Como a Apple faz você comprar

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Como a Apple faz você comprar
Como a Apple faz você comprar
(Publicado originalmente com o título “How Apple gets you to buy”, no jornal The Wall
Street Journal, em 15/06/2011: http://bit.ly/pLjXme)
A fórmula de sucesso da Apple no varejo inclui o controle intensivo de como os
funcionários interagem com os clientes, treinamento de script para suporte técnico e
análise de cada detalhe da loja.
Steve Jobs transformou a Apple Inc. na empresa de tecnologia mais valiosa do mundo, com
seus produtos de alta tecnologia como o iPad e o iPhone. Mas a âncora de sucesso da Apple
está em algo não tão tecnológico assim: sua cadeia de lojas de varejo.
Um olhar sobre os manuais de treinamento, uma gravação de uma reunião de loja e
entrevistas com mais de uma dúzia de funcionários atuais e antigos revelam alguns dos
segredos das lojas da Apple. Eles incluem: o controle intensivo de como os funcionários
interagem com os clientes, treinamento de script para suporte técnico e análise de todos os
detalhes da loja, que vão desde as fotos e músicas pré-carregadas em dispositivos para
demonstração.
Atualmente, mais pessoas visitam as 326 lojas da Apple em um único trimestre do que os 60
milhões de pessoas que visitaram os quatro principais parques temáticos da Disney no ano
passado, segundo dados da Apple e da Themed Entertainment Association. O número anual de
vendas da Apple no varejo por metro quadrado subiu para 4.406 dólares excluindo as vendas
online, de acordo com o banco de investimento Needham & Co. Adicionando as vendas online,
que incluem o iTunes, o número salta para 5.914 dólares. Isso é muito maior do que as vendas
por metro quadrado e as vendas on-line da famosa joalheria Tiffany & Co. (US $ 3.070), do
varejista de luxo Coach Inc. (US $ 1.776), e da loja de eletrônicos Best Buy Co. (US $ 880),
segundo estimativas.
Com os seus interiores arejados e iluminação atraente, as lojas da Apple projetam uma
atmosfera despreocupada e casual. No entanto, a Apple é muito fechada na maneira como ela
opera. Funcionários são orientados a não discutir os rumores sobre os produtos, os técnicos
são proibidos de reconhecer prematuramente falhas generalizadas e quem for pego
escrevendo sobre a empresa na Internet é demitido, segundo funcionários atuais e antigos.
Por trás das lojas da Apple está Ron Johnson, 52 anos, que a JC Penney Co. confirmou que se
tornará seu novo CEO, em novembro.
O sucesso no varejo da Apple é alimentado, em grande parte, pela demanda por produtos da
empresa. Analistas de varejo dizem que muitas das vantagens da Apple sobre rivais como a
Best Buy são técnicos: ela vende uma única marca, tem menos produtos e possui apenas
algumas centenas de lojas em comparação à Best Buy, que possui mais do que 4000. Como a
empresa continua a se expandir, alguns analistas esperam que ela enfrente mais pressão para
oferecer cada vez mais um bom atendimento ao cliente. Alguns ex-funcionários dizem que já
viram a qualidade do quadro de funcionários da Apple cair ao mesmo tempo em que a rede de
lojas se amplia. O número de fãs entusiasmados também estaria diminuindo. Um porta-voz da
Apple preferiu não comentar.
Ainda assim, a Apple é considerada uma pioneira em muitos aspectos de atendimento ao
cliente e design de loja. De acordo com vários funcionários e manuais de treinamento, os
vendedores são ensinados uma filosofia de vendas incomum: não vender, mas sim ajudar os
clientes a resolver problemas. "Seu trabalho é compreender todas as necessidades de seus
clientes, alguns dos quais eles podem sequer perceber que têm”, diz um manual de
treinamento. Para isso, os funcionários não recebem comissões de vendas e não têm metas de
vendas.
"Você nunca tenta fechar uma venda. Trata-se de encontrar soluções para um cliente e
encontrar seus pontos críticos", disse David Ambrósio, 26 anos, que trabalhou em uma loja da
Apple em Arlington, Virgínia, até 2007.
A Apple coloca seus procedimentos de atendimento na sigla APPLE, de acordo com um manual
de treinamento do funcionário de 2007, revisado pelo jornal The Wall Street Journal, que
ainda está em uso.
“Aborde os clientes com uma calorosa recepção personalizada”, “Prove educadamente que
entende todas as necessidades do cliente”, “Apresente uma solução para o cliente levar para
casa hoje”, “Ouça e resolva quaisquer problemas ou preocupações” e “Finalize com um adeus
amigável e um convite para retornar”.
O controle da Apple sobre a experiência do cliente se estende até os mínimos detalhes. O
manual de treinamento diz aos técnicos da loja exatamente o que dizer aos clientes, algo que
descreve como emocional: "Ouça e dê respostas simples demonstrando que você está fazendo
isso: ‘Sim’, ‘Eu entendo’, etc."
Funcionários da Apple que possuem seis minutos de atraso em seus turnos por três vezes em
seis meses são demitidos. Embora não existam metas de vendas, os funcionários devem
vender pacotes de serviços com os produtos, de acordo com ex-funcionários. Aqueles que não
vendem o suficiente são treinados novamente ou movidos para outra posição, dependendo da
loja.
Muitos varejistas se esforçam para terem um bom atendimento ao cliente e um design de loja
atraente, dizem os analistas, mas poucos se esforçam ao máximo, como a Apple, na
orquestração de cada detalhe. A cadeia de lojas de departamento Nordstrom Inc., por
exemplo, oferece pouco treinamento de atendimento ao cliente e espera que a equipe de
vendas aprenda no trabalho. Com relação ao design das lojas, “a maioria dos
varejistas toma um modelo e o aplica de forma constante e sem mudanças", em contraste
com a Apple, que está sempre evoluindo o “olhar e sentir” de suas lojas, disse Brian Dyches,
presidente do grupo industrial Retail Design Institute.
O sucesso da Apple com as lojas se destaca num momento em que muitos varejistas
enfrentam dificuldades. Em 2009, quando as vendas no varejo caíram 2,4%, no primeiro ano
de baixa em várias décadas, as vendas da Apple no varejo cresceram cerca de 7%, de acordo
com a consultoria de varejo Customer Growth Partners. Em 2010, as vendas de varejo da
Apple, excluindo as vendas online, cresceram 70% para $ 11,7 bilhões, ou cerca de 15% das
suas receitas de US $ 76,3 bilhões, com grande vantagem em relação ao crescimento da
indústria global de vendas do varejo de 4,5%.
Outros varejistas tentaram copiar a Apple, desde o suporte técnico até o layout das lojas. A
Best Buy adquiriu o serviço de conserto de computadores Geek Squad, em outubro de 2002,
um ano após a Apple ter inaugurado sua primeira loja, mas não conseguiu revigorar seus
negócios. A margem de lucro da Best Buy paira sobre cerca de 1%, excluindo os impostos e as
vendas on-line, segundo estimativas da Customer Growth Partners. Em comparação, a
Needham & Co. coloca a margem de lucro das lojas da Apple em 26,9%.
Quando a Microsoft Corp. abriu sua primeira loja no Arizona, em 2009, ela copiou muitas das
características arquitetônicas e do atendimento ao cliente da Apple, incluindo pisos de
madeira, grandes espaços abertos, aulas gratuitas e treinadores pessoais. Enquanto a
Microsoft divulga poucos detalhes sobre suas operações de varejo, analistas dizem que os
lucros são fracos, em parte porque ela basicamente revende computadores de outras
empresas, enquanto a Apple vende seus próprios produtos.
A Best Buy não respondeu aos pedidos para comentar o assunto. A Microsoft também se
recusou a comentar.
Embora as lojas sejam atualmente uma das armas ofensivas da Apple, elas nasceram como
uma estratégia defensiva. Quando o Sr. Jobs retornou à Apple em 1996, depois de ficar
afastado da empresa por 11 anos, a empresa estava em dificuldades. Seus computadores
Macintosh estavam escondidos da vista dos clientes nos grandes varejistas como a
CompUSA, agora propriedade da Systemax Inc.
Criar a estratégia de varejo da Apple foi uma prioridade para o Sr. Jobs, pois a marca
Apple havia se tornado tão fraca que os varejistas de massa se recusavam a estocar os
computadores Macintosh. Enquanto a Apple estava desenvolvendo novos produtos, Jobs sabia
que teriam pouco impacto se os consumidores não pudessem encontrá-los, dizem pessoas
familiarizadas com a situação daquele momento.
A Apple logo experimentou ter seu próprio showroom dentro de grandes varejistas como a
CompUSA. Mas Jobs percebeu que era impossível controlar a experiência de compra naqueles
varejistas. Construir as lojas próprias da Apple foi uma progressão natural.
Em 1999, Jobs recrutou Millard Drexler, então presidente da Gap Inc., para participar do
conselho da Apple e aconselhar sobre a estratégia de varejo da empresa.
Com sua entrada, a Apple contratou o Johnson, executivo da Target , por trás da assinatura do
design da linha de utensílios domésticos, para executar o negócio de varejo em 2000. Johnson
tem o crédito pelo desenvolvimento do suporte técnico dentro das lojas, chamado de Genius
Bar, e por aplicar a abordagem detalhada de atendimento ao cliente. Analistas dizem que,
apesar de sua significativa perda, os esforços de varejo da Apple provavelmente já estão
amadurecidos o suficiente para ter sucesso sem ele.
Muitos membros da equipe de varejo inicial da Apple vieram da Gap, que era vista como um
modelo devido a sua imagem fortalecida e ao sucesso de suas lojas de marca, tantos que as
pessoas costumavam brincar sobre trabalhar na "Gapple".
Foi idéia de Drexler construir uma loja modelo em um armazém na Cupertino’s Bubb
Road, perto da sede da Apple, dizem pessoas familiarizadas com o projeto. Lá, a
Apple planejou um layout de loja que fizesse a exposição de seus produtos para destacar a
maneira como eles poderiam ser usados, em vez do método convencional de varejo
de organização de produtos por categoria.
Pessoas familiarizadas com o planejamento dizem que Johnson veio com a idéia de uma área
dedicada ao suporte técnico, chamado de Genius Bar. Os principais produtos da Apple foram
colocados na frente da loja, enquanto uma seção dedicada às crianças foi decorada com bolas
onde elas pudessem sentar-se enquanto brincavam com programas infantis carregados
em iMacs.
"As pessoas não querem mais apenas comprar computadores pessoais, elas querem saber o
que podem fazer com eles", disse Jobs em um vídeo-tour da primeira loja da Apple.
A Apple passou um ano testando o seu conceito antes de abrir as suas duas primeiras lojas,
uma no sofisticado shopping de Virgínia, Tysons’ Corner, e um na Galleria Glendale, em
Glendale, Califórnia, em maio de 2001. Um pouco mais de dois anos depois, tinha aberto mais
de 70 lojas em locais como Chicago, Honolulu e Tóquio.
Na época, a tendência das lojas de eletrônicos era assemelhar-se a armazéns cheios de
acessórios, folhetos e cabos. A Apple, por outro lado, escolheu um plano aberto com um
ambiente organizado, usando materiais naturais como madeira, pedra, vidro e aço inoxidável.
Wilhelm Oehl, diretor da empresa de design estabelecida em San Francisco, Eight Inc., que
ajudou a Apple com seus projetos de varejo, diz que Jobs os ensinou a se questionarem
constantemente se suas decisões “fazem sentido".
Durante a última década, as lojas da Apple tornaram-se ainda mais dramáticas, de um local
dentro do Louvre em Paris, para uma localizada em um cilindro de vidro de 40 metros de
altura, em Xangai.
Para trabalhar em uma loja da Apple, o profissional passa por um processo seletivo que
geralmente requer pelo menos duas rodadas de entrevistas. O candidato é questionado sobre
sua liderança e habilidade para resolver problemas, bem como o seu entusiasmo com os
produtos da Apple, dizem vários atuais e ex-funcionários da Apple. Enquanto a maioria dos
varejistas tem que buscar profissionais, os especialistas dizem que muitas lojas de varejo da
Apple são inundadas de candidatos.
Uma vez contratados, os funcionários são treinados exaustivamente. Os recrutados participam
de aulas em que são aplicados os princípios de atendimento ao cliente da Apple. Quando os
novos funcionários vão para o salão de vendas, eles devem observar de perto os colegas mais
experientes e não são autorizados a interagir com os clientes por conta própria até que eles
sejam considerados prontos. Este processo pode durar duas semanas ou até mais.
Harry Friedman, que dirige a empresa de consultoria de varejo The Friedman Group, diz que
não é incomum para varejistas que se preocupam com atendimento investir em treinamento
de pessoal de forma similar. Mas os funcionários da Apple são geralmente fãs dos produtos da
empresa e estão dispostos a aprender, o que faz com que o treinamento seja muito mais eficaz
do que quaisquer outros, diz ele.
Keith Bruce, 23, que trabalhou em uma loja da Apple em Virginia, por três anos e meio,
até dezembro de 2009, diz que foi orientado a se concentrar em coisas que ele poderia fazer
na área de vendas , em vez de nas coisas que ele não poderia. Se um cliente dissesse o nome
de item de forma errada, o funcionário era proibido de corrigi-lo, pois isso faria com que ele se
sentisse tratado com condescendência.
Candidatos para o suporte técnico "Genius" passam por um longo treinamento interno,
então são certificados e testados regularmente em suas habilidades. O treinamento se estende
até mesmo à linguagem. “Ex-Genius” dizem que eram orientados a dizer "como se vê" em vez
de "infelizmente", para que soasse menos negativo quando eles fossem incapazes de resolver
um problema técnico. Pessoas familiarizadas com o assunto dizem que consultas
do Genius são muitas vezes marcadas por 3 vezes, portanto, eles estão sempre lotados.
Funcionários das lojas da Apple recebem cerca de US $ 9 a US $ 15 por hora no nível de
vendas, e até cerca de US $ 30 por hora como suporte técnico Genius, valores similares
a outros varejistas. Alguns ex-funcionários das lojas da Apple, que aspiravam a mudar para
uma posição corporativa, dizem que eles saíram da empresa quando perceberam que tais
oportunidades eram raras. Um funcionário em São Francisco está até tentando unir forças e,
para isso, criou um site e uma página no Facebook, exigindo salários mais altos.
A Apple agora parece estar de olho em clientes corporativos em suas lojas. A empresa
construiu salas especiais em algumas lojas e, no início deste ano, lançou um serviço chamado
"Joint Venture", para fornecer um programa diferenciado para clientes empresariais. Em uma
reunião recente para gestores de varejo, Johnson chamou estes serviços de “entre os
pilares do varejo para a próxima década", segundo uma pessoa que participou do encontro.
O que não mudou é o interesse de Jobs pelas lojas. Ele forneceu dados sobre os detalhes, até
o tipo dos cabos de segurança usados para manter os produtos presos às mesas, segundo uma
pessoa familiarizada com o assunto. Quando o CEO lutava com um transplante de fígado há
dois anos, uma pessoa que o visitava no momento disse que Jobs estava debruçado sobre
os projetos para as futuras lojas da Apple.
Por Yukari Iwatani Kane e Ian Sherr