2013_Manual de implantação de museus

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2013_Manual de implantação de museus
MANUAL
DE IMPLANTAÇÃO
DE MUSEUS ESCOLARES
Chanceler
Dom Dadeus Grings
Reitor
Joaquim Clotet
Vice-Reitor
Evilázio Teixeira
Conselho Editorial
Agemir Bavaresco
Ana Maria Mello
Armando Luiz Bortolini
Augusto Buchweitz
Beatriz Regina Dorfman
Bettina Steren dos Santos
Carlos Gerbase
Carlos Graeff Teixeira
Clarice Beatriz da Costa Sohngen
Cláudio Luís C. Frankenberg
Elaine Turk Faria
Erico Joao Hammes
Gilberto Keller de Andrade
Jane Rita Caetano da Silveira
Jorge Luis Nicolas Audy – Presidente
Lauro Kopper Filho
Luciano Klöckner
EDIPUCRS
Jeronimo Carlos Santos Braga – Diretor
Jorge Campos da Costa – Editor-Chefe
MANUAL
DE IMPLANTAÇÃO
DE MUSEUS ESCOLARES
GUY BARROS BARCELLOS
Porto Alegre, 2013
© 2013, EDIPUCRS
DESIGN GRÁFICO [CAPA] Shaiani Duarte
DESIGN GRÁFICO [DIAGRAMAÇÃO] Jardson Corrêa
REVISÃO DE TEXTO Fernanda Lisbôa
ILUSTRAÇÃO DA CAPA detalhe de óleo sobre tela de Beatriz Balen Susin (2012)
ILUSTRAÇÃO DA CONTRACAPA óleo sobre tela de José Maurício Martins (2013)
FOTO DO AUTOR: Marlon Erthal
IMPRESSÃO E ACABAMENTO
Edição revisada segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
EDIPUCRS – Editora Universitária da PUCRS
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
B242m Barcellos, Guy Barros
Manual de implantação de museus escolares / Guy Barros
Barcellos. – Porto Alegre : EDIPUCRS, 2013.
114 p.
ISBN 978-85-397-0364-7
1. Museus Escolares. 2. Museus de Ciência. I. Título.
CDD 069.9371
Ficha Catalográfica elaborada pelo Setor de Tratamento da Informação da BC-PUCRS.
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multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).
Dedico este livro a meu avô
Armando Marques de Barros.
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AGRADECIMENTOS
Sou imensamente grato à minha orientadora, Regina Maria
Rabello Borges, por sua imensa sabedoria, generosidade e amizade.
Sem seu apoio, nada teria acontecido.
Agradeço especialmente ao“mestre dos mestres” Attico Chassot,
por sempre ter acreditado em mim e no projeto Museu da Natureza.
Ao professor emérito Eliézer de Carvalho Rios, pela grande ajuda que deu ao Museu da Natureza.
Aos mestres Isabela Castanheira, Juan Mosquera, Maria Salett
Biembengut, Milton Piragine, Rose Amaral, Valderez Marina do Rosário Lima, por seus importantes ensinamentos.
Aos colegas Elaine Dias, Gislaine Barreto Rosina, Leonardo Pianta, Nilse Trennepohl e Viviane do Prado, por terem acreditado em
meu trabalho e, de várias formas, contribuído para a sua realização.
Aos ex-alunos Camila Michelon, Dênisson Malhano, Felipe Raugust, Gabriel Maia, Gabriel Steinhauser, Leonardo Saul, Nelson Amaral, Ricardo Assumpção e a todos aqueles que participaram do Museu da Natureza.
Aos amigos Adriano Schneider, Adriana Breda, Bete Madruga,
Bruno Hirsch, Catharina Signorini, Claudio Rodrigues, Cristina Pons,
Julia Fernandes, Juliano Camargo, Luís Fernando Timmers, Rafael
Caceres e Simone Monteiro, sempre dispostos a ajudar de todas as
maneiras com seus conhecimentos e a ler meus textos, dando ideias
e sugestões.
Ao meu pai, Lauro Barcellos, pela grande influência que exerce
em mim a amar os museus.
À minha mãe, Adriana Franco Barros-Woodward, e ao meu
stepdad, Mark Woodward, pelo apoio, amizade e compreensão.
Aos meus avós Heidi Franco Barros e Armando Barros, pelo
amor incondicional.
Ao meu irmão, Felipe Chemale, pelos conselhos e revisões nos
textos.
À minha avó Judith Cortesão (em memória), por inspirar-me a
ser professor.
A todos aqueles que, de alguma forma, me ajudaram e apoiaram neste trabalho e não foram citados aqui.
SUMÁRIO
Prefácio Uma isagoge em laudação a um manual. .... 11
Apresentação. . .......................................................... 17
Introitum: O lirismo das coisas................................ 23
PRIMEIRO ATO
A prática sem teoria é iníqua
1 Museus escolares: curadores
do ensino de Ciências ........................................... 27
2 Catalisando uma inteligência naturalista. ............. 29
3 Por que e para que(m)
ensinar Ciências.................................................... 34
4 Aprendizado de Ciências que motiva o aluno, um
desafio ao Mestre.................................................. 37
5 A casa das filhas
da Memória.. .......................................................... 42
6 Epílogo do primeiro ato......................................... 46
Entr’acte: O Museu da Natureza.................................47
SEGUNDO ATO
A teoria sem prática é inócua
1. Musealização!....................................................... 51
2. Equipe................................................................... 54
2.1. Alunos‑curadores................................................... 54
3. Instalações.. .......................................................... 56
3.1. O sonho: uma sala somente para o museu.............56
3.2. Uma solução: instalar o museu no laboratório.....57
3.3. Espaços alternativos............................................... 57
3.3. Museu efêmero, um gérmen para a perenidade ....58
3.4. Ao ar livre (Ecomuseu escolar)...............................58
4. Recursos............................................................... 61
4.1. Materiais................................................................. 62
5. Construção por encontros
– operacionalização .............................................. 63
5.1. Roteiro geral........................................................... 64
5.2 Exposições............................................................... 64
EXPOSIÇÃO I: A Dança dos Planetas Fundamentação.64
EXPOSIÇÃO II: Continentes Navegando!......................69
EXPOSIÇÃO III: A Fúria de Geia...................................72
EXPOSIÇÃO IV: Minúcias da Vida................................75
EXPOSIÇÃO V: Escritura Espiralada............................80
EXPOSIÇÃO VI: Estranho Mundo Perdido...................84
EXPOSIÇÃO VII: Tétis e Oceano....................................88
EXPOSIÇÃO VIII: Caleidoscópios Vivos........................91
EXPOSIÇÃO IX: Ecos do Passado..................................95
EXPOSIÇÃO X: Sagração da primavera...................... 105
Caleidoscópio do ser/conhecer................................... 106
Referências............................................................. 111
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PREFÁCIO
Uma isagoge em laudação
a um manual
Recebo um recado: “Estou te encaminhando meu livro para que
faças a isagoge”. O meu atento corretor de texto – maravilha que recebemos quando da transição da máquina de escrever ao computador
– alerta ao exotismo do pedido com aquele sinalizador em vermelho,
que evoca o ferretear de nossos erros, tão ao agrado dos professores
em nossas composições escolares no início de nossas escriturações.
O corretor (e eu) não conhece(mos) isagoge.
Como a remessa do manuscrito fora antecedida com um pedido
do Guy Barcellos para que eu escrevesse um prefácio para um livro
que ele concluía, pude inferir o que queria o meu amigo.
Guy, o polímata, não tinha feito, como imaginara, um pastel
(= caracteres que ficam misturados e confundidos). Lá estava no dicionário. Isagoge = s. f. Rudimentos; proémio, introdução10.
Mas fui aprender mais sobre o pedido do biólogo, que se transmuta em museólogo, na Wikipédia: Isagoge é o nome da tradução latina feita por Boécio (filósofo e teólogo romano do século VI) de obra
do filósofo grego Porfírio (do século III). O texto teve uma profunda
influência na Filosofia medieval europeia e inspirou diversas obras
com o nome Isagoge, chegando mesmo a designar genericamente a
introdução ao estudo da filosofia aristotélica e o nome da disciplina
na qual esse estudo era feito. Espero que não seja um tratado filosófico a expectativa do douto autor deste Manual de implantação de
museus escolares que como leitor ora prelibas.
Que desejaria o entusiasta do Museu da Natureza com seu livro
nominado como um Manual de implantação de museus escolares?
Um manual?
Descobri, na minha ruminação acerca do título da obra que agora o leitor tem a (a)ventura de saborear, que existe na Internet pelo
10 No Michaelis: “s.f. (iso+agoge) pouco usado. 1 Antelóquio, introdução, proêmio. 2 Preliminares. 3 Rudimentos”.
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GUY BARROS BARCELLOS
menos um grupo11 que procura estudar e compreender os hábitos de
não leitura de manuais de instruções pela “maioria” dos brasileiros.
Terá o Guy escrito um manual para não ser lido? Então como
solucionar esse problema de “entender” um manual? Existem novas
maneiras de se escreverem manuais? Sim, temos neste livro uma
nova maneira de escrever manuais.
Já é hora de dar conta do solicitado: prefaciar um livro. Talvez
deva creditar este fazer bastante recorrente em minhas lides acadêmicas a percepções de colegas que me elegem. Reconhecem-me
marcado pela paixão por um binômio maravilhoso que nos faz destacado enquanto humanos: escrita ↔ leitura. Esta afeição à escrita e
à leitura materializa-se por alguns livros que escrevi e por manter,
há quase sete anos, um blogue que pretensamente faz alfabetização
científica.
Escrevi em outras ouvertures que sempre me julgo distinguido
quando sou convidado para escrever o prelúdio de um livro. A esta
distinção se adita – permito-me lateralmente dizer que uso este verbo em duas acepções distintas: adicionar e tornar (alguém) feliz, ditoso – uma imensa responsabilidade: escreve-se por último aquilo que
será lido por primeiro e, mais, devemos com um prefácio capturar o
leitor. Logo, cabe-me a imensa responsabilidade de seduzir o leitor
com este proemiar.
Há que se reconhecer, não sem certa desilusão, que a distinção
antes referida não pode ser creditada apenas a méritos acadêmicos
daquele que se arvora em prefaciador. Muitos dos convites são produtos – como muito especialmente no caso em tela – da amizade com
os autores. O encantamento que tenho pelo ser amigo do Guy Barros
Barcellos deslustra o convite. Amigos são suspeitos nos elogios. De
minha parte vou tentar abstrair afetos – como se isso fosse possível –,
mesmo que valorize a presença dos mesmos no cotidiano da Escola12,
lócus privilegiado de nossas ações.
Ao destacar os afetos, não resisto a contar como conheci bem
recentemente o Guy. Nosso primeiro encontro se fez anedótico. Era
outubro de 2010 – dou-me conta que em menos de três anos já vive11 Disponível em: <http://br.groups.yahoo.com/group/leitoresdemanuais/message/1>.
Sempre que grafar Escola com letra maiúscula, estou me referindo a qualquer estabelecimento que faz
educação formal desde a educação infantil até a pós-graduação na Universidade.
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mos tantas gratificações intelectuais –, eu ministrava um curso de
História e Filosofia da Ciência no 30º Encontro de Debates de Ensino
de Química na PUCRS. De passagem, citei Leeuwenhoek (Delft, 16321723) um comerciante de tecidos, importante cientista e construtor
de microscópios em Delft, nos Países Baixos. Ele descreveu a estrutura celular dos vegetais, chamando as células de “glóbulos”, utilizando um microscópio feito por ele mesmo (possuía talvez a maior coleção de lentes do mundo no século XVII, cerca de 250 microscópios),
foi o primeiro a observar e descrever fibras musculares, bactérias,
protozoários e o fluxo de sangue nos capilares sanguíneos de peixes.
Disse lateralmente: “Leeuwenhoek, em Delft, era amigo do pintor...”, e a memória me falhou. Só consegui dizer: “aquele que pintou a Moça do brinco de pérola”. Vislumbrava uma reprodução de
“A leiteira” que possuo e não me ocorria o nome do famoso pintor
holandês, seu autor. Creditava-me, assim, uma dívida com os participantes. Um ou dois minutos depois, um deles disse: “Vermeer, professor”. Com humildade, o Professor Guy não deixou transparecer
o polímata que é. Mostrou um smartphone (à época algo raro), no
qual o oráculo Google lhe viera em ajuda. A dignidade do Guy neste
episódio se fez ícone para mim. Ainda em dezembro daquele ano fui
fazer uma palestra no Museu da Natureza, em Cachoeirinha, dentro
dos atos inaugurais do mesmo. Minhas visitas ao Museu e a amizade
com o Guy se adensaram.
Já que me arvorei trazer algo tão pessoal na minha relação com
o autor deste livro, permito-me outro narrar que já fez história: é
algo acerca da difícil arte de fazer crítica aos escritos de outros, especialmente em bancas de dissertações ou teses. No ano passado, entre várias defesas que tive na Universidade do Estado do Amazonas,
houve duas em agosto, em Parintins. Uma delas concorridíssima –
uma plateia de mais de uma centena de pessoas –na qual o candidato
era o Diretor do Centro de Formação de Professores da UEA, pessoa
queridíssima na sua comunidade. Como aportar, então, críticas, sem
cair no desagrado do público que estava ali torcendo para que seu
diretor não fosse escalpelado pelos inquisidores, nesta inspiração
medieva que são as bancas?
Comecei contando uma situação que me ocorrera em março
daquele ano. Estava na defesa de dissertação de um jovem biólogo
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GUY BARROS BARCELLOS
reconhecido. No auditório estava seu avô, alienígena na Academia.
Fiz alguns comentários/sugestões na busca de aprimorar a versão
final da dissertação. Terminada a sessão de defesa, perguntei ao neomestrando: “Guy, o que teu avô achou dos rituais acadêmicos?”.E
Guy respondeu: “Ele disse que tu parecias um técnico de futebol querendo ensinar o Neimar a jogar futebol!”. Completei, então em Parintins, dizendo que “hoje sou aqui alguém que vai parecer que queira
ensinar o Diretor a ‘jogar futebol’”.
Mas, aqui e agora, assoma algo maior falar do livro que, talvez
você, como leitor, busque neste prefácio para se decidir por adentrar
num mundo (quase) desconhecido do museu escolar. Digo como o
Poeta: “cesse tudo que a Musa antiga canta, pois valor mais alto se levanta”. Não é sem razão que chamo Camões a esta celebração. Temos
neste livro uma elegia às Musas. O Guy musicou isso no lírico introito
que está logo em seguida. O templo das musas era o Museion, termo
que deu origem à palavra museu: local do cultivo e da preservação
das artes e ciências e artefato cultural central nesta obra. Não questionei ao polímata, autor deste livro, qual das nove filhas de Mnemosine e Zeus é a musa que tem a capacidade de inspirar a sua criação
artística ou científica. Na dúvida, homenageio as nove.
Assim, vivamos, aqui e agora, o ritual de dar a lume o Manual
de implantação de museus escolares. Permitam-me, por ser démodé,
traduzir essa bonita ação de dar a lume: tornar notório, público; declarar, manifestar. Cabe-me nesse prefácio fazer a epifania ou celebrar o aparecimento ou, ainda, ensejar a manifestação reveladora de
um novo livro. Esse ritual quase iniciático se faz em regozijos. Talvez
porque este cerimonial tenha marcas litúrgicas da epifania cristã de
desvelar o escondido.
Evoco uma ação que correlaciona museu com o “antigamente” para, ao saborear o texto pós-moderno do Guy, contrapor com o
novo que este Manual nos oferece. Há ações marcadas por palavras-chaves que se fazem modismo. Na segunda década do século XXI, a
palavra da moda é inovação. Na década passada era sustentabilidade.
Na última década do século XX, foi qualidade.
Parece que aqui reside o diferente neste livro. Mesmo que tenhamos feito uma regressão ao berço de nossa tradição grega – aquela que nos impele ao saber – e invocado a proteção das Musas, a pro-
MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES
dução do Guy tem a marca da inovação. Há que fazer nesta marca
dois destaques: o primeiro, uma não adesão a modismo; o outro: não
houve/há necessidade de forçar a barra para qualificar as trazidas
que este “nãomanual” sugere para qualificá-las como inovadoras.
Nesta inovação algo significativo é trazido neste livro. A lei que
define a política de museus é noviça: a Lei n. 11.904, de 14 de janeiro
de 2009. Assim, a missão dos museus é digna de crescente valorização, em razão do papel que esses centros de reflexão, humanização
e descoberta de novos saberes exercem em nome da difusão do conhecimento, concorrendo para a construção de uma sociedade mais
justa e inclusiva. Não é, portanto, sem razão que este livro se faz meritório.
Basta que leiamos o artigo segundo da citada lei:
São princípios fundamentais dos museus: I – a valorização da dignidade humana; II – a promoção da cidadania; III – o cumprimento
da função social; IV – a valorização e preservação do patrimônio
cultural e ambiental; V – a universalidade do acesso, o respeito e a
valorização à diversidade cultural; VI – o intercâmbio institucional.
Vislumbraremos, em cada uma dessas seis alíneas, o explícito
fazer a Educação com a Ciência. Talvez por isso Guy se faça um Virgílio para nos levar a visitar a casa das filhas da Memória.
Quase posso antecipar às leitoras e aos leitores que se aventurarão a acompanhar o Guy no desvelo (aqui na acepção do verbo cuja
ação é tirar o véu) do fazer um Museu de Ciências que há de se viajar
na proposição de ações que contemplem fazeres para cada uma das
seis alíneas trazidas no diploma legal.
Sonhar é preciso!
Após este espraiar-se em utopias, voltemos às saborosas realidades que estão amealhadas neste livro. Vale sorvê-las. Com elas,
muito provavelmente, se arquitetarão sonhos, e com estes se construirão museus. Aqui há pressupostos teóricos que merecem ser
compartilhados para uma árdua, mas muito necessária situação: pôr
em prática as densas e viáveis propostas trazidas por este Manual de
implantação de museus escolares.
E bem-vindo a um mundo (quase) encantado, mas transmutável em apaixonante realidade.
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GUY BARROS BARCELLOS
Attico Chassot
Licenciado em Química e Doutor em Educação
www.professorchassot.pro.br
Numa chuviscosa e fria noite do inverno gaúcho de 2013.
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Apresentação
Sinto-me feliz ao apresentar este livro que é, sobretudo, um
presente amorosamente elaborado pelo autor, a fim de compartilhar
com outros professores as vivências e o trabalho que tem desenvolvido em museus escolares construídos com seus alunos. A edição contou com apoio da Central de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino
Superior (CAPES), entidade do governo brasileiro voltada à formação
de recursos humanos, pois esta produção está integrada a um projeto de pesquisa.
Tive o privilégio de acompanhar Guy Barros Barcellos na graduação em Ciências Biológicas e ser sua orientadora no Mestrado em
Educação em Matemática, na PUCRS, curso em que foi contemplado com uma bolsa da CAPES no projeto interinstitucional “Ciência,
História, Educação e Cultura” (Programa Pró-Cultura – CAPES/MinC),
do qual sou coordenadora-geral. O projeto, que integra três universidades10 (PUCRS, UFPE e UFBA), focaliza contribuições de centros e
museus de ciências para a alfabetização científica, a educação em
diversos níveis de ensino e a formação inicial e continuada de professores de Ciências.
Nesse contexto, o autor realizou sua dissertação de mestrado11
e elaborou o livro, mas sua fascinação por museus se iniciou bem
antes, desde a infância. Como filho de Lauro Barcellos, diretor do
Museu Oceanográfico de Rio Grande, teve diversas oportunidades de
conhecer museus e interagir com museólogos, conforme depoimentos seus. Como exemplo, Guy lembra, no capítulo introdutório da dissertação, a baleia azul de 32 metros que morreu na Praia do Cassino
e foi transportada à sua casa em três caminhões, sendo seu esqueleto
armado ao ar livre: “Minha infância teve baleias no jardim. [...] Minha alfabetização científica ocorreu assim, por osmose, catalisada
por momentos especiais, neste ambiente de estudo e trabalho para
muitos, mas para mim também de muita diversão”. O amadurecimento e o desenvolvimento da sua competência como educador e
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (instituição líder), Universidade Federal de
Pernambuco e Universidade Federal da Bahia.
10 11 Dissertação intitulada “O papel de um Museu de Ciências construído por alunos de Ensino Fundamental na divulgação científica” (BARCELLOS, 2012), defendida e aprovada em março de 2012.
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GUY BARROS BARCELLOS
pesquisador vieram depressa e intensamente, mas sem deixar de
priorizar aspectos lúdicos e a alegria de viver.
Na estrutura do livro, os capítulos estão distribuídos e agrupados em “atos”, como em uma apresentação teatral. Os “atos” são
precedidos por uma introdução breve e poética sobre o lirismo que
perpassa a obra como um todo: “Introitum: o lirismo das coisas”.
A seguir, no “Primeiro ato: A prática sem teoria é iníqua”, o livro
apresenta capítulos que resumem fundamentos sobre museus escolares. Em “Museus escolares: curadores do ensino de Ciências”, o autor argumenta sobre a relevância de engajar os alunos na pesquisa,
o que pode ser realizado em museus nos quais os curadores sejam
alunos selecionados a partir dos seus próprios interesses.
Em “Catalisando uma inteligência naturalista”, destaca, entre
diversos tipos de inteligência, a inteligência naturalista com ênfase
no questionamento e na investigação, por meio da construção participativa de um museu de ciências (MC) na escola.
Em “Por que e para que(m) ensinar Ciências”, há reflexões sobre a necessidade de alfabetização científica (AF), esclarecendo como
um museu escolar pode contribuir nesse sentido: o aluno-curador
não apenas pesquisa, mas também divulga e, assim, se alfabetiza
cientificamente.
O capítulo “Aprendizado de Ciências que motiva o aluno, um
desafio ao Mestre” parte da consideração de que o professor é o mediador que incentiva e desafia a construção de conhecimentos, pois o
aprendizado deve ocorrer através da pesquisa e da ação dos alunos,
em um clima de liberdade, harmonia e colaboração.
“A casa das filhas da Memória” aborda museus e memória. Esclarece a definição de museu como lugar em que a memória é cultivada, bem como sua função sócio-histórica, política e cultural, com
embasamento legal12.
Segue-se o “Epílogo do 1º ato”, com depoimentos pessoais que
remetem a outra parte da obra, com operacionalização de todo o
processo. Antes disso, porém, traz um belo depoimento: “Entr’acte: o
Museu da Natureza”. Questionando-se sobre quando aprendeu mais
Ciências durante o período escolar, percebeu que foi no Museu da
Natureza (MN), espaço que criou e organizou, e não em sala de aula.
12 Lei n. 11.904, de 14 de janeiro de 2009, em especial os dois primeiros parágrafos.
MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES
Decidiu então oportunizar o mesmo aos seus alunos e compartilhar
com outros professores essas vivências.
E inicia o “Segundo Ato: A teoria sem prática é inócua”, que
contém a operacionalização de todo o processo de construção de um
museu escolar. Nele reúne capítulos nos quais argumenta sobre o
processo de musealização, tendo alunos como curadores, formação
da equipe, instalação, recursos, materiais necessários e, enfim, a
“Construção por encontros – Operacionalização”, em que apresenta
dez exemplos detalhados e ilustrados de exposições:
•
planetário com modelo heliocêntrico (“A dança dos planetas”);
•
fases do planeta Terra e evolução dos seres vivos (“Continentes navegando”);
•
modelo de vulcão (“A fúria de Geia”);
•
modelos de célula (“Minúcias da vida)”;
•
modelo de cadeia de DNA (“Escritura espiralada”);
•
maquete do período Cambriano (“Estranho mundo perdido)”;
•
móbile com seres do mar (“Tétis e Oceano”);
•
modelagem de moluscos nudibrânquios (“Caleidoscópios vivos”);
•
modelagem de fósseis (“Ecos do passado”);
•
construção de um jardim vertical (“Sagração da Primavera”).
Em cada uma dessas exposições há uma fundamentação, sugestão de trabalhos, materiais, procedimentos e ilustrações. Contudo o
autor alerta: “Não tenho a intenção de oferecer ‘receitas’, mas alguns
protocolos de atividades já validadas, ou seja, realizadas e bem-sucedidas em um ambiente escolar”. A expectativa é que os exemplos
sejam considerados, analisados e adaptados pelos colegas que aceitarem o desafio.
Com carinho e admiração, garanto que os resultados podem ser
extraordinariamente gratificantes para os que dele participarem,
tanto alunos curadores como professores orientadores, rompendo li-
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GUY BARROS BARCELLOS
mites e integrando com encantamento diferentes habilidades e emoções.
Regina Maria Rabello Borges
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À concha corresponde um conceito tão claro, tão firme, tão rígido que, não podendo simplesmente desenhá-lo, o poeta, reduzido a falar dele, a princípio
fica com um déficit de imagens. Em sua evasão para
valores sonhados, é interrompido pela realidade geométrica das formas. E as formas são tão numerosas,
por vezes tão novas que, a partir do exame positivo do
mundo das conchas, a imaginação é vencida pela realidade. Aqui a natureza imagina e a natureza é sábia.
[...] Será possível que um ser viva na pedra [...]? Esse
espanto, quase não tornamos a senti-lo. A vida desgasta os primeiros espantos. Aliás, para uma concha
“viva”, quantas conchas mortas! Para uma concha habitada, quantas conchas vazias! Mas a concha vazia,
como um ninho vazio, sugere devaneios de refúgio. É
sem dúvida um requinte de devaneio seguir imagens
tão simples. [...] Por isso, consideramos interessante
propor uma fenomenologia da concha habitada.
Bachelard
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Introitum: O lirismo das coisas
Coloria o ar com sons alegres, Orfeu e sua lira, gaio e rejubiloso
de seu amor por Eurídice. Ninfas faceiras pululavam celebrando a
união conjugal, álacres por terem suas almas acariciadas pelo som
inexplicável da lira. Contudo, as artimanhas das Parcas são penosas...
A víbora, colubrina e traiçoeira, rastejando pela relva, subtrai-lhe a razão de musicar, inoculando sua peçonha fatal na cândida Eurídice. Qual não é o desespero de Orfeu que o faz descer aos abismos
infernais do Hades, implorar clemência aos ministros da morte. Sua
música suplicante soa tão bela que arrefece a decisão funérea das divindades do Estige. Os deuses infernais devolvem a amada com uma
condição: que jamais volte seu olhar para trás, na longa caminhada
até a superfície...
O amor, esta força que inebria a razão e entorpece o pensar, faz
Orfeu olhar para trás, vendo, pela última vez, o objeto de sua afeição.
As sombras pálidas da morte roubam Eurídice da custódia de Orfeu
para todo o sempre. Acerba situação imprime em Orfeu uma tristeza
que o encharca. Afogado em lágrimas não toca mais a lira, não alegra
mais as ninfas. Seu pranto mesto não foi suficiente para amortecer
a fúria das ninfas que, iradas pelo silêncio vazio, estraçalham Orfeu
como fúrias famélicas. As mesmas ninfas que celebraram seu matrimônio aspergiram seus pedaços pela Terra. Assim, como produto da
ação furibunda das ninfas, a poesia e o lirismo são espalhados pelo
mundo e contaminam todas as coisas...
Se todas as coisas (materiais ou imateriais) têm, impressas em
si, a poesia de Orfeu, cumpre-nos resgatar, (re)descobrir, (re)ler ou,
quem sabe, reinventar o lirismo orfeão de cada objeto. É mister ao
ser humano, para completar-se em sua essência, ligar-se ao belo e ao
que lhe faz humano. Ver, tocar, sentir e significar a sépsis lírica do
mundo que o cerca. É da relação profunda do ser humano com as
coisas que trata este livro...
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GUY BARROS BARCELLOS
Figura 1 “Orfeu e as bacantes”, óleo sobre tela de Gregorio Lazzarini (1710).
Fonte: Disponível em <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Gregorio_Lazzarini_-_
Orpheus_and_the_Bacchantes_-_WGA12527.jpg>.
PRIMEIRO ATO:
A prática sem teoria é iníqua
27
1 MUSEUS ESCOLARES: CURADORES
DO ENSINO DE CIÊNCIAS
Quem nunca ousa quebrar as regras nunca as supera.
Lorenzo Bernini (1598‑1680)
Em um mundo cada vez mais repleto de virtualidades, este tra‑
balho propõe algo concreto, no sentido de ser palpável: um museu
“real”, curado por alunos também “reais”. Sabe‑se que projetos de
Ciências oferecem aos estudantes raras oportunidades de engajar‑se
na pesquisa científica. Pois, diversamente dos experimentos de‑
monstrativos em sala de aula, estes projetos desafiam os estudantes
a desenvolverem suas próprias questões, conduzirem suas pesquisas
e divulgarem‑nas aos seus pares (HERR, 2008). Dentro dessa concep‑
ção, os alunos‑curadores construiriam um museu cujo fim não é o
museu em si. Trata‑se de um meio, uma ferramenta, para realizar
alfabetização científica através de um processo (inter)ativo, (re)
construtivo, analítico, comunicativo, emocional e afetivo. Signi‑
fica a experiência científica e oferece múltiplas possibilidades, que
podem despertar no aluno interesse pela pesquisa, pela arte, pelo co‑
nhecimento e pelo trabalho em equipe. Nesse trabalho, guiado pela
construção participativa, os alunos curam e musealizam a coleção
visando a um fim: construir um Museu de Ciências (MC) na escola,
orientados por um professor1. Segundo Campbell et al. (2000, p. 207):
Embora seja típico pensarmos em museus como prédios com va‑
liosas coleções de arte, ciência ou história, as salas de aula podem
ser transformadas em locais similares de inspiração e estudo. Para
fazê‑lo, os alunos assumem os papéis de colecionadores, pesquisa‑
dores e curadores.
1 Apesar de eu próprio não ter sido orientado por nenhum professor quando fiz o “Museu da Natureza”
(BARCELLOS, 2009) na escola onde cursava o ensino médio, hoje vejo, como docente, que a presença de
um professor que oriente sem interferir pode ser uma facilitadora de aprendizagens.
28
GUY BARROS BARCELLOS
Na presente proposta, não será em sala de aula que o museu irá
“ocorrer”. Sobre a aula Demo afirma ser útil, mas não o suficiente:
“Aula é expediente auxiliar, cuja função maior é viabilizar a constru‑
ção de conhecimento, jamais seu mero repasse. Cultiva‑se a autoria do
aluno […]. O equilíbrio entre a pesquisa e educação não é fácil, pois
a tradição é avessa” (2010, p. 22). Não é negativa nem descartável a
possibilidade de construir um museu em (no sentido de durante e no
espaço das) aulas, pelo contrário, esse processo pode ser produtivo. A
ressalva consiste em a dificuldade ser maior em desenvolver as ativi‑
dades da construção participativa com grupos grandes, como costu‑
mam ser as turmas na maioria das escolas. Além disso, a cobrança de
cumprir‑se um calendário de conteúdos programáticos acaba sendo
inimiga da lentidão necessária para construir‑se um museu.
Quando o estudante assumir o papel de curador/pesquisador2,
poderá aprender através da pesquisa e da (re)descoberta e (re)cons‑
trução do (seu) conhecimento. De acordo com Demo (2010, p. 19):
Pesquisa como princípio educativo proporciona a expectativa da
cidadania ancorada em pesquisa ou produção própria de conheci‑
mento, possibilitando a combinação de educação e Ciência. Como
se pode pesquisar educando e educar pesquisando? Primeiro urge
não separar os cenários, mas mesclá‑los.
Neste universo, o processo educativo é misturado ao processo
investigativo, quando os alunos recebem parte do acervo e musea‑
lizam‑no. De outra parte, constroem, como se preenchessem as la‑
cunas de um livro com trechos em branco. Este trabalho gera duas
possibilidades: de o aluno pesquisar sobre um fóssil, molusco, rocha,
inseto ou fenômeno e, a partir daí, construir exposições e textos de
pesquisa e divulgação. E, outra, de os alunos fazerem modelos de cé‑
lulas, cadeias de DNA, sistema solar, planetas e ecossistemas... Desde
a posição de observador dos alunos, o professor que interessar‑se
neste tipo de projeto pode detectar quais alunos têm maior facilida‑
de de compreensão e expressão nesta “área”3 (de Ciências e Biolo‑
gia). Sobre essa capacidade, aprofundo no próximo capítulo.
Digo ser o aluno‑curador também um pesquisador porque a atividade do primeiro está diretamente ligada
àquela do segundo. Um curador pesquisa sobre um (ou mais) objeto(s), visando produzir conhecimento e, por
ser curador, não se limita a fazê‑lo como também age visando sua preservação e divulgação para a comunidade.
2 3 Uso o termo área por ausência de outro mais apropriado.
29
2 CATALISANDO UMA
INTELIGÊNCIA NATURALISTA
O psicólogo americano Howard Gardner mudou a perspectiva
e o entendimento dos educadores sobre inteligência quando criou
a teoria das múltiplas inteligências. Afirma que os seres humanos
apresentam diferentes capacidades voltadas para áreas determina‑
das. Gardner (1993) identificou nove inteligências: lógico‑matemáti‑
ca, espacial, linguística, cinestésico‑corporal, musical, interpessoal,
intrapessoal, naturalista e existencial. Não são meramente classes de
uma suposta “taxonomia” cognitiva. O autor coloca como elementos
que compõem a complexa mente humana (GARDNER, 2000). Acres‑
centa que as pessoas podem possuir mais de uma e ressalta que as
relações delas entre si, bem como suas intensidades, são variáveis e
únicas em cada indivíduo. Também coloca que podem mudar com o
tempo e de acordo com as experiências que se vivenciam.
Atenho‑me neste livro, por razões evidentes, à inteligência na‑
turalista. Segundo Campbell et al.(2000, p. 200):
Gardner formulou a hipótese de que a inteligência naturalista me‑
recia reconhecimento como uma inteligência distinta. Ele descreve
as habilidades básicas do naturalista como alguém que é capaz de
reconhecer flora e fauna, fazer distinções coerentes no mundo na‑
tural e usar tal capacidade da maneira produtiva. Além disso, os
naturalistas são hábeis em identificar membros de um grupo ou es‑
pécie, [...] reconhecer a existência de outras espécies e perceber os
relacionamentos entre várias espécies. […] Alguns indivíduos com
inteligência naturalista altamente desenvolvida criam produtos ou
categorias que cruzam as fronteiras culturais e sobrevivem duran‑
te gerações. Charles Darwin, George Washington, Rachel Carson,
Luther Burbank e Jane Goodhal são exemplos de indivíduos com
um conhecimento notável do mundo vivo e de suas criaturas.
Ademais, a inteligência naturalista pode despertar no aluno
uma postura mental questionadora. Explorando a curiosidade dos
alunos, pode‑se estimulá‑los a formularem perguntas que não te‑
nham respostas prontas (CAMPBELL et al., 2000), visto que “uma
educação de perguntas é a única educação criativa e apta a estimu‑
30
GUY BARROS BARCELLOS
lar a capacidade humana de assombrar‑se, de responder ao seu as‑
sombro e resolver seus verdadeiros problemas essenciais” (FREIRE,
FAUNDEZ, 1981, p. 52).
Desta forma, o desenvolvimento da inteligência naturalista
em um ambiente onde se motiva o aluno e se proporciona que o
mesmo faça suas próprias perguntas é desejável, dado que “hoje
é preciso recriar a educação, para que sempre se desperte não ape‑
nas a inteligência, mas também a sensibilidade. [...] Problematizar
criadoramente, sem recusar o fardo da complexidade dos questiona‑
mentos” (ROCHA FILHO et al., 2009, p. 57).
Este recriar exige que se envolvam os estudantes e os motive na
busca pelo conhecimento. Perrenoud (2000, p. 69) afirma ser neces‑
sário “suscitar o desejo de aprender, [...] o sentido do trabalho esco‑
lar e desenvolver na criança a capacidade de autoavaliação; Oferecer
atividades opcionais à formação, à la carte; Favorecer a definição de
um projeto pessoal do aluno”. Portanto, a função do aluno‑cura‑
dor é estabelecida a partir de seus interesses. Quando vê sentido
e emociona‑se com algum conhecimento, gera perguntas a seu
respeito. Estas perguntas podem ser a ignição para seu projeto
de pesquisa/curadoria. Sobre alunos‑curadores, Campbell afirma:
Como “curadores”, os papéis dos alunos mudam. Não mais reci‑
pientes de conhecimento, [...] criam ambientes em que os outros
pesquisam e aprendem. Além disso, ao criar novos acervos, os
alunos usam muitas habilidades do pensamento naturalista. Per‑
cebem e processam informações, categorizam e priorizam dados e
estendem as teorias que aprenderam na aula, demonstrando o seu
conhecimento de maneiras extremamente pessoais.
A construção participativa de um MC, além de propiciar mo‑
mentos de alfabetização científica (AF), é um espaço onde os alu‑
nos‑curadores despertam e desenvolvem a inteligência naturalista.
Dentro dessa proposta, o aluno pode identificar os mais diversos
organismos presentes nos ecossistemas, relacioná‑los entre si e per‑
ceber as delicadas relações entre os seres vivos. Mais do que isso,
podem entender que todos os organismos do planeta Terra são pro‑
duto de um longo e tempestuoso processo de mutação, seleção natu‑
ral, adaptação e evolução. As vivências em um museu escolar seriam
uma forma de buscar formar melhor o aluno, unindo a capacidade
MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES
de, não somente apre(e)nder, perceber e compreender, mas também
de significar e explicitar o conhecimento científico (BIEMBENGUT,
2013).
Simpatizo com essa forma de pensar porque a considero ele‑
gante e porque sinto‑me, de certa forma, confortado por ela. Sempre
fui um péssimo aluno para matemática e educação física, no entanto,
destacava‑me em biologia, línguas, artes, história e geografia... Mes‑
mo assim, considerava‑me um incapaz. Ora, não poderia ser inte‑
ligente se não era bom em todas as matérias... Quantos alunos não
pensam o mesmo de si? Hoje entendo que, por possuir uma inteli‑
gência predominantemente naturalista, e bastante linguística, era
assaz difícil tentar entender (já que estavam insistindo em ensinar) a
matemática pura ou tentar jogar futebol...
Por que iria calcular probabilidades estatísticas e quadrantes
trigonométricos se aquilo que me inspirava, que me encantava e que
fazia sentido em minha mente era a migração das baleias, a evolução
dos invertebrados, a fotossíntese, as reações da glicólise e a estru‑
tura das proteínas? Evidentemente, é necessário compreender uma
base de cada área, afinal, a própria biologia tem sua matematização,
mas a situação acima serve como exemplo de que temos mais faci‑
lidade para determinadas áreas do conhecimento... Gardner desta‑
ca a importância de identificarmos o mosaico de inteligências que
possuímos, que possuem nossos alunos. É fundamental tentarmos
perceber quais se destacam mais e trabalharmos e desenvolvermos
atividades utilizando o arranjo de inteligências de cada pessoa. Que
sentido faz morfologia vegetal para um médico? Qual é a necessidade
de um artista plástico saber sobre balanceamento estequiométrico?
Evidentemente, um médico precisa saber quais vegetais são tó‑
xicos ou medicinais. Obviamente, um pintor deve saber que precisa
quantificar periodicamente o chumbo em seu sangue, devido à com‑
posição de algumas tintas. Mas obrigar alguém de inteligência natu‑
ralista pouco voltada para a botânica a saber todos os tecidos e cé‑
lulas que compõe um vegetal é um equívoco. Ou, pior ainda, perder
meses forçando um indivíduo, de inteligência predominantemente
musical ou linguística, a estudar os números atômicos e os orbitais
dos elementos da tabela periódica... Não seria muito melhor usar
todo este tempo para ensiná‑lo a compor cores? A desenhar uma pai‑
31
32
GUY BARROS BARCELLOS
sagem? A fazer um retrato? A tocar um instrumento ou a cantar? So‑
bre os méritos de “utilidades” do ensino, Attico Chassot debate com
muita eloquência em seu livro Para que(m) é útil o ensino? (CHASSOT,
2004).
Não irei desenvolver prolongadamente minhas opiniões sobre
o ENEM e vestibulares, provas que tratam a todos os estudantes como
se fossem iguais. Afinal, a partir do que leu o leitor poderá imaginar
o que penso deste tipo de avaliação... Mas vale colocar algumas bre‑
ves considerações.
O que me parece mais perverso é utilizar as mais nobres artes,
as ciências mais belas e fascinantes, construtos dos gênios que fize‑
ram nossa compreensão de mundo como enigmas para testar um
calouro. Transfigurar as ciências em obstáculos, enfim, esfingificar
os conhecimentos para selecionar alguém para alguma coisa. Criar
uma situação eivada de artificialidade para escolher quem entra e
quem fica fora, para deixar alguns irem adiante e outros não. Assim
são quase todas as provas tradicionais e testes objetivos, em alguns
países realizados até com controle remoto, completamente cegos às
diferenças de cada ser humano e protagonistas de um sistema alta‑
mente exclusivo, opressor e irreal. Os alunos realizam na vida escolar
centenas de provas. Já na vida adulta, em seus trabalhos e profissões,
nada disso encontrarão. Irão aparecer projetos que exigem criativi‑
dade, situações que demandam capacidade de decisão, tenacidade e
paixão. Mas, que pena, foram treinados para fazer provas... Ou seja,
anos postos fora. Dias roubados, horas, em que poderiam estar fa‑
zendo algo realmente útil, ou que lhes desse prazer, para estudar o
que não fazia sentido. Ainda mais, com uma grande possibilidade de
frustração geradora de sentimento de nulidade...
A partir dos problemas apontados, podemos perceber que a te‑
oria das múltiplas inteligências pode ser uma solução, um caminho
para mitigá‑los e uma justificativa plausível para a implantação de um
museu escolar. Criar uma ilha4 no ambiente escolar onde seja possível,
além de ensinar Ciências, prospectar e desenvolver inteligências!
4 Visto que em muitas escolas há uma verdadeira obsessão por testes, provas e quantificações que, supos‑
tamente, “medem” o quanto os alunos estão aprendendo. Muitas vezes faz lembrar uma indústria que sub‑
mete seus produtos a um teste de qualidade, afinal todos são, ou deveriam ser, iguais. Após o teste aqueles
que o superam vão adiante e outros que não atenderam às exigências ficam para trás.
MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES
Em minha dissertação de mestrado (BARCELLOS, 2012) cria ser
a inteligência naturalista aquela mais destacada nos alunos‑curado‑
res. Continuo pensando assim o ser, no entanto, após alguns anos de
experiência no Museu da Natureza, percebi que pode ser um espaço
para o desenvolvimento de todas as nove inteligências... No capítulo
seguinte defendo a necessidade de ensinar Ciências de uma maneira
menos ortodoxa.
33
34
3 POR QUE E PARA QUE(M)
ENSINAR CIÊNCIAS
Por muito cuidado que se tenha educar
também é podar; deixar crescer com
toda força o ramo que nos agrada.
Agostinho da Silva (1906‑1994)
Neste primeiro momento é importante notar que a Ciência é
uma linguagem construída pela humanidade para explicar o mundo
natural, sendo, portanto, uma construção humana, segundo Chassot
(2008), que argumenta:
A Ciência não tem a verdade, mas aceita algumas verdades transi‑
tórias, provisórias em um cenário parcial onde os humanos não são
o centro da natureza, mas elementos da mesma. O entendimento
destas verdades – e, portanto, não a crença nas mesmas –, tem uma
exigência: a razão. Aqui temos um primeiro alerta: diferentemente
das religiões que admitem verdades reveladas, a Ciência não tem
verdade (CHASSOT, 2008, p. 63).
Esta forma de pensar desprovida de verdades absolutas urge
ser ensinada porque “entender a Ciência nos facilita, também, con‑
tribuir para controlar e prever as transformações que ocorrem na
natureza. Assim, teremos condições de fazer que estas transforma‑
ções sejam propostas para que conduzam a uma melhor qualidade
de vida” (CHASSOT, 2008, p. 73). O conceito de AF divide‑se em três
dimensões: (1) o conhecimento de termos e conceitos científicos; (2)
uma compreensão da natureza da Ciência; e (3) o entendimento so‑
bre o impacto da ciência sobre a sociedade (MILLER, 1983), comple‑
tando‑se com a seguinte definição:
a alfabetização científica é um conjunto de conhecimentos que fa‑
cilitam ao ser humano fazer uma leitura, seguida de uma interpre‑
tação, do mundo onde vivem. [...] seria desejável que os alfabeti‑
MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES
zados cientificamente não apenas tivessem facilitada a leitura do
mundo em que vivem, mas entendessem as necessidades de trans‑
formá‑lo, ou transformá‑lo para melhor. (CHASSOT, 2011, p. 62)
Ademais, existe consenso da necessidade de uma AF que per‑
mita preparar cidadãos para participação inteligente em questões
sociais relativas à Ciência. Na Conferência Mundial sobre a Ciência
para o século XXI, organizada pela UNESCO e pelo Conselho Inter‑
nacional para a Ciência, declara‑se: “Hoje, mais do que nunca, é ne‑
cessário fomentar e difundir a AF em todas as culturas e em todos
os setores da sociedade, [...] a fim de melhorar a participação dos
cidadãos na adoção de decisões relativas à aplicação de novos conhe‑
cimentos” (DECLARAÇÃO DE BUDAPESTE, 1999).
Segundo Furió e colaboradores (2001), AF significa possibilitar
que a maioria da população disponha de conhecimentos científicos
e tecnológicos necessários para se desenvolver na vida cotidiana,
ajudar a resolver os problemas e as necessidades de saúde e sobre‑
vivência, tomar consciência das complexas relações entre ciência e
sociedade.
O desafio maior reside em educar fazendo ciência, visto que a
AF significa saber lidar com a presença dos conhecimentos cientí‑
ficos na sociedade para oportunizar desenvolvimentos como: apro‑
veitar conhecimentos científicos que possam melhorar a qualidade
de vida; aproveitar chances de formação mais qualificada em áreas
científicas e tecnológicas; universalizar o acesso ao conhecimento,
persistindo na afirmação de que a pesquisa é uma forma qualifica‑
da de ensino; focar atenção à proteção ao meio ambiente através da
educação (DEMO, 2010).
A construção participativa de um MC, sob essa ótica, mostra‑se
como alternativa, ou até mesmo uma solução parcial, para um erro
comum apresentado em alguns livros e currículos de Ciências, o qual
Azevedo (2004) denomina como “operativismo” (exercícios repetiti‑
vos), já que essa construção propicia momentos de pesquisa prática
e teórica.
Na mesma perspectiva, Hodson (1992 apud AZEVEDO, 2004, p.
19) alega que “os estudantes aprendem mais sobre ciência quando
participam de investigações científicas semelhantes às feitas nos
laboratórios de pesquisa”. Em coerência com essa ideia, propõe‑se
35
36
GUY BARROS BARCELLOS
aqui uma ferramenta que poderia ser adaptada por outros professo‑
res, contemplando as diferentes realidades e ajustando às limitações
de escolas e comunidades, a fim de realizar AF através da pesquisa.
Também serviria para ir de encontro a concepções generalizantes,
portanto, possivelmente injustas, de que: “O espírito científico da es‑
cola depende, sumamente, do espírito científico dos professores que,
como regra, é nenhum” (DEMO, 2011, p. 11).
A construção participativa de um MC não se limita a pesquisar
e produzir conhecimento, mas, também, a divulgá‑lo através de uma
comunicação acessível a todos que o visitarem. Ou seja, além de o
aluno‑curador, em um sentido coletivo, realizar pesquisa, ele tam‑
bém realiza divulgação de Ciência. Sumarizando: o aluno‑curador
pesquisa e divulga para alfabetizar‑se cientificamente.
O leitor poderá dizer: pois bem, a proposta é válida, mas como
mobilizar os alunos para um projeto desta envergadura? Como con‑
correr com todos os atrativos que as tecnologias hodiernas galvani‑
zam as atenções dos estudantes? Justamente a este tipo de pergun‑
ta que tento responder no capítulo a seguir. Nas próximas páginas
mostro que não é por experiências fumegantes ou aulas 3D que cha‑
mamos a atenção e motivamos nossos alunos, mas pela valorização
de seu trabalho e pela significação de suas experiências (práticas e
teóricas) que ocorrem na escola. Quando, no espaço escolar, o alu‑
no encontra eco para seus pensamentos, alívio para seus anseios e
não respostas secas, mas reflexões problematizantes para seus ques‑
tionamentos, ele irá motivar‑se para a pesquisa e irá, finalmente,
aprender. Nesta selva opaca reside um desafio...
37
4 APRENDIZADO DE CIÊNCIAS
QUE MOTIVA O ALUNO, UM
DESAFIO AO MESTRE
É um rematado erro crer que o ser humano possui um cére‑
bro que pode ser comparado a uma folha de papel em branco e que,
à medida que a pessoa é educada, os professores vão preenchendo
essa folha com informações e conhecimento (REINACH, 2010). Se‑
gundo Delizoicov et al. (2011, p. 131):
Nenhum aluno é folha de papel em branco em que são depositados
conhecimentos sistematizados durante sua escolarização. As expli‑
cações e os conceitos que formou e forma, em sua relação social
mais ampla do que a de escolaridade, interferem em sua aprendi‑
zagem de Ciências Naturais.
Logo, o aluno não aprende Ciências somente em sala de aula
ou somente quando estuda. Pode‑se dizer que o expediente escolar,
dentro de suas limitações de horário, pessoal, recursos e espaços, é
insuficiente para um aprendizado de Ciências que catalise a AF pro‑
priamente dita.
Do ponto de vista biológico, a educação pode ser entendida
como a tentativa da sociedade de influenciar o funcionamento do
cérebro dos indivíduos (REINACH, 2010). Contudo esse conceito não
é plenamente satisfatório. Por mais que uma demonstração prática
pareça ser suficiente para que o aluno aprenda e compreenda o que
o professor deseja, isso nem sempre ocorre (SHIMAMOTO, 2008),
porque a aprendizagem se explica através das mudanças de compor‑
tamento resultantes de uma experiência (MOSQUERA, 1984) e não de
uma observação.
Na presente proposta, sugere‑se que o aprendizado deva ocor‑
rer através da pesquisa e da ação dos alunos. Sobre isso, Demo (2010,
p. 13) afirma:
Facilmente interpomos separação desnecessária entre dois termos:
na escola se imagina educar, não fazer Ciência; na universidade de
38
GUY BARROS BARCELLOS
pesquisa se imagina fazer conhecimento, sem maior foco na edu‑
cação. É preciso unir os termos [...] partindo da proposta de educar
pela pesquisa.
Na escola é importante refletir sobre a concepção de que os alu‑
nos possam receber e absorver conhecimentos externos ou se, na
verdade, ampliam o que já foi anteriormente aprendido (MORAES,
2007). Por essas razões um MC construído por alunos pode ser um
espaço de produção de conhecimentos e aprendizagem sobre as Ci‑
ências, já que “as habilidades de observar, classificar e categorizar
podem ser desenvolvidas e aplicadas a objetos artificiais” (GARDNER
apud CAMPBELL, 2000, p. 205), como réplicas e modelos de seres vi‑
vos e estruturas relacionadas. Não obstante, em um MC, “os alunos
podem criar coleções de flora e/ou fauna [...]. Após reunirem seus
‘espécimes’, os alunos podem começar a classificá‑los [...]”. (GARD‑
NER apud CAMPBELL, 2000, p. 215). Já que “aprender exige intensa
participação de quem aprende, representando sempre uma amplia‑
ção e reconstrução de aprendizagens anteriores” (MORAES, 2007, p.
24).
Portanto, a “alfabetização científica só faz sentido em um am‑
biente de produção textual, não de passividade reproduzida” (DEMO,
2010, p. 68). Esta atividade poderá/deverá ser frequente no processo
de construção participativa.
Quanto à construção de exposições e seus respectivos textos ex‑
plicativos, cabe ao professor orientador reconhecer quais alunos têm
interesse e competência na produção de textos. Obrigar alguém a fa‑
zer textos poderá ser uma maneira de fazer o aluno odiar as ativida‑
des de construção participativa. Para motivar os alunos, a atmosfera
deverá ser de liberdade e harmonia.
A reflexão sobre a prática é a condição necessária do desenvol‑
vimento do conhecimento (MORAES, 2007). Por isso, ao fim de cada
encontro o professor orientador pode convidar os alunos a fazerem
uma “assembleia”, para avaliarem o que foi feito naquele dia, quais
pontos foram positivos e quais foram negativos, o que poderão fazer
nos encontros seguintes, explorando as razões de estarem partici‑
pando e permitindo que expressem como se sentem. Afinal, se não
houver prazer, deleite e emoção não vale a pena.
MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES
Sendo o museu um local onde o ensino é vinculado a um senti‑
do, o aluno pode ter vontade de apropriar‑se do conhecimento (PER‑
RENOUD, 2000), orgulhando‑se de ser conhecedor de um determina‑
do assunto e sendo valorizado por aquilo que sabe e não ranqueado
por sua ignorância...
Um exemplo de que o ensino transmissivo e conteudista pode
ser contraproducente e desestimular o estudante, encontra‑se no se‑
guinte depoimento de Sir Winston Churchill:
Mal havia completado 12 anos, quando adentrei na inóspita região
das provas, pela qual faria jornada durante os próximos sete anos.
Essas provas eram um grande teste para mim. As matérias mais
queridas aos examinadores eram, quase invariavelmente, as que eu
menos gostava. Gostaria de ter sido examinado em história, poesia
e redação. Os examinadores, por outro lado, tinham predileção por
latim e matemática. [...] Além disso, as questões [...] eram quase sem‑
pre aquelas às quais eu era incapaz de responder algo satisfatório
[...]. Quando estava disposto a exibir meu conhecimento, eles explo‑
ravam minha ignorância. Esse tipo de tratamento teve apenas um
resultado: eu não ia bem nas provas. (LEWIS, 2010, p. 22)
Se perguntasse a um grupo de pessoas quem se identifica com
esse desabafo, possivelmente todos diriam que sim. Essas experiên‑
cias produzem nas pessoas fracassos futuros e uma imagem tão de‑
teriorada de si mesmos que as memórias escolares são, em sua maio‑
ria, de angústia e sofrimento. Trabalhando a educação pela pesquisa
e a construção de um MC pelo trabalho dos alunos, busca‑se explorar
o seu conhecimento, valorizando‑os e, portanto, motivando‑os. Ace‑
der ao conhecimento somente é possível se os alunos forem protago‑
nistas de seu aprendizado.
Nas palavras de Perrenoud (2000, p. 76): “o projeto pessoal de
uma criança não é necessariamente completo, coerente e estável. A
melhor maneira de fazê‑lo desaparecer é, sem dúvida, aplicar‑lhe a
lógica de adulto”. Portanto, não convém um rigor excessivo na ava‑
liação da qualidade ou nos parâmetros de constituição dos projetos.
A sensibilidade do professor orientador permite reconhecer e res‑
peitar os ritmos biológicos dos estudantes, evitando o cansaço e o
esforço inútil. Permite perceber a capacidade criativa e cognitiva de
cada aluno notando que esse aprendeu quando adquiriu uma nova
39
40
GUY BARROS BARCELLOS
competência, ou quando pode dar respostas satisfatórias ante as si‑
tuações ambientais de seu cotidiano (MOSQUERA, 1984).
Para finalizar esta seção, pontuamos que a construção partici‑
pativa de um MC não é, de forma alguma, competitiva ou merito‑
crática. Devem‑se evitar a obrigação e o peso que geram ansiedade.
Cada um pode progredir em seu ritmo sem interiorizar sentimentos
de nulidade. Conforme Rocha‑Filho et al. (2009, p. 62):
Uma ação comum muito comum na sociedade e nas escolas deve
ser evitada [...]: qualquer forma de competição. Não há competi‑
ção boa ou saudável. Se existisse não seria necessário adjetivá‑la.
A Educação não deve ajoelhar‑se ante um mecanismo sórdido de
humilhação de muitos em beneficio do ego de poucos, usando ar‑
gumentos educacionais (a favor de jogos educativos, por exemplo)
[...] ou resignados e redundantes (a competição está no mercado
de trabalho, por exemplo). Não importa se a competição existe no
mundo externo à escola, pois o professor é idealista e não deve
preparar seus alunos para o mundo que está aí, mas para o mundo
que ele sonha.
Sob essa ótica, o processo de AF, por ser também um processo
educativo, flui em um clima de colaboração, respeitando as parti‑
cularidades de cada aluno e ajudando‑os a desenvolver suas inte‑
ligências a partir de seus gostos e aspirações, motivando‑os em um
projeto no qual possam aprender dentro de seus próprios ritmos.
A ideia de que exista uma “competição sadia” é sempre uma
armadilha. As pessoas, sendo diversas como são, não têm condições
de competir com igualdade. Haverá, quase sempre, disparidades, e
os sentimentos produzidos pela derrota são sempre mais abissais do
que enlevados seriam aqueles produzidos pelo triunfo. Não entendo
que seja um método eficaz motivar os alunos pela competição ou
pela meritocracia. Motivar em um ambiente de bem‑estar, amizade
e colaboração assemelha‑se muito mais ao que sonhamos como um
“mundo ideal”5.
5 Não tenho a ingenuidade de acreditar nesta utopia, mas tenho o otimismo de investir em uma organiza‑
ção escolar em que não se reproduza o que há de mais nefasto no mundo: uma competição desleal e atroz‑
mente excludente, na qual aqueles que têm dificuldades em vez de receberem ajuda são deixados de lado,
proscritos, abandonados como se fossem culpados em não conseguir vencer regras arbitrárias elaboradas,
muito provavelmente, por alguém que as fez justamente porque eram convenientes às suas incapacidades.
Quantas vezes vemos isso na escola?
MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES
Reitero que a informalidade deve ser preservada como o gran‑
de diferencial, na aula propriamente dita cumpre‑se levar a sério ri‑
tuais mais formais, ao passo que, em um MC, a atitude poderá ser
diferente, com mais matizes de comportamento e mais sonoridades
de emoções.Faz‑se necessário então, uma vez que estou “importan‑
do” um sistema que opera em museus, que se esclareça a definição
de museu, bem como sua função social, política, histórica, cultural e
legal. Sobre isso trato no próximo capítulo.
41
42
5 A CASA DAS FILHAS
DA MEMÓRIA
Os museus chegam à cultura hodierna pelos antigos Mouseions,
casas dedicadas a cultuar as musas, divindades do panteão grego,
detentoras do saber absoluto e filhas da titã Mnemosine, deusa da
memória. Ou seja, os museus são espaços onde se cultiva o que há
de mais precioso em uma civilização e em qualquer ser humano: a
memória.
A memória faz‑nos ser o que somos, cunha nossa identidade...
Quando perdemos a memória, perdemos também o referencial de
nosso eu. Quando uma civilização afunda‑se no obumbramento de
sua memória torna‑se incapaz de reconhecer‑se como um conjunto
de culturas e volta ao barbarismo e à animalidade mais desumana.
Criar um museu de Ciências na escola é, também, oportunizar
à comunidade escolar um ensejo para aprender sobre essas insti‑
tuições que guardam o conhecimento e o patrimônio desde o século
XVI. Os museus, além de preservarem o patrimônio, divulgam o co‑
nhecimento, são agentes sociais e animadores culturais. Vêm trans‑
formando‑se e ampliando suas ações por diversos debates travados
no campo da museologia durante o século XX e, mais intensamente,
no século XXI. Por essas razões, considero fundamental esclarecer
algumas definições legais, acerca de museus, em nosso país. Confor‑
me o parágrafo 1º da Lei 11.904, de 14 de janeiro de 2009:
Consideram‑se museus, para os efeitos desta Lei, as instituições
sem fins lucrativos que conservam, investigam, comunicam, in‑
terpretam e expõem, para fins de preservação, estudo, pesquisa,
educação, contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor
histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer outra nature‑
za cultural, abertas ao público, a serviço da sociedade e de seu de‑
senvolvimento. Parágrafo único. Enquadrar‑se‑ão nesta Lei as ins‑
tituições e os processos museológicos voltados para o trabalho com
o patrimônio cultural e o território visando ao desenvolvimento
cultural e socioeconômico e à participação das comunidades.
MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES
Um MC encontrar‑se‑ia, portanto, dentro do que define a lei.
Não obstante possuir fins fundamentalmente educacionais ou, como
já foi dito, ser uma “ferramenta” para alfabetização científica, é con‑
siderado, pelo ponto de vista legal, um museu. O artigo 2º coloca,
como princípios fundamentais destas instituições,
I – a valorização da dignidade humana; II – a promoção da cidada‑
nia; III – o cumprimento da função social; IV – a valorização e pre‑
servação do patrimônio cultural e ambiental; V – a universalidade
do acesso, o respeito e a valorização à diversidade cultural; VI – o
intercâmbio institucional.
Pelo fato de ser um espaço que valoriza as convivências e a
igualdade, que promove a AF, que conserva um patrimônio (coleções
de fósseis, moluscos e rochas6), que é aberto à visitação de qualquer
indivíduo e que (pode) dialoga(r) com outras instituições, o projeto
de um MC está de acordo com o artigo 2º da Lei 11.904. Embora seja,
conforme a definição legal, um museu, o MC construído pelos alunos
não necessariamente precisa seguir todos os parâmetros que forma‑
tam um museu “de verdade”. Ou seja, não é preciso criar todos os do‑
cumentos que estabeleçam a “instituição” museu ou atender rigoro‑
samente às normas de museologia e museografia. Isso complica(ria)
bastante o projeto e retarda(ria) sua abertura.
Reitero que a intenção não é ensinar, a priori, museologia, mas
sim ensinar Ciências utilizando a instituição “museu” como uma fer‑
ramenta. Tal como um laboratório escolar prescinde de rigorosos
protocolos e cadernos de laboratório. Ou a produção de um artigo
por um aluno dispensa a linguagem técnica altamente densa de um
artigo de um doutorando, bem como a avaliação por implacáveis re‑
ferees. Tudo isso tornaria o trabalho dos alunos muito difícil e árduo7.
As dificuldades burocráticas de um museu ou um laboratório de pes‑
quisa podem aguardar. Aqueles que quiserem seguir suas carreiras
nessas áreas irão conhecê‑las oportunamente e aprender a lidar com
suas agruras a seu tempo, com a devida maturidade.
Sobre a importância dos museus e seu papel na sociedade, Va‑
lente (2007, p. 11) explica:
6 E outras que possam surgir...
7 A construção participativa de um MC deve ser baseada na liberdade e no prazer.
43
44
GUY BARROS BARCELLOS
A interação do museu com o mundo em suas distintas dimensões,
científica, cultural e social, é condição essencial no momento atual.
[...] Esses facilitam aos atores do empreendimento museológico –
profissionais e público visitante – interrogar o mundo e a época em
que se vive.
Os primeiros museus públicos em sua origem tinham fins es‑
sencialmente educativos. Antes disso, eram coleções privadas de pes‑
soas muito ricas que mostravam somente aos seus pares (JACOMY,
2007). O (suposto) espírito libertário da Revolução Francesa causou
uma transformação, no sentido de dar aos museus a função educati‑
va e o compromisso de preservar memória. A memória e o conheci‑
mento acerca da natureza podem encontrar‑se em coleções.
Quase tudo o que existe pode ser colecionado, documentado e,
assim, transformado em musealia8, do mais raro fóssil ao mais mo‑
desto fragmento de rocha. “Essa plasticidade de significado pode ser
entendida nos modos como os pesquisadores dos estudos da ciência
analisaram a construção de objetos científicos como uma transfor‑
mação no seu estado ontológico” (PANESE, 2007, p. 32). Sobre o ob‑
jeto, Jacomy (2007, p. 24) afirma que sua importância está ligada à
Necessidade de se agarrar a algo concreto, algo tangível e, por sua
vez, dotado de uma presença carregada de um fator emocional e
outro de curiosidade; e por outro lado, o fato que o objeto é tridi‑
mensional [...]. Enquanto as exposições tendem a se tornar livros
verticais ou televisões horizontais, o público se torna mais reticen‑
te e irá procurar outras mídias, frequentemente menos apropria‑
das do que as mídias que estão em suas próprias casas.
Portanto, é imperativo que um museu ofereça ao seu público
– e curadores – objetos tridimensionais, que possam comovê‑los e
levá‑los a mergulhar nas profundezas de suas mentes e a transfor‑
mar seu entendimento do mundo, uma vez que “aprender Ciências,
em geral, não é apropriar‑se de conhecimentos inteiramente novos,
mas é dar novos sentidos, mais rigorosos e específicos, àqueles já
anteriormente construídos” (MORAES, 2007, p. 30).
“Coleções e exposições são lugares onde os significados dos ob‑
jetos são continuamente transformados para a contemplação de co‑
8 Peças de museu, objetos ou espécimes que fazem parte do acervo.
MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES
lecionadores e visitantes” (PANESE, 2007, p. 32). Logo, “o processo de
musealização de determinados bens (tangíveis ou intangíveis) além
de ser uma forma de preservação, é um dispositivo de ressignifica‑
ção desses mesmos bens e a indicação clara de que eles participam
da vida social” (CHAGAS, 2007, p. 29). Assim, o desafio reside em con‑
ciliar a importância da divulgação científica como elemento consti‑
tutivo da construção da memória da ciência e da tecnologia, com a
utilização das potencialidades museológicas para o melhoramento
do meio ambiente e da vida humana (BRUNO, 2007). Não é de agora
a ideia de usar um museu como ferramenta de AF, já que tive essa
experiência em minha formação escolar (BARCELLOS, 2009). Ade‑
mais, há razões teóricas para considerar que esse espaço pode cata‑
lisar aprendizados nos participantes, que os levem a cuidar melhor
de si, de suas comunidades e do planeta. Nas palavras de Chagas,
os museus são microcosmos sociais que “existem na sociedade, são
resultado de práticas sociais específicas [...]. Por tudo isso, é possível
[...] sustentar que as coleções, os objetos musealizados e os museus
são ‘bons’ para pensar” (CHAGAS, 2007, p. 29).
45
46
6 EPÍLOGO DO PRIMEIRO ATO
Quando tinha seis anos de idade, então aluno da Professora Isa‑
bela, na primeira série do Ensino Fundamental, fui com minha turma
visitar o Museu Oceanográfico. Para mim, isso não era nenhuma novi‑
dade. Já conhecia aquele e vários outros museus. Contudo jamais visi‑
tara junto de meus colegas e minha professora. Foi um dia inesquecí‑
vel, aprendi sobre as baleias e os pinguins, mas também aprendi sobre
o deleite de aprender entre amigos. Aquela visita foi a primeira de
muitas outras que se sucederam ao longo de minha vida escolar. Posso
tomar minha realidade como um padrão: a escola vai ao museu. Ir ao
museu é extremamente saudável, desperta a curiosidade e atiça a sede
de conhecer. Mas a visita acaba e volta‑se à aula, o desgaste da faina
diária faz diluírem‑se as emoções produzidas pela ida ao museu. E
aquela lembrança torna‑se cada vez mais longínqua.
O que abordei neste
primeiro ato não foi uma
escola visitando um mu‑
seu nem ao menos um
museu visitando a escola9.
O que mostrei foi a pos‑
sibilidade de um museu
nascer na escola, germi‑
nar cultivado pelos alunos,
que serão seus curadores.
A construção participati‑
va (musealização) de um
MC é capaz de converter
objetos, inanimados, sem Figura 2 O “mecanismo” de um Museu de Ciências
sentido, em patrimônio.Escolar
Fonte: Imagem elaborada por Maurício Aresso.
Essa metamorfose, catalisa‑
da pelos alunos orientados pelo professor seria uma forma de fazer
alfabetização científica, na qual uma imensa quantidade de infor‑
mações converte‑se em conhecimento dos alunos. O estudante, por‑
9 Isto também existe em exposições itinerantes.
MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES
tanto, apropria‑se do objeto, dá voz a ele e torna‑o “museália” (ou
patrimônio), sobrevivendo ao esquecimento que, espontaneamente,
as areias do tempo dão a quase tudo. Neste ato, altamente complexo
(retratado na Figura 2), aprende sobre o objeto, captura seus signifi‑
cados e os divulga, assim alfabetiza‑se cientificamente.
Sobre a operacionalização deste processo (inter)ativo, (re)cons‑
trutivo, analítico, comunicativo, emocional e afetivo, discorro no se‑
gundo ato.
ENTR’ACTE: O MUSEU DA NATUREZA
Quando comecei a lecionar não queria ser mais um professor:
“aulista”, transmissor de conhecimento, engavetador de informação,
embora não soubesse como não sê‑lo. Durante meus primeiros meses
de docência, vi‑me em crise com meus conceitos aprendidos na facul‑
dade, com os valores da escola, somados àqueles que carregava inti‑
mamente. Não sabia por onde começar. Depois de alguns meses em
sala de aula, e, para meu alívio, gozando de bom prestígio entre alunos
e direção por ter feito algumas aulas práticas e muitas (quase todas)
ilustradas com lindas imagens e animações no datashow, tive um lam‑
pejo, uma ideia, inicialmente aparentando ser uma pergunta: quando
aprendi mais Ciências em meu período escolar? A resposta foi imedia‑
ta: não foi em aula! Então onde foi? No Museu da Natureza (MN). Es‑
paço que criei na escola, para musealizar minha coleção de fósseis.
Ora, se onde aprendi mais Ciências foi no construir um mu‑
seu, então iria fazer o mes‑
mo como docente. Propiciar
a coleção que ainda possuía
aos meus alunos e orientá‑los
na construção de um museu.
Essa foi a pesquisa de minha
dissertação, já citada no Pri‑
meiro Ato, e a razão de fazer
este livro. Trabalhei com AF
no MN durante três anos, na
primeira escola onde lecionei.
Figura 3 Alunos‑curadores trabalhando no MN. O projeto cresceu e mostrou
ser um caminho interessante a
Fonte: Acervo do autor.
47
48
GUY BARROS BARCELLOS
ser trilhado por qualquer professor que tenha vontade de ensinar de
uma maneira em que o aluno não somente apre(e)nda e compreen‑
da, mas signifique e expresse o conhecimento científico. A ecologista
e educadora Judith Cortesão dizia que “para aprendermos temos de
conhecer não apenas as teses, mas o vivenciar” (1989). Essa frase
sempre ecoou como uma denúncia e um anúncio, primeiro por dizer
que não bastam os livros e depois por afirmar que aprende‑se fazen‑
do. Nada melhor que construir coletivamente um museu na escola
para aprender‑se pelo vivenciar.
SEGUNDO ATO:
A teoria sem prática é inócua
51
1. MUSEALIZAÇÃO!
Embora tenha abordado e teorizado sobre educação, museus,
alfabetização científica e múltiplas inteligências na primeira parte
deste livro, vale retomar algumas reflexões e aspectos sobre esta pro‑
posta de trabalho. Agora com um olhar focado na prática propria‑
mente dita.
Um museu “de verdade” precisa produzir conhecimento – no
âmbito científico, ou seja, inédito e fruto de pesquisa – e precisa tam‑
bém de curadores que façam a correta preservação das coleções,
sejam elas materiais ou imateriais. Após ler esse trecho poder‑se‑á
dizer: “Então a proposta deste livro não é construir um museu!”.
Realmente, não há pretensão (ou sugestão) de fundar‑se um museu
como instituição, mas utilizar o processo de construção e funcionamento de um museu como ferramenta didática. Criar uma sala
de aula de Ciências com feições de museu e os papéis invertidos: o
aluno é o curador, não o visitante.
Há escolas com “empresas escolares”, nas quais os funcionários
são os alunos ou até mesmo partidos políticos escolares com candi‑
datos e eleições. Pois bem, neste livro, como já disse anteriormente,
proponho um museu escolar.
Este projeto dispensa
algumas das rigorosas re‑
gras para fazer um museu
oficial. Assim como a em‑
presa na escola não tem
um CNPJ ou o partido es‑
colar não irá eleger cargos
para o parlamento, o MC
não precisa10 ter uma cole‑
ção com peças valiosas ou
raras, um acervo com pe‑
ças coletadas ao longo de Figura 4 Visão geral do Museu da Natureza,
décadas ou qualquer coisa criado pelo autor e seus alunos em 2010.
Fonte: Acervo do autor.
10 Lembre‑se: “não precisar” não é o mesmo que “não poder”.
52
GUY BARROS BARCELLOS
que seja cara, rara ou inatingível. O MC pode ter sua coleção ou acer‑
vo produzidos pelos alunos. Portanto, pelo fato de ser confeccionado
e musealizado pelos aprendentes, torna‑se valioso naquele contexto
local e temporal. As museálias criadas por estudantes poderão ser,
quando inseridas no contexto de sua realidade (escolar, cultural, gru‑
pal e/ou familiar), mais valiosas que uma Gioconda, mais geniais que
uma Capela Sistina e mais imponentes que a pirâmide de Quéops.
Uma característica marcante desse tipo de projeto é o protago‑
nismo dos alunos, que não serão agentes passivos, seu envolvimento
será total e intenso. Impõe‑se lembrar a todo momento em que se
estiver realizando esse trabalho: cada aluno é importante. O museu
pode ser um mosaico de seus trabalhos, que emergem de suas aspi‑
rações mais profundas, de suas emoções mais intensas.
Os alunos farão parte do museu e este fará parte deles. Se o
projeto alçar voo, o pro‑
fessor orientador verá sua
imensa influência na vida
dos alunos, dentro e fora
da escola. O professor que
orientar o trabalho deve
estar sempre ciente disso,
mas não basta ficar sen‑
tado observando as coisas
acontecerem. A instalação
de um museu na escola de‑
pende bastante, talvez fun‑ Figura 5 Alunos‑curadores do Museu da Natureza
damentalmente, da força trabalhando na coleção de fósseis. Colocando a cúpula
pessoal do professor que de proteção sobre um mosquito preservado em âmbar.
Fonte: Acervo do autor.
encabeçá‑la.
É desejável levar os alunos para conhecer um museu, um bom
museu11. Caso contrário, não perca seu tempo, pode acabar dando
aos alunos uma impressão distorcida, que os leve a pensar que mu‑
seus são espaços de tédio e vazio emocional, com objetos “velhos”
desprovidos de significado para eles. Após a visita o professor orien‑
11 Um museu que estimule os alunos, que os assombre e impressione. Nada que seja tedioso e/ou auto‑
ritário.
MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES
tador pode perguntar a uns e outros alunos: Quem sabe fazemos um
lá na escola?
O mestre que conhece e observa seus alunos saberá a quem lan‑
çar essa provocação. Com certeza não faltarão entusiastas.
53
54
2. EQUIPE
Depende muito da sensibilidade do professor orientador e da
realidade da escola, a maneira como será constituída a equipe. Em
muitos casos o docente já identifica alunos possuidores de (apurada)
inteligência naturalista, no entanto há de se tomar cuidado para não
ser excludente. Nem sempre o aluno que tira boas notas em Ciên‑
cias é aquele que mais sabe ou que tem a capacidade de colaborar
na construção participativa. Em suma, encontrar alunos que se envolvam e participem com seriedade não é fácil nem óbvio, exige
muita reflexão. Sugiro inicialmente que comente em suas turmas
que há um movimento na escola para a montagem de um museu. É
bastante provável que muitos apresentem interesse.
Após fazer uma lista daqueles que querem participar, convém
marcar um dia e um horário, na sala onde será feito o museu, caso
haja efetivamente uma sala. Caso contrário12, a reunião pode ser rea‑
lizada em uma sala de aula onde tenham tempo para discutir o pro‑
jeto, fazer trabalhos e iniciar a construção participativa. A princípio
a equipe pode ser um grupo grande, não excedendo 20 alunos. Mais
do que isso,o trabalho torna‑se muito cansativo.Se houver outro pro‑
fessor envolvido, o grupo poderá crescer sem problemas. O ideal é
que o grupo fique entre dez e quinze estudantes.
2.1. Alunos‑curadores
É mister fazer um quadro de cargos de curadores. Cada aluno
pode ser curador de uma área de conhecimento que o museu aborde
(ou coleção, caso possua uma). A escolha fica a critério dos alunos,
e estes podem trocar de cargo quando quiserem, tendo em vista os
principais aspectos deste trabalho: a liberdade e o protagonismo dos
estudantes. Nas reuniões iniciais, quando começarem as primeiras
atividades, eles poderão escolher o que vão fazer. Ao passo que fo‑
12 O museu pode ser montado em um canto de saguão, corredor, sala de aula ou área verde externa ou
interna. Mesmo assim é importante reforçar que uma sala somente para a instalação do museu, apesar de
mais difícil, é mais prático e producente. Esse assunto será abordado em mais detalhes a seguir.
MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES
rem dedicando‑se especificamente a uma atividade, pode‑se pergun‑
tar qual trabalho gostariam de dar continuidade e aprofundamento.
É interessante fazer uma eleição para escolha do diretor. Este não irá
“mandar” nos colegas, mas será o braço direito do professor orien‑
tador. Será o meio de comunicação entre o professor orientador e os
curadores, e vice‑versa. Também atuará o representante da equipe
em assuntos externos. O mestre também pode votar na eleição, mas
não esquecendo que seu voto tem o mesmo peso que o dos alunos‑cu‑
radores.
Cada curador deverá aprender (com o professor13) o que fazer.
Caso o professor orientador se veja na delicada situação de não saber
algo que um aluno venha propor, é importante que se disponha a
aprender14 junto ao aluno 15.
13 Alguns alunos aprendem sozinhos, isso é menos comum, mas podem, propelidos por sua curiosidade,
demonstrar grande autonomia intelectual. Quando algo assim aparecer, o professor orientador deverá
atentar‑se para interferir na medida certa, para não desestabilizar a autossuficiência do aluno.
14 Este é um paradigma da Educação que defendemos neste livro:evitar a transmissão de informações do
professor ao aluno, mas sim um “diálogo de aprendentes”, conforme Chassot (2010) coloca em artigo no
qual debate o fazer alfabetização científica.
15 Aprendi muito sobre instalações elétricas com um aluno que fazia exposições interativas para o MN.
Recentemente soube que este estudante está cursando Engenharia Elétrica.
55
56
3. INSTALAÇÕES
Uma tarefa nem sempre fácil é encontrar espaço. Quando fiz o
MN na escola onde lecionava, a diretora disponibilizou uma sala de
50 m2. Após alguns anos recebi mais quatro salas do mesmo tama‑
nho, onde fizemos, além do museu, sala de estudos, oficina, laborató‑
rio de microscopia e sala de reserva técnica. Antes que o leitor pense
que estou fora da realidade, já antecipo que sei o quão anômala foi
a situação na qual me encontrava. Tenho noção da dificuldade de
espaço de muitas escolas. Por isso aqui sugerimos soluções.
O professor interessado em fazer um museu escolar deve bus‑
car ajuda junto à direção. Sugiro que, antes de pedir um espaço, pre‑
pare um projeto. Justificando a instalação de um MC, clarificando os
objetivos da proposta16. Vale lembrar que algumas direções escolares
podem não ver com simpatia uma movimentação desse tipo. Caso
o professor tenha a sorte de encontrar um diretor/gestor que apoie
esse tipo de iniciativa, será mais fácil a obtenção do espaço.
3.1. O sonho: uma sala somente para o museu
Como primeira ação, sugiro que dê um passeio atento pela es‑
cola. Por todo(s) o(s) prédio(s)! Observe cada sala, cada espaço, cada
corredor. Caso consiga, faça esse passeio com o molho de chaves ou a
chave‑mestra da escola. Em geral há um depósito abandonado, uma
sala de arte, línguas ou matemática desativada. Enfim, é uma ativida‑
de de observação atenta.
Somente peça o espaço ao diretor/gestor depois que já tiver em
mente alguma sala (ou recanto). Pergunte se há espaço para instalar
o Museu. Caso ele diga que não sabe, você já saberá, logo, diga qual.
Caso diga que não tem, você pode sugerir, com humildade, que há
“uma sala no terceiro andar na qual ninguém entra há 12 anos”.
Também vale checar se o laboratório de Ciências é utilizado.
Caso seja, como já vi muitas vezes, uma sala bagunçada, empoeira‑
16 Poderá encontrar ajuda na Parte 1 deste livro, utilizando citações e referências sobre alfabetização
científica, educação em museus e múltiplas inteligências.
MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES
da e pouco frequentada, tente organizar o projeto ali. Não é o lugar
ideal, mas, utilizando sua criatividade e um pouco de paciência, o
resultado poderá ser atingido. Ainda sobre instalar o museu no labo‑
ratório de Ciências farei algumas breves observações.
3.2. Uma solução: instalar o museu no laboratório
O laboratório de Ciências não é o espaço ideal para instalar um
museu escolar. Mesmo assim, caso não haja outra possibilidade, pode
ser a solução. Lembre‑se de que um museu possui coleções, acervo e
exposições, e isso não combina com torneiras e bancadas. Apesar dis‑
so o espaço é bom para realizar trabalhos. As exposições podem ser
colocadas tanto dentro do laboratório quanto fora, como corredores,
vitrines, saguões, secretaria, entre outros espaços da escola. Essas pos‑
sibilidades serão tratadas com mais detalhamento na próxima seção.
Sendo o laboratório um espaço “abandonado” ou pouco uti‑
lizado, vale lembrar que é fundamental que se faça uma revisão
de segurança antes de começar uma reunião com alunos. Mui‑
tos laboratórios escolares possuem ácidos, sodas, metais pesados
e até combustíveis17. Guarde‑os, todos, em um armário que seja
trancado e revise se estão em frascos apropriados. Não se esqueça
de descartar18 quaisquer frascos com animais mortos conservados
em álcool, pois são inseguros e inapropriados para o ensino de
Ciências.
As museálias produzidas pelos alunos‑curadores poderão ser
suspensas no teto, presas às paredes ou colocadas em cima de ban‑
cadas que não sejam usadas para experimentação, temporária ou
permanentemente.
3.3. Espaços alternativos
Se realmente não houver onde instalar o museu, não desista!
Ainda é possível fazer este trabalho. A escola é repleta de espaços
17 Já vi garrafas pet com gasolina em um armário baixo sem fechadura.
O álcool pode ser colocado pelo ralo da pia, e os animais podem ser descartados em lixo orgânico,
envoltos em sacos de plástico biodegradáveis. Caso sejam conservados em formaldeído procure um res‑
ponsável técnico.
18 57
58
GUY BARROS BARCELLOS
onde se pode colocar uma exposição. Basta observar corredores
largos, recintos espaçosos e vazios e, até mesmo, espaços nas salas
de aula. Uma peça produzida pelos alunos‑curadores pode “viajar”
entre os espaços da escola (caso não seja frágil, volumosa ou pesa‑
da), ficando um dia na secretaria, outro em uma sala de aula, outro
em um corredor. Basta um pouco de dinamismo e criatividade para
encontrar lugares que possam abrigar uma exposição. O mais im‑
portante no museu escolar não é, exatamente, o ato de expor, mas o
fazer, construir, pesquisar, elaborar o acervo.
3.3. Museu efêmero, um gérmen para a perenidade
Se os espaços da escola forem limitados a ponto de ser imprati‑
cável montar uma pequena exposição, uma mesa com uma maquete,
um móbile, ou uma estante com uma exposição de peças feitas pelos
alunos, mesmo assim é possível implantar um museu escolar na for‑
ma de “museu efêmero”. Nesta “modalidade” haverá um dia da se‑
mana, em um horário determinado, no qual ocorrerá uma exposição
dos trabalhos dos alunos‑curadores. Pode‑se criticar essa proposta
dizendo que: exposições de trabalhos em escolas são práticas mais
do que batidas, esse tipo de trabalho não é inovador. Embora seja
verdade a assertiva anterior, vale lembrar que a exposição é somen‑
te uma culminância do processo de construção participativa. Antes
dela já houve seleção de temas, um levantamento de dados, catalo‑
gação de acervo, elaboração de projetos e, por fim, a construção de
uma exposição. Logo, as atividades que precedem a elaboração da
exposição são o diferencial que faz da instalação do “museu efême‑
ro” uma oportunidade para a alfabetização científica, e este é o obje‑
tivo central da construção participativa.
3.4. Ao ar livre (Ecomuseu escolar)
Na total impossibilidade de instalar um museu nas dependên‑
cias da escola, ou havendo a oportunidade de fazê‑lo e ainda com‑
plementar com um trabalho ambiental, sugere‑se a criação de um
“Ecomuseu escolar”. Este terá uma equipe ambiental de alunos‑cui‑
dadores, muito semelhante aos alunos curadores, mas com atribui‑
MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES
ções distintas. Os membros da equipe‑ambiental responsabilizam‑se
pelo cuidado e pela pesquisa de plantas no jardim (ou pátio) da es‑
cola. Para haver essa “adaptação” do museu escolar, o qual trata o
presente livro, não é preciso que a escola conte com um imenso jar‑
dim ou seja uma escola rural. Um pequeno pátio, que tenha uma
mínima área verde, ou até mesmo uma escola onde não haja espaço
para plantar pode acolher vasos com folhagens e flores de estação.
A seguir apresento um relato onde explico como e em quais circuns‑
tâncias fiz um “Ecomuseu escolar”, paralelamente às atividades do
museu que orientava junto de meus alunos‑curadores.
Após dois anos trabalhando na escola onde instalei o Museu da
Natureza, comecei a reparar, com mais atenção, em algo que me in‑
comodava sem que percebesse. Durante a instalação do MN estive
imerso em fazeres que obumbraram minha percepção para a parte
externa da escola.
Esta era inserida em uma reserva ecológica, contava com um
lindo bosque de mata nativa. No entanto, apesar de o bosque ser es‑
pontaneamente belo, o “paisagismo” da escola era árido. Os vegetais
reinavam absolutos no bosque a alguns metros da escola. Em contra‑
partida, o prédio, com suas áreas (des)ajardinadas, era no mínimo
feio. Não combinava com aquele lugar ter uma aparência de total
descaso com a natureza.
Em uma manhã modorrenta e gris de um sábado de fim de ou‑
tono, entre reuniões e conselhos de classe, vendo o ambiente escolar
descarnado da presença álacre dos alunos, percebi o quão desagra‑
dável era observar um “jardim” desprovido de alma.
Cresci no Museu Oceanográfico em Rio Grande, onde meu pai
é diretor e também é “jardineiro”, pois cuida das árvores, arbustos e
canteiros há 40 anos. Portanto, acostumei‑me a jardins com árvores
de frondes generosas, a canteiros abarrotados de flores e um am‑
biente emoldurado por uma verdejante paisagem. Como estava com
as atividades no MN estabilizadas, ou seja, tudo feito e somente pro‑
jetos antigos ocorrendo, pensei em quebrar a homeostase.
Perguntei à direção da escola qual era a possibilidade de tra‑
balhar no jardim, junto aos alunos, para deixar a escola mais bonita
e ensinar a algumas crianças “de apartamento” como se cuida dos
vegetais.
59
60
GUY BARROS BARCELLOS
Foi aí que deu‑se o início de um trabalho paralelo e complemen‑
tar ao MN. Também foi uma alternativa interessante para aqueles
alunos que, além de possuírem uma inteligência naturalista, tam‑
bém demonstravam uma inteligência sinestésico‑corporal. Ou seja,
que além de amarem (e entenderem) a natureza também gostavam
de se mexer.
Carrinhos de mão, pás, tesouras, sacos de terra, chapéus de palha
à mão, começamos nossa jardinagem. A equipe ambiental virou febre
na escola. Iniciamos por simples petúnias em um canteiro, vasos com
ervas de chá e temperos e roseiras na entrada da escola, a um jardim
vertical e um lago. Após alguns meses não havia canto na escola onde
não houvesse floradas. Cascatas de petúnias multicoloridas em gran‑
des vasos entorpeciam as retinas na entrada principal. Dracenas ma‑
genta acompanhavam as colunas do prédio. Marantas de folhas fili‑
granadas aguardavam quem explorasse corredores menos luminosos
do prédio. Paredes tomavam‑se do verde de vincas pendentes, e rosas
surpreendiam quem chegava de carro ao estacionamento.
Nada era mais comentado que o jardim, no colégio São Mateus.
Foi uma sagração da primavera, onde a coreografia foi feita por alu‑
nos que corriam com regadores e pazinhas, sujos de terra, deixando
no chão, para o desespero (e meu total desprestígio) das “tias” da lim‑
peza. Mas a sujeira era justificável. Mães que viam seus filhos chega‑
rem da escola com as roupas embarradas e cansados agradeciam‑me
por mostrar aos jovens que vale a pena cuidar da natureza, porque,
depois, ela cuida de nossos “espíritos”, dando‑nos a eterna alegria
daquilo que é belo, parafraseando Keats.
O museu era, portanto, não somente um espaço de pesquisa na
escola, onde os alunos‑curadores faziam exposições e textos, mas
também um catalisador do cuidado com o meio ambiente, no qual
alunos curavam plantas e a beleza do espaço escolar onde transita‑
vam diariamente.
Apresento, na seção de operacionalização, uma sugestão de
como fazer trabalhos fomentando algo parecido com o que foi feito
na escola onde foi construído o Museu da Natureza.
61
4. RECURSOS
Um problema recorrente em projetos escolares reside na capta‑
ção e disponibilidade de recursos para adquirir materiais. Antecipo
ao leitor que, quanto maior a criatividade do professor orientador,
menor será a necessidade de comprar materiais. Este livro oferece
algumas soluções para elaboração de acervos, dioramas, maquetes
e exposições sem necessidade de gastos elevados, que dificultariam
a implantação. Certa vez o professor Attico Chassot19, em uma visi‑
ta ao MN, afirmou que aquele era um trabalho paradigmático, pois
mostrava ser possível fazer alfabetização científica sem instalações
milionárias.
Naturalmente, dispor de um generoso patrocínio facilitaria o
projeto e permitiria utilização ferramentas como computadores, ilu‑
minação adequada, climatização, pintura de paredes, confecção de
móveis específicos para expor. Contudo sabe‑se que essa realidade
é rara, senão utópica. Ademais, aqueles que dispuserem de uma ins‑
tituição que proveja e não tenha carências financeiras terão menos
trabalho braçal, mas não menos trabalho intelectivo e laboral. Qual‑
quer professor que deseje implantar um museu escolar usará, prin‑
cipalmente, sua criatividade. A criatividade é uma força interna de
cada pessoa que pode propelir o indivíduo a produzir soluções para
problemas emergentes. É uma associação das inteligências que cada
um possui e, quando unidas, movem‑se para ações construtivas que
mudem o mundo circundante.
Algum leitor poderá dizer que essa justificativa é um falso leni‑
tivo, que não é possível “tirar leite de pedra”, que somente com muito
dinheiro pode‑se implantar um museu escolar. Pensar assim não é
pragmatismo, mas a aceitação acomodada de uma derrota apriorís‑
tica. A implantação é um desafio ao aluno, mas um desafio maior ao
mestre. Por essa razão pretendo ambiciosamente, neste livro, ofe‑
19 Dr. Attico Chassot é professor e pesquisador há mais de cinco décadas, referência nacional em alfabe‑
tização científica e história da ciência, tendo publicado vários livros e diversos artigos. Visitou algumas
vezes o MN, na ocasião de palestras e aulas magnas que proferia na escola.
62
GUY BARROS BARCELLOS
recer soluções e propor caminhos para um trabalho que possa ser
concretizado.
4.1. Materiais
Conforme vimos na Parte 1, os museus surgem de coleções, essas
podem (e devem) ser/conter objetos de pesquisa que catalisem pro‑
dução de conhecimento. No caso de não haver uma coleção pronta,
com peças que os alunos‑curadores possam musealizar, sugiro que
seja criada durante a construção participativa, conforme mostrarei
em seguida. Reitero que a proposta de instalação de museu escolar
é uma estratégia de ensino (de Ciências, Química, Física, Biologia,
Matemática, História, Geografia etc.), não é preciso seguir os requi‑
sitos de um museu, ou seja, as “regras” e “técnicas” são afrouxadas.
Somente são adotadas aquelas que convêm ao ensino e à aprendiza‑
gem de conhecimentos significativos.
63
5. CONSTRUÇÃO POR ENCONTROS
– OPERACIONALIZAÇÃO
É fundamental que a implantação do museu seja guiada por
um roteiro, um mapa, que irá guiar o professor orientador e seus
alunos‑curadores na jornada do fazer. A ação exige planejamento
e avaliação reflexiva (coletiva). O roteiro, portanto, será mais um
mapa, não para os (futuros) visitantes, mas para os entes envolvidos
no projeto de construção participativa.
Naturalmente, o professor que sentir‑se à vontade para elaborar
seu próprio roteiro pode fazê‑lo, envolvendo atividades que já costu‑
me fazer, concernentes à elaboração de uma coleção, de exposições
ou, ainda, criando novas. Todavia sabe‑se do estado de esgotamento
a que um professor de escola pode chegar, física e psicologicamen‑
te, esse cansaço contribui para uma opacificação da criatividade, até
mesmo para professores mais experientes. Por essa razão e várias
outras, é sugerido no presente livro um roteiro com protocolos de
cada atividade.
Não tenho intenção de oferecer “receitas”, mas alguns proto‑
colos de atividades já validadas, ou seja, realizadas e bem‑sucedidas
em um ambiente escolar. Muitos autores que escrevem sobre alfabe‑
tização científica, museus de Ciências e áreas afins tratam com razo‑
ável profundidade o assunto, tecendo reflexões e teorizações. Essas
podem ser catalisadoras de ações, mas somente o serão se o profes‑
sor transpuser o conhecimento teórico para uma prática, e isso é,
inegavelmente, uma tarefa nada trivial. Reunidas essas razões, apre‑
senta‑se, nas páginas seguintes, uma operacionalização, passo a pas‑
so, de algumas etapas da implantação de um MC.
Aqui se faz oportuno justificar dois aspectos deste livro. Primei‑
ro, o porquê de ser um “manual”. Escolheu‑se este termo por ser um
pequeno livro que sumariza noções básicas de um assunto e explica
o funcionamento de algo. Segundo, a razão de ser um museu de Ciên‑
cias: este livro surgiu a partir de uma experiência realizada por mim,
durante meus primeiros anos de magistério. Portanto, o assunto que
abordaram no museu implantado foi, majoritariamente, Ciências.
Isso não impede que professores de outras áreas venham implantar
museus abordando temáticas relacionadas às suas áreas.
64
GUY BARROS BARCELLOS
5.1. Roteiro geral
1. A dança dos planetas (planetário, modelo heliocêntrico)
2. Continentes navegando (tectonismo de placas, fases do
planeta Terra e evolução dos seres vivos)
3. A fúria de Geia (modelo de vulcão)
4. Minúcias da vida (modelos de célula)
5. Escritura espiralada (modelo de cadeia de DNA)
6. Estranho mundo perdido (maquete do período Cambria‑
no – folhelho de Burgess)
7. Tétis e Oceano (móbile com os seres do mar)
8. Caleidoscópios vivos (modelagem de moluscos nudib‑
rânquios)
9. Ecos do passado (modelagem de fósseis)
10.A Sagração da Primavera (construção de um jardim ver‑
tical)
Algumas observações:Sobre os procedimentos de construção
das exposições, caberá ao professor orientador decidir quais serão
feitos pelos alunos sem sua ajuda, quais necessitarão de tutela e
quais serão feitos pelo professor, sozinho ou com ajuda profissional.
Isto é muito relativo e vai depender da idade e da maturidade dos
alunos‑curadores, bem como do aparato disponível em cada escola.
5.2 Exposições
EXPOSIÇÃO I: A Dança dos Planetas
Fundamentação
Um dos maiores desenvolvimentos da cultura humana foi a ca‑
pacidade de entendermos onde estamos, apesar de ainda não saber‑
mos exatamente de onde viemos e não termos a mais vaga ideia de
para onde vamos. Mesmo assim podemos tentar cuidar do planeta
para que, aonde quer que cheguemos, preservemos com dignidade
e possibilidade de existência humana. Visando ensinar sobre nossa
MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES
casa, a Terra, é essencial que os alunos entendam onde se localiza
esta pequena esfera de rocha e água, como se formou e porque abri‑
ga fenômenos tão anômalos para os padrões apresentados pelo Cos‑
mos.
Como veremos a seguir, para oportunizarmos um aprendizado
sólido e significativo, fazer um modelo de Sistema Solar pode mos‑
trar‑se uma boa exposição para o museu escolar. Além de emocio‑
nante para quem faz, é didático e esteticamente agradável para quem
vê, seja aluno, seja professor, sejam demais membros da comunida‑
de escolar envolvida.
Para quem se preocupa com limitações financeiras, temos uma
boa notícia: essa exposição
pode ser feita com mate‑
riais de papelaria. Nada
que uma vaquinha entre
alunos, um apoio da asso‑
ciação de pais e mestres
(para quem tem, evidente‑
mente) ou até mesmo uma
boa conversa com o pro‑
prietário da papelaria não
resolva. Por essa razão, se
faz necessário um bom ro‑
teiro, conforme vimos an‑ Figura 6 Galáxia Andrômeda.
teriormente, bem funda‑ Fonte: Disponível em <http://nautilus.fis.uc.pt/
astro/hu/viag/images/imagem34.jpg>.
mentado e com objetivos
claros.
Lembremo‑nos que nosso Universo formou‑se há 15 bilhões de
anos, em uma imensa explosão chamada Big Bang. Surgiram então
as energias que governam o Cosmos até hoje: gravitacional, eletro‑
magnética, nuclear forte e nuclear fraca. Essas quatro protagonistas
invisíveis começaram a formar grandes conglomerados de estrelas,
as galáxias, que navegam errantes pela escuridão do nada até os dias
de hoje. Uma pequena estrela em particular foi capaz de atrair para
seu redor uma grande nuvem de partículas. Sua gravidade fez toda
aquela poeira se transfigurar em anéis, como um grande Saturno, e,
após, em esferas. Oito grandes esferas, quatro de gás e quatro de pe‑
65
66
GUY BARROS BARCELLOS
dra, as quais, desde cinco bilhões de anos atrás até hoje, orbitam esta
estrela, agora chamada de sol por seres vivos do terceiro planeta.
Sugestão de trabalho: fazer uma parede preta com galáxias sus‑
pensas por fios de náilon em vários tamanhos, distâncias e alturas.
As galáxias podem ser de papelão ou isopor. Use cola colorida, pur‑
purina, lantejoulas e tudo que sua criatividade permitir.
Materiais
•
Duas esferas de isopor de 40mm de diâmetro para elabo‑
rar Mercúrio e Marte
•
Duas esferas de 125mm de diâmetro para Urano e Ne‑
tuno
•
Uma esfera de 250mm de diâmetro para o Sol
•
Duas esferas de 5mm para Terra e Vênus
•
Duas esferas de 150mm para Saturno e Júpiter
•
Tinta acrílica de cores variadas (têmpera não adere bem
ao isopor)
•
Fio de nylon
•
Pedacinhos de arame fino de mais ou menos 5cm
•
Pincéis de variados tamanhos
•
Massa corrida
•
Esponja
Procedimento
Esta parte do processo irá depender muito do grupo de alunos,
considerando suas idades, a realidade da escola e a criatividade dos
estudantes e do professor orientador. Aqui iremos oferecer um ro‑
teiro, a ser alterado conforme os curadores e o orientador conside‑
rarem apropriado. Apresentamos assim porque foi dessa maneira
que foi construído o Museu da Natureza e consideramos o resultado
satisfatório dentro do que fora proposto.
Vamos ao que interessa: escolha três ou quatro alunos da equi‑
pe de trabalho constituída para a construção participativa e fale so‑
MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES
bre o sistema solar, de forma breve, que não os canse ou entedie.
Após, forneça materiais para que possam construir a maquete.
O material deve ser entregue aos alunos e uma breve explica‑
ção deve preceder a feitu‑
ra da maquete, nada muito
prolongado, visto que este
assunto já teve oportuni‑
dade de ser abordado com
mais profundidade em mo‑
mentos mais formais. Após
a entrega, os alunos irão
fazer análises de imagens
retratando os planetas e ir
pintando cada esfera con‑
forme o que considerarem Figura 7 Elaborando o sistema solar
uma representação do pla‑ Fonte: Acervo do autor.
neta.
Sugestão importante: Explique sua ideia, mas não lhes dê a so‑
lução direta e objetivamente. Poderá surpreender‑se com as soluções
que produzirão, muitas vezes superarão as suas. Caso veja que não
estão produzindo conforme o esperado ou com dificuldades, goteje
algumas pistas em forma de sugestões, com um tom sutil de dúvida e
interesse em suas opiniões, incentivando e respeitando a autonomia.
Saber pesar e decidir quando é necessária a interferência pode
ser difícil, um critério que pode ser útil é somente “podar” aquilo que
estiver realmente errado, algo que esteja imperfeito poderá perma‑
necer20.
Não se preocupe com escalas, isso faria o trabalho complicado
a ponto de impedir sua conclusão. Os alunos podem utilizar a espon‑
ja para dar a textura aos planetas gasosos (Júpiter, Saturno, Urano e
Netuno) e a massa corrida para fazer os continentes do planeta Ter‑
ra. Para os anéis de Saturno podem‑se fazer discos (faça utilizando
um compasso) de papelão pintado com cores que lembrem as dos
anéis, que podem ser presos ao planeta ou suspensos no teto com fios
20 Quantas vezes vemos feiras de Ciências e mostras escolares com trabalhos expostos como feitos pelos
alunos e nitidamente aquilo foi feito por um adulto, sem qualquer autoria dos alunos, isso pode causar‑lhes
uma impressão de serem incapazes de fazer algo apresentável e digno de admiração, o que consiste num
equívoco.
67
68
GUY BARROS BARCELLOS
de náilon. Enfatize a importância de a representação dos planetas
ser o mais fiel possível. Valorize seus trabalhos, dizendo que não es‑
tão fazendo um simples “trabalhinho” de aula, estão elaborando
uma exposição para o museu da escola.
Após a conclusão da pintura dos planetas, que pode estender‑se
por um mais encontros, es‑
ses serão colocados em ex‑
posição, seguindo o roteiro
do museu, previamente
organizado. Os planetas po‑
dem ser fixados a uma base
giratória para demonstrar
o movimento de translação
ou podem ficar suspensos
por um fio ou ambos. Para
prender os planetas ao fio
de nylon,dobre o arame
em forma de “U” e insira as Figura 8 Alunos‑curadores do MN pintando os
planetas.
duas pontas na esfera. Após, Fonte: Acervo do autor.
amarre o fio ao arame.
Coloque na frente de
uma parede pintada de preto ou de algum tecido preto, buscando dar
maior destaque aos planetas e dando uma impressão de espaço sideral.
Parece uma prática óbvia e convencional, mas no contexto de um mu‑
seu escolar toma um tamanho e um significado além da mera maquete.
Figura 9 Planetário pronto, antes de ser
colocado em exposição.
Fonte: Acervo do autor.
Figura 10 Planetário na exposição do
museu.
Fonte: Acervo do autor.
MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES
EXPOSIÇÃO II: Continentes Navegando!
Fundamentação
Nosso planeta nem sempre teve o “mapa” o qual estamos acostu‑
mados a ver. A dimensão cronológica de nossas vidas, limitadas a me‑
nos de um século, impede‑nos de perceber a mutabilidade dos conti‑
nentes. Somente em eventos como grandes terremotos e tsunamis
somos afrontados com a perturbadora realidade de que o chão abaixo
de nossos pés, lentamente, se move. As pesquisas de Alfred Lothar We‑
gener (1880‑1930) revelaram fósseis comuns entre continentes separa‑
dos por vastos oceanos. Foi uma evidência bastante sólida da conexão
pretérita entre os continentes. A separação dessas massas de terra foi
crucial para a evolução dos seres vivos em nosso planeta.
Figura 11 Fósseis iguais encontrados em continentes diferentes corroborando a teoria
wegeneriana de que um dia toda terra esteve unida.
Fonte: Disponível em <http://espacociencias.com/site/wp‑content/uploads/2012/10/
paleontologicos.jpg>.
69
70
GUY BARROS BARCELLOS
Materiais
•
Duas esferas de isopor de 24cm de diâmetro (as quatro
partes serão aproveitadas)
•
Massa corrida
•
Tinta guache ou de tecido nas cores azul, verde, marrom
e branca
•
Giz de cera preto ou lápis
•
Papel crepom azul
•
Cola de papel
•
Pincel
Procedimento
Esta é uma etapa bastante fácil, porém importante, do roteiro ex‑
positivo. A exposição é útil para contextualizar as épocas (eras geoló‑
gicas, anos atrás) dos fósseis e das exposições que tratam de evolução
dos seres vivos. A Figura 9 é o primeiro passo para a construção dos
modelos. Mostre‑a aos curadores e explique a importância desses
eventos para a vida na Terra. Recomendo que faça um momento de
reflexão sobre o assunto antes de começar o trabalho propriamente
dito. Você poderá, eventualmente, abordar aspectos da natureza da
ciência quando tocar nesse assunto, visto que Wegener não foi leva‑
do a sério, em sua teoria da deriva continental, até meados de 1950.
Após debater esses assuntos, siga os seguintes passos:
1. Orientar os alunos para que desenhem os continentes,
em suas conformações variadas, com canetinha na su‑
perfície do isopor.
MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES
Figura 12 Deriva continental ao longo dos milhões de anos da Terra.
Fonte: Disponível em <http://espacociencias.com/site/wp-­content/
uploads/2012/10evolucao-­continentes.jpg>.
2. Colocar massa corrida sobre o desenho dos continentes
e aguardar até a secagem completa.
3. Após os continentes estarem secos, pintá‑los com tinta
verde e marrom. Aguardar a secagem.
Figura 13 Elaborando a Pangeia.
Fonte: Acervo do autor.
71
72
GUY BARROS BARCELLOS
4. Pintar a parte da esfera que representa o oceano com
tinta azul ou colar papel crepom azul. Caso o faça, deve‑
rá passar suavemente o pincel com cola para dar brilho.
Figura 14 Pintando os continentes.
Fonte: Acervo do autor.
É mais trabalhoso, mas o efeito é mais fidedigno.
EXPOSIÇÃO III: A Fúria de Geia
Fundamentação
Os vulcões sempre despertaram fascínio e temor na humanida‑
de. Pompeia e Herculano, engolidas pela piroclastia do Monte Vesú‑
vio não diminuíram a coragem dos habitantes de Nápoles em ficar
próximos ao vulcão como quem não se importa com a iminência de
um cataclismo. Sempre impressiona ver a potência de uma erupção
jogando para o alto cinzas sulfurosas e pedras ferventes. Como se
Geia, a deusa grega da Terra, quisesse atingir o marido, Urano, deus
dos céus, com seus pedregulhos flamejantes em uma briga ardente.
Essa fúria toda deve‑se ao fato de o núcleo terrestre ser uma
rocha líquida aquecida a 5.000ºC, e, vez que outra, seus eflúvios ul‑
trapassarem a crosta sólida. Os vulcões são fumarolas que aliviam as
pressões das entranhas do planeta. São capazes de formar ilhas ou
MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES
destruí‑las, soterrar cidades inteiras ou infestar a atmosfera com nu‑
vens silicosas gerando caos aos aeroportos.
Não é somente dos gregos ou dos italianos a fascinação pelos vul‑
cões. Esses habitam o imaginário daqueles que nunca os viram mas le‑
ram Viagem ao centro da Terra, de Júlio Verne. O precursor da ficção
científica coloca um vulcão como a porta de entrada a um mundo per‑
dido, habitado por “fósseis vivos”, que há muito sumiram da superfície.
Figura 15 O Monte Vesúvio encobrindo Pompeia com seus eflúvios piroclásticos.
Fonte: Disponível em <http://1.bp.blogspot.com/‑‑KWycnXxPDQ/UUg3IS4A30I/
AAAAAAAALTU/ux‑yTsOfLsc/s1600/Pompeii_Vesuvius.jpg>.
Materiais
•
Malha de arame (4 m)
•
Espuma de poliuretano (quatro unidades de 500 ml)
•
Cola branca (1l, se sobrar pode ser utilizada em outras
atividades)
•
Areia colorida (verde, cinza e em tons terrosos)
•
Papel higiênico (um rolo, do mais barato que houver)
•
Pincéis grandes
73
74
GUY BARROS BARCELLOS
Procedimento
1. Com a malha de arame estruturar a forma de um cone, pode
ser amassado e deformado, lembrando uma montanha.
Figura 16 Cone de arame.
Fonte: Acervo do autor.
2. Sacudir bem o frasco com a espuma e, após, colocar o
canudo (vem junto à espuma). Então iniciar a liberar a
espuma, em fileiras paralelas, de cima para baixo, dei‑
xando de 5 cm a 8 cm entre elas. Pedaços da malha po‑
dem ficar aparecendo, porque, após algumas horas, a
espuma absorve ar e aumenta consideravelmente de ta‑
manho.
Figura 17 Elaborando o vulcão.
Fonte: Acervo do autor.
MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES
3. Depois de 24 horas a espuma estará completamente
seca. As lacunas que restarem podem ser cobertas com
papel higiênico amassado misturado com cola branca.
4. Assim que tudo estiver seco, pintar todo o vulcão com
cola e, concomitantemente, despejar areia colorida, ao
gosto dos alunos‑curadores.
Figura 18 Pintando o vulcão.
Fonte: Acervo do autor.
Figura 19 Dando acabamento no vulcão.
Fonte: Acervo do autor.
Observação: O vulcão pode ser feito em um tamanho menor,
basta diminuir a malha. Cada metro a menos diminui um fras‑
co de espuma de 500 ml.
EXPOSIÇÃO IV: Minúcias da Vida
Fundamentação
Todos os seres vivos da Terra são compostos por células, essas
são as menores unidades vivas de um organismo. A célula pode ser,
até mesmo, o próprio organismo, como é caso das bactérias, dos pro‑
tozoários e de alguns tipos de fungo (leveduras). A maioria dos seres
os quais a Ciência foi capaz de detectar é descendente de um ances‑
75
76
GUY BARROS BARCELLOS
tral comum. Com o passar das gerações (ao longo de bilhões de anos),
desenvolveu‑se uma célula com características compartilhadas por
todos os seres vivos: material genético, citoplasma e membrana plas‑
mática. Existem três tipos: célula bacteriana, a mais simples, dotada
de um citoplasma com ribossomos e o cromossomo; célula animal,
repleta de organelas (ou organoides) cada uma com funções distin‑
tas; célula vegetal, esta com quase todos os elementos presentes na
célula animal ainda somando um vacúolo, cloroplastos e uma parede
celular.
Fazendo uma analogia das células com as cidades, podemos
dizer que suas organelas são partes desta cidade e seus habitan‑
tes. O núcleo seria uma espécie de prefeitura, contendo as plantas
(DNA) das edificações (proteínas); mitocôndrias e os cloroplastos
(nas células que o possuem) seriam as usinas; lisossomos, as cen‑
trais de reciclagem; complexo de Golgi21, o correio; retículo endo‑
plasmático rugoso, a fábrica; citoesqueleto, as estradas de ferro e
as ruas.
É importante ressaltar que nem todas as organelas surgi‑
ram de mutações seguidas de seleção natural. Conforme a teoria
da “endossimbiose”, desenvolvida pela bióloga Lynn Margulis22
(1939‑2011), a mitocôndria e o cloroplasto teriam sido, em uma
vida pretérita, bactérias. A mitocôndria, uma bactéria aeróbica
e heterotrófica; e o cloroplasto, uma cianobactéria autotrófica. A
evidência mais sólida para essa afirmação pouco ortodoxa é a pre‑
sença de DNA no lúmen dessas duas estruturas. A mitocôndria,
por exemplo, tem suas funções de síntese de proteínas pratica‑
mente independentes do núcleo.
O pesquisador lombardo Camilo Golgi (1843‑1926) foi o responsável pela identificação do sistema
reticular intracelular responsável pelo empacotamento de proteínas, por isso o nome. Golgi foi agraciado,
em 1906, com o prêmio Nobel de Fisiologia por suas relevantes pesquisas sobre os neurônios e o sistema
nervoso. É válido trazer informações aos alunos sobre suas descobertas, pois foi um dos maiores cientistas
do início do século. Assim o nome do “complexo de Golgi”, ou “complexo golgiense”, torna‑se menos
esotérico.
21 22 No livro Os cem maiores cientistas da História,o autor John Simmons (2003, p. 449‑454) traz uma
descrição sobre a trajetória acadêmica da Dra. Margulis e aspectos fundamentais de sua teoria.
MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES
1
6
5
Figura 20 Modelo de célula
bacteriana. 1) Flagelo; 2)
ribossomo; 3) material genético;
4) plasmídeo; 5) membrana
plasmática; 6) peptideglicano.
Fonte: Acervo do autor. Figura
2
3
4
2
4
7
Figura 21 Modelo de célula
eucariótica animal. 1) Membrana
plasmática; 2) núcleo; 3)
mitocôndria; 4) complexo de
Golgi; 5) lisossomos 6) parede
celular; 7) centríolos; 8) retículo
endoplasmático nãogranuloso;
9) citoesqueleto; 10) retículo
endoplasmático granuloso.
Fonte: Acervo do autor.
9
5
6
3
8
1
2
6
4
7
8
5
1
9
3
Figura 22 Modelo de célula
eucariótica vegetal. 1) Núcleo;
2) retículo endoplasmático
granuloso; 3) complexo de Golgi;
4) mitocôndria; 5) parede celular;
6) lisossomos; 7) cloroplasto; 8)
membrana plasmática; 9) vacúolo.
Fonte: Acervo do autor.
77
78
GUY BARROS BARCELLOS
Materiais
•
Três placas de isopor (3 a 4 cm de espessura)
•
Cola colorida de cores variadas
•
Tinta acrílica para tecido
•
Pincéis de tamanhos variados
•
Pistola de cola quente (e recarga da cola)
•
Papelão
Procedimento
Não irei “protocolizar” o construir desta museália, na qual o
professor deverá dar orientações mais técnicas, ainda menos dire‑
cionadas. A intenção, nesta atividade, é dupla: superficialmente e
objetivamente é produzir mais uma peça expositiva, mas profunda
e subjetivamente o professor irá visualizar a expressão do modelo
mental que o aluno tem de célula, poderá entender como o aluno
compreende e expressa aquilo que, em sua mente, ocorre quando a
palavra “célula” é proferida. Abaixo algumas orientações úteis quan‑
to ao fazer propriamente dito:
• Os alunos podem desenhar as organelas em papel sulfite
branco e colar os desenhos em papelão.
•
Outras organelas e o citoesqueleto podem ser feitos so‑
bre o isopor, já pintado e seco, com cola colorida que dê
efeito de textura.
•
Para uma impressão de tridimensionalidade no modelo
final é interessante colar, abaixo de cada organela, um
cubo de isopor (usando a pistola de cola quente).
•
As cores são escolhidas a critério dos alunos, afinal, nas
imagens dos livros, as cores são sempre fantasia, pois,
pelo tamanho diminuto, as células não têm cor. Somente
o cloroplasto deverá ser verde, pela presença de clorofi‑
la em seu interior.
MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES
Figura 23 Elaborando o modelo de célula animal.
Fonte: Acervo do autor.
Figura 24 Modelo de célula vegetal.
Fonte: Acervo do autor.
Figura 25 Modelo de célula animal.
Fonte: Acervo do autor.
79
80
GUY BARROS BARCELLOS
EXPOSIÇÃO V: Escritura Espiralada
Fundamentação
Charles Darwin (1809‑1882), o mais importante biólogo de todos
os tempos, criador da teoria da Evolução, certa vez fez um desenho de
uma árvore, e seus ramos originavam vários outros. Cada galho repre‑
sentava um grande grupo de seres vivos e todos, originados de um
único tronco, demonstravam a explicitação do pesquisador sobre to‑
dos os seres vivos possuírem um ancestral comum. Naquela época não
havia como o cientista comprovar o que dizia, baseava‑se somente em
evidências fósseis, caracterizações anatômicas e morfológicas, obser‑
vação atenta e minuciosa dos seres vivos e uma forte intuição.
Figura 26 Árvore da vida desenha por Darwin em seus cadernos de
anotações. Um insight genial.
Fonte: Disponível em <http://24hrartprojects.files.wordpress.com/2008/11/
darwinsdrawing2.jpg>.
MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES
O advento da biologia molecular, marcado em 1953 pela desco‑
berta da dupla‑hélice do DNA pelos cientistas estadunidenses James
Watson e Francis Crick, veio a abrir as portas da pesquisa para a
confirmação da teoria de Darwin. Todos os seres vivos da terra pos‑
suíam, como material genético, DNA, um polímero de fósforos ácidos
ligados a açúcares e bases nitrogenadas. Sendo assim, todos descen‑
deriam de um ancestral comum.23
Figura 27 Dupla‑hélice
do DNA23, uma linguagem
química espiralada, contendo
as informações necessárias para
construir quaisquer seres vivos.
Fonte: Caceres (s.d.).
Materiais
23 •
Oitenta esferas de isopor de 5 cm de diâmetro
•
Cano de PVC (2 m)
•
Furadeira e broca (4 mm)
•
Quarenta palitos de madeira de 20 cm
•
Três frascos de spray cinza metálico
Imagem produzida por Rafael Andrade Caceres (não publicada).
81
82
GUY BARROS BARCELLOS
Procedimento
1. Explicar aos alunos‑curadores que a cadeia de DNA é
composta por quatro “letras” moleculares. Após, oriente
para que pintem, das 80 esferas, quatro grupos de 20,
cada um com uma cor.
2. Podem eleger arbitrariamente quais serão as cores das
bases nitrogenadas, no entanto devem lembrar‑se de
que têm de manter uma coerência na montagem. Por
exemplo: se a esfera representando a adenina for azul
e aquela representando a timina for vermelha, a azul
deve sempre ser conectada à vermelha. Isso também
aplica‑se às esferas representando as bases citosina e
guanina.
3. Após a pintura de todas as esferas, o professor deve, com
o auxílio de alguma pessoa capacitada (caso não o seja),
fazer furos no cano. Observe‑se que antes da perfuração
devem ser feitas marcas com pincel atômico permanen‑
te onde serão feitos os furos. Para assegurar a represen‑
tação da forma helicoidal da molécula, os furos devem
ser feitos em intervalos verticais de 15cm de altura e um
distanciamento horizontal de 8cm.
4. Após a perfuração, pintar o cano com spray cinza me‑
tálico (não que esta cor deva ser utilizada, visto que as
moléculas não têm propriamente uma cor; a escolha fica
a critério do gosto dos alunos‑curadores e da disponibi‑
lidade do produto).
5. Pintar os palitos com o spray, observando as instruções
de utilização no rótulo do produto. É recomendável que
o professor faça esta parte do processo sozinho e somen‑
te entregue aos alunos‑curadores os palitos já pintados
e prontos para a montagem. Para pintar os palitos pren‑
da‑os todos em uma placa de isopor. Para evitar que o
spray derreta o isopor, coloque sobre a placa uma folha
de jornal velho.
MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES
6. Concluir a montagem prendendo a cadeia de DNA ao
teto da sala ou fixando‑a ao piso, de forma segura, para
que não caia, e encaixando os palitos e as bolinhas pin‑
tados nos furos feitos ao longo do cano.
Figura 28 Modelo de cadeia de DNA.
Fonte: Acervo do autor.
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GUY BARROS BARCELLOS
EXPOSIÇÃO VI: Estranho Mundo Perdido
Fundamentação
Após uma longa e rigorosa glaciação, quem procurasse vida na
Terra deveria fazê‑lo nos oceanos, onde surgiram as primeiras bacté‑
rias. O degelo ajudou a encher a atmosfera e a hidrosfera terrestre de
oxigênio, e as temperaturas subiram. Essa nova composição permi‑
tiu a emergência de uma imensa variedade de seres vivos, inclusive
de seres pluricelulares, com células especializadas e organismos al‑
tamente complexos. Os oceanos não eram mais habitados pelo ma‑
rasmo bacteriano. A vida animal fervilhava nas águas rasas. Toda
essa biodiversidade foi preservada no folhelho de Burgess, encontra‑
do em montanhas na Columbia Britânica do Canadá, pelo paleontó‑
logo estadunidense Charles Doolittle Walcott (1850‑1927). A existên‑
cia desses fósseis permitiu o conhecimento dos seres vivos já extintos
e da origem dos vertebrados. Stephen Jay Gould (1941‑2002) aprofun‑
da este assunto em seu “Vida Maravilhosa” (1990).
Figura 29 Para construir uma boa maquete da biodiversidade de Burgess Shale é importante
fazê‑la observando a representação da biota encontrada no registro fóssil.
Fonte: Disponível em <http://paleoaeolos.deviantart.com/art/The­life‑on‑Burgess‑Sha
le‑13177422>.
MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES
Aysheaia, membro de um grupo irmão dos atuais
artrópodes, possuía papilas próximas à boca,
que o ajudavam a comer. Viviam comumente
associados à esponjas‑do‑mar.
Pikaia, possivelmente o primeiro vertebrado de
que se tem notícia. Fortes indícios de que era
um ser filtrador, que nadava próximo ao fundo,
ondulando seu corpo alongado.
Trilobitas habitaram todos os oceanos, por
centenas de milhões de anos até serem
completamente extintos no período Permiano, na
grande extinção que exterminou 95% das espécies.
Eram bentônicos e tinham carapaças ricas em
CaCO2, o que permitiu que muitos fossilizassem.
Foram os primeiros animais a desenvolverem
olhos complexos. Chegavam a viver em grandes
profundidades.
Anomalocaris, relacionado aos artrópodes, era
o maior predador (1m) da biodiversidade de
Burgess. Propelia seu corpo ondulando os lobos
flexíveis de seu corpo, tinha uma mandíbula
potente capaz de quebrar a carapaça de suas
presas.
Opabinia possuía cinco olhos. Próximo à boca
tinha uma longa e flexível probóscide terminada
com uma garra, para capturar presas escondidas
no lodo.
Wiwaxia, um possível molusco detritívoro. Devido
a sua carapaça dura ainda pairam dúvidas sobre
ser um molusco ou um poliqueto, pois os tecidos
moles são ocluídos no registro fóssil. Sabe‑se, ao
menos, que era muito resistente e possuía hábitos
bentônicos.
Quadro 1: Algumas das espécies encontradas por Walcott no folhelho de Burgess.
Fonte: Disponível em <http://www.burgess‑shale.bc.ca/discover‑burgess‑shale/
ancient‑creatures>.
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GUY BARROS BARCELLOS
Materiais
•
Duas placas de isopor (4 cm de espessura)
•
Uma placa de isopor (entre 1 cm e 2 cm de espessura)
•
Doisquilosde massa de biscuit
•
Pincéis e tinta acrílica de tecido
•
Pedaços de plantas de plástico
•
Papelão
•
Papel higiênico ou papel toalha (o mais barato que houver)
•
Pistola de cola quente e recargas
Procedimento
Fauna e flora
1. Começar fazendo os incríveis seres da fauna de Burgess.
Mostre aos alunos a imagem, diga que escolham quais
irão modelar. Não se preocupe que as formas fiquem
idênticas, basta serem parecidas. O objetivo é mostrar a
grande biodiversidade.
2. Oriente aos alunos que pintem de cores variadas e ao
seu gosto, afinal o registro fóssil somente nos mostra a
forma, não a cor.
3. Após a secagem da tinta verifique se há necessidade de
uma segunda pintura.
Ambiente
1. Unir as duas placas de isopor ao comprido em um ângu‑
lo reto com cola quente.
2. Recortar com estilete (ou cortador elétrico) oito triângu‑
los (catetos com 10 e 18 cm) em isopor. Catetos devem
ser retos, a hipotenusa poderá ser cortada em uma linha
mais irregular, pois será a base para a representação da
formação rochosa.
MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES
3. Colar os triângulos nas duas placas em intervalos de
10cm.
4. Recortar triângulos de papelão que alcancem os triân‑
gulos de isopor e, em seguida, colá‑los fazendo um “es‑
trado”.
5. Recobrir as frestas do estrado com papel sulfite.
6. Depositar papel higiênico amassado sobre o estrado e
despejar cola. Espalhar a cola com um pincel. Esta deve‑
rá ser a textura da formação rochosa do fundo do mar.
7. Prender a Pikaia ou o Anomalocaris a um palito de ma‑
deira (ou arame) pintado de preto para dar efeito de flu‑
tuação. É importante dar destaque à Pikaia por seu pro‑
vável papel decisivo na evolução dos vertebrados.
8. Colar os modelos à maquete com pistola de cola quente.
Figura 30 Maquete da biodiversidade de Burgess.
Fonte: Acervo do autor.
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GUY BARROS BARCELLOS
EXPOSIÇÃO VII: Tétis e Oceano
Fundamentação
Quando Tétis percorria as áreas úmidas do planeta, os peixes fica‑
vam em festa: nadavam ao redor de seu carro de marfim, pulando
fora das águas para ver a bela criatura. Oceano e Tétis tiveram mi‑
lhares de filhos.
Há 4,5 bilhões de anos surgiu a Terra, incandescente, a 5000ºC
o planeta cintilava no firmamento. Mais se parecia com um inferno
do que com o que conhecemos hoje, nenhuma forma de vida podia
estabelecer‑se naquele planeta jovem.
O passar do tempo resfriou as rochas líquidas, solidificando‑as.
Os vapores presentes na atmosfera liquefizeram‑se. Um dilúvio de
quase um milhão de anos de duração formou os oceanos, onde, pos‑
teriormente, surgiriam todas as formas de vida conhecidas. Foi nas
águas rasas que as cianobactérias começaram a formar os primeiros
estromatólitos que encheram a atmosfera de oxigênio.
Ainda hoje o oceano é um manancial de descobertas. Várias ci‑
vilizações voltaram sua curiosidade para as águas salgadas de todos
os cantos do planeta e talvez tenham visto muitos seres que não exis‑
tem e tenham deixado de ver vários outros que ainda estão ocultos.
A biodiversidade marinha divide‑se em zonas. Até onde a luz
penetra (aproximadamente cinco a vinte metros, dependendo da
turbidez) chama‑se zona fótica ou planctônica.Essa zona também
contém seres fotossintetizantes, chamados planctônicos, pois boiam
ao sabor das marés. Abaixo dessa zona, na coluna d’água, fica a zona
nectônica, onde habitam peixes de cardumes, lulas, tubarões e ma‑
míferos marinhos. O fundo chama‑se zona bentônica, onde habitam
seres que vivem em contato com o leito marinho, como crustáceos,
moluscos, cnidários e alguns peixes. É sobre esse assunto que trato
nesta exposição. Esse trabalho é uma maneira de os alunos apren‑
derem sobre as zonas marinhas e compreenderem a importância da
preservação dos ecossistemas marinhos.
MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES
Figura 31 Esquema das zonas marinhas e seus habitantes.
Fonte: Acervo do autor.
Materiais
•
Tecido azul (metragem dependerá do espaço disponível
para fazer a exposição)
•
Carretel de fio de nylon
•
Réplicas de animais marinhos ou massa de biscuit
•
Um cabo de vassoura
•
Furadeira
•
Quatro ganchos de aparafusar
•
Quatro buchas para colocar os ganchos
•
Tesoura
•
Tinta acrílica em cores diversas
•
Cento e cinquenta centímetros de arame
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GUY BARROS BARCELLOS
Procedimento
1. Costurar o tecido azul no cabo de vassoura, envolvendo
o tecido no cabo, deixando‑o oculto.
2. Fazer quatro furos no teto da sala, para colocar os gan‑
chos e prender o cabo de vassoura com o tecido e o ara‑
me. Os furos deverão ter uma distância de 10cm e 1m
(ou o tamanho do cabo), formando um retângulo.
3. Prender os ganchos e, após, pendurar o cabo de vassou‑
ra, amarrando suas extremidades aos ganchos com ara‑
me.
4. Entrar os ganchos que ficarem na frente, prender 1m
de arame esticado horizontalmente, é neste que irão ser
amarrados os seres marinhos.
5. Amarrar os animais em alturas de acordo com a zona
marinha onde habitam (sugiro que as proporções sejam
feitas pelos alunos‑curadores).
•
Caso não tenham disponíveis réplicas fidedignas de ani‑
mais marinhos, pode‑se fazê‑las com massa de biscuit e
pintando com tinta acrílica.
Figura 32 Exposição sobre os seres vivos que habitam os oceanos.
Fonte: Acervo do autor.
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EXPOSIÇÃO VIII: Caleidoscópios Vivos
Fundamentação
O processo evolutivo criou formas altamente complexas e, mui‑
tas delas, de extrema beleza. Produtos de milhões de anos de muta‑
ção e seleção natural, todos os seres vivos carregam características
que, herdadas por seus genitores, são evidências das aventuras de
uma espécie durante sua existência na Terra. Antes de surgirem os
vertebrados, no período Cambriano (500 milhões de anos atrás), já
perambulava pelo mar, ar e terra uma plêiade de seres vivos.
Um grupo animal (filo) que se mostrou bastante diverso e, diga‑
mos, “persistente” foi o dos moluscos. Esses seres vivos podem ter ten‑
táculos e braços para capturar alimento (lulas), podem ter olhos muito
parecidos com os de um ser humano (polvo) ou podem ter conchas espi‑
raladas e coloridas (gastrópodes e nautiloides). Muitos deles invadiram
o ambiente terrestre e, para isso, desenvolveram pulmões. São impor‑
tantes na cadeia alimentar como detritívoros, filtradores, herbívoros,
predadores (alguns conídeos caçam com arpão venenoso) e também
servem de alimento para peixes, crustáceos, aves e mamíferos.
Em suma, não há por que não estudar este fantástico espetácu‑
lo de cores e formas. Um grupo particularmente estimulante, para
dizer‑se o mínimo, é o dos nudibrânquios24. Eles são, de todos os mo‑
luscos existentes, os mais coloridos, e não possuem concha. Sua de‑
fesa é uma coloração de aviso, chamada aposemática, muitas vezes
parecendo que foram feitos, decorados, enfeitados e pintados por
um artista do período rococó. Não é exagero dizer que, talvez, não
haja nudibrânquio que nossa mente não possa imaginar, tamanha é
sua variedade.
O nome advém de uma característica bastante ousada, suas
brânquias não são internas. Por serem extremamente venenosos,
podem expor essas estruturas vitais tão sensíveis.
24 Informações taxonômicas mais detalhadas podem ser encontradas no Compendium of Brazilian Sea
Shells (RIOS, 2009).
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GUY BARROS BARCELLOS
Materiais
•
Massa de biscuit branca (porcelana fria)
•
Pincéis de tamanhos variados
•
Tinta acrílica em várias cores
Procedimento
1. Observar atentamente a anatomia geral dos nudibrân‑
quios.
Figura 33 Anatomia de um
nudibrânquio – tradução da
legenda: foot = pé; gills = brânquias;
rinospores = rinósporos; mantle =
manto; mantle margin = margem do
manto.
Fonte: Disponível em <http://www.
ukdivers.net/images/nudidiag.jpg>.
1. Escolher uma espécie de nudibrânquio (algumas espé‑
cies abaixo):
a. Glaucus atlanticus (manto azul claro, nadadeiras azul
anil e azul marinho);
Figura 34 Nudibrânquio 1
Fonte: Disponível em <http://upload.
wikimedia.org/wikipedia/commons/2/21/
Glaucus_atlanticus_1_cropped.jpg>.
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b. Phidiana pugnax (manto branco amarelado, brânquias
marrons e cor de laranja, rinósforos brancos);
Figura 35 Nudibrânquio 2
Fonte: Disponível em <http://
www.saturdays.net/animal/
img/phidiana_pugnax.jpg>
c. Chromodoris kuiniei (margem do manto e bolinhas ro‑
xas, demais partes amarelas e brancas);
Figura 36 Nudibrânquio 3
Fonte: Disponível em <http://www.
sergeyphoto.com/underwater/
nudibranchs/chromodoris‑kuniei‑1.jpg>.
d. Hypselodoris apolegma (manto roxo, rinósforos e brân‑
quias amarelos, margens brancas)
Figura 37 Nudibrânquio 4
Fonte: Disponível em <http://sergeyphoto.com/
underwater/nudibranchs/hypselodoris‑apolegma.html>.
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GUY BARROS BARCELLOS
e. Nembrotha kubaryana (manto preto com listras verdes,
brânquias verdes, rinósforos e tentáculos orais com pon‑
tas alaranjadas);
Figura 38 Nudibrânquio 5
Fonte: Disponível em <http://www.starfish.
ch/Fotos/molluscs‑Weichtiere/nudibranchs-­
Nacktschnecken/Doridina/Polyceridae/
Nembrotha-­kubaryana6.jpg>.
f. Glossodoris sp. (manto branco com margens alaranja‑
das, rinósforos cordelaranja);
Figura 39 Nudibrânquio 6
Fonte: Disponível em <http://sergeyphoto.com/
underwater/nudibranchs/glossodoris‑sp.html>.
g. Elysia ornata (manto verde‑esmeralda, margens amare‑
las e verde‑musgo, rinósforos com as pontas amarelas);
Figura 40 Nudibrânquio 7
Fonte: Disponível em <http://sergeyphoto.
com/underwater/nudibranchs/elysia‑ornata.
html>.
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h. Phyllidia ocellata (manto amarelo‑ouro, brânquias
azul‑claro e azul‑marinho, rinósforos alaranjados).
Figura 41 Nudibrânquio 8
Fonte: Disponível em <http://sergeyphoto.
com/underwater/tioman/phyllidia‑ocellata‑1.
html>.
1. Fazer um cilindro de 5 a 10 cm com a massa de biscuit.
2. Achatar a parte inferior contra uma folha de papel.
3. Modelar com os dedos as pleuras do nudibrânquio.
4. Fazer as brânquias modelando pequenos cilindros com
a massa de biscuit.
5. Esperar secar (24h‑72h).
6. Pintar com pincel pequeno, observando as cores da es‑
pécie retratada no modelo (podem‑se buscar imagens na
internet, usando como referência os nomes científicos
que ofereço).
7. Esperar secar e observar se há necessidade de outra ca‑
mada de tinta.
EXPOSIÇÃO IX: Ecos do Passado
Fundamentação
Conhecemos muitos seres vivos que habitaram a Terra há cente‑
nas de milhões de anos e há muito já foram extintos. Sabemos que os
trilobitas habitaram os oceanos do Permiano, que os dinossauros cami‑
nharam pesados sobre os continentes até o final do Cretáceo e que os
mamutes lanudos existiram até a última grande glaciação. Todo esse co‑
nhecimento advém do estudo dos fósseis. Não fossem eles não teríamos
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GUY BARROS BARCELLOS
como saber os caminhos que a evolução darwiniana tomou em nosso
planeta durante o trilhar da vida em seus 3,5 bilhões de anos.
Fósseis são, portanto, vestígios de seres vivos que viveram há
mais de dez mil anos. Podem ser desde ossos, dentes, ovos e pele até
pegadas, ninhos e fezes. Para haver fossilização, que é um processo
pouco usual, é preciso que o ambiente onde o ser vivo deixou seu
vestígio não disponha de grandes quantidades de oxigênio e que seja
um local arenoso, argiloso ou calcário. Fósseis dificilmente se for‑
mam em rochas magmáticas, pois a alta temperatura destrói qual‑
quer traço que pudesse ficar.
Podem ser encontrados em escavações paleontológicas, e mui‑
tas vezes os pesquisadores ficam anos trabalhando em uma única
escavação.
Figura 42 Etapas do processo de fossilização.
Fonte: Disponível em <http://aventurmaxciencia.files.wordpress.com/2009/11/fossilization.gif>.
Possuindo fósseis... como fazer cópias?
Materiais
•
Silicone líquido
•
Catalisador
•
Vaselina líquida
•
Vaselina sólida
•
Pincel (aproximadamente de 1 a 2 cm)
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•
Fósseis (que possam passar pelo processo, de preferên‑
cia de ossos ou carapaças)
•
Pote plástico, onde o fóssil a ser modelado caiba
•
Massa de modelar
Figura 43 Materiais.
Fonte: Acervo do autor.
Procedimento
Primeira etapa: Fazendo a forma/contramolde
1. Untar o pote plástico com vaselina sólida.
2. Fazer uma base de massinha de modelar do tamanho
do fóssil e prendê‑la em sua parte inferior (se houver)
ou em uma de suas faces. É importante que esteja bem
aderida e exatamente do mesmo tamanho, pois, quando
a forma estiver pronta, esse será o orifício por onde en‑
trará o gesso líquido e sairá o modelo.
Figura 44 Base de massinha de
modelar.
Fonte: Acervo do autor.
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GUY BARROS BARCELLOS
3. Untar o fóssil, cuidadosamente, com vaselina sólida e,
após, com vaselina líquida. É muito importante que toda
a superfície seja recoberta com vaselina, inclusive a base
de massinha, pois essa evita que o silicone (ainda líqui‑
do) penetre em poros e interstícios do fóssil, o que pode‑
ria danificar a peça.
4. Misturar o silicone líquido com o catalisador, de acordo
as instruções de diluição específicas do produto que es‑
tiver usando.
5. Despejar silicone lentamente sobre o fóssil, para que não
se formem bolhas, o que arruinaria a forma.
Figura 45 Despejando silicone sobre o fóssil.
Fonte: Acervo do autor.
Figura 46 Aguardando secagem do silicone.
Fonte: Acervo do autor.
1. Aguardar 48 horas.
2. Remover o fóssil com muito cuidado, e, voilá, a forma
está pronta.
Segunda etapa: Pintando os modelos de fósseis
1. Despejar, lentamente, gesso misturado com água dentro
da forma e aguardar secagem completa.
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Figura 47 Forma pronta recebendo silicone.
Fonte: Acervo do autor.
2. Desenformar os modelos já secos e começar a pintar ob‑
servando o original.No caso do fóssil da Figura 48, uma
vértebra de preguiça gigante, o aluno‑curador primeiro
fez um fundo cinza‑grafite e aguardou a secagem.
Figura 48 Fóssil de vértebra de preguiça gigante
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GUY BARROS BARCELLOS
Fonte: Acervo do autor.
3. Utilizar outras cores como amarelo, branco e preto para
pintar detalhes de porosidades do osso. A pintura deve
ser feita sobre uma folha de papel branco.
Figura 49 Pintando a réplica do fóssil.
Fonte: Acervo do autor.
4. Resultado final com fidedignidade, as quatro vértebras
abaixo (na Figura50) assemelham‑se muito à que está
acima, que é a original.
Figura 50 Réplicas prontas.
Fonte: Acervo do autor.
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5. A réplica de gesso do trilobita deve ser colocada ao lado
da original, para começar a pintura.
Figura 51 Fóssil de trilobita original (à esquerda)
e réplica (à direita).
Fonte: Acervo do autor.
6. Pintar primeiramente a base de rocha sedimentar, com
tinta cinza.
Figura 52 Pintando réplica de fóssil de trilobita.
Fonte: Acervo do autor.
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GUY BARROS BARCELLOS
7. Pintar o trilobita de preto.
Figura 53 Concluindo pintura de réplica de trilobita.
Fonte: Acervo do autor.
Não possuindo fósseis... faça seu próprio!
Materiais
•
Massinha de modelar
•
Papel A4 branco gramatura de 180 (no mínimo)
•
Fita adesiva
•
Gesso
•
Um pote plástico
•
Bastão de vidro (ou uma colher)
•
Folhas, conchas, animais de plástico, insetos com cara‑
paça dura (cascudos, besouros etc.)
Procedimento
1. Fazer um disco de massinha de modelar.
2. Apertar a folha (ou outro material) contra a massinha de
modelar, deixando uma marca em baixo‑relevo.
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Figura 54 Prensando a folha contra a massinha.
Fonte: Acervo do autor.
3. Remover a folha da massinha com cuidado, verificando
se deixou a marca.
Figura 55 Removendo a folha da massinha.
Fonte: Acervo do autor.
4. Recortar uma tira de papel‑cartão e prender suas pon‑
tas, formando um cilindro que englobe a marca do ma‑
terial na massinha.
5. Prender o papel, com firmeza, na massinha (verificar se
não ficaram frestas, pois ali será colocado o gesso líqui‑
do).
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GUY BARROS BARCELLOS
Figura 56 Fixando as bordas da forma.
Fonte: Acervo do autor.
6. Despejar sobre a “forma” gesso líquido e aguardar por
24horas.
Figura 57 Despejando gesso, com cuidado, dentro da forma.
Fonte: Acervo do autor.
7. Desprender a massinha do gesso, já seco, com cuidado.
8. Pintar a textura em alto‑relevo produzida no gesso.
9. Neste procedimento você poderá trabalhar a fossilização
por contramoldes, de comum ocorrência em moluscos e
alguns vegetais.
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Figura 58 Modelo de fóssil concluído.
Fonte: Acerv o do autor
EXPOSIÇÃO X: Sagração da primavera
Fundamentação
Neste texto dou continuidade ao assunto abordado anterior‑
mente, o qual entitulei “Ecomuseu escolar”. Reitero que um MC não
necessita nem deve restringir‑se às paredes de sua sala. O museu
deve extravasar os limites de sua corporeidade, espalhando‑se pela
escola, mudando sua face e seus hábitos.
Materiais
•
Vasos de planta com furo para prender na parede (uma
versão alternativa pode ser feita com garrafa pet e ara‑
me)
•
Terra preta
•
Pedrisco
•
Furadeira
•
Parafusos e buchas
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GUY BARROS BARCELLOS
•
Escada
•
Plantas variadas (escolher de acordo com o clima da re‑
gião e a incidência de luz no local)
Observação: as quantidades dos materiais irão variar de acor‑
do com o tamanho desejado para fazer o jardim vertical.
Procedimento
1. Fazer furos e colocar buchas e parafusos nas paredes.
2. Plantar os vegetais nos vasinhos. Antes de colocar a ter‑
ra preta, colocar pedrisco para drenar. No caso de garra‑
fa pet, fazer um pequeno furo no fundo.
3. Prender as plantas na parede e regá‑las de acordo com a
necessidade de cada espécie.
Figura 59 Aluno montando o jardim vertical do MN.
Fonte: Acervo do autor.
MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES
EPÍLOGO
Caleidoscópio do ser/conhecer
Para encerrar esta jornada, optei por uma visão caleidoscópica,
pois neste texto abordo diferentes perspectivas sobre tudo o que de‑
fendi neste livro.
Dentro de escolas, semanas de provas assolam a paz dos alunos,
tarefas são enviadas para a casa (local de repouso e convívio) em
vez de serem feitas com ajuda de alguém qualificado para isso (o
professor) e no local destinado ao estudo e ao aprendizado (a esco‑
la). Olha‑se o erro para punir e valoriza‑se o que o aluno não sabe.
Muitos professores ensinam sem se preocupar se o aluno aprende;
imperam a competição e a meritocracia; e, em geral, o estudo é orga‑
nizado focando aprovação em um concurso. Nesse contexto um MC
pode ser um espaço de resistência, de reação.
O MC é um local onde há vontade de valorizar o aluno, no qual
o professor tenha liberdade pedagógica total, haja tolerância com pe‑
quenas faltas e olhe‑se o erro como oportunidade de aprendizado.
Em um MC dialoga‑se com os jovens. O aluno aprende o conteúdo
quando puder e precisar, e não há o desgaste e a tensão de provas e
competições. Cada estudante pode progredir em seu próprio ritmo,
pois há confiança na curiosidade e na sede de saber dos alunos. Em
um MC se aprende entre amigos.
No Museu de Ciências Escolar defendido neste livro, respei‑
tam‑se profundamente os conhecimentos, mas, mais ainda, os indi‑
víduos em vias de aprendê‑los. O aprendizado é favorecido em uma
atmosfera de tolerância, respeito e alegria, sem obrigação, peso e an‑
siedade, respeitando‑se os ritmos psicológicos de cada um, evitando
cansaço inútil. O professor aproxima‑se dos alunos, não se limitando
à transmissão mecânica de conhecimentos.
O senso afetivo é importante para a aprendizagem de qualquer
conteúdo. Quando a emoção está presente, o aprender ocorre de
forma mais natural, o conhecer vai além do armazenamento de in‑
formação, as conexões realizadas pelas células nervosas tornam‑se
perenes.
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GUY BARROS BARCELLOS
Em um MC os fracassos não são motivos para não avançar, mas
oportunidades para refletir sobre as ações e reações (do aluno e do
professor) e continuar a caminhada com um pensamento renovado.
Essa pode ser uma oportunidade para aceder ao conhecimento com
entusiasmo e sem sentimentos de nulidade, na qual os alunos são
protagonistas de seu aprendizado. É importante que os estudantes
realizem atividades voltadas para seu interesse e planejadas por
eles. Uma vez que, quando são sempre tutelados e fazem somente
atividades que são lhes dadas prontas, podem correr o risco de tor‑
narem‑se adultos sem autonomia.
O MC não é uma panaceia para o ensino de Ciências, mas um
ambiente que pode complementar as tentativas do professor de me‑
lhorar o aprendizado de seus alunos. Os alunos estudam, aprendem
e pesquisam com objetos reais, não trabalham somente hands‑on,
mas também minds‑on, ou seja, a prática está diretamente vinculada
à teoria e à reflexão.
Neste livro ofereço etapas para a construção participativa de um
MC. Essas são somente sugestões que um professor pode utilizar ao
fazer o “seu” museu escolar. Reitero a importância de acolherem‑se
projetos e sugestões que os alunos apresentarem. Este trabalho é
apenas um ponto de partida, para várias outras possibilidades que
possam surgir. O foco é em Ciências por ser esta a área na qual atuo
e, portanto, ter sido a temática do museu que organizei com alunos.
Nada impede que um professor faça um museu escolar de Artes, Ge‑
ografia, Línguas ou Matemática. Basta lembrar‑se da característica
fundamental desta proposta: protagonismo dos alunos.
Por que um museu e não um laboratório? Embora tenha teci‑
do esta justificativa no primeiro ato, vale sublinhar que um labora‑
tório tem como foco o próprio laboratório, pois leva a divulgar os
resultados para seus membros: o quanto o diálogo do pesquisador é
direcionado para um entendimento do seus pares. Em laboratórios
de pesquisa, existem experimentos e, após a experimentação, aná‑
lises. Em museus busca‑se preservar a memória e torná‑la pública;
transformar objetos (materiais e imateriais) em patrimônio; valorar
o conhecimento, sua gênese e, consequentemente, ensejar oportuni‑
dades de criações. Tudo é musealizável: coleção de carros de corrida,
roupas de uma casa de ópera, cultura dos mendigos de uma cidade,
MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES
joias de uma família, danças de aborígines, culinária de uma nação
ou os hábitos de um bairro boêmio. Escolhi o museu por várias ra‑
zões, muito além do conhecimento inerente, mas o resgate cultural e
a preservação da memória são as mais pungentes.
Ao folhear o incunábulo do Gabinete de Curiosidades Naturais,
de Albertus Seba (1665‑1736), o Thesaurus, registro as notas finais
desta ópera, com o caleidoscópio do ser/conhecer. Seba, farmacêu‑
tico e naturalista holandês, reuniu milhares de espécimes de ser‑
pentes, mamíferos, borboletas, lagartos e plantas, ávido por novas
aquisições para seu acervo.Queria conhecer todas as formas de vida
curiosas que os navegadores, com os quais estabeleceu colaborações,
traziam de mundos incógnitos. Seba foi um precursor dos museus
de Ciências. O próprio Carlos Lineu (1707‑1778) referenciou‑o cente‑
nas de vezes em seus tratados que organizaram a biologia moderna.
Colecionador dos Países Baixos, Seba influenciou também, indireta‑
mente, exploradores como Joseph Banks25, Daniel Solander26 e, até
mesmo, o próprio Darwin (1809‑1882). Os museus estão, portanto,
envolvidos na gênese da Ciência que nos fornece explicitações da
vida e, por recorrência, da existência humana: a Biologia.
O conhecimento pode ser “adquirido” de várias formas, bem
como utilizado de maneiras diferentes e para fins diferentes. O saber
científico, quando ancorado na perspectiva histórica e social, pode
ser um elemento de mudança da vida das pessoas. Organizar um
museu é mais que focar no passado e sim precisar e sintetizar o hoje.
De uma forma apaixonada e questionadora, tecendo críticas e im‑
pressões sobre o processo vital das formas caleidoscópicas da exis‑
tência do ser, instigando a navegar entre futuro e passado, buscando
significado das gerações passadas às futuras. Uma possibilidade de
(re)desenhar um mosaico cultural do viver. O conhecimento é ine‑
rente ao ser humano. Trata‑se de um processo educativo que envolve
a interação entre pessoas e meio: por recorrência requer consciência
e ética. Neste universo a educação escolar, por meio do museu, per‑
mite aos alunos, à luz do saber, virem a iluminar seu Ser.
25 Botânico inglês (1743‑1820).
26 Naturalista sueco, apóstolo de Lineu (1736‑1782).
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DESIGN GRÁFICO [DIAGRAMAÇÃO]
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