Kurt_Lewi_ Resumo_artigo

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Kurt_Lewi_ Resumo_artigo
ALICERÇANDO A COMPREENSÃO DA ESTRUTURA, GÊNESE E DINÂMICA
GRUPAL SEGUNDO KURT LEWIN
Síntese de texto elaborado por Marta Cemin, a partir da fundamentação teórica de
sua dissertação de mestrado apresentada em janeiro de 2004, com a orientação de
Nedio Seminotti, coordenador do Grupo de Pesquisa “Relações Grupais: Emergentes
e Organizações” do PPG da Faculdade de Psicologia PUCRS
A teoria lewiniana apóia-se nos princípios da psicologia da gestalt (GONZÁLEZ,
1997; BLANCO, 1995; RIBEIRO, 1999; MAILHIOT, 1973; GARCIA-ROZA, 1971;
GOLD, 1999), surgida no início do século XX, na Alemanha, em reação ao
elementarismo e reducionismo do fenômeno humano. Entre seus antecedentes, estão
Immanuel Kant, Christian Von Ehrenfelds e Edmund Husserl − esse último, autor de
grande influência nos aspectos fenomenológicos da filosofia contemporânea
(SCHULTZ; SCHULTZ, 2002; TRIVIÑOS, 1987).
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Os princípios da gestalt evidenciam uma visão dinâmica e fenomenológica entre
figura e fundo, em contraponto ao mecanicismo (GONZÁLEZ, 1997), e sustentam que a
atividade cerebral é um processo total configurativo, ou seja, as partes são organizadas e
compreendidas em interação umas com as outras, e estas interações formam totalidades
(GONZÁLEZ, 1997; SHULTZ; SHULTZ, 2002; BLANCO, 1995). Também, afirmam que
os processos perceptivos envolvem concepções holísticas, ou seja, a pessoa e seu ambiente,
assim como o grupo e seu ambiente, são entendidos como partes de todos dinâmicos,
sendo possível a gênese e a emergência de novas propriedades na interação entre as
partes, destas com o todo e do todo com o contexto (LEWIN, 1947; GONZÁLEZ, 1997;
BLANCO, 1995).
Estes princípios gestaltistas são considerados de grande importância para o
pensamento sistêmico atual, de acordo com Capra, Morin e Bronfenbrenner, entre
outros. Capra (2003) considera que estão implícitas na psicologia da gestalt as
concepções de padrões de organização para a vida. Morin (2002) avança na concepção
gestáltica de partes e todo, afirmando que, além da interdependência entre partes e todo
(LEWIN, 1947), estas partes e o todo estariam produzindo várias lógicas ao mesmo
tempo, gerando sistemas em movimentos simultâneos de ordem e desordem, desde uma
base dialógica. Bronfenbrener (1996) utiliza princípios do pensamento gestáltico e
reconhece, explicitamente, a influência do pensamento lewiniano em sua obra.
Mas não foi apenas a psicologia da gestalt a base para a construção da teoria
social lewiniana. A partir da influência de Cassirer, professor neokantiano e construtor
de uma filosofia da ciência claramente antiindutista, Lewin foi além de seus colegas da
psicologia da gestalt: libertou-se de pensar apenas em objetos tangíveis e associou o
empiricismo à idéia da realidade como uma existência (GOLD, 1999, p. 9). Por
exemplo, a atmosfera grupal1 – propriedade da situação grupal como um todo – é vista
como uma totalidade concreta, passível de ser estudada; uma totalidade tangível
(LEWIN, 1947; DANZIGER, 1992).
Lewin (1975) trabalhou para a construção de uma psicologia não descritiva, não
classificatória e sem dicotomias, baseada na capacidade generativa de interação entre partes
e todo. Com a filosofia galileica, ele contrapôs-se à filosofia aristotélica, classificatória,
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A atmosfera grupal ou clima grupal ocorre no pequeno grupo pelas propriedades geradas na e pela
interdependência entre as partes (LEWIN, 1947).
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dicotomica e baseada em conceitos tirados da ética, vigente na psicologia, à época.
A filosofia galileica entende os processos no seu contexto, afirmando que as coisas
derivam umas das outras, desde uma epistemologia da relação (BLANCO, 1995). Visto
desde esta epistemologia, a qual permeia a presente pesquisa, o homem se inscreve no
contexto e, ao mesmo tempo, o contexto se inscreve nele, em processos impossíveis de
serem vistos/analisados isoladamente.
Moreno partilha desta idéia, a partir da qual o ponto central é a relação, mas, para
ele, uma relação com ênfase no ato, no “encontro”, na necessidade de um protagonista e
um antagonista (MORENO,1999, p. 71). Em suas teorias, sempre esteve voltado para a
compreensão do homem em grupo. Com bases epistemológicas gestálticas (GONZÁLES,
1997a), existencialistas e fenomenológicas (BUSTUS, 1979), enfatizou a espontaneidade e
a criatividade possíveis nas relações. Afirma que construímos nossos papéis, os quais se
configuram em “coexistência, co-ação e co-experiência” com o outro, pois somente
ligados “exibimos diferenças que antes pareciam não existir” (MORENO, 1994, p.119;
1997, p. 112). Nesse sentido, com base em tais considerações
passo a aduzir os
conceitos fundamentais para a análise do objeto deste estudo.
Espaço de vida e Campo social grupal
A partir da Teoria de Campo, formulada na Alemanha, Lewin chegou ao conceito
de Campo social total. Este campo possui inúmeras entidades2 coexistentes, que podem
relacionar-se, ou não. As entidades – grupos, subgrupos, membros, redes de comunicação
− podem ser vistas através de interações dinâmicas (LEWIN, 1947, p. 227). Portanto, o
pequeno grupo é um Campo social, definido por Lewin (idem) como o grupo e seu
ambiente em interação dinâmica, assim como a pessoa e seu ambiente em interação
dinâmica constituem “seu espaço vital psicológico” (PAEZ; BLANCO, 1996, p.50).
O campo Espaço de vida ou Campo social é tudo que existe fenomenologicamente
para a pessoa ou para o grupo. São os limites da existência da pessoa, tudo o que ela
reconhece como sua existência. Uma totalidade ou gestalt, composta por um conjunto
dinâmico de vetores de força, assentados numa estrutura em movimentos de forças,
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constituindo regiões, que podem ser desejos, fantasias, temores, necessidades, emoções,
tanto grupais como individuais. O Espaço de vida ou Campo social, portanto, estruturase em regiões (LEWIN,1973b) que, ao mesmo tempo em que são estruturadas,
engendram novas e contínuas estruturas. Por exemplo, o grupo pode ter como região,
expressa num subgrupo, a detentora de necessidades de aprovação, mas ao mesmo
tempo, na medida em que este mesmo grupo, dinamicamente, conseguir satisfazer as
necessidades desse subgrupo, o movimento grupal organiza nova estrutura dinâmica
expressa em novas regiões as quais dinamicamente alterarão a estrutura do todo.
As regiões são delimitadas por fronteiras determinadas por suas propriedades
qualitativas, ou seja, a qualidade do que existe no interior de cada uma delas. Estas
fronteiras podem ser permeáveis (em diferentes graus/intensidades), ou não, e ainda
podem estar ligadas a outras regiões por processos psicológicos. Por exemplo, um grupo
pode ter temores – região − delimitada por fronteiras rígidas de difícil acesso. As
regiões se atraem ou se repelem, ou seja, possuem valências. Estas valências podem ser
positivas ou negativas, não no sentido valorativo, mas sim no que diz respeito à sua
capacidade de atrair ou repelir. Uma valência positiva significa atração para
determinada região e, quando o grupo ou pessoa é atraído, então se locomoverá pelo
Espaço de vida ou Campo social, no caso de um grupo. As valências fazem parte do
Espaço de vida ou Campo social. Estão lá, distribuídas por ele, gerando movimentos de
aproximação ou afastamento. Por exemplo, participar de um grupo poderá ter valência
positiva, ou não, para determinada pessoa, sendo que, na medida em que o grupo se
modifica, ela também, pelo movimento das suas próprias regiões, em conjunto com as
regiões dos Espaços de vida de cada um dos outros, pode mudar a sua valência (atração ou
rejeição) em relação ao grupo em questão. Todo o movimento grupal vai se estruturando
a partir do estruturado, configurando a estrutura do Campo social grupal indefinidamente.
Portanto, uma região e as fronteiras em torno dela criam as opções e locomoção da
pessoa no seu próprio Espaço de vida ou no Espaço de vida do grupo, seu Campo social.
A pessoa pode se aproximar ou se afastar de determinadas regiões no Campo social total
ou no seu Espaço de vida, devido a inúmeros motivos como estado emocional, situações
sociais, necessidades fisiológicas (GARCIA-ROZA, 1971, p.116; LEWIN, 1947;
MALHIOT, 1973).
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Aquilo que constitui a essência de algo; existência individualidade, ente, ser. Tudo o quando existe ou
pode existir (Dicionário Aurélio Eletrônico Século XXI, v. 3.0, nov. 1999).
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O Campo social total organiza-se numa estrutura móvel, quase-estacionária, um
conjunto de forças expressas em regiões, possuidoras de valências, configurando a situação
total, um campo composto por todos os fatos, ou forças, sendo estes hipotéticos,
fenomenais ou dinâmicos (RIBEIRO, 1999). Uma constelação de pontos com regiões e
forças em direções variadas (as direções das forças são os vetores), tudo em movimento.
A análise da situação total do Campo social ou Espaço de vida permite a compreensão do
grupo ou da pessoa, desdobrando-se complexamente em várias dimensões: a pessoa no seu
Espaço de vida, a pessoa no Campo social, o grupo no Espaço de vida da pessoa, o grupo
no Campo social total, o Espaço vital da pessoa, fazendo parte de vários grupos.
Do ponto de vista de Moreno (1994), o movimento dinâmico grupal acontece a
partir de movimentos de atração e afastamento, em seu interior, entre as pessoas do
grupo. Os movimentos acontecem motivados pela tele – unidade de sentimento transmitida
de uma pessoa a outra, que pode ser de atração ou rejeição, determinando polarizações.
Na etapa inicial, se unem em subgrupos, ligadas por aspectos que possam gerar
interdependência (diferenças, afinidades, complementaridade), e se fortalecem, no
sentido de se apoiarem , para falar de si, o subgrupo, em relação a outros subgrupos
(SEMINOTTI, 2000). Tais atrações ou afastamentos formam os átomos sociais de cada
um, os quais, em conjunto, formam estruturas, dinâmicas grupais e, também, os próprios
grupos podem ser considerados átomos sociais temporários, na estrutura social maior.
Os átomos sociais, ou seja, a pessoa e sua rede de pessoas mais próximas ou mais
distantes, em relação com outras pessoas, produzem, pela união destas atrações e
repulsas, subgrupos, formando redes de comunicação dotadas de vida e energia que
circulam pelos subgrupos, grupo e pela estruturas social como um todo. Ou seja,
dependendo do ponto de onde se olha a estrutura grupal, os grupos também podem ser
vistos, temporariamente, como átomos sociais (WILLIANS, 1998, p. 55; GONZÁLES,
1997; MORENO, 1992, p. 135).
Tanto para Moreno como para Lewin, o grupo é dinâmico e a análise pode ser
feita em unidades (totalidades) maiores ou menores. “O átomo social de Moreno se
parece ao espaço vital lewiniano” (GONZÁLES; 1996, p.30).
O Campo social grupal é dinâmico e, através da propriedade de permeabilidade,
comunica-se com outros campos do Campo social maior, fato que gera mudanças no
grupo como um todo e nas pessoas do grupo (partes), nos seus Espaços de vida
(GARCIA-ROZA, 1971).
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O conjunto dinâmico de forças é quase-estacionário, ou seja, mantém-se em
movimento, apesar de suas características estruturais. A cada mudança no grupo, seja de
atitudes, normas, comunicação, papéis, o grupo reorganiza seu Campo social e novas
propriedades daí surgem, ampliando ou reduzindo a interdependência entre as pessoas,
expressando-se em maior coesão grupal ou não. Coesão, para Lewin (1947), se dá pela
interdependência grupal e, em Moreno, pelas percepções fidedignas das posições de
cada um no grupo (WILLIANS, 1998).
O Espaço de vida ou Campo social, desta forma, é determinado pela estrutura,
gênese e dinâmica da totalidade entre as partes e o todo (MAILHIOT, 1973). Cada
pequeno grupo é um Espaço de vida dinâmica e estruturalmente definido. A definição
estrutural ocorre pelas posições das regiões quase-estacionárias no campo. As regiões se
mantêm em interação dinâmica - partes e todo - e desta interação se desprendem –
emergem – novas e contínuas realidades existenciais, que não são de nenhuma parte,
mas, sim, derivam das propriedades geradas pela interdependência, na relação entre
elas. O fenômeno, pois, só pode ser observado a partir desta emergência (BLANCO,
1995).
A concepção de grupo aqui proposta é humanística-fenomenológica-existencial, e
não apenas simples aplicações dos conceitos da física. Compreender o grupo significa
perceber que ele se constitui de pessoas, gerando fenomenologicamente suas existências
em interdependência. Um grupo em movimento, regulado por processos circulares, em
múltiplas interações e retroações (LEWIN, 1947, 1946).
Portanto, “o grupo é o solo em que a pessoa se sustenta” (LEWIN, 1940, p. 101).
O grupo é o meio para sua realização. Mudanças pessoais, em grande parte, devem-se às
mudanças no grupo. Um ataque ao grupo, por exemplo, é um ataque à própria pessoa. E
o grupo é parte do Espaço de vida pelo qual a pessoa se movimenta.
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