Pelé Dá Lá, Toma Cá! E Você, Resistiria
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Pelé Dá Lá, Toma Cá! E Você, Resistiria
>E T E X T O , FOTO, QUAPRIN Pelé Dá Lá, Toma Cá! E Você, Resistiria? P A G I N A 21 * Ttf-U hOWKM. E COKTKA U M A FAMli/i 1 R E P O R T E R fcASTÍElR© EM CUBA! PAGINAM (.JEDirANO. O renascimento Fazer parte da reedição do j o r n a l ex- é motivo de orgulho para o Instituto Vladimir Herzog. Não apenas pelo jornalismo de vanguarda, de qualidade e c o m aquele viés satírico que o fez ser uma referência nacional, mas principalmente pela coragem de seus colaboradores. No auge da ditadura militar quando todos os outros se sentiram obrigados a ficar e m silêncio, a edição ex- 16 estampou na capa a Mataram o Vlado, mataram o ex-, e não é que os dois estão vivinhos da silva? centralizou a vida cultural de esquerda e m São Paulo. O irmão dele, Delfim, era editor da revista de quadrinhos Grilo. Nos criamos no m e s m o bairro, região do Mercado da Cantareira. Eram quatro saletas apertadas n u m conjunto do terceiro andar. Numa estavam Sérgio de Souza e Narciso Kalili, frente a frente, perto da janela. Noutra, Ari Normanha encurvado sobre a prancheta, desenhando a capa do gibi. D o lado oposto, Amancio Dácio Nitrini C h i o d i no laboratório de fotografia. manchete liberdade abre as asas sobre nós - a morte do jornalista Vladimir Herzog. Do andar de cima, vinha o som do maestro Rogério Fui rever a coleção para ativar a memória. Descobri Duarte, u m clássico do Tropicalismo, gênio, Infelizmente a morte de Vlado também custou a vida ser o único daqueles moicanos que está em todos os sobrevivendo de jingles. E na portaria o zelador ranzinza, do ex-. Naquele m o m e n t o o jornalismo brasileiro expedientes de todas as fases da publicação. Coisa rara. sempre de boina, veterano da FEB. Nesse espaço, ao também viu morrer aos poucos o seu lado jocoso É que e m tempos de ditadura e sobrevivência difícil, m e s m o tempo, era editado o JORNALIVRO que, como está e picante. Salvo u m ou outro colunista, hoje nosso parte da equipe ia e vinha. Principalmente quem tinha óbvio no nome, era a publicação de clássicos e m u m jornalismo é sempre muito sério. Não que isso seja família para sustentar. Viver só de imprensa alternativa livro produzido como jornal, fórmula que barateava o errado ou u m problema. Obviamente não é. Mas não pagava contas e expunha a maior risco de prisão. custo e se autoexplicava no slogan O Povo Lendo. Cada será que combina c o m o jeito expansivo e piadista Sérgio de Souza e Narciso Kalili, depois de presos no exemplar custava apenas 2 cruzeiros, a metade do preço do brasileiro? DOPS da Federal por causa de uma capa gozando Nixon de capa do Grilo. pelo Watergate, caso que conto mais adiante, aceitaram propostas de trabalho fora de São Paulo. O Grilo fazia sucesso ao trazer viagem na máquina do tempo. Os que viveram Sérgio e eu, u m aprendiz admirador de feiticeiros, desenhistas consagrados no Por isso, a reedição do ex-, e por que não dizer o renascimento do ex-, oferece aos leitores uma ao Brasil quadrinhos dos aqueles anos terríveis poderão relembrar suas havíamos emprestado nossos nomes para abrir underground americano e capas memoráveis e seus textos transbordando a ex-editora, numa casinha térrea com portão europeu. Robert C r u m b e seu inteligência. Os mais jovens poderão imaginar u m de ferro, corredor lateral, sala, quarto, cozinha Fritz, The Cat, Guido Crepax pouco o que era ser jornalista sendo constantemente e garagem, na rua Santo Antonio, coração c o m sua Valentina e a dupla perseguido. A ditadura não poupava sequer os do Bexiga. Afinal, sem pessoa jurídica seria Wolinski&Pichard c o m Paulette patrocinadores da chamada mídia alternativa impossível imprimir o jornal, alugar sede, etc. puxavam o trem. Rebeldes, ameaçando com represálias ou m e s m o c o m corte de contestadoras, sensualíssimas, as verbas governamentais, se esse fosse o caso. Mas quem "administrava" a papelada era o historinhas nada inocentes logo Armindo Machado, que havia trabalhado com atraíram repressão. O Instituto Vladimir Herzog não poderia estar fora u m irmão do Narciso. Era u m quarentão loiro, deste empreendimento. Criado oficialmente em 25 olhos azuis, turfista que encantou a cantora- -atriz de O de j u n h o de 2009, o Instituto tem o objetivo de não Cangaceiro, Vanja Orico, que passou a freqüentar a redação de plantão. Estava mortalmente baleado na edição apenas preservar a memória da vida e do trabalho de falando sobre seu filme de estréia, Mulheres e Luzes, dirigido número 48, que trazia na capa uma foto do cartunista j á Vlado, mas também manter atenção sobre os graves por Fellini. Sergio e eu, dois anos depois, passaríamos a famoso Henfil sorrindo, atrás das grades, chamando a problemas sociais, políticos e econômicos que ainda "propriedade" para o nome do Paulo Patarra, recém-saído da Editora Abril, que se integrava a equipe trazendo algum hoje afetam o Brasil. O Grilo foi cercado e espremido pelas autoridades atenção dos leitores para sua última entrevista, em tom desacorçoado, antes de ir embora do país... dinheiro e o sonho de fazer o projeto crescer. O terceiro ponto fundamental de sucesso deste No rodapé das páginas 4 a 14, u m texto alertava aos projeto é o apoio da Imprensa Oficial. Esta obra é O ex- resultado do trabalho impecável de recuperação O Bondinho e f i l h o do g i b i de todos os exemplares do ex- feita por seus Grilo. Realidade, m o m e n t o tivemos total suporte por parte de seu jornalistas presidente, professor Hubert Alquéres, parceiro do de q u a l i d a d e e d i t o r i a l em v á r i o s Instituto Vladimir Herzog neste e - esperamos - , em i n c l u s i v e r á d i o e t e v ê . S e r g i o de futuros projetos. Narciso Kalili, Hamilton Almeida S e n d o a s s i m , é b i s n e t o da mitológica o r i g e m de um g r u p o f o r m a d o brilhantes que provocaram à moral e aos bons costumes.O Grilo então recorreu à por própria censura, retirando desta edição as histórias que saltos o censor j u l g o u inapropriadas para nossos leitores. Caso veículos, Souza, Filho, M y l t o n S e v e r i a n o da S i l v a , A m â n c i o Paulo Patarra entre Grilo, por considerar o conteúdo da revista atentatório underground profissionais, sendo que desde o primeiro Nossa missão é contribuir para a reflexão e produção leitores: Stop-press: a censura negou o registro do é c o m o se f o s s e n e t o da r e v i s t a Chiodi, outros. a resposta seja negativa, o Grilo passará a ser impresso em formato tablóide, ou seja, deixará de ser revista para ser j o r n a l (os jornais estão dispensados de registro da censura) e j á a partir do próximo número - o 49 circulará c o m o novo nome: "ex-". Não deu outra. O exestava parido. de informações voltadas ao direito à vida e à justiça. O legado de Vladimir Mas quando o ex- nasceu, estávamos e m 1973, ditadura Herzog será levado adiante militar dura. Época de prisões, tempos de exílio, Novembro de 73, Médici no poder. O ex- é lançado pelo Instituto que tem como guerrilhas. No quarto andar do velho prédio da Rua c o m uma capa metafórica para "enganar" a repressão: uma de suas metas a busca Major Quedinho, 346, esquina c o m Santo Antônio, sede Hitler, nu, tomando sol e m uma praia tropical. Foram incansável pelo jornalismo da Editora Espaço&Tempo, entrei pela primeira vez impressos 10 m i l exemplares, que mal e mal chegavam de qualidade. E o ex- é u m acompanhado de Serginho Fujiwara, m e u amigo desde o às bancas. No expediente, aviso de que a distribuição era exemplo único disso. primeiro ano no Grupo Escolar Prudente de Moraes, no própria, c o m a expressão "garantida" entre parêntesis. Jardim da Luz. Eu trabalhava no setor de propaganda e o E o aviso " N e n h u m Direito Reservado". Boa parte era Serginho na gráfica do Equipe Vestibulares, cursinho que m e s m o vendida de mão em mão pela própria equipe outras fotos nas páginas internas. Nessa edição, a contracapa traz a i m a g e m de Raimundo Pereira e m bico-de-pena de Elifas Andreato. Outro desenho memorável é de Jaime Leão na capa do ex- 13. Fidel Castro fazendo a barba, j á c o m meio rosto sem pelos, idéia do Mylton. Era a chamada para uma reportagem inacreditável. Fernando Morais revelava nada mais nada menos o cotidiano em Cuba, proibida para a imprensa brasileira, origem de seu famoso livro, best-seller até hoje, A Ilha. Esses são apenas alguns tópicos de uma publicação alternativa, grandemente nanica, que tem e m cada página u m olhar que permanece brilhante, atento, contemporâneo. Mataram o ex- porque não escondeu o assassinato do Vlado. E não é que ambos estão vivinhos da silva? Como foi que o exvirou Mais um Mylton Severiano e por estudantes amigos meus, do Equipe, como Luiz de estado de país amigo por palavras, atos ou atitudes..." Em meados de novembro de 1975, manhã ensolarada, Carlos Guerrero Ruivo,Carlos Alberto Caetano, Cláudio Passaram dias na carceragem da rua Piauí. começamos a fechar o ex- número 17, que jamais Faviere, Suzana Regazzini, Lucia Reggiani e Luiz circularia. Contávamos, como prato forte, c o m a matéria Fernando Câmara Vitral. Eu, além de vendedor de espaço E eu me dividia entre agradecer aos dois pela minha sobre o Esquadrão da Morte carioca, a cargo de Octávio para publicidade, produtor gráfico e repórter, saia com liberdade e ficar indignado por dizerem que eu não tive Ribeiro, o Pena Branca, que havia descoberto u m local - Narciso Kalili, numa velha perua Caravan, colocando responsabilidade pela confecção da charge. Afinal, era espécie de charco, dizia ele - onde policiais afundavam jornais para vender nas bancas da cidade. u m coletivo! carros c o m pessoas dentro, mortas ou possivelmente A segunda edição seguiu a mesma linha do Hitler. Dessa Mas O ex- tinha lastro para seguir adiante e apoio repercussão do caso Vlado, c o m base e m cartas que j á vez era Henry Kissinger pelado, semi-deitado e m u m e m todos os setores anti-ditadura. Havia u m a equipe chegavam às pencas - nosso jornal, mais ou m e n o s divã. Até ali tudo bem. Mas a terceira capa, que ainda de editores-colaboradores de r e c o n h e c i d o talento mensal, tinha sido o único a publicar reportagem nada tinha a ver diretamente c o m a ditadura militar, e criatividade, entre eles Fernando Morais, Marcos completa sobre o assassinato do colega Vladimir Herzog trouxe a polícia. Era janeiro de 1974, o caso Watergate Faerman, José H a m i l t o n Ribeiro, Palmério D ó r i a e o n u m aparelho de torturas do II Exército. Texto c o m uns estava quentíssimo. Sergio e Narciso decidiram fazer jornalista-escritor-psicanalista Roberto Freire. Todos 100 m i l caracteres, mais de 70 laudas, o suficiente para uma fotocharge mostrando Nixon em pose presidencial, devidamente creditados no expediente publicado n o compor u m livro de 100 páginas. olhando para o horizonte como se fosse estadista, mas ex- 3, o da capa c o m o Nixon. E foi e m frente. C o m ainda vivas. E preparávamos u m material sobre a vestindo uniforme de presidiário. a saída do Sergio para Ribeirão Preto, ao lado do O ex-16 foi obra-prima de trabalho e m equipe. Trinta José H a m i l t o n Ribeiro para fazer u m j o r n a l diário anos mais tarde, e m 2005, a Associação Brasileira A m o n t a g e m artesanal, feita pelo artista gráfico e a transferência temporária de Narciso, H a m i l t o n de Jornalismo Investigativo incluiria "A Morte de Hamilton de Souza, irmão do Sérgio, ficou perfeita e o Almeida, M y l t o n Severiano para Londrina (PR), o V l a d i m i r H e r z o g " no livro 10 Reportagens que Abalaram ex- foi para as bancas em plena transição de ditadores. ex- seguiu sob forte i n f l u ê n c i a de Marcos Faerman, a Ditadura. Narciso Kalili f o i o pauteiro e orientador; Já era começo de 74 e Geisel, ungido pela cúpula militar, talentoso repórter-especial do Jornal da Tarde e m SP, HAF, repórter e chefe de reportagem; eu, responsável tomaria posse em grande estilo, c o m a presença em gaúcho apaixonado pela cultura latino-americana. O pelo texto final - resultado do trabalho de todos do Brasília de vários chefes-de-estado. Nixon não podia j o r n a l m u d o u a linha editorial, que f i c o u mais literária, ex- e de colegas que, corajosamente, nos p r o c u r a r a m comparecer mas enviou sua mulher, Patty. psicanalítica, revelando ao país a antipsiquiatria e p o n d o - s e à disposição. escritores dos países vizinhos que t a m b é m estavam sob Uma equipe de batedores foi designada para a detectar botas e tacões. possíveis reações à chegada da comitiva americana. Viram o ex- e acionaram o DOPS da Polícia Federal que saiu em busca dos responsáveis. Formalmente, os U m episódio nos embatucou no dia do fechamento. Uma comissão de colegas chega pedindo para a gente Quase u m ano depois, Narciso, Hamilton e Mylton não publicar nada. Alegavam que queriam inclusive nos que não haviam se desligado totalmente do ex-, proteger; que a reportagem ia provocar a "linha-dura"; "proprietários" da ex-editora eram Sergio de Souza e eu. retornam à SP. Marcos Faerman diverge do caminho que mais jornalistas seriam assassinados - Apenas porque nossos nomes estavam limpos na praça. que os ex-fundadores apontavam e se desliga do Tudo funcionava de forma coletiva e o pouco dinheiro grupo. Intelectual persistente, lança o seu Versus, no e n t e r r o , f o t o g r a f a d o que entrava mal dava para pagar as contas e fazer uma outra publicação alternativa que deixa marca na a p e n a s p e l a E l v i r a A l e g r e , d o ex-, nova edição. Acabei levado para o prédio da PF que história do país. O ex-, portanto, frutificava. funcionava na rua Xavier de Toledo. Lá j á estavam Sergio jornalisticamente um d o s q u e e s t a v a m p r e s o s com V l a d o e h a v i a m sido liberados para assistir à cerimônia fúnebre Djacarta, e Narciso. Cheguei tenso, sem saber o motivo. Narciso e Nesse m e s m o período,Raimundo Pereira, que m e d i s s e q u e se t r a t a v a da O p e r a ç ã o Sergio j á estavam dentro da sala do delegado explicando havia passado pela Realidade, sai do j o r n a l Opinião, menção ao m o r t i c í n i o de 500 mil que eu não era o responsável por nada, u m j o v e m propriedade do empresário nacionalista Fernando na I n d o n é s i a , a p ó s um g o l p e m i l i t a r c o m o o iniciante que tinha emprestado o nome, etc. E que eles Gasparian, para fazer o Movimento. E dá uma longa nosso patrocinado pelos Estados sim é que tinham tomado as decisões editoriais. Narciso entrevista para lançar seu j o r n a l exatamente para o O u v i m o s os c o l e g a s da c o m i s s ã o e N a r c i s o e Sérgio ficaram presos. Incursos na famigerada Lei de ex- 12, cuja capa é outro marco: Pelé pelado, fotografado em n o m e de t o d o s d o ex-: Segurança Nacional, autuados "por atentar contra chefe no vestiário da Vila Belmiro por Amancio Chiodi - há c u i d a d o , mas v a m o s esquerdistas Unidos. "Agradecemos publicar." falou pelo receberíamos aviso para comparecer na Polícia Serjão foi dar u m tempo e trabalhar em Ribeirão Preto; Federal da Rua Xavier de T o l e d o , centro de São Narciso, em Londrina, onde passaríamos brevíssima Paulo, a fim de prestar "esclarecimentos" a temporada, mas aí é outra história. E foi assim que os certo coronel B a r r e t o . mais novos, HAF e eu, passamos a tocar o ex-, c o m a parceria de dois mais velhos: Narciso Kalili, que vinha O armário negro olhava as gravuras nas paredes e, de de Londrina regularmente, e Paulo Patarra, criador da repente, vociferou: "Vocês não vão publicar isto, vão?!" revista Realidade, recém-demitido da Abril, que generoso Apontava - e a arma saltou à vista - o recorte de u m jornais que produzimos. nos ajudou pagando a impressão dos dois últimos jornal de ativistas negros dos Estados Unidos, com reportagem sobre moda. O modelo era Eldridge Cleaver Vivíamos n o limite das possibilidades financeiras. (1935-1998), u m dos fundadores do grupo radical Panteras Muitas vezes no Pássaro Preto a gente almoçava Negras. Cleaver posava com uma calça que tinha na sanduíche de mortadela "enriquecido" c o m fatias a frente u m porta-sexo, e o dele era avantajado, enchia de tomate. o bimbolover duns 20 centímetros de comprimento - e em repouso! Uma provocação contra brancos racistas, O telefone da redação era o orelhão da esquina. Armindo brincadeira que iríamos encaixar na Salada, seção de Machado, nosso incrível administrador, u m português abertura do ex-. E o que responder ao truculento? muito safo, distribuía u m punhado de fichas telefônicas para cada repórter - o Armindo que me surpreendeu "Não, não vamos publicar, é só u m enfeite", disse certa manhã chegando b e m acompanhado, c o m nada candidamente u m de nós, creio que o Palmério. menos que Vanja Orico, estrela do filme O Cangaceiro que A memória registra que ali vinha feriadão, devia ser dia havia embevecido a adolescência da minha geração. 14, sexta-feira, véspera do 15 de novembro, Proclamação da República. O número extra, que dávamos como Era consenso entre nós jamais nos submeter à censura distribuído naquela semana, acabou apreendido ainda prévia. Preferíamos fechar as portas e começar de novo. nos depósitos da Distribuidora Abril. Enorme prejuízo. C o m o ex- sob censura, surgiu a ideia de lançar o Mais Nem era preciso deixar fluir a Era m e s m o preciso c o r a g e m naqueles dias. Publicada paranoia latente no ar para imaginar a reportagem, os raros anunciantes cancelaram que havia u m conluio entre forças anúncios, u m deles alegou ameaças telefônicas; contrárias a f i m de asfixiar o ex-. leitores cancelaram assinaturas; u m pai de família enviou d o c u m e n t o registrado e m cartório anulando O ex- havia sido criado em 1973 o p e d i d o de assinatura feito pela filha estudante. por Sérgio de Souza, Narciso Contudo, esgotou-se a tiragem de 30 m i l exemplares, fundadores da Arte & Comunicação, Kalili e Eduardo Barreto, mesmos e evaporaram os 20 m i l de uma 2 a edição, números que lançou a revista "cult" O alentadores para o j o r n a l que até ali tinha vendido no Bondinho. C o m problemas de máximo 18 mil exemplares. ordem financeira na praça depois que O Bondinho faliu, puseram a nova Não vieram nos matar fisicamente. Mas na semana empresa, Espaço Tempo, no n o m e do seguinte, fechando o próximo número, não fotógrafo Amancio Chiodi, que editava imaginávamos o que "eles" arquitetavam. ali a revista FotoChoque. O grupo que tocaria a nova publicação era ex- Éramos poucos na redação àquela hora, não passava Realidade, ex- Bondinho, ex- Revista de das nove e meia, me lembro do Palmério Dória ao lado, Fotografia... - daí o nome criado pelo Hamilton Almeida Filho, o HAF, à minha direita; ficávamos Serjão, ex-. e x - e d i t o r e s na r e d a ç ã o d o B i x i g a . P r i m e i r a f i l a , e s q . p/ na terceira das três salas da casa. Nem pressentimos os dir.:José T r a j a n o , Luiz Fernando V i t r a l e Palmério passos de dois mensageiros da morte do ex-. Segunda fila: Mylton Severiano e Hamilton Almeida "Polícia Federal", anunciou o armário branco de cabelos loiros, mostrando a carteira funcional. O número 1 foi às bancas levando na capa u m A d o l f Hitler nu, Terceira fila: Cláudio tomando sol numa praia tropical, A l e x S o l n i k , M á r c i a G u e d e s , L u i z G u e r r e r o e Ivo Doria; Filho; Faviere, Armindo Machado, Hilton Libos, Patarra completamente à vontade. A maneira sutil e b e m humorada Atrás vinha u m armário negro, de mãos enormes. Seus de dizer tudo sem dizer nada a gente desenvolveria dedos pareciam cassetetes, e imaginei que ele, caso também nos textos, que falavam mais nas entrelinhas da Coca-Cola. N u m canto da capa do primeiro número, incitado, poderia destruir a redação a patadas e nos que nas linhas. pusemos u m selinho, "Qualidade ex-", na ilusão de HAF e eu estávamos fora de São Paulo. De volta, fui recado de que o ex- seguia vivo: aquele "era" o ex- 17. destroncar u m por um. Nem precisaria sacar a pistola que fazia questão de exibir no insistente gesto de apontar fotos, Um. Jayme Leão criou o logotipo, imitando a marca enganar a polícia da ditadura e passar aos leitores o gravuras e recortes pregados nas paredes - seu paletó trabalhar na TV Cultura, onde conheci o Vlado (não levantava e a gente via a reluzente arma enfiada na cintura. houve t e m p o de ficarmos amigos, mas havia empatia Mal Mais Um vai às bancas, o tal coronel Barreto nos e simpatia mútuas). Assim, só soube depois: a capa intima a comparecer na Xavier de Toledo às duas horas Típico: u m bonzinho, o outro mauzinho. O loiro, cuja seguinte que trazia o presidente americano Richard de uma tarde no início de 1976, tarde que se fez nublada arma na cintura divisei apenas uma vez, perguntou Nixon c o m roupa de presidiário havia levado Sérgio e mormacenta. HAF tinha 30 anos, eu 35. Éramos, além quem era o responsável. HAF e eu nos apresentamos. Era e Narciso a u m a detenção na Polícia Federal. A de baixinhos, franzinos. tácito que nós dois e Narciso Kalili, os três primeiros m o n t a g e m aludia ao caso Watergate, espionagem O coronel devia dar o nomes no expediente, respondíamos pelos pepinos, mas de adversários patrocinada por Nixon, que acabaria dobro de nós, pensamos. Narciso tinha viajado para Londrina. renunciando. Rachamos uma cerveja Narciso e Serjão foram presos por "ofensa a presidente Mutambo, na Major de país amigo". Jamais comentaram detalhes. Talvez Quedinho, e subimos ao encorajadora no Bar O armário branco declarou que: o número especial Extra - O melhor do ex-, anunciado no número 1 6 , estava apreendido; o ex- passava a sofrer censura prévia; os responsáveis, HAF e e u , tenha havido ameaça grave, como HAF e eu sofreríamos andar da Polícia Federal dois anos depois. indicado na intimação. Hamiltinho, Dácio e eu fizemos matéria c o m Pelé e m Três Corações, usando o carro do Myltainho. Vimos, nós e a cidade inteira, u m objeto não-identificado, bola de fogo que foi sumindo até desaparecer por completo. Em 25 de o u t u b r o de 1975, m a t a r a m V l a d i m i r Herzog. M o n t a m o s u m QG n a casa do Paulo Patarra, n o s arredores da Rua Cerro Corá. F i z e m o s vigília e f e c h a m o s o ex-16, o ú l t i m o n ú m e r o contra n o s s a vontade. A matéria da capa, claro, f o i a m o r t e de Vlado. E "Liberdade, liberdade, abre as asas sobre n ó s " foi a manchete. Incrível, a ditadura nazista tinha vencido. Temporariamente. Narciso preso Ele veio quieto, sem cordões nos sapatos, e nos abraçamos Ethel Kosminsky "Olhem: ou vocês param c o m isso, ou eu não respondo D e f i n i ç a o da capa da e d i ç ã o extra e n t r e v i s t a d e D . P a u l o . Esq p/ Dácio Nitrini (meio c o r p o ) (semi-sentado), "Polé" Orlando Codato, Estávamos e m 1974. De manhã tocaram a campainha morte. Assentimos, levantamos, foi pano rápido, nos do apartamento, na Luis Coelho, travessa da Augusta. despedimos e caímos fora. Narciso j á desconfiava. Disse-me que telefonasse para o advogado Marco Tulio Bottino, amigo dele e do Sérgio. A Paulo Lafer e Hamilton F i l h o , s e n t a d o , ao No script que a gente esperava não constava ameaça de Amancio Chiodi, José Trajano, Vanira Paulo Patarra mais pela integridade física de vocês." com dir: Almeida centro Passamos semanas deprimidos. Perdemos nosso j o r n a l - empregada havia aberto a porta para dois homens. Eram pobre ganha-pão mas rica realização pessoal de cada um. da Oban - Operação Bandeirantes. Da varanda vi os três Vieram outros trabalhos, fundamos novas publicações, entrar n u m carro comum. que "eles" fecharam, e abríamos outras. Volta e meia Não havia processo n e m direitos civis. Liguei para O roliço coronel nos aponta o sofá, a uns quatro metros a gente sonhava no f i m da ditadura lançar u m j o r n a l professores de Ciências Sociais da Universidade de São dele. Apanhando o Mais Um que tem sobre a mesa, ele o chamado ex- 17. Paulo, curso que eu tinha concluído. Alguns ficaram agita em nossa direção c o m tamanha força, que parece c o m medo, as conversas poderiam estar sendo escutadas. querer esfarelar nosso jornal. Maria Isaura Pereira de Queiroz disse: " D o q u e se t r a t a i s t o ? " , p e r g u n t a apontando a p r i m e i r a p á g i n a , com v o z r a i v o s a mas enquanto por contida. "É n o s s o n o v o j o r n a l " , A ditadura ganhou uma respondemos. Só é p o s s í v e l r i r h o j e , p a s s a d o s t a n t o s anos. Amancio Chiodi O coronel arfou e disparou: "É o m e s m o j o r n a l ! O t a l d e e x ! " "O que posso fazer?" M i n h a idéia era que, se saísse no jornal, nada aconteceria a Narciso. Essas notícias não eram publicadas. O Estado de S. Paulo e o Jornal da Tarde substituíam matérias censuradas por versos de C a m õ e s e receitas g culinárias. £ o | Maria Isaura m e apresentou a u m E s t a v a c l a r o , e c o m e n t a r í a m o s d e p o i s , não Lembro quando fizemos o número 1. Era como Mesquita, Júlio ou Ruy, donos nos m a t a r a m p o r c a u s a da r e p o r t a g e m s o b r e o se vivêssemos n u m m u n d o diferente do restante, daqueles jornais. O Mesquita C a s o V l a d o , mas q u e r i a m m a t a r o e x - . HAF e e u , submetido à repressão. Tínhamos a informação e p e r g u n t o u se Narciso estava nos r e v e z a n d o e t i r a n d o c a l m a s e i lá d e o n d e , não nos reprimíamos, acreditávamos que podíamos e m e t i d o em g r u p o político. t e n t a m o s a r g u m e n t a r com f r a s e s q u e o c o r o n e l devíamos dizer tudo. A repressão era velada e forte: cada ia c o r t a n d o r e n t e , r o s n a n d o ou n e g a n d o com número que colocamos nas ruas exigiu u m trabalho de tinha ouvido dele, naquela época g e s t o s da Hércules. Não tínhamos dinheiro, cada vez íamos a uma trabalhando na TV Cultura: u m gráfica diferente, a repressão nos calcanhares. Isso, na jornalista chamado Claudio verdade, nos dava força. Marques denunciava todo colega O número u m foi contra o nazismo, que tomava conta que parecesse "suspeito". do planeta. A gente achou e publicou u m conto de Pedi que publicasse a prisão do Ele p o r um i n s t a n t e t i t u b e o u , o l h o u a c a p a , h u m o r do Marx, Escorpião Félix, que ele escreveu aos 18 Narciso. E assim foi feito, no Jornal a í t e v e um c h i l i q u e ao d a r com o t i t u l o z i n h o anos. Fiz uma fotomontagem do Karl Marx sorrindo. da Tarde. Fui à porta do quartel Comicus. O fotógrafo Man Ray, cujo trabalho pesquisei, usava onde funcionava a Oban, c o m a fotomontagem justamente contra o nazismo. mãe de Narciso, pedir para vê-lo, levar comida e cigarros. Tempos imprevisíveis, conturbados. E o ex- provocava. Não permitiram. C o m uma semana, foi transferido para cabeça. "Mas, coronel, é outro logotipo..." "... o senhor veja, a diagramação é diferente... " "... outro estilo... " " C o m i - c u s ? V o c ê s n ã o têm c o m p o s t u r a ! " , já p e r d e n d o as bradou, estribeiras. "Não", respondi, e contei o que Narciso Kalili T í n h a m o s de nos metamorfosear para conseguir nosso o DOPS, e poderia receber visita. Comprei u m livro de "Não, coronel..." objetivo - a defesa da liberdade. Hemingway, que Narciso admirava, escrevi: "... é cômicus..." D o n ú m e r o 1 até o 16, o último, passamos dois anos Para Narciso com amor, Ethel e filhos. " . . . é uma s e ç ã o . . . " intensos. Não parávamos u m minuto. Foi c o m o u m Numa sala do DOPS, ele veio quieto, sem cordões nos " . . . de r e s u m o do que eu havia vivido até aquele m o m e n t o . sapatos. Nos abraçamos. Dias depois Marco Tulio Falamos de Kissinger, Nixon, TFP. L e m b r a m o s a telefonou, "vão soltá-lo". Chegou quieto e nunca quis Aquele teatro do absurdo não durou mais que dez tragédia de Minamata, cidade japonesa cuja população falar do que viu e ouviu na Oban e no DOPS, muito minutos. Ele encerrou a cena brandindo o Mais Um sofreu barbaramente nos anos 1950, devido à menos se foi torturado. como se o quisesse rasgar a dentadas, ameaçador: contaminação de mercúrio. Perdeu o emprego na Cultura. Seus pais ajudaram c o m E n ó s , em j o g r a l , t e n t a n d o contestar: quadrinhos." dinheiro e mantimentos. Várias pessoas estavam saindo Em u m quadro geral de intolerância ditada pela Lei Voltou acusado de "ofender presidente de país amigo". Richard Nixon. Por causa do escândalo Watergate, do Brasil. Narciso não queria. U m amigo, Ruy Fernando de Segurança Nacional, intervenções violentas para o Barboza, intermediou o contato c o m u m político controle da informação, prisões e perseguições policiais, apareceu vestido de presidiário n u m a das capas mais paranaense, Paulo Pimentel, para que Narciso fosse esse positivismo revolucionário franco-brasileiro, inspiradas do ex-. montar u m j o r n a l diário, o Panorama, em Londrina. obviamente, era apenas uma ironia dirigida à caserna, O projeto gorou, Narciso então lançou com Ruy u m porque se u m rótulo poderia dar uma pálida idéia da jornalzinho de serviços, Viver Londrina. E preparava ideologia daquela redação pode-se dizer que se tratava a volta a São Paulo, para retomar o ex-, que ele havia de u m grupo de jornalistas hetero-anarco-comuno- fundado c o m o Sérgio de Souza. sindicalistas, perseguidos ferozmente pela direita e Então chegou a notícia da morte do Vlado. aceitos c o m mil e uma restrições pela esquerda. C o m a distensão lenta e gradual e a queda do regime militar, as relações entre os jornalistas desse capítulo Perseguidos ferozmente pela direita, aceitos com restrições pela esquerda Hilton Libos No balcão do Pássaro Preto, e m frente da ex-redação n o velho Bixiga, não estou s o z i n h o e m m e i o às levas de n o r d e s t i n o s c h e g a n d o e savindo dos ô n i b u s pausde-arara que agora f a z e m p o n t o n o lugar. Era ali que se c o m i a o arroz c o m feijão entre u m a edição e Melhor jornal da rua Santo Antônio, 1.043 Palmério Dória interessante nos 202 anos de história do jornalismo brasileiro se atomizaram, como o princípio ético que os regia ("ética é respeito à verdade, o resto é interpretação"). No começo de n o v e m b r o de 1975, pelas oito da noite, Distantes não apenas na linha do tempo, mas também meia dúzia de jornalistas do primeiro time sobem os 16 em relação à função social do jornalista contemporâneo degraus que levam à redação do ex-, n u m sobradinho que, e m sua maioria, está apenas de olho no dinheiro do Bixiga. Não era segredo que os editores, e m cima que pode ganhar. do lance, a sangue-quente, iam dedicar o n ú m e r o 16 ao assassinato do colega Vladimir Herzog no D o i - C o d i do II Exército. Os colegas v ê m aconselhar a gente a não fazer isso. preocupados c o m nossa segurança, Sérgio preso O aterrorizante camburão parou na nossa porta Lana achavam que íamos cutucar o d e m o c o m vara curta. "Eles estavam c o m mais m e d o que nós, só que nós estávamos c o m a macaca", lembra Mylton Severiano, o Myltainho, u m dos ex-editores, sublinhando que havia certo sofisma no ar: "Diziam que, se p e d i a m que não publicássemos, era para nos proteger. Já nós achávamos que proteger seria publicar." Nowikow O ex- 16 trouxe a reportagem que viria a ser outra, bebia-se o cafezinho b a f e j a n d o cigarros s e m classificada como uma das 10 que abalaram a filtro e cerveja, o pássaro de penas e n g o r d u r a d a s d i t a d u r a , apanhada de calças c u r t a s . Claro q u e , d o m e s t i c a d o p e l o seu Vicente b i c a n d o p o r ç õ e s de Não lembro o mês, era 1974. Morávamos n u m sobrado depois d e s s a , o ex- não passou do 16. Era o fim a m e n d o i m entre garrafas. na Vila Beatriz, zona oeste de São Paulo, vindos de uma do melhor jornal da Rua Santo A n t ô n i o , 1.043. experiência de vida comunitária que durou o tempo que duram as relações humanas quando maridos se Naquele sobradinho, sublocado de u m sargento apaixonam pelas mulheres dos amigos e vice-versa. aposentado da Aeronáutica que usava o porão para Tínhamos seis filhos, vivíamos do salário do Sérgio estofar móveis, o ex-, publicação sem patrono e sem como professor de jornalismo na Faculdade Objetivo e patrão, viveu seu momento mais espetacular. Semanas das traduções de fotonovelas que eu fazia para Capricho. depois, n u m encontro fortuito na rua Major Quedinho, o O fracasso econômico do Bondinho estava fresco na magnífico repórter Ricardo Kotscho, que estava no grupo memória, mas a vontade de desafiar a mediocridade de jornalistas que visitou o ex- naquela noite, me disse: imposta pela ditadura militar era mais forte. E nasceu "Vocês ampliaram os nossos limites." o ex-. Sala, cozinha e garagem se transformaram em A reportagem de u m nanico - termo cunhado pelo animada redação, e nossa casa em outra comunidade. escritor João Antônio - viria a disputar o Prêmio Esso Repressão forte, grana pouca, mas o ex- surpreendia pela pau a pau c o m O Estado de S. Paulo. O Estadão venceu ousadia e criatividade. c o m Assim Vivem os Nossos Superfuncionários, sobre o U m dia, depois de entregar as crianças que transportava Escândalo das Mordomias, coordenada pelo próprio da escola para casa (com as nossas, eram treze), vi a Kotscho. Mas o ex- teve os votos de Cláudio Abramo e aterrorizante perua Chevrolet C-14 cinza na nossa porta. Carlos Castelo Branco. Se há placar moral - criação de Sérgio saiu acompanhado por três homens. Otelo, o Caçador, nas páginas de esporte de O Globo - o ex- "São da Polícia Federal, vou prestar esclarecimentos." Perguntei se podia ir j u n t o - foi o vencedor. Cláudio e Castelinho entenderam: sem sim, podia segui-los no meu a reportagem do ex- não teria havido a carro, também uma C-14 reportagem do Estadão. azul-cheguei, velhíssima, a peça g O sobradinho ainda existe e m 2010. Passou Não estou só porque permaneceram porções vivas que muda as marchas vivia por u m a reforma que lhe roubou o b o r o g o d ó , deixadas pela coragem editorial do Paulo Patarra, a travando. A certa altura da av. c o m u m a brega fachada de tijolinhos. O pauta criativa do HAF, o estilo de manchetar do Narciso, Doutor Arnaldo travou, mas portão que dá na escada está sempre fechado a edição do Myltainho, a capacidade impressionista de me esperaram abrir o capô a cadeado. U m grupo de moças m o r a ali. João Antônio e Octávio Ribeiro. e destravar. Seguimos para a O porão é alugado por José Tomás Filho, sede da Polícia Federal. cearense de Mombaça, terra de Paes de As t é c n i c a s , artes e m a n h a s do o f í c i o D e m o r o u até que Andrade - o deputado que virou presidente g e n e r o s a m e n t e t r o c a d a s com os v e t e r a n o s chamassem o Sérgio. D e p o i s por três dias e nesse í n t e r i m lotou o avião eram i m p o r t a n t e s para g a r a n t i r a e f i c i ê n c i a foi m i n h a vez. Fizeram presidencial e levou uma comitiva para e q u a l i d a d e do t r a b a l h o que se tinha perguntas de praxe e m e festejar lá. T o m á s freta ônibus e c a m i n h õ e s como m a n d a r a m pra casa, talvez que levam e trazem conterrâneos e suas c i v i s , l i b e r d a d e e i g u a l d a d e . A s s i m um m e u m a r i d o demorasse. mudanças. O Pássaro Preto e m frente, que g r u p o de i n f a n t e s t e r r í v e i s foi a p r e n d e n d o Foram dois dias angustiantes era extensão do ex-, tem novo dono, cearense a f i s c a l i z a r o p o d e r com e s p í r i t o (quantos não voltavam depois d e t e r m i n a ç ã o é t i c a : a r e s t a u r a ç ã o dos b u s c a n d o o c r i s t a l da v e r d a d e . diretos crítico, dos tais esclarecimentos). Sergio de Souza também, que, c o m o Tomás, não faz a m e n o r ideia de que ali houve u m jornal. O pedaço é u m consulado da República do Ceará. do Alto da Lapa, onde a turma morava, Mas no ex- era outra coisa. Vivíamos n u m a casa da Vila Sobrevive impávido, na esquina c o m regados a vinho Sangue de Boi, comendo Romana, era ex- de dia, de noite, de madrugada. E, n o s a Luís Barreto, o orelhão em que omelete de salsa e queijo. E a salsa devia fins de semana, saíamos para vender o ex- e ficar c o m apurávamos nossas matérias, o que nos ser rasgada na mão, não podia picar na faca, a l g u m porque não pintava grana. Q u e r dizer, havia, obrigava a sempre ter fichas nos bolsos. ensinamento da mãe do Myltainho. Faço sinal para o táxi pensando: H a v i a u m p i a n o que o M y l t a i n h o tocava. "E se tivéssemos entrado na trip de pavor mas de f o r m a indireta. O Armindo, que cuidava da "tesouraria", pagava o almoço n o Pássaro Preto, e soltava R e c e b í a m o s visitas ilustres. A p a r e c e u a l g u m caso acertasse n o s cavalinhos do Jóquei. dos colegas?" o P a u l o C a r u s o e os dois f i z e r a m u m No ex-, fui soldado raso. Mas o pouco que convivi foi Dentro do táxi, c o m ar condicionado dueto. P a l m é r i o de cantor. o bastante para me tornar u m sujeito mais consciente, na esfuziante manhã de verão, o som Inesquecível reunião no bar em frente, mais ético, mais cético, mais humano. Foi a universidade do motorista Luis Carlos despeja uma quando decidimos fazer o Mais Um. Jayme que jamais frequentei. Dali e m diante, podia bater no peito e gritar "agora, seleção c o m o melhor dos anos 60 e 70 Leão saiu com o leiaute do logotipo pronto. do século 20: Paul Anka, Mamas and Participei da feitura do Mais Um com sim, sou u m jornalista de verdade". Devo isso aos Papas, Johnny Rivers, Santana. C o m o apreensão, mas com alegria. inesquecíveis mestres Narciso, Paulinho Patarra e HAF, e eram maravilhosos os anos 60! C o m o toda a cambada. Só fui aprender mais com outro eram maravilhosos os anos 70! Dácio Nitrini, Good morning, sunshine! Fujiwara e Vanira Codato, r e d a ç ã o d o ex-, mestre, Sérgio de Souza, u m dos fundadores do ex-, Sergio en na 1974 mas só convivi depois que o jornal foi fechado pelos "homi". O ex- m e trouxe para São Paulo, logo eu, carioca Lições para um aprendiz Sérgio renitente. Na Paulicéia nasceram m e u s três filhos. E foi e m São Paulo, no ex-, que ganhei forma. Se hoje sou capaz de tocar o barco na profissão é porque venho de A gente se amava Fujiwara Suzana longe. D o t e m p o e m que o ex- era o m a i o r orgulho de nossas vidas. Era, não, continua sendo. Regazzini Tirei a sorte grande ao participar do ex-, após passar pela arte da Espaço Tempo, que editava Grilo, semanal Trabalhar no ex- foi uma grande escola. Trabalho e de HQ; Jornalivro, livro "a preço de banana" como disse paixão era o que nos movia. o Serjão no editorial de lançamento; Fotochoq, de fotos Nos últimos tempos uma presença constante era a Fotos da coragem de uma época Elvira Alegre chocantes, editado pelo Amancio Chiodi. Aprendi do Geraldo Vandré, sentado na sala de entrada do j o r n a l i s m o , estética revolucionária e ética do ser sobradinho da Santo Antonio, 1.043. Vandré e o "quarto independente. poder" tinham "ocupado" a redação. Muitas vezes No começo de 1973, Amancio e Suzana me falam que chegava antes de todos nós na redação. Depois, n i n g u é m que ia além da realização jornalística. Naquela p e q u e n a Serjão, Narciso e Eduardo Barreto vão lançar nova ligava mais. redação, pobre de recursos, mas rica e m criatividade, publicação. E me levam à casa do Sérgio. Fico sabendo Outro fato memorável é da gente traçando rotas das vivíamos de f o r m a intensa os c o m p o r t a m e n t o s mais que não têm como pagar, mas somos b e m vindos e j á bancas dos bairros, de norte a sul. Saía cedinho c o m avançados da época. Era u m a vida comunitária sem tinha um monte de trabalho. uma Kombi cheia de jornais, u m bloquinho, e ia n e n h u m a separação entre o trabalho e o dia-a-dia, c o m A experiência de fazer o ex- era de u m a grandiosidade A redação funcionava na garagem. Serjão sereno, claro e deixando tudo e m consignação. Passado u m tempo, o abertura total para a criatividade e u m respeito b e m atencioso. Fiquei alguns dias até fecharmos a primeira m e s m o trajeto, vendo quanto tinham vendido. Recolhia b o n i t o da liberdade de cada um. edição da publicação mais importante da imprensa o dinheiro, levava pra redação e tudo era dividido Este clima fora dos padrões rígidos daquele período de ditadura é que havia me seduzido quando o grupo do alternativa. Não queria mais me separar daquelas igualmente entre todos. Os que tinham filhos ganhavam pessoas, não havia dinheiro que pagasse o aprendizado. um pouco mais. No número 3, vestimos Nixon de presidiário. Aprendi comprometimento, ideologia, paixão, união, Produzimos u m pôster c o m a i m a g e m e vendíamos nas verdade, amizade, dedicação, gastronomia, história, Elvira Alegre portas de cinema, bar, teatro. A l g u é m acabou detido por geografia, honrar a palavra justiça. fazer "propaganda subversiva". Agradeço por fazer parte da história da imprensa Veio o episódio do cometa Kohoutek, a imprensa brasileira numa época turbulenta. Na nossa redação ex- chegou em 1974 a noticiava como grande espetáculo celeste por acontecer. havia respeito e amizade e todos tínhamos valores. Londrina, no Paraná, Narciso, que a gente chamava de Turco, resolveu fazer Acreditávamos no que fazíamos e, acima de tudo, nós nos para fazer o jornal o Jornal do Cometa, encartado no ex-. O Turco era amávamos. Panorama. fantástico: Foi então que conheci Hamilton " Ô , j a p o n ê s , você sabe diagramar?" S i m , só q u e eu era a s s i s t e n t e de a r t e , mas e l e n ã o se a b a l o u : " S a b e s i m , e se n ã o s a b e v a i a p r e n d e r hoje!" Foi a universidade que jamais freqüentei Ele me deu t e s o u r a , r é g u a , e s t i l e t e e b a s t õ e s de c o l a , e c o r t a a q u i , c o l a a l i , t í t u l o com José Trajano A l m e i d a Filho, o HAF, u m dos p r i n c i p a i s editores deste j o r n a l , e c o m e c e i a fotografar aos 18 anos para este projeto audacioso que i n f e l i z m e n t e d u r o u m e n o s de seis meses. C o m o f i m do Panorama, f o m o s todos para São Paulo fazer o ex-. Eu j á estava casada c o m o HAF e m u i t o t a l l e t r a , põe a f o t o . A m a n h e c e n d o , t í n h a m o s apaixonada t a m b é m pelo j o r n a l i s m o . as q u a t r o p á g i n a s Em São Paulo, vivíamos no mais absoluto sistema prontas. O ex- m e m u d o u a vida. Me pôs de ponta-cabeça. Não cooperativista, dividindo até a moradia, n u m sistema de Foi minha primeira aula de diagramação. E que aula! era n e n h u m bobalhão. Havia começado no Jornal do vida que levava ao pé da letra o lema do "quem tem, põe, Mais incrível foi o ex- sobre prostituição, o 5. Todo feito Brasil em 1964, c o m 16 anos. V i m para São Paulo em quem não tem, tira". a mão. Não tínhamos grana alguma. Eu havia herdado 1975 rodado: Correio da Manhã, Jornal dos Sports, Última O j o r n a l era tocado n o m a i o r aperto financeiro. uma IBM elétrica de u m estúdio desmanchado. Era Hora. Mas foi c o m o se j a m a i s tivesse entrado n u m a A v e n d a de u m a edição pagava a p r ó x i m a , o que daquelas máquinas c o m esferas, podia trocar dois ou três redação. Estavam ali Hamiltinho, o HAF, que eu havia exigia esforços c o m o a l o n g a v i a g e m que f i z e m o s tipos de letras diferentes, trocando as esferas. cruzado e m coberturas de futebol; Paulo Patarra; até Maringá, n o Paraná, para lá i m p r i m i r o ex- 14 e Myltainho digitou todas as matérias, as colunas certinhas, Narciso Kalili; Myltainho; Alex Solnik; Palmério Dória. baratear custos. em papel couchê, para depois fotografar e montar as C o m vários havia trabalhado n o Panorama, diário de Antes do assassinato do Vlado j á havia u m a grande páginas. Ficamos trancados dias e noites na sala da casa Londrina, Norte do Paraná. tensão no ar. A notícia de sua m o r t e chegou de Amanhã, quando a gente acordar, começa tudo de novo Vanira Codato Cheguei quando o pessoal estava aqui em Londrina fazendo o diário Panorama. Fui, acompanhando o Luís Guerrero, então meu namorado, com a cara e a coragem fazer algo que nunca Governo do Estado de São Paulo Governador Alberto Goldman Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Diretor-presidente Hubert Alquéres Diretor Industrial Teiji Tomioka Diretor Financeiro Clodoaldo Pelissioni Diretora de Gestão de Negócios Lucia Maria Dal Medico Gerência de Produtos Editoriais e Institucionais Vera Lúcia Wey tinha feito. Sempre gostei das artes, fui entrando na editoria gráfica. Não tinha a mínima idéia de como se diagramava, Coordenação Editorial Cecília Scharlach montava e imprimia u m jornal. Mas, quando a gente tem vinte e alguns anos, costuma ser muito atrevida, e havia a vontade de fazer algo que nos afastasse daquela vidinha medíocre que nos mostravam como caminho Assistência Bia Lopes Editorial Produção Gráfica Laís Cerullo Nanci Roberta da Silva Cheregatti da felicidade. Quando vi, estava participando da edição gráfica do ex-. T e m p o s sem computador. Cada En b u s c a d e a n ú n c i o s , t e x t o p e d i n d o publicitários apoiarem o para ex- página era desenhada c o m lapiseira n u m diagrama; o texto, datilografado em m á q u i n a de escrever, vinha Tratamento de Imagens Anderson Lima Ailton Giopatto Carlos Leandro Alves Branco Leonídio Gomes cheio de riscos e emendas a lápis ou caneta. Era coisa de doido contar linhas CTP, Impressão e Acabamento Imprensa Oficial do Estado de São Paulo madrugada à nossa casa, e calcular a quantidade de com o telefonema de u m caracteres, para saber que amigo. tamanho de letra seria Havia bastante medo, necessário para ocupar o mas também estava claro espaço que cabia à matéria. alguma que era preciso reagir. E E as eternas "brigas" c o m a e n t r e 1973 e 1 9 7 5 , t e m p o s de a forma de reação foi o editoria de texto sobre o que Foram jornalismo corajoso que era o pessoal chamava ditadura u m a marca da turma do ex-. da arte. E lá ia nossa resposta: ditadores Na ida para o velório e para "Se não couber, corto a matéria Um e n c a r t e d e a b e r t u r a pelo pé!" o enterro foi o HAF que falou para eu fotografar tudo. Depois, dias e noites na gráfica Esta p u b l i c a ç ã o , editada trata contém com graça produzidos do e x - , n a n i c o c o r a j o s o q u e usando Foi editado da por Dácio Nitrini, Chiodi, de arte é de Kiko fotografar enterro e naquela situação era até m u i t o E s t ú d i o ) , l e i t o r do ex- arriscado, mas fui fazendo m e u trabalho apesar do Então saía da boca da rotativa aquele jornal, novinho em clima de tensão que é visível nas fotos. Acabei tirando folha, cheirando a tinta fresca, que borrava as mãos e que as fotografias mais importantes da m i n h a carreira a gente agarrava com alegria e, claro, j á criticando o que e que estão entre as imagens mais significativas da tinha saído errado. de r e s i s t ê n c i a E, atordoados de sono, mas felizes da vida, dávamos foi realizado No final, aquela audácia até temerária permitiu aquela passadinha pelo boteco e íamos para casa E s t a d o de São Paulo fixar as imagens da coragem das pessoas frente ao terror desmaiar porque amanhã, quando a gente acordasse, da ditadura. começaria tudo de novo. do p r i m e i r o picardia. - e mostra Mylton ex-sobreviventes. Farkas,(Máquina desde projeto pequenino. abraçado Instituto Vladimir Herzog,presidido H e r z o g , para resgate da m e m ó r i a à ditadura porque da concretizou esta Proibida a reprodução total ou parcial Instituto Vladimir Herzog Biblioteca da Inprensa Oficial do Estado de São Paulo sem a autorização prévia dos editores A v . Brigadeiro Faria Lima, 1853 conj. 2 EX / [Editores Dácio Nitrini, Mylton Severiano e Amancio Chiodi] - [São Paulo] : [Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: Instituto Vladimir Herzog], [2010]. Direitos reservados e protegidos (lei n° 9.610, de 19.02.1998) CEP 01452-001 São Paulo SP Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca 1921 Mooca CEP 03103-902 São Paulo SP Brasil sac 0800 0123 401 (lei n° 10.994, de 14.12.2004) [email protected] Impresso no Brasil 2010 [email protected] www.imprensaoficial.com.br CDD 079.81 Índices para catálogo sistemático: 1. Jornalismo : Brasil : História 079.81 2. EX : Jornal panfletário : Brasil 079.815 5 Ivo imprensa Oficial © Instituto Vladimir Herzog, 2010 Volumes acondicionados em caixa. ISBN 978-85-7060-855-0 (Imprensa Oficial) pelo por m i l i t a r . E só a Imprensa Contém encarte de abertura. - redação. e Amancio Trata-se e conta Severiano A direção 1. Jornalismo - Brasil - História 2. Jornalismo panfletário 3. Jornalismo - Brasil - Humor, sátira etc caixa completa enfrentou criatividade c o m o e r a m os b a s t i d o r e s graça escuridão. e d i ç ã o f a c - s i m i l a r da c o l e ç ã o acompanhando a composição, a montagem das páginas, Edição fac-similar completa de novembro de 1973 a dezembro de 1975. sem ocorridos 1.500 exemplares. A revisões. Sem contar cortes e inserções de última hora. Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional 2010, assuntos e muito deselegantes, Nunca é u m a tarefa fácil nossa história recente. no a n o d e e elegância do publicação.