao
dono da menos valiosa (art. 1255º, nº 1, do Código Civil).
Se nenhum deles quiser ficar com a coisa, será esta vendida, e
cada um deles haverá a parte do preço que lhe pertencer (art. 1255º, nº 2,
do Código Civil). Se ambas as coisas forem de igual valor, observar-se-á
o disposto nos números 2 e 3 do artigo 1253º, licitação ou venda da
coisa (art. 1255º, nº 3, do Código Civil).
Nos termos do disposto no art. 607º do CCI, se a adjunção ou
confusão se operar casualmente e as coisas adjuntas ou confundidas não
puderem separar-se sem detrimento de alguma delas, fica o novo objeto
pertencendo em conjunto a todos os donos dos materiais, na proporção
do valor do material de cada um.
Dá-se especificação quando alguém, pelo seu trabalho, dá nova
forma a coisa móvel pertencente a outrem, de tal modo que ela não
poderá ser restituída à forma primitiva, ou não o pode ser sem perda do
430
A adjunção é a junção de bens móveis feitas casualmente, embora sempre com
intervenção do homem. Por exemplo, H inadevertidamente, deixa cair o conteúdo de
uma lata de tinta numa lata com tinta de outra pessoa (Pinto, Direitos Reais de
Moçambique, 2006, pág. 321).
131
seu valor pela especificação.431 Será o caso de um pintor, convencido de
ter para tal autorização, fazer uma nova pintura sobre uma tela que já
continha uma outra pintura anteriormente.
Neste caso, o autor da especificação fica com a coisa
transformada, se ela não puder ser restituída à primitiva forma ou não
puder sê-lo sem perda do valor criado pela especificação. Porém, no
caso de a coisa poder ser restituída à forma original, embora com perda
do valor resultante da especificação, o dono da matéria pode ficar com a
coisa, se o valor da especificação não exceder o da matéria (art. 1256º,
nº 1, do Código Civil). Em ambos os casos, o que ficar com a coisa é
obrigado a indemnizar o outro do valor que lhe pertencer (art. 1256º, nº
2, do Código Civil).
A especificação de boa fé, quando a coisa não possa ser
restituída à forma primitiva sem perda do valor acrescentado, confere a
titularidade da coisa resultante ao trabalhador ou ao dono da coisa
anterior, consoante o valor aditado seja ou não superior ao valor da coisa
e podendo o dono da coisa, no último caso, preferir a indemnização, a
que se encontrará sempre obrigada a parte que adquirir.432
Se a especificação tiver sido feita de má fé, será a coisa
especificada restituída a seu dono no estado em que se encontrar, com
indemnização dos danos, sem que o dono seja obrigado a indemnizar o
autor da obra (especificador), se o valor da especificação não tiver
aumentado em mais de um terço o valor da coisa especificada. Se o
aumento for superior a um terço, deve o dono da coisa pagar o que
exceder o dito terço (art. 1257º do Código Civil).
A especificação de má fé confere a titularidade da coisa
transformada ao titular da coisa primitiva, independentemente do valor
acrescentado. O autor da especificação será indemnizado, mas apenas se
o acréscimo de valor for superior em um terço ao valor da coisa e na
medida em que exceda esse terço.433 Se uma nova pitura tiver maior
valor do que a que estava pintada na tela, sabendo o pintor que não
431
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 435.
Cordeiro, Direitos Reais, 1993, pág. 725.
433
Cordeiro, Direitos Reais, 1993, pág. 725.
432
132
estava autorizado a fazer a nova pintura e que a tela pertencia a outra
pessoa, o dono da tela fica com a nova pintura e só terá que indemnizar
o pintor se o valor da nova pintura exceder um terço do valor que tinha a
pintura que anteriormente se encontrava na mesma tela, e apenas na
parte em que exceder. Mais terá o dono da tela direito a uma
indemnização pelos prejuízos que possa ter sofrido.
Constituem casos de especificação a escrita, a pintura, o
desenho, a fotografia, a impressão, a gravura e outros atos semelhantes,
feitos com utilização de materiais alheios (art. 1258º do Código Civil).
4.3.3. Acessão industrial imobiliária
Seguindo a definição de Rui Pinto, “na acessão industrial
imobiliária assiste-se a uma incorporação voluntária pelo agente de
coisa móvel, sua ou alheia, em coisa imóvel”.434
A acessão industrial imobiliária constitui uma forma de
aquisição da propriedade sobre um imóvel (trata-se de uma forma de
aquisição originária). No entanto, como se verá, não era assim para o
CCI, no qual a acessão industrial imobiliária não constituía forma de
aquisição do direito de propriedade sobre o imóvel.
É discutida a questão de saber se a aquisição do direito de
propriedade em virtude da acessão industrial imobiliária é automática ou
depende de manifestação de vontade nesse sentido. Assim, para Oliveira
Ascensão a acessão tem carácter potestativo, ou seja, existe um direito
ou faculdade concedido ao seu beneficiário, que ele pode ou não
exercer.435 Já Rui Pinto entende que, pelo menos em certas situações, a
acessão se dá por mero efeito da união das coisas, exemplifica com a
acessão industrial imobiliária em que o valor acrescentado pela acessão
é inferior ao valor do prédio antes da mesma.436
Aquele que em terreno seu construir obra ou fizer sementeira ou
plantação com materiais, sementes ou plantas alheias adquire os
materiais, sementes ou plantas que utilizou, pagando o respetivo valor,
434
Pinto, Direitos Reais de Moçambique, 2006, pág. 322.
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 308.
436
Pinto, Direitos Reais de Moçambique, 2006, pág. 339-341.
435
133
além da indemnização a que haja lugar (art. 1259º do Código Civil).437
Esta disposição é semelhante à do art. 602º do CCI, o qual acrescenta
que o dono dos materiais utilizados pelo dono do terreno não pode pedir
a remoção desses materiais.
São elementos constitutivos da acessão: a construção de uma
obra, a sua implantação em terreno alheio, a formação de um todo único
entre o terreno e a obra, o valor de um e outro e a boa fé na conduta do
autor da obra.
Há acessão quando se altera substancialmente a coisa, através de
uma nova construção ou plantação, quando há uma transformação, e
benfeitoria quando se verifica um simples melhoramento de uma
edificação já existente.
Se alguém, de boa fé, construir obra em terreno alheio, ou nele
fizer sementeira ou plantação, e o valor que as obras, sementeiras ou
plantações tiverem trazido à totalidade do prédio for maior do que o
valor que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade
dele, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras, sementeiras ou
plantações (art. 1260º, nº 1, do Código Civil).438 Ou seja, por exemplo,
se uma pessoa construir uma casa num terreno pertencente a outra
pessoa, estando convencido que o terreno lhe pertence a ele (boa fé), e o
terreno com a casa tiver um valor superior ao dobro do valor do terreno
antes da construção (sendo portanto o valor acrescentado pela
construção superior ao valor anterior do terreno), fica essa pessoa com o
direito de adquirir a propriedade sobre o imóvel (terreno e casa
incorporada), pagando ao dono do terreno o valor que este tinha
anteriormente. Neste caso só se verifica a aquisição do direito se o autor
da acessão manifestar esse desejo e pagar a indemnização
correspondente ao valor inicial do terreno.439
437
A expressão terreno deve ser entendida como prédio alheio e, consequentemente, a
obra pode ser levada a cabo num prédio rústico ou urbano (acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça de Portugal de 17-3-1998, in “Colectânea de Jurisprudência –
Acórdãos do STJ”, ano VI, tomo I, Casa do Juiz, Coimbra, 1998, pág. 136).
438
No mesmo sentido o art. 2306º do Código Civil Português de 1867 e o art. 1340º do
Código Civil Português de 1966.
439
Como se viu, trata-se de um direito potestativo do autor da acessão.
134
Se o valor acrescentado for igual, haverá licitação entre o antigo
dono e o autor da incorporação, pela forma estabelecida no nº 2 do
artigo 1253º (art. 1260º, nº 2, do Código Civil). Se o valor acrescentado
for menor, as obras, sementeiras ou plantações pertencem ao dono do
terreno, com obrigação de indemnizar o autor delas do valor que tinham
ao tempo da incorporação (art. 1260º, nº 3, do Código Civil).
Só há acessão se houver boa fé. Entende-se que houve boa fé, se
o autor da obra, sementeira ou plantação desconhecia que o terreno era
alheio, ou se foi autorizada a incorporação pelo dono do terreno (art.
1260º, nº 4, do Código Civil).
No caso de a obra, sementeira ou plantação ter sido feita de má
fé, tem o dono do terreno o direito de exigir que seja desfeita e que o
terreno seja restituído ao seu primitivo estado à custa do autor dela, ou,
se o preferir, o direito de ficar com a obra, sementeira ou plantação pelo
valor que for fixado segundo as regras do enriquecimento sem causa
(art. 1261º do Código Civil).
Quando as obras, sementeiras ou plantações sejam feitas em
terreno alheio com materiais, sementes ou plantas alheias (quer o
terreno, quer os materiais de construção, as plantas ou sementes
pertencem a pessoas diferentes de quem faz a plantação ou construção),
o dono dos materiais de construção, sementes ou plantas pode adquirir o
direito de propriedade sobre o terreno, ou ser indemnizado pelo seu
valor, nos mesmos termos fixados no artigo 1260º para o caso de
construção de um imóvel, ainda que haja má fé do autor da construção
ou plantação. Ou seja, mesmo que o autor da construção ou plantação
soubesse que o terreno não lhe pertencia, o dono dos materiais não pode
ser responsabilizado pela construção ou plantação feita por aquele, uma
vez que não foi ele quem procedeu à construção e plantação e
desconhecia que o terreno fosse alheio (art. 1262º, nº 1, do Código
Civil).
Mas se tiver agido com culpa, se por alguma forma induziu
quem fez a construção ou plantação (estando este de boa fé) a fazê-la
sabendo que o terreno não lhe pertencia a si, nem a quem fez a
construção ou plantação, é-lhe aplicável mesmo regime que resultaria de
ser ele próprio a fazer a construção ou plantação, mas de má fé. Ou seja,
tem o dono do terreno o direito de exigir que seja desfeita e que o
135
terreno seja restituído ao seu primitivo estado à custa do dono dos
materiais de construção, plantas ou sementes, ou, se o preferir, o direito
de ficar com a obra, sementeira ou plantação pelo valor que for fixado
segundo as regras do enriquecimento sem causa (art. 1262º, nº 2, do
Código Civil). Se o dono dos materiais de construção, sementes ou
plantas e a pessoa que fez a plantação estiverem os dois de má fé, é
solidária a responsabilidade de ambos, e a divisão do enriquecimento é
feita em proporção do valor dos materiais, sementes ou plantas e da
mão-de-obra. Neste caso, o dono dos materiais de construção, sementes
ou plantas induz ou aceita que a pessoa que faz a construção ou a
plantação o faça em terreno que sabe ser alheio, e este faz a construção
ou plantação sabendo igualmente que o terreno é alheio. Daí a
responsabilidade solidária de ambos.
Quando na construção de um edifício em terreno próprio se
ocupe, de boa fé, uma parcela de terreno alheio, o construtor pode
adquirir a propriedade do terreno ocupado, se tiverem decorrido três
meses a contar do início da ocupação, sem oposição do proprietário,
pagando o valor do terreno e reparando o prejuízo causado,
designadamente o resultante da depreciação eventual do terreno restante
(art. 1263º, nº 1, do Código Civil). O mesmo regime se aplica
relativamente ao titular de qualquer outro direito real (art. 1263º, nº 2,
do Código Civil).
Diferente, como já se referiu, era o regime previsto no CCI.
Assim, se alguém erigisse construção usando os seus próprios materiais
em terreno pertencente a outro indivíduo o dono do terreno podia ficar
com a construção para si (art. 603º do CCI). Se quem erigisse a
construção estivesse de boa fé o dono do terreno podia optar entre
reembolsar o valor dos materiais de construção e salários pagos a quem
construiu, ou pagar uma soma monetária equivalente ao acréscimo do
valor introduzido pela construção no terreno (art. 604º do CCI).
Ou seja, conforme resulta evidente do disposto nestes artigos e
nos arts. 600º e 601º do CCI, no âmbito deste regime, quem procedesse
à implantação de imóveis ou culturas em terreno alheio nunca poderia
por essa via adquirir o direito de propriedade sobre o terreno, ainda que
tivesse agido de boa fé.
136
Se alguém erigisse construção usando os seus próprios materiais
em terreno pertencente a outro indivíduo, agindo de má fé, o dono do
terreno podia ficar com a construção para si, ou exigir que esta fosse
removida por quem procedera à construção, a expensas deste, o qual
ainda teria que indemnizar o dono do terreno por eventuais outros
prejuízos resultantes da construção (art. 603º do CCI). Porém, se o dono
do terreno optasse por ficar com a construção ou as culturas, teria que
compensar os custos dos materiais empregues e dos salários pagos, sem
poder optar pelo valor acrescentado do terreno (art. 603º do CCI).
Em conclusão, o CCI não prevê a acessão industrial imobiliária
como forma de aquisição da propriedade, contrariamente ao que sucede
com o Código Civil Timorense. Ora, para aferir a possibilidade de
aquisição do direito com base na acessão importa considerar o regime
vigente à data da construção ou sementeira (art. 11º, nº 1, do Código
Civil). Assim, se esta ocorreu já no âmbito de vigência do Código Civil,
é possível a aquisição da propriedade nos termos supra referidos, caso
contrário, tem aplicação o regime do CCI, que impede tal
possibilidade.440
4.4. Direitos
portuguesa
concedidos
pela
administração
colonial
4.4.1. Alvará de propriedade perfeita
Recuando ao período das descobertas e da conquista de
territórios pelo Reino de Portugal, do ponto de vista internacional
(naquela época), a descoberta e a conquista legitimam a soberania e as
terras passam assim a pertencer à Coroa que delas dispõe livremente.441
Relativamente ao regime jurídico interno todo o território
pertencia ao Rei, à Coroa (Bula Romanus Pontifex), e mais tarde ao
Estado Colonial.442
440
No caso de uma construção, deve considerar-se a data em que a mesma foi
concluída.
441
Caetano, História do Direito Português, 2000, pág. 526.
442
Decreto de 13 de Agosto de 1832 e a Carta de Lei de 9 de Maio de 1901.
137
Os alvarás de propriedade perfeita, embora raros,443 constituem
títulos de concessão originária do direito de propriedade, do Estado
Colonial Português para os particulares que deles beneficiaram.444
Os alvarás de propriedade perfeita foram transformados em
direito de propriedade (Hak Milik), nos termos do art. 2º, nº 1, do
Regulamento Governamental Indonésio nº 18 de 1991, de 31 de Março
de 1991.445
4.4.2. Alvará de propriedade indígena
Os alvarás de propriedade indígena traduzem-se no
reconhecimento do direito de propriedade já titulado por indivíduos
originários das colónias.446
Porém, conforme referido, o Estado colonial português não
deixou nunca de considerar que as terras atribuídas por meio dos alvarás
de propriedade indígena continuavam a pertencer-lhe, reconhecendo-se
apenas ao titular do alvará a possibilidade de ocupar e fruir a terra, sem
qualquer contrapartida, mas não se atribuindo ao mesmo o direito de
propriedade.
Precisamente porque a situação não era clara, existindo a ideia
dos titulares de alvará de propriedade indígena que os mesmos eram
proprietários da terra,447 o Governador da Província de Timor veio
expressamente declarar que apenas o Estado Colonial Português era
proprietário da terra, com exceção dos casos de propriedade perfeita,
443
Relatório da missão de trabalho em Timor-Leste de equipa técnica do Instituto dos
Registos e do Notariado do Ministério da Justiça de Portugal.
444
Neste sentido o acórdão do Tribunal de Recurso de 24-5-2011, processo nº
06/Cível/2011/TR, relator Rui Penha.
445
A questão é aqui abordada apenas relativamente aos cidadãos de nacionalidade
indonésia, que na altura incluía os cidadãos timorenses, uma vez que relativamente aos
estrangeiros a conversão foi feita para outros tipos de direitos reais (menores), ou para
relações contratuais.
446
Sobre esta matéria veja-se Sousa, Administração Colonial, 1914, págs. 215-216
(“antigamente não se reconheciam direitos de propriedade aos indígenas; as suas terras
eram res nullius. Porem, mais tarde, razões de justiça e motivos de ordem politica
levaram os povos colonisadores a mudar de orientação”).
447
Veja-se a referida Carta de Lei de 9 de Maio de 1901 e o Diploma Legislativo nº
718, publicado no Boletim Oficial de Timor nº 18, de 7 de Maio de 1966.
138
através da Portaria do Governo da Província nº 193, de 27 de Julho de
1914,448 “a ninguém é reconhecida a propriedade perfeita dos terrenos,
sejam os proprietários nacionais ou estrangeiros, indigenas ou não
indigenas”, acrescentando “aos indigenas é reconhecido o direito de
aforamento dos terrenos que usufruem e habitam independentemente da
adjudicação em hasta pública” (art. 11º), direito de aforamento que
resulta da conversão dos títulos anteriores (§ 1º do art. 11º).
Esta conversão dos alvarás de propriedade indígena em
aforamento veio a ser confirmada pelo Diploma Legislativo nº 719, de 7
de Maio de 1966.449
Assim, não podem invocar os titulares de alvará de
propriedade indígena o direito de propriedade sobre a terra, apenas com
base no mesmo,450 conforme se verá de seguida.
4.4.3. Aforamento451
O Estado Português conferiu igualmente, em maior número,
alvarás de aforamento, que também podiam ser designados alvará de
propriedade foreira.452
O aforamento foi considerado o instrumento jurídico mais
adequado, ao tempo, para levar a cabo a ocupação efetiva da terra
com fins produtivos, garantindo, em simultâneo, que se mantinha a
titularidade do direito de propriedade no Estado colonizador,
conforme referido supra.453
448
Publicada no Boletim Oficial de Timor nº 34 de 1914.
Publicado no Boletim Oficial de Timor nº 18, de 7 de Maio de 1966.
450
Já poderão invocar os direitos inerentes à ocupação da terra, nomeadamente a
aquisição do direito por usucapião.
451
A questão merece análise nesta sede, independentemente da caracterização que se
vier a fazer deste tipo de direito real menor infra, porque se tem constatado a invocação
da atribuição de alvará de aforamento pela administração colonial portuguesa, como
uma forma de aquisição do direito de propriedade plena sobre imóveis.
452
O sistema de aforamento era entendido como o ideal para concessão de terras nas
colónias (Ramos e Sousa, Administração Colonial, 1914, pág. 317).
453
“Nascida a emphyteuse, como contrato juridico, da necessidade a que os
proprietarios chegaram de não poderem por si proprios cultivarem os seus extensos
predios, por falta de braços e de capitaes moveis que n’elles empregassem, deixando449
139
Efetivamente, o aforamento, também designado por
emprazamento ou enfiteuse, consiste no desmembramento do direito de
propriedade em dois domínios, direto e útil, dando lugar ao pagamento
de um foro pelo titular do domínio útil ao senhorio, ou titular do
domínio direto (arts. 1653º do Código Civil Português de 1987 e 1491º,
nº 1, do Código Civil Português de 1966).454
Na enfiteuse, o proprietário transfere ao enfiteuta o jus utendi, o
jus fruendi e, inclusive, o jus disponendi. Daí que parte dos
doutrinadores considere o enfiteuta também um proprietário, sendo
certo, porém, que maioritariamente se entende na doutrina que não o
é.455 Segundo José de Oliveira Ascensão, “Toda a constituição de um
direito real menor implica, não uma transferência de poderes do
proprietário para outrem, mas a constituição ex novo desses poderes na
cabeça do novo titular, e simultaneamente a limitação da propriedade
por um dever que soluciona o conflito entre os direitos sobrepostos. E
isto é, afinal, a oneração”.456 No sentido de o titular do domínio direto
manter para si o direito de propriedade pronunciou-se igualmente
Alfredo de Morais Almeida, acrescentando: “o direito de propriedade do
senhorio directo como que se conserva latente, ... revivendo e
recuperando todo o seu vigor logo que as circumstancias o
reclamem”.457
Na jurisprudência portuguesa tem-se defendido mesmo que a
concessão por aforamento de terrenos nas antigas Províncias
Ultramarinas de Portugal, é figura diferente e mais complexa que a
enfiteuse. Na concessão por aforamento compete ao senhorio direto
os assim converter em extensos matagaes bravios; ella é, pois, como que um recurso
desesperado, o ultimo, de que os mesmos proprietarios lançaram mão para valorisar os
seus vastos territorios, visto elles por si sós não o poderem fazer, nem encontrarem
arrendatários que, nas condições ordinarias tomassem conta d’elles” (Almeida, Da
Emphyteuse no Moderno Direito Civil Portuguez, 1898, pág. 55).
454
Sobre esta matéria pronunciou-se o acórdão do Tribunal de Recurso de 3-8-2010,
processo nº 01/Cível/Apelação/2009/TR, relator Rui Penha, que aqui se seguiu.
455
Veja-se Almeida, Da Emphyteuse no Moderno Direito Civil Portuguez, 1898, pág.
55
456
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 279.
457
Almeida, Da Emphyteuse no Moderno Direito Civil Portuguez, 1898, pág. 57.
140
fiscalizar a atividade do foreiro sobre o aproveitamento de modo a
saber-se se este é feito de acordo com o programa delineado.458
Coloca-se a questão de saber se os titulares de alvarás de
aforamento não adquiriram o direito de propriedade perfeita sobre os
prédios objeto do aforamento, face à extinção legal dos aforamentos
rurais e urbanos operada pelo legislador português, respetivamente
através do Decreto-Lei [do Governo de Portugal] nº 195-A/76, de 16 de
Março (extinção do aforamento de prédios rústicos), e do Decreto-Lei
[do Governo de Portugal] nº 233/76, de 2 de Abril (extinção do
aforamento de prédios urbanos). Efetivamente, em ambos os casos, o
foreiro (ou seja, o titular do alvará de aforamento) adquiriu o direito de
propriedade plena sobre os prédios objeto do aforamento com a extinção
deste, conforme arts. 1º, nº 1, e 1º, nº 2, dos referidos diplomas,
respetivamente.
Porém, como já se referiu, no acórdão do Tribunal de Recurso de
1-6-2012459 concluiu-se que os aludidos diploma não tiveram aplicação
no território de Timor-Leste em virtude de naquelas datas o
ordenamento jurídico português já não vigorar no território nacional.
O CCI não regulava o aforamento, uma vez que o instituto que
mais se aproximava do aforamento tinha duração limitada, não sendo
perpétuo, com a designação de direito de ocupação por arrendamento
de longa duração,460 previsto nos arts. 720º a 736º, sendo o seu regime
mais próximo do arrendamento.461
Assim, nos termos do art. 3º, nº 2, do Regulamento
Governamental Indonésio nº 18 de 1991, de 31 de Março de 1991, sobre
a conversão dos direitos de propriedade sobre imóveis na Província de
Timor Leste de acordo com a Lei de Bases Agrária, o direito de
aforamento de terreno urbano foi convertido em direito de uso de
458
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa nº 0061321, de 29 Setembro 1992, in
vlex.pt. No mesmo sentido, entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
nº 0059011, de 26 Maio 1992, igualmente in vlex.pt.
459
Processo nº 05/Cível/Apelação/2012/TR, relator Rui Penha.
460
“Hak Guna Usaha (erfpacht)”.
461
Sendo certo, porém, que o mesmo é regulado na parte relativa aos direitos reais. A
enfiteuse também era regulada na parte relativa aos direitos reais no Código Civil
Português de 1996 (arts. 1491º a 1523º), mas era regulado na parte relativa aos
contratos no Código Civil Português de 1867 (arts. 1653º a 1705º).
141
estruturas462 por um período de vinte anos.463 Este facto veio reforçar
ainda mais a natureza de direito real menor do aforamento,
aproximando-o agora ao direito de superfície consagrado nos arts. 711º
a 719º do CCI. O direito de superfície é entendido como um direito
autónomo – a se – próximo do direito de propriedade, mas que não se
confunde com este.464
Assim se concluiu no acórdão do Tribunal de Recurso de 3-82010:465 “se é certo que o beneficiário do aforamento pode usar o prédio
como seu, também é certo que ele não adquiriu o direito de propriedade
plena sobre o mesmo”.466
Este alvará de aforamento só poderia converter-se em
propriedade mediante remissão do foro, nos termos do art. 1511º do
Código Civil Português de 1966, casos em que era emitido o competente
alvará de propriedade.467
4.4.4. Renda resolúvel
O direito de propriedade resolúvel encontrava-se previsto no art.
2171º do Código Civil Português de 1867 (Código de Seabra) como o
que, “conforme o título da sua constituição, está sujeita a ser revogada,
independentemente da vontade do proprietario”.
No Código Civil Português de 1966 o mesmo é definido como
propriedade sob condição (art. 1307º, nº 1).468 O nº 3 do art. 1307º
remetia o regime do direito de propriedade resolúvel para os arts. 272º a
277º do mesmo diploma, ou seja, para o regime das condições
462
“Hak Guna Bangunan”.
O “direito de uso de estruturas” (Hak Guna-Bangunan) encontra-se regulado na
secção V (arts. 35º a 40º) da Lei de Bases Agrária (UNDANG-UNDANG POKOK
AGRARIA – UUPA), aprovada pela Lei nº 5 de 1960.
464
Fernandes, Lições de Direitos Reais, 2007, pág. 431.
465
Processo nº 01/Cível/Apelação/2009/TR.
466
No mesmo sentido o mencionado acórdão de 1-6-2012, processo nº
05/Cível/Apelação/2012/TR, relator Rui Penha.
467
Relatório da missão de trabalho em Timor-Leste de equipa técnica do Instituto dos
Registos e do Notariado do Ministério da Justiça de Portugal.
468
Veja-se o art. 1227º, nº 1, do Código Civil.
463
142
resolutivas.469 Daí que se entenda que os contratos de renda resolúvel
sejam celebrados sob condição resolutiva.
Conforme se refere na sentença proferida pelo juiz João Felgar, a
10-11-2009,470 “o regime em causa [de concessão de terrenos para
construção em regime de renda resolúvel] foi amplamente utilizado pelo
Estado português a partir da década de 30 na construção subsidiada de
imóveis (Decreto Lei nº 23052, de 23 de Setembro de 1933).
Encarregando-se o Estado do financiamento da construção através da
constituição de fundos, alienava os imóveis entretanto construídos sendo
o respetivo preço pago em prestações mensais. Enquanto decorresse o
prazo de pagamento, a propriedade do imóvel estava sujeita a uma série
de limitações (nomeadamente, não podia ser sujeito a posteriores
alienações, tanto mais que nem sequer estava registado a favor do
adquirente; as benfeitorias careciam de autorização prévia, etc.). Caso o
pagamento não viesse a completar-se, haveria lugar a um despejo do
adquirente (desalojado por mandato, de acordo com a expressão
empregue pelo legislador) e à perda das prestações pagas, havendo lugar
à rescisão do contrato.
“Em Timor Leste, enquanto colónia portuguesa, foi constituído o
Fundo das Habitações Económicas pelo Decreto nº 46602, de 20 de
Outubro de 1965, com a especial função de promover a construção de
casas económicas em regime de propriedade resolúvel nos termos do DL
nº 23 052, cujo funcionamento veio a ser regulado pela Portaria nº 3848,
de 6 de Fevereiro de 1966”.
Sendo o regime o de transmissão do direito sob condição
resolutiva impõe-se a prova da verificação do pagamento integral do
preço para que o titular do direito possa invocar o direito de propriedade
sobre o imóvel.471 Porém, se o titular do direito faleceu antes de se
469
Conforme o art. 1228º do Código Civil.
Processo nº 42/CIVEL/2009/TD.DIL, do Tribunal Distrital de Dili.
471
Acórdão do Tribunal de Recurso de 30-3-2009, processo nº 57/2003, relator José
Luís da Goia (“Embora os efeitos do contrato celebrado, sob condição resolutiva propriedade resolúvel - se produzam logo aquando da conclusão do negócio, uma vez
que o direito de propriedade sob condição resolutiva tem o conteúdo normal do direito
de propriedade, é certo que nestes contratos realizados sob condição resolutiva, como
são aqueles denominados de contrato de atribuição de moradia económica celebrados
ao abrigo do disposto no Decreto Lei nº 23 052, de 23 de Setembro de 1933, em
470
143
concluir o pagamento, o direito de propriedade consolidava-se na pessoa
dos seus herdeiros, cessando a obrigação de pagamento das prestações
em falta, conforme disposto no art. 25º, § 4º, da Portaria nº 3 848,
publicada no Boletim Oficial de Timor nº 5, de 5 de Fevereiro de 1966.
4.4.5. Alvará de arrendamento
O contrato de arrendamento encontrava-se definido nos arts.
1022º e 1023º do Código Civil Português de 1966, como aquele pelo
qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário
de um imóvel, mediante retribuição (renda). A mesma definição
encontrava-se no Código Civil Português de 1867 (arts. 1595º e
1596º).472
O alvará de arrendamento consubstancia um contrato de
arrendamento com o Estado colonial português, pelo que apenas confere
ao seu titular (arrendatário, ou inquilino), o direito ao uso e fruição do
imóvel, por tempo limitado. Sendo assim, não pode constituir meio de
aquisição do imóvel, nem confere posse ao arrendatário.473
Os alvarás de arrendamento conferidos pela Administração
Colonial Portuguesa foram convertidos em direito de uso (Hak Pakai),
pelo período de 10 anos pelo art. 4º, nº 2, do Regulamento
Governamental Indonésio nº 18 de 1991, de 31 de Março de 1991,
5. Transmissão do direito de propriedade sobre imóveis474
A transmissão do direito de propriedade sobre imóveis, bem
como a constituição, transmissão ou alteração de qualquer outro direito
real sobre imóveis, tem que ser efetuada por escritura pública (art. 809º
princípio, a plena propriedade do prédio objecto do contrato, apenas se transmite com
o pagamento da última prestação da renda mensal”).
472
Art. 1595º: “Dá-se contrato de locação, quando alguem traspassa a outrem, por
certo tempo, e mediante certa retribuição, o uso e fruição de certa coisa”. Art. 1596º:
“A locação diz-se arrendamento quando versa sobre cousa immovel”.
473
Conforme referido supra (Título II, Capítulo II, als. b) e d), o arrendatário é mero
detentor, não possuidor, sendo possuidor o senhorio, no caso o Estado, que exerce a
posse por intermédio do arrendatário.
474
Esta matéria foi já objecto de estudo supra no título I, capítulos 2 (al. h) e 3.
144
do Código Civil e arts. 617º e 613º do CCI). No mesmo sentido, o art.
37º, nº 2, al. a), do Regime Jurídico do Notariado (Decreto-Lei nº
3/2004, de 4 de Fevereiro) estabelece a obrigação da celebração dos
referidos negócios por escritura pública. A falta de observância desta
forma determina a nulidade do contrato (art. 211º do Código Civil e art.
617º do CCI).
Contrariamente ao que ocorre no Código Civil, o CCI prescrevia
a natureza constitutiva do registo dos atos de transmissão, constituição
ou alteração de direitos reais (arts. 616º, 617º e 620º do CCI), o que
significa que tais atos, como seja a compra e venda de imóveis só
poderão produzir efeitos após o registo.475
Ou seja, enquanto no âmbito do CCI é obrigatório o registo dos
atos referidos para que os mesmos possam produzir os seus efeitos, o
novo Código Civil basta-se com a obrigação de celebração dos negócios
por escritura pública, produzindo eles os seus efeitos mesmo que não se
proceda ao respetivo registo, que assim é facultativo.476
475
Por isso a prova dos contratos de transmissão, constituição ou alteração de direitos
reais só pode ser feita mediante certidão do registo em vez de mera certidão da
escritura pública do contrato (art. 617º, 2ª parte, do CCI).
476
O mesmo regime vigorava no âmbito do Código Civil Português de 1867 (art.
1590º), podendo, porém, a venda ser feita por escrito particular se o imóvel tivesse
valor inferior a cinquenta mil réis, e no âmbito do Código Civil Portugês de 1966 (art.
875º do). No entanto, o negócio só produzia efeitos em relação a terceiros após o
registo (art. 1549º do Código Civil Português de 1867 e art. 7º, nº 1, do Código de
Registo Predial Português aprovado pelo Decreto-Lei nº 47 611, de 28 de Março de
1967). Ou seja, o negócio produzia efeitos entre os contraentes (vendedor e
comprador), mas só poderia ser oposto a outras pessoas após o registo.
145
146
IV – COMPROPRIEDADE
1. Definição
Existe compropriedade, ou propriedade em comum, quando duas
ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade
sobre a mesma coisa (art. 1323º, nº 1, do Código Civil).477
A doutrina divide-se relativamente à natureza jurídica da
compropriedade.
a) A doutrina tradicional entende a compropriedade como a
coexistência dos direitos de cada um dos comproprietários sobre uma
quota ideal do bem (cada um dos comproprietários tem direito a uma
fração do bem, mas esta não é especificada, é meramente ideal, só com a
divisão a mesma pode ser determinada);478
b) Para outra, existem diversos direitos de propriedade,
individuais, sobre o mesmo objeto, que se limitam reciprocamente;479
c) Finalmente, para outra, existe um único direito com vários
titulares.480
Afigura-se que a lei seguiu a primeira das apontadas posições:481
cada um dos direitos em concurso incide sobre a coisa comum, embora
não se refira a parte específica da mesma.482
Os direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa
477
Determinado direito pode pertencer a vários indivíduos ao mesmo tempo, caso em
que se configura a comunhão. Se recair tal comunhão sobre um direito de propriedade
tem-se o condomínio ou compropriedade. Um estado anormal da propriedade; uma vez
que, tradicionalmente, a propriedade pressupõe assenhoreamento de um bem com
exclusão de qualquer outro sujeito, a existência de uma co-titularidade importa uma
anormalização da sua estrutura.
478
Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 255, citando Manuel Rodrigues.
479
Luís Pinto Coelho, segundo Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 257. No
mesmo sentido Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 271 (“Na comunhão
encontramos uma pluralidade de direitos da mesma espécie, que recaem sobre idêntica
coisa”).
480
Henrique Mesquita, segundo Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 255.
481
Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, págs. 256-257.
482
Fernandes, Lições de Direitos Reais, 2007, pág. 350.
147
comum são qualitativamente iguais, embora possam ser
quantitativamente diferentes;483 as quotas presumem-se, todavia,
quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título
constitutivo (art. 1323º, nº 1, do Código Civil).
As regras da compropriedade são aplicáveis, com as necessárias
adaptações, à comunhão de quaisquer outros direitos, sem prejuízo do
disposto especialmente para cada um deles (art. 1324º do Código Civil).
A aplicação das regras da compropriedade à comunhão de quaisquer
outros direitos tem importância, designadamente para efeitos de direito
de preferência.484 Daqui resulta, por exemplo, que o direito de
preferência, próprio da compropriedade, também se aplica aos casos de
contitularidade do direito de usufruto, de servidão, ou de qualquer outro
direito real.
Não existia no CCI regulamentação autónoma da
compropriedade, pelo que se deve usar o regime resultante da aplicação
das regras da propriedade e da distribuição e divisão de herança, por
analogia (art. 573º do CCI).
Para se poder falar em comunhão é necessário que os diversos
direitos (dos diferentes proprietários) que incidem sobre a mesma coisa
sejam idênticos, isto é, que sejam qualitativamente iguais. Podem ser, no
entanto, quantitativamente diferentes, no sentido de as respetivas
afetações implicarem diferentes percentagens das utilidades e valor da
coisa.485 Ou seja, todos têm que ser proprietários, sem limitações
especiais para algum deles, mas um pode ter, por exemplo, uma quota
de 75% da propriedade comum e o outro ter apenas os restantes 25%; as
quotas de cada comproprietário podem ser diferentes.
483
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 266 (“ao contrário do que acontece nas
outras hipóteses de sobreposição de direitos reais, as posições do vários participantes
são qualitativamente idênticas. Não se deduza daí que também são quantitativamente
idênticas. Pode a repartição quantitativa ter-se feito de modo a que a um pertença 1/6,
a outro 1/3, a outro 1/2 ... Intervém assim uma noção de quota”).
484
Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 252.
485
Cordeiro, Direitos Reais, 1993, pág. 621.
148
Compropriedade é diferente da herança indivisa.486 No caso de
herança indivisa o direito de propriedade é apenas um, o da própria
herança enquanto património autónomo. Só após a aceitação da herança
os bens que a integram poderão passar a pertencer em compropriedade a
vários herdeiros.487
Também se distingue a compropriedade da sociedade, uma vez
que esta pressupõe uma atividade económica que não seja de mera
fruição, ao passo que a compropriedade é uma atividade de mera
fruição.488
Os comproprietários exercem, em conjunto, todos os direitos que
pertencem ao proprietário singular e participam separadamente nas
vantagens e encargos da coisa na proporção das suas quotas (art. 1325º,
nº 1, do Código Civil). Cada consorte pode reivindicar de terceiro a
coisa comum, sem que a este terceiro seja lícito opor-lhe que ela lhe não
pertence por inteiro (art. 1325º, nº 2, do Código Civil).489 Ou seja, o
comproprietário tem legitimidade para intentar uma ação de
reivindicação contra outra pessoa (que não seja igualmente
comproprietário), sem necessidade de intervenção dos restantes titulares
do direito.490
486
No CCI a herança só permanece indivisa no caso de se desconhecerem os herdeiros,
ou não haja acordo sobre quem tenha tal qualidade, caso em que a herança é colocada
sob custódia judicial (art. 833º do CCI). Assim, logo que seja seja aberta a herança, os
bens do de cujus passam a ser titulados em compropriedade pelos seus herdeiros.
487
Neto, Código Civil Anotado, 1993, pág. 936, citando os acórdãos da Relação de
Coimbra de 26-6-1968 e da Relação de Lisboa de 1-3-1973, respectivamente na
Revista dos Tribunais, ano 88º, pág. 95, e sumariado no Boletim do Ministério da
Justiça de Portugal, nº 235, pág. 346.
488
Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 254.
489
No âmbito do CCI (art. 834º), o herdeiro pode exigir a restituição da totalidade dos
bens da herança de qualquer pessoa que não seja herdeiro, mas só pode exigir a sua
quota se os bens estiverem na posse de outros ou outros herdeiros. Parece, assim, que o
CCI segue a doutrina de que a compropriedade é constituída por direitos individuais
convergentes sobre os mesmos bens. Porém, não se compreende como se pode
conseguir a entrega de uma quota em caso de compropriedade sem se proceder à
divisão para partilha.
490
Ou seja, não se verifica aqui o litisconsórcio necessário previsto no art. 31º do CPC.
149
2. Direitos e encargos do comproprietário
Na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos
comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue
para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros
consortes do uso a que igualmente têm direito (art. 1326º, nº 1, do
Código Civil).
O uso da coisa comum por um dos comproprietários não
constitui posse exclusiva ou posse de quota superior à dele, salvo se
tiver havido inversão do título (art. 1326º, nº 2, do Código Civil).491
Ou seja, se um comproprietário possuir as partes dos outros,
pode adquirir essas partes por usucapião, mas apenas se, relativamente a
elas, inverter o título de possuidor em nome alheio. Até à inversão do
título, o comproprietário que possua a totalidade do prédio é possuidor
em nome alheio da parte que exceder a sua quota.492 A inversão do título
de posse, entre eles, apenas se poderá dar por oposição de um ao outro
dos contitulares, ou do uso por um contra o uso que o outro pretendesse
fazer da coisa.
O estado de facto criado pela divisão feita pelos
comproprietários sem escritura ou ato público pode converter-se em
estado de direito, mediante usucapião, se cada um dos comproprietários
tiver exercido posse exclusiva sobre o quinhão que ficou a pertencer-lhe
na divisão e tal posse se revestir dos requisitos legais. 493 É o caso, muito
comum, de partilha de herança meramente informal, que podem conferir
o direito a uma parte determinada do imóvel que integrava a herança,
devido ao decurso do tempo.
491
Conforme supra (Título II, Capítulo IV, al. d), para que o comproprietário possa
invocar a posse para efeitos da aquisição do direito de propriedade sobre a totalidade
do direito, terá que primeiro proceder à inversão do título de posse, nos termos dos
arts. 1185º do Código Civil e 1960º e 1961º do CCI.
492
“Há aqui uma aplicação dos princípios gerais: enquanto não houver inversão do
título, a posse de cada um mede-se pelo título que possui” (Ascensão, Direito Civil –
Reais, 2000, pág. 267).
493
Neto, Código Civil Anotado, 1993, pág. 939.
150
3. Administração da coisa
É aplicável aos comproprietários, com as necessárias adaptações,
o disposto no artigo 916º, relativo à administração das sociedades civis
(art. 1327º, nº 1, do Código Civil). Nos termos do art. 916º, nº 1, do
Código Civil, na falta de convenção em contrário, todos os
comproprietários têm igual poder para administrar.
Pertencendo a administração a todos ou apenas a alguns deles,
qualquer dos comproprietários tem o direito de se opor ao ato que outro
pretenda realizar, cabendo à maioria decidir sobre o mérito da oposição
(art. 916º, nº 2, do Código Civil). O conflito é resolvido pela recíproca
limitação no exercício dos direitos concorrentes, de modo a chegar-se a
uma situação de paralelismo das vantagens e sacrifícios.494
Pertencendo a administração a todos os comproprietários em
conjunto, entende-se, em caso de dúvida, que as deliberações podem ser
tomadas por maioria (art. 916º, nº 3, do Código Civil). Salvo estipulação
noutro sentido, considera-se tomada por maioria a deliberação que reúna
os sufrágios de mais de metade dos comproprietários (art. 916º, nº 4, do
Código Civil). Contudo, para que se verifique a maioria dos consortes
exigida por lei, é necessário que eles representem, pelo menos, metade
do valor total das quotas (art. 1327º, nº 1, do Código Civil).
Não basta uma maioria pessoal de votos, é necessário que essa
maioria represente também a maioria das quotas. Ou seja, as maiorias
referidas nestas disposições legais são constituídas simultaneamente
pela maioria dos votos (dos comproprietários), mas esta tem que
constituir também a maioria das quotas.495 Por exemplo se um
comproprietário possui 60% do direito sobre o bem e mais quatro têm
10% cada um, o que tem a quota maior tem que votar a decisão, sob
pena de ter que se recorrer ao tribunal para dirimir a questão.496
Ainda que para a administração em geral, ou para determinada
494
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, págs. 265-266.
Neto, Código Civil Anotado, 1993, pág. 940, e Cordeiro, Direitos Reais, 1993, pág.
624.
496
“Exige-se pois uma maioria ponderada” (Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000,
pág. 268).
495
151
categoria de atos, seja exigido o assentimento de todos os
comproprietários, ou da maioria deles, a qualquer deles é lícito praticar
os atos urgentes da administração destinados a evitar um dano iminente
(art. 916º, nº 5, do Código Civil). É possível cada comproprietário
praticar atos de administração isoladamente. A cada comunheiro é lícito
praticar atos de administração, enquanto não houver oposição dos
restantes.
Os comproprietários podem deliberar, por maioria a forma de
administração da coisa. Se o não fizerem aplicam-se as regras que
supletivamente regem sobre a administração das sociedades (art. 916º do
Código Civil).
Quando não seja possível formar a maioria legal, a qualquer dos
consortes é lícito recorrer ao tribunal, que decidirá segundo juízos de
equidade (art. 1327º, nº 2, do Código Civil).
Os atos realizados pelo comproprietário contra a oposição da
maioria legal dos consortes são anuláveis e tornam o autor responsável
pelo prejuízo a que der causa (art. 1327º, nº 3, do Código Civil).
4. Disposição e oneração da quota
O comproprietário pode dispor de toda a sua quota na comunhão
ou de parte dela, mas não pode, sem consentimento dos restantes
consortes, alienar nem onerar parte especificada da coisa comum (art.
1328º, nº 1, do Código Civil).497 A disposição ou oneração de parte
especificada sem o consentimento dos consortes é havida como
disposição ou oneração de coisa alheia (art. 1328º, nº 2, do Código
Civil).
Tal como acontece no caso de venda de coisa alheia, sendo
embora a mesma anulável na relação entre o comprador e o vendedor,
no caso de venda ou arrendamento da totalidade da coisa por um dos
comproprietários, sem o consentimento dos restantes, o negócio é
ineficaz em relação a estes, pelo que os mesmos não têm que tomar
497
Tratando-se a compropriedade de um direito de propriedade sobre uma quota ideal,
não pode o compropietário dispor daquilo de que não é proprietário, uma determinada
parte individual do bem comum.
152
qualquer atitude no sentido de o declarar, apenas tendo que se comportar
como se o negócio não existisse.
Segundo Vaz Serra, “Os aforismos res inter alios acta aliis non
prodest nec nocet e nemo plus júris transferre potest quam ipse habet,
são também aplicáveis à venda, feita por um dos comproprietários, da
coisa ou de parte especificada dela, sem consentimento dos outros, dado
que essa venda representa venda de coisa alheia no que se refere aos
direitos de compropriedade ou de quotas dos demais comproprietários:
ao dispor de coisa comum ou de parte determinada desta, o
comproprietário dispõe, não apenas do seu direito sobre a coisa, mas
também dos direitos dos outros sobre ela. Há aí, portanto, no que
respeita ao direito deles, uma venda ou disposição de coisa alheia.
“Consequentemente, essa venda é ineficaz em relação aos
consortes que nela não consentiram, tal como é ineficaz em relação ao
versus dominus a venda de coisa totalmente sua em que ele não
consinta. Resulta daí que esses consortes não precisam de fazer anular o
contrato podendo comportar-se como se ele não tivesse sido
celebrado”.498 No entanto, o contrato de compra e venda de coisa
comum por apenas um dos comproprietários pode ser convertido, pelas
partes contratantes, num contrato de compra e venda da quota do
vendedor na coisa comum.
A disposição da quota está sujeita à forma exigida para a
disposição da coisa (art. 1328º, nº 3, do Código Civil). Assim, no caso
de venda de quota referente a bem imóvel, a mesma tem que ser
celebrada por escritura pública (art. 809º do Código Civil).499
O consentimento dos restantes comproprietários terá que ser
prestado pela mesma forma exigida para o negócio, ou seja, por
escritura pública se for o caso de venda da quota referente a um bem
imóvel. O consentimento pode ser anterior, contemporâneo ou mesmo
posterior ao negócio.
498
In “Revista de Legislação e Jurisprudência”, ano 103º, pág. 56, citado por Neto,
Código Civil Anotado, 1993, pág. 941.
499
No mesmo sentido os arts. 617º e 618º do CCI.
153
5. Direito de preferência
O comproprietário goza do direito de preferência e tem o
primeiro lugar entre os preferentes legais no caso de venda, ou dação em
cumprimento, a estranhos da quota de qualquer dos seus consortes (art.
1329º, nº 1, do Código Civil). Para José de Oliveira ascensão, “O direito
de preferência atribui a um sujeito a prioridade na aquisição, em caso de
alienação ou oneração realizada pelo titular actual de um direito real”. 500
Complementam Álvaro Moreira e Carlos Fraga que, “O direito real de
preferência confere a pessoas em certas situações a possibilidade de
adquirirem uma coisa, no caso de o proprietário dela a pretender alienar
e o preferente estar disposto a pagar por ela a mesma importância que o
terceiro adquirente se propõe pagar. É, portanto, o direito de fazer suas
certas coisas, dando o valor pelo qual se projecta negociar a coisa”. 501
Como resulta do texto legal, a preferência só se verifica no caso de
venda a estranhos na comunhão, assim, no caso de venda a um outro
comproprietário, os restantes comproprietários não gozam de tal
direito.502
O direito de preferência só vale para os negócios onerosos, e não
para os negócios gratuitos, pelo que não pode haver preferência, como é
evidente, no caso de doação de bens.503
O direito de preferência tem a natureza de um direito real de
aquisição.504 No caso do direito de preferência conferido ao
comproprietário, estamos perante um caso de preferência legal.505
O titular do direito de preferência pode renunciar ao mesmo
antecipadamente.
É aplicável à preferência do comproprietário, com as adaptações
500
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 571.
Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 138.
502
Lima e Varela, Código Civil Português Anotado, vol. III, 1987, pág. 333.
503
Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 263.
504
Sobre a natureza do direito de preferência Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000,
págs. 574-576.
505
O direito de preferência pode ter a natureza negocial, resultando de cláusula
testamentária (art. 2098º do Código Civil), ou de pacto de preferência (arts. 349º a 358º
do Código Civil). As preferências legais são típicas, no sentido de terem de estar
especialmente previstas na lei.
501
154
convenientes, o disposto nos artigos 351º a 353º506 (art. 1329º, nº 2, do
Código Civil).
Assim, querendo vender a coisa que é objeto da preferência, o
obrigado deve comunicar ao titular do direito o projeto de venda e as
cláusulas do respetivo contrato (art. 351º, nº 1, do Código Civil). O
Código não estipula qualquer exigência de forma para a comunicação,
pelo que se deve considerar válida qualquer forma que dê a conhecer ao
titular do direito de preferência os aludidos elementos do negócio
projetado.507
O obrigado à preferência, ou seja, o vendedor, deve comunicar
ao titular do direito o projeto de venda com as cláusulas essenciais
correspondentes e que são determinativas e condicionantes da vontade
do titular em preferir ou não, nomeadamente a identificação do
comprador e o preço.508 Significa isto que, quer no caso de projeto de
venda, quer no caso de venda consumada, o titular do direito tem sempre
que conhecer os elementos ou cláusulas essenciais do negócio realizado
ou projetado porque só assim poderá formar a sua vontade com pleno
conhecimento de causa.
Só depois dessa comunicação se pode constatar se o preferente
renunciou ou não ao direito de que era titular. Efetivamente, recebida a
comunicação, deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de oito
dias, sob pena de caducidade (art. 351º, nº 2, do Código Civil).509
506
Normas que regulam a preferência convencional (estabelecida mediante contrato).
Não é, portanto, exigida a forma escrita, podendo fazer-se a mesma verbalmente
(Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 577). Porém, uma vez que é o alienante
que tem o ónus de prova da comunicação (art. 510º, nº 2, do CPC), deve este adoptar
um meio de comunicação que lhe permita a prova do mesmo (se a comunicação for
verbal, deve o vendedor fazer-se acompanhar de pessoas que possam testemunhar a
mesma).
508
A identificação do comprador é considerado elemento essencial para determinar a
vontade do titular do direito em preferir, uma vez que tendo o mesmo que partilhar a
propriedade sobre o bem com este, a pessoa em causa pode assumir particular
relevância atenta a própria natureza da compropriedade.
509
A caducidade não precisa ser alegada pelo beneficiário, uma vez que neste caso é de
conhecimento oficioso, por se tratar de norma de ordem pública (324º, nº 1, do Código
Civil). Neste sentido Antunes Varela, in “Revista de Legislação e Jurisprudência”, ano
103º, pág. 298, e contra Vaz Serra, in “Revista de Legislação e Jurisprudência”, ano
78º, pág. 182, ambos citados por Neto, Código Civil Anotado, 1993, pág. 947.
507
155
Estamos perante uma declaração unilateral de vontade, recetícia,
e que produz efeitos a partir do momento em que chega à esfera do
conhecimento do destinatário ainda que este dela não tome
conhecimento efetivamente (art. 215º do Código Civil).
Estes factos (conhecimento dos elementos completos da venda e
inércia continuada e por tempo determinado, que conduz à caducidade
do direito) são factos extintivos que como tal têm que ser provados pelo
vendedor (art. 510º, nº 2, do CPC).
A comunicação da venda ou do projeto de venda, se não contiver
todos os elementos essenciais do negócio, omitindo ou adulterando
cláusulas essenciais que constam dele, tem a mesma consequência da
omissão do obrigado à preferência na comunicação ao titular do direito
da venda ou do projeto de venda. Neste caso, se o obrigado à preferência
vier a vender a terceiros o prédio que devia dar de preferência, o titular
do direito pode exercê-lo nos seis meses seguintes à data em que teve
conhecimento completo dessas mesmas cláusulas essenciais do contrato
que condicionam a vontade do preferente em exercer ou não o direito
(art. 1330º, nº 1, do Código Civil).
Se o obrigado quiser vender a coisa juntamente com outra ou
outras, por um preço global, pode o direito ser exercido em relação
àquela pelo preço que proporcionalmente lhe for atribuído, sendo lícito,
porém, ao obrigado exigir que a preferência abranja todas as restantes,
se estas não forem separáveis sem prejuízo apreciável (art. 352º, nº 1, do
Código Civil). Se o obrigado receber de terceiro a promessa de uma
prestação acessória que o titular do direito de preferência não possa
satisfazer, será essa prestação compensada em dinheiro; não sendo
avaliável em dinheiro, é excluída a preferência, salvo se for lícito
presumir que, mesmo sem a prestação estipulada, a venda não deixaria
de ser efetuada, ou que a prestação foi convencionada para afastar a
preferência (art. 353º, nº 1, do Código Civil). Se a prestação acessória
tiver sido convencionada para afastar a preferência, o preferente não é
obrigado a satisfazê-la, mesmo que ela seja avaliável em dinheiro (art.
353º, nº 2, do Código Civil).
Sendo dois ou mais os preferentes, a quota alienada é adjudicada
a todos, na proporção das suas quotas (art. 1329º, nº 3, do Código Civil).
156
6. Ação de preferência
O comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou
da dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota
alienada,510 mediante ação judicial, contanto que o requeira dentro do
prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos
elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias
seguintes à propositura da ação (art. 1330º, nº 1, do Código Civil).511
Por força do disposto no art. 289º, nº 2, do Código Civil, tal prazo só
pode ser entendido como prazo de caducidade.
Nos termos do disposto no art. 319º, ainda do Código Civil, o
prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe, o que significa
que a única forma de evitar a caducidade é praticar o ato dentro do prazo
fixado.512 Assim, para obstar à caducidade basta à parte intentar a ação
dentro do prazo estipulado, não tendo que se preocupar se os réus serão
ou não citados ainda no decurso de tal prazo.513
O direito de preferência só nasce com a aquisição efetiva do
prédio e não com a comunicação da intenção da mesma, ou com o
contrato-promessa respetivo. A referida comunicação apenas serve para
concluir pela prévia renúncia ao exercício do direito.514
A procedência de uma ação de preferência tem como
consequência necessária uma modificação subjetiva no negócio que
justificou o exercício do respetivo direito. Modificação subjetiva, com
eficácia ex tunc, por concretamente colocar o preferente na posição que
510
“Se a alienação tiver sido realizada fora das condições legais manifesta-se então o
direito real” (Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 577). O titular do direito de
preferência (o preferente), através do exercício do direito de preferência, pode ficar
com o bem alienante, reembolsando o comprador pelo preço por ele pago na aquisição
de tal bem.
511
A ação de preferência segue a forma de ação declarativa de condenação, com
processo comum (arts. 3º, nº 2, al. b), e 347º, nº 2, do CPC), com as especialidades
referidas no art. 1330º do Código Civil (embora aqui se encontre elementos próprios
das acções constitutivas).
512
Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, 1995, pág. 571.
513
Já o prazo de prescrição só se interrompe com a citação do réu, conforme o art.
314º, nº 1, do Código Civil, sem prejuízo do disposto no nº 2, do mesmo artigo.
Veja-se no mesmo sentido os arts. 1979º e 1980º do CCI.
514
Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, 2003, pág. 225, e in “Revista de
Legislação e Jurisprudência”, ano 126º, Coimbra: Coimbra Editora, 1992, pág. 62.
157
inicialmente detinha o adquirente da coisa.515
O direito de preferência não envolve a obrigação de contratar,
mas apenas a de, querendo a pessoa contratar, escolher certa pessoa (o
preferente) antes de qualquer outra, em igualdade de circunstâncias com
a sua contraparte.516
A preferência pressupõe a concorrência ou colisão de direitos
opostos ou inconciliáveis sobre a mesma coisa, sendo o do preferente
superior.517
A ação deve ser posta pelo menos contra o adquirente da coisa,
mas há quem entenda que se deve demandar o adquirente e o alienante,
que estava obrigado a dar a preferência.518 Certo é, porém, que,
produzindo a preferência apenas uma substituição da posição do
comprador o vendedor não tem verdadeiramente interesse na ação, pelo
que não se poderá considerar que a sua falta constitua motivo de
ilegitimidade (conforme art. 29º do CPC).519
O direito de preferência e a respetiva ação não são prejudicados
pela modificação ou distrate da alienação, ainda que estes efeitos
resultem de confissão ou transação judicial (art. 1330º, nº 2, do Código
Civil).
7. Benfeitorias necessárias
Os comproprietários devem contribuir, em proporção das
respetivas quotas, para as despesas necessárias à conservação ou fruição
da coisa comum, sem prejuízo da faculdade de se eximirem do encargo
renunciando ao seu direito (art. 1331º, nº 1, do Código Civil). No caso
de um comproprietário entender que os encargos com a coisa são
515
Lima e Varela, Código Civil Português Anotado, vol. III, 1987, pág. 380.
Antunes Varela, in “Revista de Legislação e Jurisprudência”, ano 115º, Coimbra:
Coimbra Editora, 1983, pág. 274.
517
Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal de 18 de Janeiro de 1979, in
“Boletim do Ministério da Justiça de Portugal”, nº 283, Lisboa, 1979, pág. 279. Vejase Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 576 (a preferência está ou pode estar
“relacionada com um conflito de direitos reais que ela, por liquidação, vai
solucionar”).
518
Veja-se Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 578.
519
Ou seja, não se está perante um caso de litisconsórcio necessário do art 31º do CPC.
516
158
excessivos terá que renunciar ao direito de propriedade sobre o imóvel.
Caso contrário terá que comparticipar nos mesmos.
A renúncia, porém, não é válida sem o consentimento dos
restantes consortes, quando a despesa tenha sido anteriormente aprovada
pelo interessado, e é revogável sempre que as despesas previstas não
venham a realizar-se (art. 1331º, nº 2, do Código Civil).
A renúncia do comproprietário está sujeita à forma prescrita para
a doação e aproveita a todos os consortes, na proporção das respetivas
quotas (art. 1331º, nº 3, do Código Civil). A renúncia relativa ao direito
de compropriedade sobre coisa imóvel só será válida se for celebrada
por escritura pública (art. 881º, nº 1, do Código Civil).520
As obrigações referidas neste artigo quanto às despesas de
conservação ou fruição da coisa comum constituem exemplo típico de
obrigações propter rem ou ob rem, isto é, de obrigações impostas, em
atenção a certa coisa, a quem for titular desta. Assim, dada a conexão
funcional existente entre a obrigação e o direito real, a pessoa do
obrigado é determinada através da titularidade da coisa: é obrigado
quem for titular do direito real. Como a obrigação existe por causa da
res, ao obrigado é concedida a faculdade de se libertar dela, renunciando
ao seu direito real (abandono liberatório).521
Se o comproprietário obrigado renunciar ao seu direito, quem
adquire a quota são os outros comproprietários. Trata-se de uma espécie
de compensação para o encargo acrescido que eles têm nas despesas de
conservação ou nas benfeitorias necessárias.
8. Extinção da compropriedade
8.1. Direito de exigir a divisão
Nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na
indivisão, salvo quando se houver convencionado que a coisa se
conserve indivisa (art. 1332º, nº 1, do Código Civil).522
O prazo fixado para a indivisão da coisa não excederá cinco
520
Conforme o art. 211º do Código Civil.
Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 1993, pág. 151.
522
A este propósito veja-se o art. 1066º do CCI, com redacção semelhante.
521
159
anos; mas é lícito renovar este prazo, uma ou mais vezes, por nova
convenção (art. 1332º, nº 2, do Código Civil).523 Trata-se de uma
exceção ao princípio contido no número 1 do art. 1332º.524 A
indivisibilidade pode constar do negócio de aquisição do bem,
acordando todos os comproprietários que não se poderá proceder à
divisão durante um determinado prazo, ou pode ser fixada em
testamento.
A cláusula de indivisão vale em relação a terceiros, mas deve ser
registada para tal efeito, se a compropriedade respeitar a coisas imóveis
ou a coisas móveis sujeitas a registo (art. 1332º, nº 3, do Código Civil).
O registo é necessário para que a cláusula possa ser oposta a terceiros.
Assim, na ausência de registo, o terceiro que tenha adquirido a quota
pode exigir a divisão.
8.2. Processo da divisão
A divisão é feita amigavelmente ou nos termos da lei do
processo (art. 1333º, nº 1, do Código Civil). Ou seja, a divisão pode ser
efetuada por via negocial (amigavelmente), ou por meio de ação
judicial, quando os interessados não chegaram a um entendimento.
A ação judicial deve seguir a forma de ação declarativa de
condenação, com processo comum (arts. 3º, nº 2, al. b), e 347º, nº 1, do
CPC).525 Deve, porém, comprovado o direito do autor e citados os réus,
depois de proferido o despacho saneador,526 proceder-se a conferência
entre as partes, para se tentar obter a divisão amigável (art. 400º, nº 2, do
CPC), seguindo-se sorteio se os bens tiverem igual valor ou licitações,
após o que se proferirá sentença adjudicando-se os quinhões respetivos a
um dos comproprietários e condenando-se os obrigados a pagar tornas
523
O mesmo prazo é fixado no aludido art. 1066º do CCI.
Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 266.
525
Neste caso a prova deverá consistir apenas na determinação dos interessados, caso
isso tenha sido questionado, na verificação da divisibilidade ou indivisibilidade do bem
e no apuramento dos factos necessários a que se proceda à divisão à formação de
quinhões, ou para se decidir pela indivisibilidade do bem. Neste caso, antes de
proferida a sentença, deverá ainda o juiz realizar uma diligência para sorteio das
fracções.
526
Independentemente da conciliação prevista no art. 385º do CPC.
524
160
no seu pagamento.
Tratando-se de bem indivisível, procede-se então a licitações
para determinar para quem fica o bem, após o que se proferirá sentença
adjudicando-se o bem a um dos comproprietários e condenando-se este a
pagar o preço devido aos restantes.
A divisão amigável está sujeita à forma exigida para a alienação
onerosa da coisa (art. 1333º, nº 2, do Código Civil). Assim, no caso da
divisão por via negocial de bem imóvel, a mesma tem que ser realizada
por escritura pública.527
Como já se referiu, o estado de facto criado pela divisão feita
pelos comproprietários sem escritura ou auto público pode converter-se
em estado de direito, pelo princípio da usucapião, se cada um dos
comproprietários tiver exercido posse exclusiva sobre o quinhão que
ficou a pertencer-lhe na divisão e tal posse se revestir dos requisitos
legais.528 Por exemplo, se dois ou mais herdeiros de um terreno
procedem à divisão informal do mesmo (sem celebração de qualquer
escritura pública) e passam a usar cada um uma parte determinada do
aludido terreno, ainda formalmente indiviso, decorrido o prazo de
usucapião de imóveis, passam a ser proprietários da porção de terreno
que cada um ocupa.
527
528
Arts. 809º e 211º do Código Civil.
Neto, Código Civil Anotado, 1993, pág. 964.
161
162
V – PROPRIEDADE HORIZONTAL
1. Definição
As frações de que um edifício se compõe, em condições de
constituírem unidades independentes, podem pertencer a proprietários
diversos em regime de propriedade horizontal (art. 1334º do Código
Civil). Há propriedade horizontal quando as frações autónomas
componentes de um prédio pertençam a proprietários diferentes. Esses
proprietários diversos são chamados de condóminos. Cada condómino é
proprietário exclusivo da sua fração e comproprietário das partes
comuns do prédio (art. 1340º, nº 1, do Código Civil).
Atualmente, isto tem uma importância maior, especialmente nos
grandes centros urbanos que crescem verticalmente, e com o acentuar
dessa tendência também se acentua a importância da propriedade
horizontal.
Os requisitos da propriedade horizontal são assim de ordem
material e referem-se ao objeto:
a) Uma construção organizada de modo a que o edifício possa
ser fracionado e em que as frações resultantes possam ser autónomas e
independentes entre si. Autónomas no sentido de cada uma delas ser
autossuficiente para o fim a que se destina; independentes por cada uma
delas dever garantir a necessária privacidade para o fim a que se
destina;529
b) O edifício, para além de ser fracionado em partes com as
características indicadas, tem que ter partes comuns. 530 Não há
propriedade horizontal sem que existam partes comuns e frações
529
Nos termos do art. 1335º do Código Civil, “só podem ser objecto de propriedade
horizontal as fracções autónomas que, além de constituírem unidades independentes,
sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio
ou para a via pública”.
Veja-se Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 462.
530
“A propriedade horizontal supõe que não há autonomia estrutural das várias
fracções, na medida em que fazem parte do mesmo objecto unitário, e que
funcionalmente haja utilização de coisas comuns – escadas, ascensores, canalizações,
etc. (Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 273).
163
autónomas.
O que caracteriza a propriedade horizontal e constitui razão de
ser do respetivo regime é o facto de as frações independentes fazerem
parte de um edifício de estrutura unitária.531
Não existe no CCI regulamentação autónoma para a propriedade
horizontal.
2. Modos de constituição da propriedade horizontal
Encontram-se previstos no art. 1337º, nº 1, do Código Civil, e
são negócio jurídico, usucapião ou decisão judicial proferida em ação de
divisão de coisa comum ou em processo de inventário.
2.1 Usucapião
Pode dar-se quando, num prédio com todas as características
necessárias para a propriedade horizontal, se verifique uma situação de
posse sobre as partes autonomizáveis do mesmo.532
2.2 Decisão judicial
Havendo um edifício em compropriedade, um dos meios de
proceder à sua divisão, em ação de divisão de coisa comum, é a
constituição de uma propriedade horizontal, desde que, em termos
materiais, se verifiquem os requisitos da propriedade horizontal.
Também pode haver constituição da propriedade horizontal em processo
de partilhas. Até porque a instituição da propriedade horizontal é a única
forma que se conhece para dividir um prédio urbano, um edifício.533
531
Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 271.
Assim, por exemplo, num prédio com quatro fracções autonomizáveis, cada uma
delas é ocupada por uma família, com o animus de proprietário apenas dessa fracção,
pelo prazo correspondente à prescrição aquisitiva do direito de propriedade sobre
imóveis.
533
“Figure-se que dois indivíduos são co-herdeiros de um proprietário de um prédio,
cada um deles tendo direito a uma quota ideal; em vez de um deles ficar com o prédio
e o outro receber tornas, decidem fazer a divisão submetendo o prédio ao regime de
532
164
A decisão judicial de constituição de propriedade horizontal deve
ser pedida por uma das partes.534
2.3 Negócio jurídico
Neste caso pode acontecer uma de duas situações:
1º - Existir um prédio já construído cujo proprietário decide
submetê-lo por qualquer razão, ao regime da propriedade horizontal.
Para tanto, há que celebrar um título constitutivo que consiste numa
escritura que o notário lavrará com base no documento que a entidade
competente para verificar os requisitos materiais da propriedade
horizontal atesta.535
A partir do momento de celebração do título constitutivo, as
frações autónomas estão aptas para serem adquiridas.
O direito pleno e exclusivo do proprietário do edifício altera-se,
já que as vicissitudes da coisa afetam o direito. Então, deixa de existir
um direito de propriedade para passarem a existir vários direitos de
propriedade, tantos, quantas as frações autónomas existentes.
O fracionamento do edifício implica automaticamente o
fracionamento do direito, o que significa que, ainda que haja um só
proprietário, existem vários direitos de propriedade, tantos quantas as
frações autónomas.
2º - Edifícios construídos tendo em vista a aplicação desde o
início do regime da propriedade horizontal. Neste caso, a constituição da
propriedade horizontal só surge a partir do momento em que o edifício
está em condições de cumprir o fim a que se destina.
propriedade horizontal, porque se verificam os requisitos respectivos e cada um deles
fica com um certo número de unidades equivalentes às do outro; fazem a divisão
criando o regime de propriedade horizontal” (Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971,
pág. 279).
534
Princípios do impulso processual (art. 7º do CPC) e do dispositivo em processo civil
(art. 220º do CPC).
535
Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 275.
165
3. Conteúdo obrigatório do ato de constituição da
propriedade horizontal
O art. 1338º do Código Civil indica os aspetos que têm que
constar obrigatoriamente do título constitutivo:
- Identificação derivada das várias frações autónomas;
- Valor de cada fração relativamente ao todo, determinado em
percentagem ou permilagem.
O título constitutivo tem ainda que indicar qual o fim que se
destina a propriedade horizontal.
A fração autónoma é objeto de um direito de propriedade
exclusiva, enquanto as partes comuns são objeto de compropriedade.
A expressão propriedade horizontal designa um regime jurídico
que vai dar lugar à figura do condómino. Por força da realidade material,
o direito de condómino tem uma estrutura bipartida e complexa, porque
engloba, como já se viu:
a) Um direito de propriedade exclusiva sobre a fração autónoma;
b) Um direito de compropriedade sobre as partes comuns.
O condómino não tem dois direitos, tem um único direito que
possui esta estrutura complexa, ou seja, o direito do condómino é
integrado por dois direitos que se fundem para dar origem a um direito
diferente. Nesta fusão, ambos os direitos perdem algumas das
características que lhe são fundamentais, quando considerados
isoladamente.536
Por isso, o direito de propriedade, além das limitações normais
da propriedade em geral, encontra-se neste caso também limitado por
outras limitações constantes do art. 1342º do Código Civil, sendo a
principal, a limitação pelo fim específico a que a coisa se destina;
Também a compropriedade sofre alterações importantes, visto
536
Sobre a natureza do regime da propriedade horizontal veja-se Ascensão, Direito
Civil – Reais, 2000, págs. 463-464, e Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, págs. 273274.
166
que se trata de uma compropriedade forçada, no sentido de que, aqui, a
regra é a impossibilidade de divisão. Além disso, os condóminos não
gozam do direito de preferência na aquisição.537
Frequentemente, o título constitutivo não identifica quais as
partes comuns. Porém, tudo aquilo que não seja devidamente
especificado no título como fração autónoma considera-se parte comum
e, como tal, pode ser usado por todos. Existe ainda a possibilidade de
consignar, no título constitutivo, a utilização exclusiva de uma parte
comum por uma fração autónoma.
As partes comuns encontram-se definidas pelo art. 1341º do
Código Civil538 e, nem todas as partes comuns têm a mesma natureza:
- Há partes obrigatoriamente comuns (nº 1);
- Há partes presumidamente comuns (nº 2).
Face a esta disposição, o título constitutivo que especifica
alguma das partes obrigatoriamente comuns como inteirando
(integrando) uma fração autónoma, será nulo quanto a tal indicação. No
entanto, o título constitutivo pode afetar uma destas partes
obrigatoriamente comuns ao uso exclusivo de um titular de uma fração
autónoma. Aquela parte do prédio continua a ser comum, embora seja
utilizada exclusivamente por um condómino.539 No que concerne às
partes obrigatoriamente comuns, nenhum dos condóminos pode negarse ao pagamento dos encargos de conservação e fruição.
Já relativamente às partes presumidamente comuns, o título
constitutivo pode identificar qualquer destas partes como parte
integrante de uma fração autónoma.
537
Veja-se Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 464.
“São necessariamente comuns o solo e tudo o que constitui a estrutura do prédio, a
cobertura, as entradas e passagens que não sejam de uso exclusivo de um dos
condóminos e as instalações gerais de água, electricidade, aquecimento e semelhantes”
(Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 462).
539
Por exemplo, é usual que o proprietário do último andar de um prédio possa usar o
terraço do mesmo quando a casa dá directamente para tal terraço.
538
167
4. Administração das partes comuns na propriedade
horizontal
Conforme referido por Álvaro Moreira e Carlos Fraga, “É
necessária a existência de uma estrutura adequada à prática dos actos de
administração dessas partes comuns”.540
As partes comuns de um edifício em propriedade horizontal são
administradas por dois órgãos, a saber:
- A assembleia dos condóminos;
- A administração dos condóminos.
Da assembleia dos condóminos fazem parte todos aqueles que
são proprietários de uma fração autónoma e as decisões desta assembleia
são tomadas validamente segundo três tipos de maiorias:
- Em regra, maioria simples;
- Para deliberar sobre inovações, maioria qualificada – art. 1346º
do Código Civil;
- Para modificar o título constitutivo, unanimidade – art. 1339º
do Código Civil;
- Para dispor de uma parte comum exige-se também a
unanimidade e isto porque a disposição de uma parte comum implica a
alteração do título constitutivo.
5. Extinção do Condomínio
A extinção da propriedade horizontal pode dar-se por força de
três circunstâncias distintas:
- A destruição do edifício (prevista no art. 1349º do Código
Civil). Aqui a extinção corresponde à conversão por efeito do
desaparecimento do edifício, do regime de propriedade horizontal para a
compropriedade normal do terreno e dos materiais que tenham
subsistido.
540
Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 284. “A matéria da administração das
partes comuns traz problemas complexos, que não permitem abandoná-la às regras
normais da comunhão” (Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 466).
168
- A concentração das propriedades singulares nas mãos de uma
só pessoa. A concentração não implica a extinção automática da
propriedade horizontal, podendo o proprietário único do prédio manter o
regime para o caso, por exemplo, de pretender vender mais tarde as
frações tal como existiam. Para que se extinga a propriedade horizontal
é necessário que expressamente seja manifestada essa intenção no
próprio título de concentração ou cancelamento, no registo predial, da
inscrição do título constitutivo.
- Expropriação do edifício por utilidade pública. Se o edifício
sujeito ao regime de propriedade horizontal for expropriado por
utilidade pública, extingue-se a propriedade horizontal, uma vez que o
prédio fica afeto ao fim público que provocou a expropriação.
169
170
VI – PROPRIEDADE DAS ÁGUAS
1. Classificação das águas
As águas são classificadas na lei como públicas ou particulares.
As primeiras estão sujeitas ao regime estabelecido em leis especiais e as
segundas às disposições do Código Civil, nos artigos 1305º e seguintes.
Sobre esta matéria importa ter em consideração o disposto no art.
139º da Constituição da RDTL, o qual determina no seu nº 1: “Os
recursos do solo, do subsolo, das águas territoriais, da plataforma
continental e da zona económica exclusiva, que são vitais para a
economia, são propriedade do Estado e devem ser utilizados de uma
forma justa e igualitária, de acordo com o interesse nacional”. 541 Por
outro lado são ainda evidentes as preocupações ambientais relativas à
utilização da água542 consagradas no nº 3 do aludido preceito
constitucional.543
Nestes termos, a ideia de desenvolvimento integrado, harmónico
e sustentável surge como o resultado de um equilíbrio necessário entre
as políticas de crescimento económico e social e a conservação da
Natureza.544
1. São particulares:
a) As águas que nascerem em prédio particular e as pluviais que
nele caírem, enquanto não transpuserem os limites do mesmo prédio ou
daquele para onde o dono dele as tiver conduzido, e ainda as que,
ultrapassando esses limites e correndo por prédios particulares, forem
consumidas antes de se lançarem no mar ou em outra água pública;
b) As águas subterrâneas existentes em prédios particulares;
541
Veja-se os arts. 521º e 522º do CCI.
Água que a própria constituição considera um recurso natural essencial ao
desenvolvimento nacional.
543
“O aproveitamento dos recursos naturais deve manter o equilíbrio ecológico e evitar
a destruição de ecossistemas”.
544
Masseno, Da disciplina jurídica dos recursos hidroagrícolas em Portugal, 1996, pág.
26.
542
171
c) Os lagos e lagoas existentes dentro de um prédio particular,
quando não sejam alimentados por corrente pública;
d) As águas originariamente públicas que tenham entrado no
domínio privado até 21 de Março de 1868, por preocupação, doação
régia ou concessão;
e) As águas públicas concedidas perpetuamente para regas ou
melhoramentos agrícolas;
f) As águas subterrâneas existentes em terrenos públicos,
municipais ou de freguesia, exploradas mediante licença e destinadas a
regas ou melhoramentos agrícolas (art. 1306º, nº 1, do Código Civil).
A preocupação consistia na ocupação de coisas da Coroa, da
Nação ou do Estado, ou seja, de águas públicas e não de águas
particulares.545 Quer dizer que, no que respeita às águas, preocupação
define-se como a apropriação de águas do domínio público por um
particular.
Por outro lado, à derivação da água da corrente não navegável
nem flutuável para fins particulares, chamava-se presa.546 A presa
consiste no desvio de um curso de água por um particular para uso da
mesma.
Guilherme Moreira salienta que, “A presa de água, juridicamente
pode representar ou não uma servidão, conforme a derivação da água é
feita ou não em prédio alheio e em proveito de outro prédio,
considerando-se a presa como o próprio facto da derivação, e
relacionando-se esta derivação com o uso da água que, sem solução de
continuidade, é conduzida para o prédio ou local em que se aproveita, a
presa e o aqueduto547 formam um todo”.548
545
Costa, Propriedade das águas das Correntes não Navegáveis nem Flutuáveis, 1978,
pág. 5.
546
Represa para retenção e aproveitamento das águas.
547
Encanamento por onde se leva a água, sobre arcadas ou sob a plataforma das vias de
comunicação, de um ponto para outro (Grande Dicionário Universal da Língua
Portuguesa, versão em formato eletrónico).
548
Moreira, As Águas no Direito Civil Português, vol. I, 1960, págs. 173-174.
172
No domínio do direito anterior ao Código Civil Português de
Seabra, mais precisamente até 21 de Março de 1868, era lícito a
qualquer particular, se outro o não tivesse feito antes, apropriar-se para
fins agrícolas ou fabris das águas de uma corrente não navegável ou
flutuável, mediante a construção de obras permanentes de captação e
derivação; a isto chama-se direito de preocupação.
Na medida dessa apropriação, verificava-se uma desafetação do
uso público das águas apropriadas, tornando-se estas particulares, tendo
os direitos resultantes da preocupação sido salvaguardados,
sucessivamente, pelo Código Civil Português de Seabra (art. 438º),
Decreto nº 5787-IIII, de 10 de Maio de 1919 – Lei das Águas (art. 33º) e
Código Civil Português de 1966 (art. 1386º, nº 1, al. d).
Por isso que, adquirido por preocupação o direito de propriedade
sobre determinadas águas, passou tal direito a poder ser alvo de qualquer
negócio jurídico translativo daquela ou de usucapião nos termos gerais.
Não estando fixado o volume das águas referidas nas alíneas d),
e) e f), do art. 1306º, nº 1, entender-se-á que há direito apenas ao caudal
necessário para o fim a que as mesmas se destinam (art. 1306º, nº 2, do
Código Civil. Veja-se o art. 629º do CCI). Ou seja, pretende-se
assegurar um uso equitativo (equilibrado e justo) da água por todos os
proprietários que dela possam aproveitar. Todos os aproveitamentos que
não envolvam atos materiais que excedam o limite fixado mantêm-se
livres tanto no que respeita ao domínio público hídrico como às águas
particulares.549
São ainda classificadas como águas particulares:
a) Os poços, galerias, canais, levadas, aquedutos, reservatórios,
albufeiras e demais obras destinadas à captação, derivação ou
armazenamento de águas públicas ou particulares;
b) O leito ou álveo das correntes não navegáveis nem flutuáveis
que atravessam terrenos particulares (art. 1307º, nº 1, do Código Civil.
Veja-se o art. 591º do CCI).
549
Masseno, Da disciplina jurídica dos recursos hidroagrícolas em Portugal, 1996, pág.
39.
173
Entende-se por leito ou álveo a porção do terreno que a água
cobre sem transbordar para o solo natural, habitualmente enxuto (art.
1307º, nº 3, do Código Civil). Quando a corrente passa entre dois
prédios, pertence a cada proprietário o terreno compreendido entre a
linha marginal e a linha média do leito ou álveo (ou seja, entre a
margem e o meio do leito do rio), incluindo aqui o direito às ilhas ou
mouchões formados no leito do rio, nos termos do disposto no artigo
1251º (art. 1307º, nº 3, do Código Civil). As faces ou rampas e os
capelos dos cômoros550, valados, tapadas, muros de terra, alvenaria ou
enrocamentos erguidos sobre a superfície natural do solo marginal não
pertencem ao leito ou álveo da corrente, mas fazem parte da margem
(art. 1307º, nº 4, do Código Civil).
Em casos urgentes de incêndio ou calamidade pública, as
autoridades administrativas podem, sem forma de processo nem
indemnização prévia, ordenar a utilização imediata de quaisquer águas
particulares necessárias para conter ou evitar os danos (art. 1308º, nº 1,
do Código Civil). Se da utilização da água resultarem danos apreciáveis,
têm os lesados direito a indemnização, paga por aqueles em benefício de
quem a água foi utilizada (art. 1307º, nº 2, do Código Civil). Apenas no
caso de se verificarem danos apreciáveis para o dono da água haverá
lugar a indemnização.
O dono do prédio onde haja alguma fonte ou nascente de água
pode servir-se dela e dispor do seu uso livremente, ressalvadas as
restrições previstas na lei e os direitos que terceiro haja adquirido ao uso
da água por título justo (art. 1309º do Código Civil).
Veja-se o art. 627º do CCI, o qual consagra o mesmo princípio,
sem prejuízo dos direitos adquiridos pelos proprietários dos terrenos
situados a jusante, conforme disposto no art. 626º do mesmo diploma.
550
Pequena elevação de terreno, combro, outeiro, cabeço, socalco (Grande Dicionário
Universal da Língua Portuguesa, versão em formato eletrónico).
174
Considera-se título justo de aquisição da água das fontes e
nascentes, conforme os casos, qualquer meio legítimo de adquirir a
propriedade de coisas imóveis ou de constituir servidões (art. 1310º, nº
1, do Código Civil). A usucapião, porém, só é atendida quando for
acompanhada da construção de obras, visíveis e permanentes, no prédio
onde exista a fonte ou nascente, que revelem a captação e a posse da
água nesse prédio; sobre o significado das obras é admitida qualquer
espécie de prova (art. 1310º, nº 2, do Código Civil).
Em caso de divisão ou partilha de prédios sem intervenção de
terceiro, a aquisição do direito de servidão nos termos do artigo 1440º
não depende da existência de sinais reveladores da destinação do antigo
proprietário (art. 1310º, nº 3, do Código Civil).
Os donos dos prédios para onde se derivam as águas vertentes de
qualquer fonte ou nascente podem eventualmente aproveitá-las nesses
prédios; mas a privação desse uso por efeito de novo aproveitamento
que faça o proprietário da fonte ou nascente não constitui violação de
direito (art. 1311º do Código Civil. Veja-se o art. 627º do CCI).
Ao proprietário da fonte ou nascente não é lícito mudar o seu
curso costumado, se os habitantes de uma povoação ou casal há mais de
cinco anos se abastecerem dela ou das suas águas vertentes para gastos
domésticos (art. 1312º, nº 1, do Código Civil).551 Se os habitantes da
povoação ou casal não houverem adquirido por título justo o uso das
águas, o proprietário tem direito a indemnização, que será paga,
conforme os casos, pela respetiva junta de freguesia552 ou pelo dono do
casal (art. 1312º, nº 2, do Código Civil. Veja-se o art. 628º do CCI).
Neste artigo é imposta uma restrição à faculdade de
aproveitamento e disposição da água de fonte ou nascente. A restrição
consiste na obrigação do proprietário da fonte ou nascente não impedir
ou dificultar o aproveitamento que venha sendo feito há mais de cinco
anos. A obrigação de não mudar o curso costumado da água só existe
quando, por essa forma, se prejudiquem os beneficiários da restrição, e
551
Entende-se por povoação um agregado de casas formando um lugar ou aldeia.
Entende-se por casal o lugar formado por uma só casa.
552
A junta de freguesia é uma autarquia local, nomalmente constituída por um
povoado, não prevista ainda na legislação nacional timorense.
175
tal não se verifica se estes se aproveitam das águas no local onde
nascem. Quando o abastecimento se faça na corrente formada por essas
águas, a obrigação negativa só deverá abranger o caudal de que os
habitantes da povoação ou casal careçam; quanto ao excedente há
liberdade para o proprietário. Ou seja, o proprietário pode desviar o
curso da água, mas terá que manter no curso que existia anteriormente a
água necessária à satisfação das necessidades dos beneficiários. Esta
limitação abrange igualmente o curso subterrâneo da água.553
Este artigo, porque limitativo do direito de propriedade, tem que
ser interpretado restritivamente.
As mesmas regras são aplicadas, com as necessárias adaptações,
às águas pluviais referidas na alínea a) do nº 1 do artigo 1308º e às águas
dos lagos e lagoas compreendidas na alínea c) do mesmo número (art.
1313º do Código Civil).
É lícito ao proprietário procurar águas subterrâneas no seu
prédio, por meio de poços ordinários ou artesianos, minas ou quaisquer
escavações, contanto que não prejudique direitos que terceiro haja
adquirido por título justo (art. 1314º, nº 1, do Código Civil). Assim, não
pode o proprietário fazer por esse meio alterar ou diminuir as águas de
fonte ou reservatório destinadas ao uso público (art. 1316º do Código
Civil). Fora esta situação, a diminuição do caudal de qualquer água
pública ou particular, em consequência da exploração de água
subterrânea, não constitui violação de direitos de terceiro, exceto se a
captação se fizer por meio de infiltrações provocadas e não naturais (art.
1314º, nº 2, do Código Civil).
As infiltrações provocadas, não naturais, são as que as que
artificialmente causam o desvio das águas que se encontram ou passam
à superfície ou no subsolo do prédio vizinho, indo para além daquelas
que atinjam naturalmente o prédio do captante e onde o problema das
infiltrações se não põe.
Tal como se verifica para as águas das fontes e nascentes,
também se consideram títulos justos de aquisição das águas subterrâneas
qualquer meio legítimo de adquirir a propriedade de coisas imóveis ou
553
Mesquita, Direitos Reais, 1984, pág. 216.
176
de constituir servidões, conforme os casos (art. 1315º, nº 1, do Código
Civil). A simples atribuição a terceiro do direito de explorar águas
subterrâneas não importa para o proprietário a impossibilidade de usar
do mesmo direito, a menos que tal resulte claramente do título (art.
1315º, nº 2, do Código Civil).
Devem ser criados por legislação administrativa mecanismos de
controlo do aproveitamento das águas subterrâneas, sujeitando a sua
captação a licenciamento.
2. Condomínio das águas
Pertencendo a água a dois ou mais utilizadores, todos devem
contribuir para as despesas necessárias ao conveniente aproveitamento
dela, na proporção do seu uso, podendo para esse fim executar-se as
obras necessárias e fazer-se os trabalhos de pesquisa indispensáveis,
quando se reconheça haver perda ou diminuição de volume ou caudal
(art. 1318º, nº 1, do Código Civil). O coutente não pode eximir-se do
encargo, renunciando ao seu direito em benefício dos outros coutentes,
contra a vontade destes (art. 1318º, nº 2, do Código Civil).
A divisão das águas comuns, quando deva realizar-se e se nada
estiver escrito sobre o assunto no respetivo título, é feita em proporção
da superfície de terreno que cada um precisa regar e das necessidades e
natureza da cultura dos terrenos a regar. Pode repartir-se o caudal ou o
tempo da utilização da água, como mais convier ao seu bom
aproveitamento (art. 1319º do Código Civil. Veja-se o art. 630º do CCI).
O artigo deve ser interpretado extensivamente de forma a abarcar todos
os direitos ao uso de águas, nomeadamente por servidão.
As águas fruídas em comum que, por costume seguido há mais
de vinte anos, estiveram divididas ou subordinadas a um regime estável
e normal de distribuição continuam a ser aproveitadas por essa forma,
sem nova divisão (art. 1320º, nº 1, do Código Civil).554
554
Trata-se de uma situação de relevância jurídica do costume, nos termos do art. 2º do
Código Civil (“Os usos costumeiros são juridicamente atendíveis quando a lei o
determine”).
177
A obrigatoriedade do costume impõe-se também aos coutentes
que não sejam donos da água, sem prejuízo dos direitos do proprietário,
que pode a todo tempo desviá-la ou reivindicá-la, se estiver a ser
aproveitada por quem não tem nem adquiriu direito a ela (art. 1320º, nº
2, do Código Civil).
O costume na divisão de águas respeita aos costumes de facto,
aos modos como em cada localidade ou aldeia se procede ao
aproveitamento das águas
Consideram-se abolidos no aproveitamento das águas o costume
de as utilizar pelo sistema de torna-torna555 ou outros semelhantes,
mediante os quais a água pertença ao primeiro ocupante, sem outra
norma de distribuição que não seja o arbítrio; as águas que assim tenham
sido utilizadas consideram-se indivisas para todos os efeitos (art. 1321º,
nº 1, do Código Civil).
Consideram-se igualmente abolidos os costumes de romper ou
esvaziar os açudes e diques construídos superiormente, retirando deles
água para ser utilizada em prédios ou engenhos situados inferiormente
que não têm direito a tal aproveitamento; se existir direito ao
aproveitamento, consideram-se as águas indivisas (art. 1321º, nº 2, do
Código Civil).
Sempre que dos títulos não resulte outro sentido, entende-se por
uso contínuo o de todos os instantes; por uso diário, o de vinte e quatro
horas a contar da meia-noite; por uso diurno ou noturno, o que medeia
entre o nascer e o pôr-do-sol ou vice-versa, por uso semanal, o que
principia ao meio-dia de domingo e termina à mesma hora em igual dia
da semana seguinte; por uso estival, o que começa em 1 de Abril e
termina em 1 de Outubro seguinte; por uso hibernal, o que corresponde
aos outros meses do ano (art. 1322º do Código Civil).
555
O sistema do torna-torna quer dizer que em teoria a primeira pessoa a chegar pode
desviar todo o caudal para o seu campo, pelo tempo que quiser (Emmanuel Salesse, Os
que “sabiam” e os que “andam baralhados”: funcionamento técnico e social de um
regadio, in Revista Etnográfica, Vol. VII (1), 2003, págs. 33-61 (pág. 39).
178
VI – BREVE REFERÊNCIA A ALGUNS DIREITOS
REAIS MENORES
1. Usufruto
Usufruto é o direito de gozar temporária e plenamente uma coisa
ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância (art. 1362º do
Código Civil. Veja-se o art. 756º do CCI).
O usufruto pressupõe sempre um concurso de direitos, o
concurso com o direito de propriedade. O proprietário de raiz556 fica
com o seu direito diminuído (do usus e do frutus), ficando esses direitos
de usar e fruir o imóvel a pertencer ao usufrutuário.557
O usufrutuário tem a totalidade do gozo da coisa, com exceção
da possibilidade de alteração da forma ou substância do seu objeto.558
O usufruto é sempre temporário, nunca podendo exceder a vida
do usufrutuário (art. 1366º do Código Civil. Conforme ainda os arts.
807º e seguintes do CCI).
Tanto o proprietário como o usufrutuário podem alienar o seu
direito a terceiros, mas ambos ficam obrigados a preservar a coisa, já
que o direito do outro pressupõe a sua existência no estado em que
encontrava na altura da constituição do usufruto. Assim, o usufruto
constitui um direito real sobre coisa alheia, um direito real integrado
pelas faculdades de uso e fruição de uma coisa que, na verdade, pertence
a outra pessoa.559
2. Uso e habitação
O direito de uso consiste na faculdade de se servir de certa coisa
alheia e haver os respetivos frutos, na medida das necessidades, quer do
titular, quer da sua família (art. 1470º, nº 1, do Código Civil). Quando
556
Ou nua propriedade (nua porque fica despojada dos direitos referidos).
Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 351.
558
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 470.
559
Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 352-353.
557
179
este direito se refere a casa de morada, chama-se direito de habitação
(art. 1470º, nº 2, do Código Civil. Veja-se o art. 821º do CCI).
Contrariamente ao usufruto, em que o uso e perceção dos frutos
do bem não têm qualquer limitação, estamos aqui perante um caso em
que os mesmos estão limitados às necessidades do seu titular e respetiva
família. Assim, o direito de habitação não inclui a possibilidade de
arrendar o imóvel, contrariamente ao que acontece com o
usufrutuário.560
Trata-se de direitos destinados apenas à satisfação de
necessidades pessoais.
Importa lembrar aqui que os alvarás de arrendamento do tempo
colonial português foram convertidos em direito de uso, pelo período de
dez anos, pelo art. 4º do Regulamento Governamental Indonésio nº 18
de 1991, de 31 de Março de 199. O direito de uso encontrava-se
definido em moldes diferentes dos previstos no Código Civil no art. 41º
da Lei Agrária Indonésia.561
3. Direito de superfície
O direito de superfície consiste na faculdade de construir ou
manter, perpétua ou temporariamente, uma obra em terreno alheio, ou
de nele fazer ou manter plantações (art. 1414º do Código Civil. Veja-se
o art. 711º e seguintes do CCI, bem como os arts. 35º e seguintes da Lei
560
Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 418.
“Hak pakai adalah hak untuk menggunakan dan/atau memungut hasil dari tanah
yang dikuasai langsung oleh Negara atau tanah milik orang lain, yang memberi
wewenang dan kewajiban yang ditentukan dalam keputusan pemberiannya oleh
pejabat yang berwenang memberikannya atau dalam perjanjian dengan pemilik
tanahnya, yang bukan perjanjian sewa-menyewa atau perjanjian pengolahan tanah,
segala sesuatu asal tidak bertentangan dengan jiwa dan ketentuanketentuan Undangundang ini”, na versão em inglês: “A hak pakai is a right to use, and/or to collect
produce from, land directly controlled by the State or land owned by another
individual (tanah milik) which grants authority and obligations as determined in the
relevant right-granting decree by the official who is authorized to grant it or as
determined in the agreement with the owner of the land, where the agreement is not a
land-lease agreement (perjanjian seqa-menyewa) or land-exploitation agreement, given
that everything is possible as long as it does not contradict the spirit and provisions of
this Act”.
561
180
Agrária Indonésia).
Segundo José de Oliveira Ascensão, “a superfície pode ser
simplesmente definida como o direito real de ter coisa própria
incorporada em terreno alheio”.562
Importa aqui relembrar o escrito supra relativamente à
impossibilidade de existência autónoma do solo e de uma construção
sobre ele edificada. Segundo Pires e Lima e Antunes Varela, o
superficiário é proprietário da obra ou da plantação e tem um direito real
de gozo autónomo sobre o terreno onde foi plantada ou edificada a coisa
objeto do direito de superfície.563
Já para Oliveira Ascensão, a situação do superficiário é
composta por dois direitos reais: o direito de plantar ou construir em
terreno alheio e o direito de propriedade sobre a coisa plantada ou
construída.564 Acrescenta, contudo, que nenhum destes direitos é
constante, para concluir que o direito do superficiário é um direito
composto.
Ou seja, não se pode concluir que o superficiário é verdadeiro
proprietário de um imóvel.
O direito de superfície constitui um direito a construir em terreno
alheio e fruir de tal construção, com alguma autonomia relativamente ao
solo, mas não constitui direito de propriedade distinto da construção
relativamente ao solo. Isto parece resultar evidente do disposto no art.
1428º do Código Civil, não obstante o mesmo referir que o proprietário
do solo adquire a propriedade da obra ou das plantações. Mais claro é o
art. 715º do CCI que refere que o proprietário do imóvel adquire a posse
sobre as construções ou plantações.
Assim, Menezes Cordeiro entende que o direito de superfície
562
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 525. O implante tanto pode ser um
edifício como uma plantação.
563
Lima e Varela, Código Civil Português Anotado, vol. III, 1987, págs. 588-590. No
mesmo sentido Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 117.
564
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 532-533. Também o mesmo autor em O
direito de superfície referente a plantações, na revista Scientia Iuridica. Ano XXI,
Braga, 1972, págs. 365-380.
181
sobre uma obra ou plantação não é um direito de propriedade, porque
não é nem exclusivo nem pleno, tratando-se de um direito real autónomo
(é um direito real complexo).565 Acrescenta Carvalho Fernandes que,
por lhe faltar exclusividade, o direito de superfície é um direito real a se,
próximo da propriedade, mas distinto desta.566
O direito de superfície pode ter particular interesse para as
situações em que um estrangeiro pretende construir uma casa em
território nacional, ou uma empresa estrangeira pretenda construir uma
fábrica, quer o terreno seja privado, quer seja público.567 Por esta forma
podem os estrangeiros investir em território nacional, construindo casas
ou fábricas, que poderão usar por período de tempo limitado e que
passarão a ser propriedade do proprietário do solo findo o prazo
estipulado no contrato.
Finalmente lembra-se que art. 3º do Regulamento
Governamental Indonésio nº 18 de 1991, de 31 de Março de 1991,
converteu em direito de superfície (hak guna-usaha ou hak gunabangunan) tal como definidos nos arts. 28º a 40º da Lei Agrária
Indonésia, os imóveis objeto de alvarás de aforamento concedidos pelas
autoridades coloniais portuguesas.
4. Servidões prediais
Servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito
exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente
o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia (art. 1433º
do Código Civil. Veja-se o art. 674º do CCI).
Servidão é o direito real que permite aumentar as utilidades que
um direito real de gozo sobre um imóvel proporciona, mediante uma
restrição correlativa de um direito de gozo sobre um imóvel vizinho. A
servidão pressupõe necessariamente dois imóveis, entre os quais se
565
Cordeiro, Direitos Reais, 1993, págs. 714-716.
Fernandes, Lições de Direitos Reais, 2007, pág. 431. Veja-se ainda Duarte, Curso
de Direitos Reais, 2007, pág. 183.
567
Embora a Lei Agrária Indonésia também vede o direito de superfície a estrangeiros
(art. 36º), com a entrada em vigor do Código Civil, deve considerar-se tal restrição
revogada, assim cessando a proibição.
566
182
estabelece uma relação que beneficia um deles à custa do outro.568
A servidão é real e não pessoal. Diz respeito aos prédios, o
dominante e o serviente, e não às pessoas dos seus titulares (art. 1435º,
nº 1, do Código). Assim, a alteração na titularidade dos prédios não
afeta a servidão.569
As servidões prediais podem ser constituídas por contrato,
testamento, usucapião ou destinação do pai de família, esta nos termos
do art. 1439º do Código Civil, e na falta de constituição voluntária,
podem ser constituídas por sentença judicial ou por decisão
administrativa, conforme os casos (art. 1437º do Código Civil. Veja-se
os arts. 695º a 702º do CCI).
5. Aforamento
Importa, para melhor clarificação do que foi exposto supra,
definir, embora sumariamente o aforamento, designação que a enfiteuse
recebeu nas províncias ultramarinas portuguesas, incluindo Timor-Leste,
durante o domínio colonial.
Conforme José de Oliveira Ascensão, “a enfiteuse, aforamento
ou emprazamento tem de característico provocar o aparecimento de dois
domínios, denominados directo e útil. Ao titular do domínio directo dáse o nome de senhorio ou senhorio directo, ao titular do domínio útil, o
de foreiro ou enfiteuta.
“O domínio útil conferia ao foreiro o direito de uso e fruição do
prédio, constituir ou extinguir servidões, alienar ou onerar o seu
domínio, entre vivos ou por morte, preferir na venda ou dação em
pagamento do domínio directo, obter a redução do foro ou encampar o
prazo, e remir o foro.
“Por sua vez, o titular do domínio útil tinha essencialmente o
direito a receber o foro”.570
Concluiu, pois, José de Oliveira Ascensão que se estaria perante
568
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 488.
Esta ideia está claramente vincada no art. 674º do CCI.
570
Veja-se Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 646.
569
183
uma situação de comunhão irregular, ou de propriedade dividida.571
Na designação de Lafayette Pereira, “a enfiteuse, instituto cuja
origem remonta aos gregos, é o direito real de tirar da coisa alheia todas
as utilidades e vantagens que ela encerra, e de empregá-la nos mesteres
a que por sua natureza se presta, sem destruir-lhe a substância, e com a
obrigação de pagar ao proprietário uma certa renda anual.572
“Na enfiteuse, o proprietário transfere ao enfiteuta o jus utendi, o
jus fruendi e, inclusive, o jus disponendi. Isso porque o enfiteuta pode
também alienar seus direitos, mesmo sem a anuência do senhorio, e
dispõe do direito de sequela, podendo reivindicar a coisa de quem quer
que seja. Tão fortes são essas características que parte dos doutrinadores
consideram o enfiteuta também um proprietário,573 sendo certo, porém,
que maioritariamente se entende na doutrina que não o é. Fruto de uma
realidade social, o aforamento constitui uma ocupação de imóvel não
explorado gerando benefícios tanto ao ocupante quanto ao proprietário”.
Como já se referiu supra, não se pode considerar o enfiteuta
como proprietário. A enfiteuse “é um direito real sobre coisa imóvel
alheia: retira-se da coisa todas as suas utilidades e vantagens, com a
obrigação de pagamento ao proprietário de certa quantia anual”.574 Ou
seja, seguindo Maria Helena Diniz: O senhorio direto é o titular do
domínio direto ou iminente. É aquele que tem a propriedade do imóvel
aforado e está dele afastado, não tendo a posse direta. 575
571
Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 648.
Pereira, Direito das Coisas, vol. 1º, 1943, pág. 456.
573
“Assim, em face da vastidão de poderes conferidos ao titular do domínio útil, o
mesmo passou a ser considerado pela doutrina como verdadeiro proprietário”
(Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 646).
574
Acórdão deste Tribunal de Recurso de 24 de Novembro de 2009, proferido no
âmbito do processo nº 01/2002, relator Cláudio Ximenes. Veja-se Almeida, Da
Emphyteuse no Moderno Direito Civil Portuguez, 1898, pág. 57.
575
Maria Helena Diniz, Código Civil [Brasileiro] Anotado, 1ª edição, São Paulo:
Saraiva, 1995, anotação ao art. 678º. “O direito do enfiteuta -direito real sobre coisa
alheia -ainda que tão amplo, como vimos já, ainda que tão forte a ponto de poder se
converter em domínio pelo pagamento do resgate, conforme veremos adiante, não se
identifica, jamais, com o direito garantido ao senhorio direto” (Gisewa Maria
Fernandes Novaes Hironaka, Enfiteuse (instituto em extinção), in Revista do Instituto
572
184
Acresce que, na jurisprudência portuguesa tem-se defendido que
a concessão por aforamento de terrenos nas antigas Províncias
Ultramarinas de Portugal, é figura diferente e mais complexa que a
enfiteuse. Na concessão por aforamento compete ao senhorio direto
fiscalizar a atividade do foreiro sobre o aproveitamento de modo a
saber-se se este é feito de acordo com o programa delineado.576
Ou seja, entende-se que o proprietário seria sempre e apenas o
Estado Português.
Com a integração de Timor-Leste no Estado da Indonésia surgiu
a situação peculiar de se manterem direitos reais (resultantes do
aforamento) que não tinham consagração legal no regime jurídico
indonésio,577 em clara violação do princípio da tipicidade dos direitos
reais, ou do numerus clausus. Daí, para além das outras situações ali
previstas, a necessidade do Regulamento Governamental Indonésio nº
18 de 1991, de 31 de Março de 1991.
Com a promulgação deste diploma não subsistiram mais dúvidas
relativamente à natureza real menor do direito de aforamento, tal como
concedido no território de Timor-Leste, pelo que se terá que concluir
que o mesmo não conferiu qualquer direito de propriedade perfeita aos
seus titulares.578
de Pesquisas e Estudos, Faculdade de Direito de Bauru, nº 21, Vila Falcão (Brasil):
ITE, p. 37-47, 1998, pág. 41).
576
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29 Setembro 1992, processo nº
0061321, in vlex.pt. No mesmo sentido, entre outros, o acórdão do Tribunal da
Relação de Lisboa nº 0059011, de 26 Maio 1992, no mesmo sítio.
577
Quer no CCI, quer na Lei Agrária Indonésia de 1960.
578
Referido acórdão do Tribunal de Recurso de 23 de Setembro de 2010, processo nº
01/Cível/Apelação/2009/TR, relator Rui Penha.
185
186
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190
ÍNDÍCE
I – DEFINIÇÕES E CARACTERÍSTICAS
1. Definição
3
2. Princípios característicos dos direitos reais
5
2.1 Princípio da eficácia absoluta
5
2.2 Princípio da inerência
6
2.3 Princípio da sequela
7
2.4 Princípio da preferência
8
2.5 Princípio da tipicidade
8
2.6 Princípio da especialidade
9
2.7 Princípio da transmissibilidade
10
2.8 Princípio da elasticidade
10
2.9 Princípio da publicidade
11
3. O registo
13
4. Decreto-Lei nº 27/2011, de 6 de Julho
18
5. Função social (questão da nacionalidade)
20
6. As coisas
27
II – POSSE
1. Definição
33
2. Elementos da posse
36
2.1 Considerações gerais
36
2.2 Posse pessoal ou por intermédio de outrem
37
2.3 Sucessão e acessão na posse
38
2.4 Posse precária
41
3. Caracteres da posse
43
3.1 Posse titulada e posse não titulada
43
191
3.2 Posse de boa fé e posse de má fé
45
3.3 Posse pacífica e posse violenta
46
3.4 Posse pública e posse oculta
47
3.5 Posse efectiva e posse civil
48
4. Aquisição da posse
192
48
4.1 Empossamento
48
4.2 Tradição da coisa
50
4.3 Constituto possessório
50
4.4 Inversão do título de posse
51
5. Perda da posse
53
5.1 Abandono
54
5.2 Perda ou destruição material da coisa
55
5.3 Cedência
56
5.4 Nova posse
56
6. Efeitos da posse
57
6.1 Presunção da titularidade do direito
57
6.2 Responsabilidade do possuidor
58
6.3 Frutos
59
6.4 Encargos
60
6.5 Benfeitorias
61
6.5 Usucapião
62
7. Defesa da posse
62
7.1 Acções possessórias
62
7.2 Acção de manutenção da posse
63
7.3 Restituição de posse
64
7.4 Restituição provisória de posse
66
7.5 A acção de manutenção ou de restituição da posse
67
7.6 Embargos de terceiro
70
7.7 Composse
70
8. Usucapião
71
8.1 Definição
71
8.2 Usucapião de imóveis
75
8.3 Prazos de usucapião
78
8.4 Acessão na posse
82
8.5 Contagem dos prazos no caso de sucessão de leis
83
8.6 Alguns casos de eventual aquisição do direito de
propriedade por usucapião
86
8.7 Usucapião de móveis
96
III – DIREITO DE PROPRIEDADE
1. Definição e conteúdo
2. Conteúdo do direito de propriedade (imóveis)
99
101
2.1. Conteúdo
101
2.2. Limitações ao direito de propriedade
102
2.3. Paredes e muros de meação
116
3. Defesa da propriedade
120
4. Aquisição da propriedade
125
4.1. Formas de aquisição do direito de propriedade
125
4.2. Ocupação
125
4.3. Acessão
126
4.3.1. Acessão natural
127
4.3.2. Acessão industrial mobiliária
129
4.3.3. Acessão industrial imobiliária
133
4.4. Direitos concedidos pela administração colonial
portuguesa
137
193
4.4.1. Alvará de propriedade perfeita
137
4.4.2. Alvará de propriedade indígena
138
4.4.3. Aforamento
139
4.4.4. Renda resolúvel
142
4.4.5. Alvará de arrendamento
144
5. Transmissão do direito de propriedade sobre imóveis
144
IV – COMPROPRIEDADE
1. Definição
147
2. Direitos e encargos do comproprietário
150
3. Administração da coisa
151
4. Disposição e oneração da quota
152
5. Direito de preferência
154
6. Acção de preferência
157
7. Benfeitorias necessárias
158
8. Extinção da compropriedade
159
8.1. Direito de exigir a divisão
159
8.2. Processo da divisão
160
V – PROPRIEDADE HORIZONTAL
194
1. Definição
163
2. Modos de constituição da propriedade horizontal
164
2.1 Usucapião
164
2.2 Decisão judicial
164
2.3 Negócio jurídico
165
3. Conteúdo obrigatório do acto de constituição
166
4. Administração das partes comuns
168
5. Extinção do Condomínio
168
VI – PROPRIEDADE DAS ÁGUAS
1. Classificação das águas
171
2. Condomínio das águas
177
VII – BREVE REFERÊNCIA A ALGUNS DIREITOS REAIS
MENORES
1. Usufruto
179
2. Uso e habitação
179
3. Direito de superfície
180
4. Servidões prediais
182
5. Aforamento
183
BIBLIOGRAFIA
187
ÍNDICE
191
195

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